Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Uma visão crítica sobre a nova sistemática do agravo com o advento da Lei nº 11.187/2005

Sumário: 1- Considerações iniciais. 2- As alterações no agravo com as reformas de 1973, 1995 e 2001. 3- O agravo retido como regra geral. 4- Agravo retido obrigatoriamente oral. 5- O agravo de instrumento como exceção. 6- A conversão do agravo de instrumento em retido como um dever do relator. 7- Impossibilidade de recurso regimental. 8- Conclusão. 9- Bibliografia.


Síntese: Texto que apresenta uma reflexão acerca das alterações no recurso de agravo a partir da Lei nº 11.187/05, com uma análise critica do novo ordenamento e as suas conseqüências no âmbito do direito processual civil brasileiro.


1- CONSIDERAÇÕES INICIAIS

            Desde o início dos anos 90, as discussões quanto à necessidade de reforma do Código de Processo Civil ganharam maior fôlego, debatendo-se a questão envolvendo a celeridade e a rapidez da prestação jurisdicional. Sob essa ótica, entraram em vigor diversas leis que tentaram agilizar o trâmite das demandas postas em juízo: 10.352/01, 10.358/01, 10.444/02 e a nova lei 11.187/05 que versa especificamente sobre o agravo.

            Sancionada em 19 de outubro de 2005 pelo presidente Luis Inácio Lula da Silva e publicada no dia seguinte no Diário Oficial da União, entrou em vigor dia 19 de janeiro de 2006 a lei federal nº 11.187 alterando os artigos 522, 523 e 527 do Código de Processo Civil que tratam da interposição do recurso de agravo.

            Em sua atividade jurisdicional o magistrado profere despachos de mero expediente, decisões interlocutórias e sentenças. Das decisões interlocutórias, que são pronunciamentos decisórios que resolvem questões incidentais surgidas no curso do processo é cabível o recurso de agravo e de uma sentença cabe apelação. Pela legislação anterior, o agravo poderia ser tanto retido nos autos (para o próprio juiz) ou de instrumento (interposto diretamente junto ao Tribunal) ficando, em algumas situações, a critério do advogado decidir entre as duas modalidades, nos termos do art. 522 do CPC.

            A nova lei estabelece que passa a ser regra o agravo retido e que os agravos só serão julgados no momento da apelação, salvo em casos de possível lesão irreparável. Essa medida visa reduzir a quantidade de recursos interpostos no Tribunal e, conseqüentemente, uma celeridade maior no trâmite das demandas.


2- AS ALTERAÇÕES NO AGRAVO COM AS REFORMAS DE 1973, 1995 E 2001.

            Foi instituída em 1973 a possibilidade de agravo das decisões interlocutórias, entretanto, apenas com efeito devolutivo. Já em 1995, a lei 9.139 alterou o processamento do agravo para permitir a interposição do recurso diretamente no tribunal e a concessão de liminar suspensiva por parte do relator quando presentes os requisitos legais.

            Com o elevado número de agravos de instrumento que passaram a ser interpostos nos tribunais, em 2001 a lei 10.352 modificou novamente a sistemática, buscando reforçar o agravo retido, tornando-o obrigatório nas audiências de instrução e julgamento e das decisões posteriores à sentença, ressalvadas algumas poucas exceções e também atribuindo ao relator a possibilidade de converter o agravo de instrumento em retido.


3- O AGRAVO RETIDO COMO REGRA GERAL

            Interposto junto ao próprio órgão jurisdicional "a quo", essa modalidade de agravo tem basicamente dois grandes objetivos: permitir a retratação por parte do magistrado a partir do momento em que a parte manifesta de forma escrita ou oral seu descontentamento e também visa evitar a preclusão temporal, já que, findo o prazo, a decisão incidente não enseja a oportunidade para recurso.

