PALAVRAS CHAVES: Inconstitucionalidade. Leis Complementares do Estado de São Paulo nºs 367/84 e 1.054/2008. Licença Adotante.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. DA INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI COMPLEMENTAR PAULISTA QUE DISCIPLINA A LICENÇA ADOTANTE. 3. CONCLUSÃO. 4. REFERÊNCIAS.
- INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 tem como fundamento a dignidade da pessoa humana e consagra a proteção à criança e adolescente com prioridade absoluta, bem como estabelece a igualdade dos filhos biológicos e adotivos, proibindo distinções de qualquer natureza.
Neste contexto, previu a Carta Magna a licença maternidade, direito que assegura a convivência da mãe com seu filho nos primeiros meses da sua chegada. A licença à adotante esta abrangida no conceito da licença maternidade, sendo fundamental nos meses iniciais de adaptação do adotado e da família.
Leis que dão tratamento diferenciado à licença adotante, são inconstitucionais.
2. DA INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI COMPLEMENTAR PAULISTA QUE DISCIPLINA A LICENÇA ADOTANTE
A Constituição de 1988 define como fundamento da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), nesta compreendida à da criança e adolescente. Como corolário da dignidade está a proteção à criança e adolescente.
A Carta Magna estabeleceu o dever da família, da sociedade e do Estado de assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (art. 227, caput).
O Ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso, em voto no RE 778889/PE , esclarece:
“ A própria Carta expressa, assim, por meio da palavra “prioridade”, a precedência em abstrato e “prima facie” dos direitos dos menores, em caso de colisão com outras normas . E o faz por se ter entendido que, em virtude da condição de fragilidade e de vulnerabilidade das crianças, devem elas sujeitar-se a um regime especial de proteção, para que possam se estruturar como pessoas e verdadeiramente exercer a sua autonomia. Por isso, as decisões concernentes às crianças devem buscar atender ao princípio do superior interesse do menor”.[1]
As normas internacionais igualmente determinam a proteção à criança. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) em seu art. 19 dispõe: “Toda criança tem direito às medidas de proteção que a sua condição de menor requer por parte da sua família, da sociedade e do Estado”.[2]
Por sua vez, a Convenção sobre os Direitos das Crianças prevê, dentre outras que:
“art. 2.1: Os Estados Partes respeitarão os direitos enunciados na presente Convenção e assegurarão sua aplicação a cada criança sujeita à sua jurisdição, sem distinção alguma, independentemente de raça, cor, sexo, idioma, crença, opinião política ou de outra índole, origem nacional, étnica ou social, posição econômica, deficiências físicas, nascimento ou qualquer outra condição da criança, de seus pais ou de seus representantes legais”. (grifo nosso)
Art. 3.2: Os Estados Partes se comprometem a assegurar à criança a proteção e o cuidado que sejam necessários para seu bem-estar, levando em consideração os direitos e deveres de seus pais, tutores ou outras pessoas responsáveis por ela perante a lei e, com essa finalidade, tomarão todas as medidas legislativas e administrativas adequadas”.[3](grifo nosso)
Regulamentando a proteção constitucional foi elaborado o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990), que em seu art. 1º proclama a doutrina da proteção integral à criança e adolescente.
Conforme ensinamentos de Cury, Garrido & Marçura:
“A proteção integral tem como fundamento a concepção de que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos, frente à família, à sociedade e ao Estado. Rompe com a ideia de que sejam simples objetos de intervenção do mundo adulto, colocando-os como titulares de direitos comuns a toda e qualquer pessoa, bem como de direitos especiais decorrentes da condição peculiar de pessoas em processo de desenvolvimento”.[4]
O ECA prevê que as crianças e adolescentes gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, assegurando-lhes todas as oportunidades e facilidades para lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade (art. 3º).
Visando concretizar os direitos das crianças e adolescentes a Carta Magna incentiva a guarda e a adoção (art. 227, §§3º e 5°), ou seja, o acolhimento em uma família. A família, segundo essa, é a base da sociedade e tem especial proteção do Estado (art. 226 CF).
A Constituição Federal expressamente estabeleceu a igualdade dos filhos biológicos e adotivos:
Art. 227, § 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.[5]
A norma constitucional foi reafirmada no ECA:
Art. 20. Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.[6]
Tutelando à família, a Constituição Federal consagrou expressamente, para fins previdenciários e assistenciais, a proteção à maternidade, à gestante, à criança e adolescente (arts. 201 e 203).
E mais, materializando esta proteção, a Carta Magna concebeu como direito fundamental a licença à maternidade:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
...
XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias;
Art. 39. §3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir;[7]
Considerando o escopo da licença maternidade, os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade, bem como a proibição de qualquer distinção entre filhos biológicos e adotivos (art. 227, §6º CF), resta indubitável que esta abrange a hipótese de licença à adotante.
Outrossim, não se pode olvidar, que não se justifica qualquer distinção entre as licenças, adotando como elemento de discrimen a origem do filho ou a sua idade. Mormente, se considerarmos que a criança ou adolescente adotados exigem especial atenção. Neste diapasão, excerto do voto do Ministro Relator Luís Roberto Barroso, no RE 778889/PE, que pela sua clareza e importância transcrevo:
“Crianças adotadas, não raro, têm em seu histórico: experiências pré-natais adversas à saúde, períodos prolongados em unidades neonatais, cuidados inadequados, abuso físico, psíquico ou sexual, perdas e separações. Esses fatores, a privação do contato do menor com a mãe nos primeiros meses de vida, ou em momentos críticos de seu desenvolvimento, e a institucionalização por períodos prolongados (que, infelizmente, ainda é uma realidade no Brasil), podem produzir efeitos altamente comprometedores da capacidade da criança de estabelecer laços afetivos saudáveis com os pais adotivos e de adaptar-se à nova família.
Estudos internacionais dão conta de que quanto maior é o tempo de institucionalização de uma criança, mais difícil costuma ser a adaptação à família adotiva. Por outro lado, indicam também que o fator mais relevante para a recuperação dessas crianças e para a superação de tais dificuldades é a presença, a disponibilidade e a afetividade dos pais adotivos, que precisam apresentar um intenso comprometimento com o menor (“agressive attachment behavior”) no início de seu convívio.
Tais estudos noticiam, ainda, que crianças adotadas têm maior probabilidade – em alguns casos, o dobro da probabilidade – de demandar cuidados especiais quanto à saúde, quando comparadas com crianças não adotadas. E, eventualmente, este aspecto só é identificado com a sua chegada à nova família, quando se descobrem que os menores são portadores de patologias para as quais não foram testados ou até de patologias para as quais foram testados e supostamente tiveram resultados negativos.
Portanto, a adaptação de uma criança adotada a uma nova família e os primeiros meses de convívio demandam tempo, paciência e disponibilidade da parte dos pais. O menor chega de um ambiente inóspito a um “espaço entranho”. Precisa sentir-se aceito e amado para considerar-se parte daquela família. Muitas crianças temem uma nova rejeição, um novo abandono e, após um período inicial, passam a “testar” os pais adotivos, com comportamentos inadequados, com o propósito (inconsciente) de se assegurar de seu amor e de sua aceitação e, então, novos obstáculos devem ser superados para a construção de um vínculo seguro.
Não há nada na realidade das adoções, muito menos na realidade das adoções tardias, que indique que crianças mais velhas precisam de menos cuidado ou de menos atenção do que bebês. Pelo contrário, a plena adaptação nas adoções tardias é um desafio ainda maior, já que crianças mais velhas possivelmente foram expostas por tempo maior a cuidados inadequados, traumas e institucionalizações.” [8](grifo nosso)
Neste contexto, colide com a Constituição Federal a previsão do artigo art. 1º da Lei Complementar nº 367/84, com a redação dada pelo art. 3º da Lei Complementar do Estado de São Paulo nº 1.054/2008, que disciplina a licença adotante para o servidor público estadual:
“Artigo 1º - O servidor público poderá obter licença de 180 (cento e oitenta) dias, com vencimentos ou remuneração integrais, quando adotar menor, de até sete anos de idade, ou quando obtiver judicialmente a sua guarda para fins de adoção.”[9]
Nota-se que a lei prevê que a referida licença será concedida para mães adotantes tão somente quando a criança adotada contar com até 7 anos de idade. Entretanto, à luz da Constituição Federal, conforme demonstrado, não pode haver diferenciação entre os filhos biológicos e os havidos pela adoção, e empiricamente, já foi demonstrado que as crianças e adolescentes adotados, independentemente da idade, demandam especial disponibilidade dos pais.
Consolidando a matéria, o Supremo Tribunal Federal, no RE 778.889, julgamento de recurso repetitivo, Tema 782, fixou a seguinte tese:
“Os prazos da licença adotante não podem ser inferiores aos prazos da licença gestante, o mesmo valendo para as respectivas prorrogações. Em relação à licença adotante, não é possível fixar prazos diversos em função da idade da criança adotada”.[10]
Por oportuno, transcrevo a ementa do acórdão RE nº 778.889:
DIREITO CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. EQUIPARAÇÃO DO PRAZO DA LICENÇA-ADOTANTE AO PRAZO DE LICENÇA-GESTANTE.
