I – OS FATOS
A imprensa internacional, conforme noticiou o Globo, em sua edição de 29 de janeiro de 2020, dá conta de que com o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, ao seu lado, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, divulgou o seu muito alardeado plano de paz para o Oriente Médio na tarde de ontem, desenvolvido sob a supervisão do seu genro e conselheiro, Jared Kushner, ao longo de mais de dois anos. O plano, favorável aos pleitos israelenses, reduz substancialmente o território de um futuro Estado palestino em relação à Linha Verde, a fronteira anterior à Guerra dos Seis Dias, em 1967, quando Israel ocupou a Cisjordânia e a Faixa de Gaza.
O plano de Trump garantiria a Israel o controle de Jerusalém, que seria, segundo o presidente, “a capital indivisível” do Estado judeu. Apesar disso, prevê uma capital palestina em “áreas” do setor oriental de Jerusalém. Ainda não está claro o que são essas “áreas”, mas Netanyahu indicou tratar-se de Abu Dis, uma pequena aldeia da Cisjordânia contígua — mas fora — de Jerusalém Oriental, onde estão situados vários escritórios palestinos relacionados à cidade.
O plano não prevê a desocupação de nenhum dos assentamentos israelenses na Cisjordânia, que são atualmente considerados o principal obstáculo à paz entre os dois lados. O acordo inclui a continuidade da presença militar de Israel no Vale do Jordão, uma área agrícola e estratégica da Cisjordânia contígua à Jordânia. O premier de Israel, que falou após Trump, confirmou que, sob o plano, Washington reconhecerá os assentamentos, onde vivem mais de 400 mil israelenses, como parte de Israel.
O plano também prevê que um futuro Estado palestino seria fracionado territorialmente, sem Forças Armadas. Além disso, reconheceria Israel, onde vivem 1,8 milhão de árabes, como um Estado judeu. Segundo o proposto, refugiados palestinos perderiam esse status e não teriam direito a retornar às áreas em Israel de onde partiram ou foram expulsos após as guerras de 1948 e 1967.
Tal como proposto, o plano de Trump se distancia substancialmente de todos os que foram negociados pelos presidentes americanos antes dele desde os anos 1990, quando os Acordos de Oslo, nunca integralmente implementados, abriram caminho para o que seria a criação de um Estado palestino. As negociações estão paradas desde 2014.
II – OS VICIOS DO PLANO
Principais pontos do plano de paz
Possibilitar a criação de um Estado palestino com mais do dobro do tamanho do território atual, mas sem Exército e Força Aérea e sob controle de Israel a oeste do rio Jordão
Estabelecer Jerusalém como capital “indivisível” de Israel, com a capital palestina ocupando partes do leste da cidade, onde os EUA abririam uma embaixada
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Reconhecer os assentamentos israelenses na Cisjordânia e o vale do rio Jordão como parte de Israel; nem palestinos nem israelenses serão forçados a deixar suas casas
Congelar futuras ocupações de território palestino durante quatro anos, enquanto ocorrem as negociações da criação do Estado da Palestina
Recusar o direito de retorno de palestinos refugiados a regiões perdidas para Israel em conflitos anteriores; eles poderão viver no futuro Estado da Palestina, integrar-se nos países em que vivem atualmente ou migrar para um novo país
Investimentos de US$ 50 bilhões por parte dos EUA no novo Estado palestino, que criaria 1 milhão de novos empregos e reduziria a pobreza pela metade
Reconhecimento de Israel como Estado judeu.
A capital palestina ficaria em Abu Dis, um bairro localizado nos subúrbios de Jerusalém, a leste da cidade.
O Plano padece de vícios crônicos e não deve ir para a frente, mais parecendo um momento de campanha eleitoral a favor dos executivos dos Estados Unidos e Israel.
Os palestinos teriam de abdicar de suas três principais demandas. Primeiro, precisariam aceitar que todos os assentamentos israelenses na Cisjordânia sejam anexados a Israel. Isso sem falar no Vale do Rio Jordão, que deixaria a “Palestina” como uma ilha dentro de Israel, sem fronteira com a Jordânia, embora faça sentido para a segurança israelense. Em segundo lugar, não terão a parte oriental de Jerusalém, de maioria árabe, como capital, por mais que Trump tenha dito que sim. Na verdade, ficarão com bairros no subúrbio da cidade. Por último, no caso dos refugiados, necessitariam abandonar o direito de retorno, algo muito forte na identidade palestina, apesar de ser inaceitável em qualquer circunstância por Israel.