            É sempre aconselhável o agravo retido nas hipóteses de decisões interlocutórias que não venham acarretar dano iminente para o agravante, já que, além de evitar novas custas e procedimentos burocráticos com a formação de novos autos no Tribunal, tal recurso contribui para a celeridade do processo. Uma decisão interlocutória que tenha sido agravada de forma retida pode nem mesmo ser apreciada pelo juízo "ad quem" caso o agravante obtenha sentença favorável, já que inexistiria a sucumbência, que é um pressuposto para apelar e o agravo retido somente poderia ser julgado em sede de apelação.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

            A utilização do agravo retido ocorre quando a parte não pretende que seu apelo seja apreciado imediatamente pelo Tribunal, ficando retido nos autos e sendo analisado como preliminar do recurso de apelação, se houver provocação nesse sentido e se houver requerimento expresso por parte do apelante.

            O agravo retido pode ser interposto através de petição escrita ou de forma oral, exceto na hipótese do art. 523, § 3º. Nessa modalidade, é possível identificar algumas vantagens em relação ao de instrumento no que se refere ao seu trâmite, já que independe de preparo, de peças obrigatórias, de autos independentes, permite a retratação por parte do julgador e permanece nos autos do processo de conhecimento, aguardando a ratificação quando da interposição da apelação ou nas contra razões.

            A nova redação do art. 522 do CPC determina que "das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, na forma retida, salvo nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será admitida a sua interposição por instrumento".

            O que antes era uma faculdade da parte acabou se transformando numa obrigatoriedade. A nova sistemática nos leva a uma reflexão critica sobre o assunto, no sentido de identificar se as alterações serão realmente benéficas ou se constituem um retrocesso no direito processual civil. 

            Acredita-se que a nova lei constitui um avanço importante para a agilização da prestação jurisdicional, já que tal medida contribuirá de forma significativa para o descongestionamento na distribuição de processos e na desobstrução da pauta de julgamentos dos tribunais, pois reduzirá o número de agravos de instrumento interpostos diretamente em segunda instância. É certo que a medida reduz o número de recursos e valoriza a eficácia das decisões interlocutórias dos juízes de primeiro grau, entretanto, outros aspectos devem ser analisados.

            Se, por um lado, é possível afirmar que o agravo gera a morosidade, sob outra ótica, é possível afirmar que o agravo é justamente uma arma contra a morosidade, já que visa uma correção de injustiças e a proteção de direitos de uma forma mais célere. Suas decisões garantem o acautelamento de medidas urgentes que só seriam asseguradas no final do processo, minimizando os maléficos efeitos da demora da prestação jurisdicional definitiva. O agravo de instrumento é uma forma de tentar obter uma resposta rápida à violação ou ameaça a direitos.


4- AGRAVO RETIDO OBRIGATORIAMENTE ORAL:

            Uma novidade que gera polêmica é a nova redação do art. 523, §3º: "das decisões interlocutórias proferidas na audiência de instrução e julgamento caberá agravo na forma retida, devendo ser interposto oral e imediatamente, bem como constar do respectivo termo (art. 457), nele expostas sucintamente as razões do agravante".

            É possível questionar até mesmo sobre a constitucionalidade de referida disposição, por afrontar o princípio da ampla defesa (artigo 5º, inciso LV, da CF/88), inclusive porque a parte poderá ter o exercício recursal mitigado abruptamente pelo fator surpresa, já que terá reduzida sobremaneira a possibilidade do advogado desenvolver suas habilidades no preparo do referido recurso.

            A exigência de que o recurso seja apresentado imediatamente implica também na apresentação de toda a fundamentação, entretanto, a parte poderia ficar prejudicada em situações que reclamem melhor justificativa por meio de considerações doutrinárias ou precedentes jurisdicionais que o advogado nem sempre disporia na própria audiência. Tal quadro será nocivo ao exercício do direito da ampla defesa, na medida em que a decisão a ser agravada já vier pronta após minucioso estudo dos autos por parte do magistrado, situação que colocará o agravante em nítida desvantagem em relação à parte beneficiada pela decisão danosa. À parte restará a faculdade de interpor oralmente o agravo para evitar a preclusão e, em havendo possibilidade de a decisão causar lesão grave ou de difícil reparação, impetrar mandado de segurança junto à instância ad quem com pedido de liminar para suspensão do ato.

