Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

A extinção do usufruto pelo não uso

Agenda 23/01/2020 às 14:37

O artigo pretende abordar uma das formas de extinção do usufruto não muito evidenciada, mas de substancial importância no mundo jurídico.

A propriedade é, por força de lei, um direito real conferido a uma pessoa que possui os atributos da propriedade plena, ou seja, os direitos de usar, fruir, dispor e reivindicar o bem (art. 1.228. do Código Civil).

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

Ou seja, o proprietário tem o direito de USAR, FRUIR, DISPOR e REIVINDICAR o bem.

Contudo, é permitido ao proprietário conceder ao chamado usufrutuário o direito de USAR e FRUIR o bem, reservando para si os atributos de DISPOR e REIVINDICAR.

Art. 1.225. São direitos reais:

(...)

IV - o usufruto;

Art. 1.394. O usufrutuário tem direito à posse, uso, administração e percepção dos frutos.

Dizemos, portanto, que ao proprietário fica estabelecida e nua propriedade, ou seja, despida, temporariamente, dos atributos de uso e fruição que antes lhe asseguravam a posse direta, a fim de se obter um negócio jurídico assegurado por lei.

É o que se tem, por exemplo, quando um pai realiza um contrato de doação do imóvel a ele pertencente para o seu filho, porém, estabelecendo que a eficácia somente se dê após o seu falecimento, ou seja, valendo-se de uma cláusula com reserva de usufruto.

Poderá ser instituído por ato inter vivos (contrato), por ato causa mortis (testamento) e por usucapião (art. 1.390. e 1.391, ambos do Código Civil).

Art. 1.390. O usufruto pode recair em um ou mais bens, móveis ou imóveis, em um patrimônio inteiro, ou parte deste, abrangendo-lhe, no todo ou em parte, os frutos e utilidades.

Art. 1.391. O usufruto de imóveis, quando não resulte de usucapião, constituir-se-á mediante registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Cabe aqui mencionar que o exercício do usufruto abrange os frutos naturais (aqueles gerados pelo bem principal sem a intervenção humana), os frutos industriais (gerados com a intervenção humana) e os frutos civis (rendimentos que a coisa produz periodicamente, como é o caso do aluguel).

Art. 95. Apesar de ainda não separados do bem principal, os frutos e produtos podem ser objeto de negócio jurídico.

Art. 1.214. O possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela durar, aos frutos percebidos.

Parágrafo único. Os frutos pendentes ao tempo em que cessar a boa-fé devem ser restituídos, depois de deduzidas as despesas da produção e custeio; devem ser também restituídos os frutos colhidos com antecipação.

Art. 1.215. Os frutos naturais e industriais reputam-se colhidos e percebidos, logo que são separados; os civis reputam-se percebidos dia por dia.

É de se destacar, inclusive, que o usufrutuário pode locar o bem até mesmo para o nu-proprietário.

Art. 1.393. Não se pode transferir o usufruto por alienação; mas o seu exercício pode ceder-se por título gratuito ou oneroso.

No exemplo do contrato de doação acima mencionado, fica o bem imóvel gravado pelo usufruto e assegurada a posse direta ao pai até o seu falecimento, podendo USAR e FRUIR, enquanto os atributos da DISPOSIÇÃO e REIVINDICAÇÃO são transferidos para o filho (que detém a posse indireta).

Quanto aos encargos de despesas ordinárias de conservação do bem, estas pertencem ao usufrutuário, bem como as prestações e tributos devidos pela posse. Ao nu-proprietário caberá as despesas extraordinárias.

Como dito, o usufruto é o uso TEMPORÁRIO do bem alheio retirando-se os frutos e utilidades por ele produzidos, até que ocorra e extinção desse direito real.

O art. 1.410. do Código Civil trata das espécies de extinção do usufruto:

Art. 1.410. O usufruto extingue-se, cancelando-se o registro no Cartório de Registro de Imóveis:

I - pela renúncia ou morte do usufrutuário;

II - pelo termo de sua duração;

III - pela extinção da pessoa jurídica, em favor de quem o usufruto foi constituído, ou, se ela perdurar, pelo decurso de trinta anos da data em que se começou a exercer;

IV - pela cessação do motivo de que se origina;

V - pela destruição da coisa, guardadas as disposições dos arts. 1.407, 1.408, 2ª parte, e 1.409;

VI - pela consolidação;

VII - por culpa do usufrutuário, quando aliena, deteriora, ou deixa arruinar os bens, não lhes acudindo com os reparos de conservação, ou quando, no usufruto de títulos de crédito, não dá às importâncias recebidas a aplicação prevista no parágrafo único do art. 1.395;

VIII - pelo não uso, ou não fruição, da coisa em que o usufruto recai (arts. 1.390. e 1.399).

