VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO E PRAZO PRESCRICIONAL
Rogério Tadeu Romano
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou parcialmente acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que aplicou o prazo prescricional de três anos previsto no artigo 206, parágrafo 3º, do Código Civil de 2002 a um pedido de indenização por falhas aparentes de construção em imóvel vendido na planta.
Por unanimidade, o colegiado concluiu que, na falta de prazo específico do Código de Defesa do Consumidor (CDC) que regule a pretensão de indenização por inadimplemento contratual, aplica-se o prazo prescricional geral de dez anos fixado pelo artigo 205 do CC/2002.
No caso dos autos, o consumidor ajuizou pedido de obrigação de fazer cumulado com reparação de danos materiais e morais, devido a vícios apresentados no imóvel. Segundo o autor, o projeto do apartamento – uma cobertura de dois andares – contava com piscina externa e acesso ao segundo pavimento por meio de elevador, porém esses itens não foram providenciados pela construtora.
O comprador também apontou problemas no piso do imóvel e na escada interna, além da ausência de telhado na área externa. Por isso, buscava receber verbas reparatórias pelas apontadas imperfeições do imóvel e também pedia a conclusão do projeto.
É o que se lê do site do STJ em 5 de fevereiro de 2020.
A ministra Nancy Andrighi, ao analisar o caso no STJ, afirmou que, nas relações de responsabilidade do fornecedor por vício de obra, o CDC confere tratamento mais abrangente do que aquele previsto pela legislação civil. Em seu artigo 26, por exemplo, o CDC prevê a proteção do consumidor em relação aos vícios aparentes, o que não ocorre na relação jurídica entre o empreiteiro e o comitente, que é regulada pelos artigos 615 e 616 do Código Civil.
Nesse sentido, apontou a relatora, quando o consumidor adquire imóvel na planta ou em construção, ou quando contrata empresa especializada para a realização de obras, a responsabilidade do fornecedor por vícios aparentes não termina no momento do recebimento do imóvel, podendo o consumidor reclamar de eventuais falhas de fácil constatação no prazo decadencial de 90 dias (artigo 26, inciso II, do CDC).
Nancy Andrighi também apontou que a legislação consumerista não traz limitação quanto à natureza dos vícios apresentados no imóvel, tampouco restrição quanto à magnitude do empreendimento. E, além da possibilidade de rescindir o contrato ou pleitear o abatimento do preço, o CDC oferece ao consumidor a opção de substituir o produto ou reexecutar o serviço.
Segundo a relatora, o prazo decadencial previsto no artigo 26 do CDC está relacionado ao período em que o consumidor pode exigir judicialmente alguma das alternativas que são conferidas pelo próprio código, não se confundindo com o prazo prescricional a que se sujeita o consumidor para pleitear indenização decorrente da má execução do contrato.
"E, à falta de prazo específico no CDC que regule a hipótese de inadimplemento contratual – o prazo quinquenal disposto no artigo 27 é exclusivo para as hipóteses de fato do produto ou do serviço –, entende-se que deve ser aplicado o prazo geral decenal do artigo 205 do CC/2002", afirmou.
No caso dos autos, Nancy Andrighi ressaltou que, em relação à pretensão de reexecução do contrato, o TJSP reconheceu a decadência sob o fundamento de que transcorreu, entre a efetiva entrega do bem e o ajuizamento da ação, prazo superior a 90 dias. No tocante à reparação dos vícios redibitórios, o tribunal também reconheceu a ocorrência de decadência, tendo em vista considerar ser aplicável o prazo decadencial de um ano previsto no artigo 445 do Código Civil.
Em relação às pretensões de reparação e compensação, disse a ministra, o TJSP considerou-as prescritas, tendo em vista a aplicação do prazo prescricional trienal previsto no artigo 206 do CC/2002.
Quanto à pretensão de reexecução dos serviços e de redibição do contrato, a relatora entendeu que, de fato, aplica-se o prazo decadencial de 90 dias previsto no artigo 26 do CDC, não tendo havido nos autos causas obstativas da decadência.
"Com relação à pretensão indenizatória (reparação de danos materiais e compensação de danos morais), incidirá o prazo prescricional decenal, não transcorrido entre a entrega do imóvel (2004) e o ajuizamento da ação, que se deu em 19/07/2011", concluiu a ministra ao afastar a prescrição trienal e determinar o retorno da ação à origem para julgamento dos pedidos reparatórios e compensatórios.
É o que consta do REsp 1.721.694.
Quando a lei fala em solidez e segurança do trabalho, quer dizer a segurança de modo geral e específico, abrangendo danos causados por infiltrações, vazamentos, quedas de blocos de revestimentos, como exemplo.
Assim, inclui-se na garantia quinquenal todo defeito que compromete a destinação do imóvel, pois a segurança também significa garantia de que a construção serve ao fim a que foi destinada. Estendo todo esse entendimento também ao solo. O construtor não se exime ao dever de analisar o solo, para saber se este poderá receber uma construção, pois a função do mesmo é ser técnico, analisando todas as formas legais e formais para que aquela obra tenha garantida sua solidez e segurança.
Anomalias que afetam o desempenho de produtos ou serviços, ou os tornam inadequados aos fins a que se destinam, causam transtornos ou prejuízos materiais ao consumidor. Podem decorrer de falha de projeto, ou da execução, ou ainda da informação defeituosa sobre sua utilização ou manutenção (item 3.75 da ABNT NBR 13752/dez96). Vícios construtivos são, portanto, todas as falhas construtivas que causam prejuízo material ao consumidor, e que implicam em gastos financeiros para repará-los, ou seja, afetam o bolso do consumidor, e podem ser divididos em dois grandes grupos: os aparentes e os ocultos.