            Também resta uma incógnita em relação ao prazo para resposta do agravado. Sendo a lei omissa em relação à obrigatoriedade da sua apresentação também imediata e oralmente, prevalece a regra do art. 527, V que prevê ao agravado o prazo de 10 dias para resposta. Esse tratamento afronta o princípio da isonomia processual e a regra do art. 125, I do CPC que impõe ao magistrado a obrigação de assegurar às partes igualdade de tratamento.


5- O AGRAVO DE INSTRUMENTO COMO EXCEÇÃO:

            O agravo de instrumento, nos moldes da nova ordem processual passa a ser uma exceção, sendo possível sua interposição somente nas seguintes hipóteses: quando a decisão for suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, no caso de inadmissão da apelação ou quando se pretende discutir os efeitos em que é recebida.

            Assim, observa-se que a lei continua permitindo a interposição do agravo de instrumento nos casos acima citados. Ocorre que a maioria dos recursos de agravo de instrumento versa sobre pedido de liminares ou antecipações de tutela deferidas ou indeferidas e, naturalmente, tem como fundamentação a argumentação de urgência, ou seja, lesão ou difícil reparação.

            A nova lei não afetará expressivamente o número de agravos de instrumento interpostos, já que a grande maioria destes continuará articulada com fulcro nas exceções permitidas. O que a lei prevê como exceção, o direito material e a prática jurídica sedimentaram como regra. Sendo assim, a parte continuará interpondo o agravo de instrumento sempre que conseguir provar que a decisão recorrida poderá permitir que uma situação venha lhe causar lesão grave e de difícil reparação.


6- A CONVERSÃO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RETIDO COMO UM DEVER DO RELATOR:

            A nova lei, que alterou o inciso II do artigo 527, não somente autoriza como pronuncia uma obrigação do relator do agravo de instrumento convertê-lo em retido, se entender não se tratar de provisão jurisdicional de urgência ou que não caracteriza perigo de lesão grave e de difícil reparação.

            Acerca da alteração, procura o legislador dar poderes aos relatores dos agravos de instrumento para determinar o processamento como retido, diminuindo o número de agravos perante os Tribunais Estaduais. A lei 10.352/01 já previa esta atitude, mas como um poder do relator e não como um dever.

            Mister ressaltar que a conversão e a análise de cabimento do agravo por instrumento está dentro do juízo subjetivo do relator. Assim, deverá fazer uma análise breve do recurso, concluindo pelo seu cabimento (caso entenda que estejam presentes seus pressupostos ensejadores), ou determinando seu retorno para processamento em primeira instância.


7- IMPOSSIBILIDADE DE RECURSO REGIMENTAL:

            Outra questão polêmica é a nova redação do parágrafo único do artigo 527, ao estabelecer que a decisão liminar proferida nos termos dos incisos II e III, ou seja, determinando sua conversão em retido ou concedendo ou negando efeito suspensivo ou antecipação da tutela recursal, somente serão passíveis de reforma por ocasião do julgamento do agravo salvo hipótese de reconsideração pelo próprio relator.

            O recurso é considerado como uma extensão do próprio direito de ação, já que é a oportunidade da parte manifestar seu descontentamento em relação a uma decisão judicial que venha causar algum prejuízo. Não é possível afirmar que a nova ordem processual fere o princípio do duplo grau de jurisdição, até porque esse princípio não configura garantia constitucional, entretanto, qualquer norma que venha impedir o acesso à justiça, aí sim, fere diretamente garantias constitucionais.

