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A PROIBIÇÃO DA EXIBIÇÃO DE OBRA DA PORTA DE FUNDOS PELA NETFLIX

Agenda 08/01/2020 às 21:03

O ARTIGO DISCUTE CASO CONCRETO DIANTE DA JURISPRUDÊNCIA DO STF.

 

A PROIBIÇÃO DA EXIBIÇÃO DE OBRA DA PORTA DE FUNDOS PELA NETFLIX

Rogério Tadeu Romano

 

I  - O FATO

Observa-se do que foi publicado no site do jornal O Globo, em 8 de janeiro de 2020:

Por determinação do desembargador Benedicto Abicair, da 6ª Câmara Cível, a produtora Porta dos Fundos e a Netflix terão de retirar do ar o “Especial de Natal Porta dos Fundos: A Primeira Tentação de Cristo”, divulgado na plataforma de streaming desde o final de dezembro. A decisão vem ao encontro a um pedido feito pela Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura. Em primeira instância, o pedido havia sido negado.
Alvo de ataques desde a sua divulgação, o especial de 46 minutos apresenta Jesus (Gregorio Duvivier), prestes a completar 30 anos. Ele é surpreendido com uma festa de aniversário quando voltava do deserto acompanhado do namorado, Orlando (Fábio Porchat). A sátira com um Jesus gay desagradou setores religiosos, que pedem a censura da produção.
Veja a conclusão do desembargador:
Por todo o exposto, se me aparenta, portanto, mais adequado e benéfico, não só para a comunidade cristã, mas para a sociedade brasileira, majoritariamente cristã, até que se julgue o mérito do Agravo, recorrer-se à cautela, para acalmar ânimos, pelo que concedo a liminar na forma requerida.

II – A OFENSA À LIVRE MANIFESTAÇÃO DE PENSAMENTO

 A atual Constituição estabelece um não à censura. É proibido proibir. “Cala a boca já morreu”.

Sampaio Dória (Direito Constitucional, volume III) ensinava que liberdade de pensamento é “o direito de exprimir, por qualquer forma, o que se pense em ciência, religião, arte ou o que for”. É forma de liberdade de conteúdo intelectual e supõe o contato do indivíduo com seus semelhantes.

 A liberdade de opinião resume a própria liberdade de pensamento em suas várias formas de expressão. Daí que a doutrina a chama de liberdade primária e ponto de partida de outras, sendo a liberdade do indivíduo adotar a atitude intelectual de sua escolha, quer um pensamento intimo, quer seja a tomada de uma posição pública; liberdade de pensar e dizer o que se creia verdadeiro, como dizia José Afonso da Silva (Direito Constitucional positivo, 5ª edição, pág. 215).

De outro modo, a liberdade de manifestação de pensamento constitui um dos aspectos externos da liberdade de opinião. A Constituição Federal, no artigo 5º, IV, diz que é livre a manifestação de pensamento, vedado o anonimato, e o art. 220 dispõe que a manifestação do pensamento, sob qualquer forma, processo ou veiculação, não sofrerá qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição, vedada qualquer forma de censura de natureza política, ideológica e artística.

A liberdade de manifestação de pensamento que se dá entre interlocutores presentes ou ausentes, tem seu ônus, tal como o de o manifestante identificar-se, assumir, de forma clara, a autoria do produto do pensamento manifestado, para, em sendo o caso, responder por eventuais danos a terceiros.

 Ainda se fala em liberdade de expressão intelectual, artística e cientifica e direitos conexos, de forma que não cabe censura, mas classificação para efeitos indicativos (artigo 21, XVI).

Deve-se respeitar a liberdade de expressão, o direito de se expressar livremente, a faculdade de apresentar um pensamento, um dos pilares da democracia.

Lamentável, em todos os sentidos, em confronto ao primado da democracia, a medida tomada objetivando a um pedido de investigação por um crime que sequer existiu.

Deve-se dar um não à censura.

III – O REMEDIO PROCESSUAL CABIVEL

Cabe da decisão exarada a ação constitucional de reclamação, um verdadeiro wirt, objetivando fazer firmar a supremacia de entendimento do STF na matéria e reconhecer desrespeito às suas decisões. 

A matéria já foi objeto de apreciação pelo STF, da lavra do ministro Celso de Mello.

Para o ministro Celso de Mello, a garantia básica da liberdade de expressão do pensamento representa um dos fundamentos em que repousa a ordem democrática.

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 O descumprimento , por quaisquer juízes ou Tribunais, de decisões proferidas com efeito vinculante , pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, em sede de ação direta de inconstitucionalidade ou de ação declaratória de constitucionalidade, autoriza a utilização da via reclamatória, também vocacionada, em sua específica função processual, a resguardar e a fazer prevalecer, no que concerne à Suprema Corte, a integridade , a autoridade e a eficácia subordinante dos comandos que emergem de seus atos decisórios. Precedente : Rcl 1.722/RJ , Rel. Min. CELSO DE MELLO ( Pleno ).

( RTJ 187/151 , Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno )

O ministro Celso de Mello repetiu, mais de uma vez, que "o pensamento há de ser livre, permanentemente livre", e que a liberdade de expressão é uma prerrogativa inalienável dos cidadãos, um direito básico.

 

"O exercício da jurisdição, por magistrados e tribunais, não pode se converter em prática judicial inibitória, muito menos censória. [...] O peso da censura é insuportável e absolutamente intolerável.  Não podemos, nem devemos, retroceder."

 

Em caso similar, envolvendo a publicação em Bienal do Livro teve-se o que segue: 

"O presidente do STF criticou a forma como a decisão que permitia a censura tratava o tema da homossexualidade.

"Findou por assimilar as relações homoafetivas a conteúdo impróprio ou inadequado à infância e juventude, ferindo, a um só tempo, a estrita legalidade e o princípio da igualdade", escreve.

E continua: "O regime democrático pressupõe um ambiente de livre trânsito de ideias, no qual todos tenham direito a voz. De fato, a democracia somente se firma e progride em um ambiente em que diferentes convicções e visões de mundo possam ser expostas, defendidas e confrontadas umas com as outras, em um debate rico, plural e resolutivo". 

Ainda segundo Toffoli, não há como extrair do ECA "correlação entre publicações cujo conteúdo envolva relacionamentos homoafetivos com a necessidade de obrigação qualificada de advertência”.

 

 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

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