1.1 VÍCIOS APARENTES:
São as falhas construtivas ostensivas, detectáveis facilmente mesmo por leigos em construção. Exemplos: vidro quebrado ou manchado, diferentes tonalidades no revestimento ou na pintura, azulejo decorado aplicado de forma equivocada, quebrando o esquema do desenho geométrico projetado, falta de espelhos nas instalações elétricas, portas descoladas ou trincadas, vazamentos existentes no ato da entrega, material de acabamento empregado diferente do que consta do memorial descritivo de venda, etc.
1.2 VÍCIOS OCULTOS:
São as falhas construtivas inexistentes no ato da entrega (ou só detectáveis nessa ocasião por técnicos especializados), e que surgem ou só são detectadas algum tempo depois da entrega. Exemplos: curto-circuito nas instalações elétricas, infiltrações ou vazamentos de água que são detectados apenas depois da entrega, trincas, fissuras, gretamentos de placas cerâmicas, recalques de fundação, inclinação de prédios, desbotamento da pintura da fachada, etc.
Sobre a responsabilidade pela perfeição da obra, assim pontuou Carlos Roberto Gonçalves(Direito Civil Brasileiro, volume IV: responsabilidade civil. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009):
A responsabilidade pela perfeição da obra, embora não consignada ao contrato, é de presumir-se em todo ajuste de construção como encargo ético-profissional do construtor. Isto porque a construção civil é, modernamente, mais que um empreendimento leigo, um processo técnico-artístico de composição e coordenação de materiais e de ordenação de espaços para atender às múltiplas necessidades do homem.
Paulo Nader resume: "O empreiteiro, após a entrega, ficará responsável pela solidez e segurança da obra, seja quanto à qualidade dos materiais empregados, eficiência dos trabalhos ou adequação do solo, durante o prazo irredutível de cinco anos. A responsabilidade é objetiva dispensada o dono da obra de provar a culpa do empreiteiro. Esta garantia, definida no art. 618 do Código Civil, pressupõe dois requisitos cumulativos: a) o objeto da obra há de ser edifício ou construção considerável; b) tratar-se de empreitada de mão de obra e de material.
A norma em questão é cogente, podendo o prazo apenas ser ampliado pelas partes. A responsabilidade do empreiteiro é corolário lógico da natureza do contrato, que é de resultado. De uma obra que não apresenta segurança, infere-se o inadimplemento do empreiteiro. Se este concede, por exemplo, garantia de três anos, deve-se entender que os dois prazos se somam."
"Do aparecimento do vício, o dono da obra dispõe do prazo de cento e oitenta dias para postular em juízo. Tratando-se de vício aparente, a contagem do tempo inicia-se a partir da entrega da obra. O prazo em questão é decadencial. No entendimento de Agnelo Amorim Filho, Nélson Nery Júnior e Tereza Ancona Lopez, tal prazo refere-se apenas às ações constitutivas ou desconstitutivas, como a de rescisão contratual”. (Nader, Paulo. Curso de Direito Civil - Contratos. Vol. 3. 5ª ed. Biblioteca Forense Digital. 2010. Pág. 340/341).
O prazo nas ações condenatórias, de que é exemplo a responsabilidade do construtor por defeitos da construção, seria de prescrição em dez anos (art. 205, CC).
O empreiteiro ficará responsável nos termos do artigo 618 do Código Civil, durante o período de cinco anos, sendo vedado às partes reduzi-lo ou mitigar seu alcance. Contudo, cabe ressaltar que a prerrogativa de demandar contra o empreiteiro depois de escoado os cinco anos persiste até que se complete o prazo prescricional genérico previsto no Código Civil.
O caput do artigo 618, do Código Civil, sendo um prazo de garantia, distingue--se do prazo prescricional, sendo a este, aplicável a regra do prazo de 10 anos, consoante previsto no artigo 205 do Código Civil.
Tem-se como conclusões do julgamento apontado:
- É de 90 (noventa) dias o prazo para o consumidor reclamar por vícios aparentes ou de fácil constatação no imóvel por si adquirido, contado a partir da efetiva entrega do bem (art. 26, II e § 1º, do CDC).
- No referido prazo decadencial, pode o consumidor exigir qualquer das alternativas previstas no art. 20 do CDC, a saber: a reexecução dos serviços, a restituição imediata da quantia paga ou o abatimento proporcional do preço. Cuida-se de verdadeiro direito potestativo do consumidor, cuja tutela se dá mediante as denominadas ações constitutivas, positivas ou negativas.
- Quando, porém, a pretensão do consumidor é de natureza indenizatória (isto é, de ser ressarcido pelo prejuízo decorrente dos vícios do imóvel) não há incidência de prazo decadencial. A ação, tipicamente condenatória, sujeita-se a prazo de prescrição.
- À falta de prazo específico no CDC que regule a pretensão de indenização por inadimplemento contratual, deve incidir o prazo geral decenal previsto no art. 205 do CC/02, o qual corresponde ao prazo vintenário de que trata a Súmula 194/STJ, aprovada ainda na vigência do Código Civil de 1916 ("Prescreve em vinte anos a ação para obter, do construtor, indenização por defeitos na obra").