A medida equivale em termos práticos à anexação dessas áreas, que pertenciam à Jordânia até serem conquistadas por Israel na Guerra dos Seis Dias (1967).
O plano, que pela primeira vez traz um mapa com a divisão dos territórios —algo nunca antes autorizado por Israel—, também frustra uma das demandas palestinas ao prever um território descontinuado.
A área prevista é recortada por enclaves de assentamentos israelenses e não tem acesso direto à fronteira com a Jordânia —o território palestino seria ele mesmo um enclave dentro de Israel, que controlaria o vale do rio Jordão.
Seria um Estado palestino sem contiguidade que ficaria subdividido em cantões com limites de Israel ao norte, leste e oeste.
Dois outros pontos devem ser destacados:
- Território no sul de Israel seria entregue aos palestinos para indústrias e residências;
- Direito de visita de muçulmanos à Mesquita de Al-Aqsa
O plano do presidente americano tenta compensar estas concessões com a promessa de dezenas de bilhões de dólares para o desenvolvimento do futuro Estado e áreas no Deserto do Negev. Não há possibilidade de a Autoridade Nacional Palestina e muito menos o Hamas aceitarem neste momento a proposta de Trump. Seria o equivalente a uma rendição, como bem concluiu Guga Chacra(A derrota dos palestinos, artigo publicado no jornal O Globo, em 29 de janeiro do corrente ano).
Não se pode falar em acordo.
Acordos internacionais podem ser estabelecidos entre dois ou mais Estados ou entre um ou mais Estados e uma organização internacional.
Acordo internacional é um documento pelo qual um Estado ou uma organização internacional assume obrigações e adquire direitos perante outros no âmbito do direito internacional.
Acordos internacionais servem para estabelecer regras concretas para a parceria em áreas específicas.
De outra parte, o plano desconhece decisão da ONU com relação ao muro construído por Israel, invadindo espaço palestino.
O muro de Israel começou a ser construído em 2004. A primeira etapa da construção visou segregar Israel da região norte da Cisjordânia. Várias regiões sofreram com o levantamento do muro: algumas vilas ficaram sem regiões agrícolas e algumas cidades foram isoladas, não pertencendo nem a Israel e nem à Cisjordânia.
A principal justificativa da construção do muro de Israel foi o discurso da segurança, de acordo com o qual Israel isolaria os palestinos, evitando possíveis ataques a Jerusalém. O Muro de Israel possui enormes dimensões, com uma extensão de 721 km, 8 metros de altura, trincheiras com 2 metros de profundidade, arames farpados e torres de vigilância a cada 300 metros – tudo isso para ser intransponível.
No ano de 2004, o Tribunal Internacional de Justiça declarou a ilegalidade do muro e acusou a obra de separar e isolar aproximadamente 450 mil pessoas. Além disso, segundo o Tribunal, algumas partes do muro invadem territórios palestinos. Entretanto, autoridades políticas de Israel, sempre que são questionadas a respeito da construção do muro, alegam que o muro trouxe diminuição dos conflitos e afirmam que não pensam em retirar o muro de forma alguma.
A conduta Israelense na ocupação dos territórios palestinos foi considerada ilegal pelas Nações Unidas, e a partir da Resolução 242 (Land for Peace Resolution), o Conselho de Segurança determina que Israel retornasse às fronteiras pré-1967, esforço este que fora imediatamente desconsiderado pelo governo israelense.
A “barreira de separação”, também conhecido por “muro de segurança” pelos israelenses, ou “muro da vergonha”, segundo os palestinos, teve sua construção ordenada pelo antigo primeiro-ministro Ariel Sharon, em 2002, enquanto se desenvolvia a Segunda Intifada palestina. A intifada foi um levante popular contra a ocupação israelense, então intensificada pela operação militar "Escudo de Defesa", que matou cerca de 500 palestinos e causou grande destruição na Cisjordânia.
Anunciada pelo presidente Trump ao lado do premier israelense Netanyahu, proposta de paz para Oriente Médio foi repudiada pelos palestinos. Plano garante controle de Jerusalém a Israel e reduz um futuro Estado palestino em relação às fronteiras originais.
Há o entendimento de que o plano representa uma subtração de terras palestinas.
Os Estados Unidos, sabedores da situação econômica da Palestina, oferecem uma promessa de recompensa econômica de US$ 50 bilhões ou mais que o governo Trump diz que pode oferecer.
A Autoridade Palestina, que sequer compareceu à leitura e apresentação do plano, deve saber que tudo isso revela uma intenção de reduzir os palestinos a uma população subalterna em solo que é seu.
Diante disso, não deve haver avanço nas negociações.