1. A licença maternidade prevista no artigo 7º, XVIII, da Constituição abrange tanto a licença gestante quanto a licença adotante, ambas asseguradas pelo prazo mínimo de 120 dias. Interpretação sistemática da Constituição à luz da dignidade da pessoa humana, da igualdade entre filhos biológicos e adotados, da doutrina da proteção integral, do princípio da prioridade e do interesse superior do menor.
2. As crianças adotadas constituem grupo vulnerável e fragilizado. Demandam esforço adicional da família para sua adaptação, para a criação de laços de afeto e para a superação de traumas. Impossibilidade de se lhes conferir proteção inferior àquela dispensada aos filhos biológicos, que se encontram em condição menos gravosa. Violação do princípio da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente.
3. Quanto mais velha a criança e quanto maior o tempo de internação compulsória em instituições, maior tende a ser a dificuldade de adaptação à família adotiva. Maior é, ainda, a dificuldade de viabilizar sua adoção, já que predomina no imaginário das famílias adotantes o desejo de reproduzir a paternidade biológica e adotar bebês. Impossibilidade de conferir proteção inferior às crianças mais velhas. Violação do princípio da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente.
4. Tutela da dignidade e da autonomia da mulher para eleger seus projetos de vida. Dever reforçado do Estado de assegurar-lhe condições para compatibilizar maternidade e profissão, em especial quando a realização da maternidade ocorre pela via da adoção, possibilitando o resgate da convivência familiar em favor de menor carente. Dívida moral do Estado para com menores vítimas da inepta política estatal de institucionalização precoce. Ônus assumido pelas famílias adotantes, que devem ser encorajadas.
5. Mutação constitucional. Alteração da realidade social e nova compreensão do alcance dos direitos do menor adotado. Avanço do significado atribuído à licença parental e à igualdade entre filhos, previstas na Constituição. Superação de antigo entendimento do STF.
6. Declaração da inconstitucionalidade do art. 210 da Lei nº 8.112/1990 e dos parágrafos 1º e 2º do artigo 3º da Resolução CJF nº 30/2008.
7. Provimento do recurso extraordinário, de forma a deferir à recorrente prazo remanescente de licença parental, a fim de que o tempo total de fruição do benefício, computado o período já gozado, corresponda a 180 dias de afastamento remunerado, correspondentes aos 120 dias de licença previstos no art. 7º, XVIII,CF, acrescidos de 60 dias de prorrogação, tal como estabelecido pela legislação em favor da mãe gestante.
8. Tese da repercussão geral: “Os prazos da licença adotante não podem ser inferiores aos prazos da licença gestante, o mesmo valendo para as respectivas prorrogações. Em relação à licença adotante, não é possível fixar prazos diversos em função da idade da criança adotada”.[11]
Consectário da proibição de fixação de prazos distintos, é a hipótese mais gravosa, de não previsão da licença.
Observa-se que no julgamento do Recurso Extraordinário 778.889, o STF declarou inconstitucional as normas da Lei 8.112/1990, que davam tratamento diferenciado a licença adotante do servidor público federal, passando este a gozar dos mesmos direitos da gestante.
Conquanto, a lei tenha declarado a inconstitucionalidade tão somente da lei federal, a tese firmada tem aplicação na esfera federal, estadual e municipal.
Com efeito, as decisões proferidas em julgamentos de demandas repetitivas, têm efeitos vinculantes aos demais tribunais e juízos, a teor dos arts. 927 e 1040 CPC.
Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:
I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
II - os enunciados de súmula vinculante;
III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;
IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;
V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.
§ 1º Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1º , quando decidirem com fundamento neste artigo.
§ 2º A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese.
§ 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.
§ 4º A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.
§ 5º Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores.
Art. 1.040. Publicado o acórdão paradigma:
I - o presidente ou o vice-presidente do tribunal de origem negará seguimento aos recursos especiais ou extraordinários sobrestados na origem, se o acórdão recorrido coincidir com a orientação do tribunal superior;
II - o órgão que proferiu o acórdão recorrido, na origem, reexaminará o processo de competência originária, a remessa necessária ou o recurso anteriormente julgado, se o acórdão recorrido contrariar a orientação do tribunal superior;
III - os processos suspensos em primeiro e segundo graus de jurisdição retomarão o curso para julgamento e aplicação da tese firmada pelo tribunal superior;
IV - se os recursos versarem sobre questão relativa a prestação de serviço público objeto de concessão, permissão ou autorização, o resultado do julgamento será comunicado ao órgão, ao ente ou à agência reguladora competente para fiscalização da efetiva aplicação, por parte dos entes sujeitos a regulação, da tese adotada.