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

As hipóteses mais corriqueiras repousam na extinção do usufruto pela morte do usufrutuário, eis que não mais existe possibilidade jurídica de tal uso e fruição, ou mesmo no caso de renúncia ou termo final do prazo estipulado, se não for vitalício.

Todavia, hipótese interessante se apresenta no inciso VIII do referido art. 1.410. do Código Civil, onde é admitida a extinção do usufruto pelo não uso ou não fruição.

A referida hipótese já foi aventada pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp 1.179.259-MG, em que o Ministra Relatora reconheceu e julgou procedente a decretação judicial da extinção do usufruto pelo não uso ou fruição, em decorrência do descumprimento da função social da propriedade.

DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXTINÇÃO DE USUFRUTO. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 211/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INADMISSIBILIDADE. NÃO USO OU NÃO FRUIÇÃO DO BEM GRAVADO COM USUFRUTO. PRAZO EXTINTIVO. INEXISTÊNCIA. INTERPRETAÇÃO POR ANALOGIA. IMPOSSIBILIDADE. EXIGÊNCIA DE CUMPRIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE.

(...)

4- O usufruto encerra relação jurídica em que o usufrutuário - titular exclusivo dos poderes de uso e fruição - está obrigado a exercer seu direito em consonância com a finalidade social a que se destina a propriedade. Inteligência dos arts. 1.228, § 1º, do CC e 5º, XXIII, da Constituição.

5- No intuito de assegurar o cumprimento da função social da propriedade gravada, o Código Civil, sem prever prazo determinado, autoriza a extinção do usufruto pelo não uso ou pela não fruição do bem sobre o qual ele recai.

(...)

8- A extinção do usufruto pelo não uso pode ser levada a efeito sempre que, diante das circunstâncias da hipótese concreta, se constatar o não atendimento da finalidade social do bem gravado.

9- No particular, as premissas fáticas assentadas pelo acórdão recorrido revelam, de forma cristalina, que a finalidade social do imóvel gravado pelo usufruto não estava sendo atendida pela usufrutuária, que tinha o dever de adotar uma postura ativa de exercício de seu direito.

10- Recurso especial não provido.

(STJ. REsp 1.179.259-MG. Terceira Turma. Relatora Ministra Nancy Andrighi. Julgamento em 14/05/2013).

Assim, a Ilustre Ministra explica em seu voto:

“Exsurge, desse contexto, relação jurídica na qual o usufrutuário - na medida em que é o titular exclusivo dos poderes de uso e fruição - se obriga, por força do disposto no art. 1.228, § 1º, do CC, a exercer seu direito em consonância com as finalidades, social e econômica, a que se destina a propriedade.

Com o escopo de assegurar o cumprimento dessa função social, já erigida à categoria de direito fundamental pela Constituição de 1988 (art. 5º, XXIII), o Código Civil de 2002 instituiu o não uso ou a não fruição da coisa como causa extintiva do usufruto (art. 1.410, VIII)”.

Ou seja, tal entendimento afasta a tese de que, como não há previsão explícita de prazo, a extinção do usufruto pelo não uso se daria pelo prazo geral de prescrição (art. 205/CC em 10 anos) ou mesmo pela aplicação do prazo disposto para a extinção das servidões pelo não uso, também de 10 anos (art. 1.389, III/CC).

Sobre o autor
Marcos Paulo

Pós-graduado em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Cândido Mendes. Pós-graduado em Responsabilidade Civil e Direito do Consumidor pela Universidade Estácio de Sá. Graduado em Direito pela Universidade Estácio de Sá. Concluiu com êxito o Curso Regular da Fundação Escola Superior da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (FESUDEPERJ). Possui Curso de Formação de Mediadores do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ). Advogado atuante com mais de dez anos de experiência em Direito Civil, Processo Civil e Consumidor.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!