            O artigo 5º, XXXV da Constituição Federal, entretanto, prevê que sempre que houver violação do direito, mediante lesão ou ameaça, se a parte exercer seu direito de agir, provocando o judiciário, este será obrigado a intervir. Vale lembrar o princípio da inafastabilidade da jurisdição. Qualquer decisão judicial enseja recurso e há de se afirmar que a parte prejudicada não pode ser impedida de buscar junto ao próprio judiciário uma imediata correção quanto à decisão interlocutória que considerar injusta.

            Com o fim do agravo regimental racionaliza-se o procedimento e evita-se a interposição de recursos protelatórios que contribuem para a morosidade, entretanto, na defesa dos interesses do cliente e na luta por uma verdadeira justiça, o advogado deve ser sempre corajoso e criativo, não devendo se sujeitar às decisões interlocutórias que prejudiquem os clientes. Uma postura que poderá ser adotada por parte do agravante é a formulação do chamado pedido de reconsideração dirigido ao relator.

            A impossibilidade de ingressar com recurso regimental permitirá que o agravante venha buscar socorro junto ao Tribunal mediante a utilização de um remédio constitucional, o mandado de segurança com pedido de liminar, hipótese que contribuiria para uma excessiva morosidade.


8- CONCLUSÃO

            Muito se fala em acesso à justiça, em medidas que venham contribuir para celeridade processual, entretanto, o problema não é de tão simples solução. Não é reduzindo ou impedindo o acesso à justiça que se obterá a tão sonhada justiça rápida e eficaz.

            É importante transcrever as lições de Cappelletti, quando aduz que:

            "A expressão acesso à justiça é reconhecidamente de difícil definição, mas serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico — o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individualmente e socialmente justos".

            Falar em recurso é indagar quanto à celeridade do processo. O acesso à justiça passa pela necessidade de uma prestação jurisdicional rápida e eficaz, o que poderá ser comprometida pela quantidade interminável de recursos à disposição dos interessados, entretanto, os recursos não constituem o único fator determinante para a morosidade.

            A lei 11.187/05 tenta reduzir o número de recursos tramitando nos tribunais a partir do momento em que impõe como regra o agravo retido, atribui maior autonomia às decisões do juiz de primeira instância, impõe ao relator o dever de converter o agravo de instrumento em retido em algumas hipóteses e acaba com o agravo regimental. São medidas que ainda ensejam muitas discussões doutrinárias quanto à sua aplicabilidade e eficácia.

            É importante a adoção de medidas que venham contribuir para tornar mais dinâmico o processo de cognição. É necessário mudar não apenas a legislação, mas o sistema em si, visando alcançar verdadeiramente os fins a que se destina: solucionar os casos concretos de forma eficaz visando uma justa e rápida composição dos litígios.


9- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

            CAPPELLETI, Mauro e GARTH, Bryan. Acesso à Justiça.Porto Alegre: fabris, 1998.

            KOZIKOSKI, Sandro Marcelo. Manual dos recursos cíveis: teoria geral e recursos em espécie. 2 ed.Curitiba: Juruá, 2006.

            THEODORO, JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, vol I, Rio de Janeiro: Forense, 2004.

            WAMBIER, Luiz Rodrigues e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Breves Comentários à 2ª Fase da Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

Sobre os autores
Luciano Souto Dias

Professor titular de Direito Processual Civil e Prática de Processo Civil na Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce – FADIVALE e de pós-graduação em Minas Gerais, Espírito santo e Bahia. Mestre em Direito Público, especialista pós-graduado em Direito Civil e Direito Processual Civil. Conciliador-Orientador do TJMG. Palestrante e autor de diversos artigos e ensaios jurídicos. Advogado civilista.

Thiara Viana Coelho

bacharelanda em Direito pela Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce (Fadivale), em Governador Valadares (MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIAS, Luciano Souto; COELHO, Thiara Viana. Uma visão crítica sobre a nova sistemática do agravo com o advento da Lei nº 11.187/2005. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 942, 31 jan. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7906. Acesso em: 18 dez. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!