§ 1º A parte poderá desistir da ação em curso no primeiro grau de jurisdição, antes de proferida a sentença, se a questão nela discutida for idêntica à resolvida pelo recurso representativo da controvérsia.
§ 2º Se a desistência ocorrer antes de oferecida contestação, a parte ficará isenta do pagamento de custas e de honorários de sucumbência.
§ 3º A desistência apresentada nos termos do § 1º independe de consentimento do réu, ainda que apresentada contestação.[12]
Nesse sentido leciona Daniel Amorim Assumpção Neves:
O art. 927, caput, do Novo CPC, prevê que os juízes e os tribunais observarão as decisões do Supremo Tribunal Federal em controlo concentrado de constitucionalidade; os enunciados de súmula vinculante, os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinários e especial repetitivos, os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional e a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.
[...] Conforme entende a doutrina amplamente majoritária o art. 927 do Novo CPC é suficiente para consagrar a eficácia vinculante aos precedentes e enunciados sumulares previstos em seus incisos. Ou seja, “observarão” significa aplicarão de forma obrigatória.[13]
Sem embargo, a Consolidação das Leis do Trabalho dá o mesmo tratamento à licença, seja gestante ou adotiva:
Art. 392, caput. A empregada gestante tem direito à licença-maternidade de 120 (cento e vinte) dias, sem prejuízo do emprego e do salário.
Art. 392-A, caput. À empregada que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança ou adolescente será concedida licença-maternidade nos termos do art. 392 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 13.509, de 2017) .[14]
Do exposto, resta indubitável a inconstitucionalidade da lei paulista, não há respaldo constitucional para a concessão de licença à adotante somente para hipótese de adoção de filhos até 7 anos de idade. Deve ser reconhecido o direito à licença adotante para todas as adoções de crianças e adolescentes, sem distinções de qualquer natureza.
3. CONCLUSÃO
A Constituição Federal de 1988 tem como fundamento a dignidade da pessoa humana e prevê como direito fundamental a igualdade entre todos. Igualdade esta reafirmada no tocante aos filhos em artigo específico, o qual proclama que os filhos biológicos e adotivos são iguais perante a lei.
Visando superar a igualdade meramente formal, e alcançar a igualdade material, bem como concretizar a dignidade das crianças e adolescentes, consagrou a Constituição diversas normas, em especial ser dever da família, da sociedade e do Estado de assegurar à criança, ao adolescente, com absoluta prioridade, uma série de direitos para seu desenvolvimento.
Dentre as normas, está a previsão da licença maternidade, abrangendo a licença gestante e a adotante, imprescindível à adaptação e amparo a criança ou adolescente.
As leis que regulamentam a matéria, nas esferas federais, estaduais e municipais, devem respeitar a Constituição Federal, sendo inconstitucional qualquer previsão que de tratamento diferenciado a licença gestante e adotante, seja pela natureza da filiação, idade ou qualquer outro elemento discriminatório.
O Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral do tema e declarou que os prazos da licença adotante não podem ser inferiores aos prazos da licença gestante, e que não é possível fixar prazos diversos em função da idade da criança adotada.
A Lei Complementar do Estado de São Paulo nº 367/84, com a redação dada pela Lei Complementar nº 1.054/2008 é inconstitucional, pois limita a licença adotante em razão da idade, afrontando a Constituição Federal. A licença adotante deve ser concedida para todas as adoções de crianças e adolescentes, sem distinções de qualquer natureza.
4. REFERÊNCIAS
Cury, Munir; Paula, Paulo Afonso Garrido; Marçura, Jurandir Norberto. Estatuto da Criança e Adolescente Anotado. 2ª Ed – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Código de Processo Civil Comentado. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016, p. 1359/1360.
Convenção Americana sobre Direitos Humanos, 1969. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d0678.htm>. Acesso em: 28.07.2021.
Convenção sobre os Direitos das Crianças, 1989. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d99710.htm>. Acesso em: 29.07.2021.
BRASIL. Constituição Federal. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 28.07.2021.
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm>. Acesso em 28.07.2021.
BRASIL. Código de Processo Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>. Acesso em: 28.07.2021.
BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del5452.htm. Acesso em: 28.07.2021.
SÃO PAULO. Lei Complementar n° 367/84. Disponível em: <https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei.complementar/1984/lei.complementar-367-14.12.1984.html>. Acesso em: 28.07.2021.
STF, Tribunal Pleno, RE 778889/PE, Relator Ministro Roberto Barroso, DJe-159 DIVULG 29-07-2016 PUBLIC 01-08-2016 Disponível em: <https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur352981/false>. Acesso em: 28.07.2021.