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Demanda contratada de potência:

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Agenda 16/02/2006 às 00:00

CAPÍTULO 4 - O CASO DA DEMANDA CONTRATADA DE POTÊNCIA

4.1 Contratos dos consumidores livres

O mercado de energia elétrica divide-se atualmente entre consumidores livres (com direito a escolher seu fornecedor) e consumidores cativos (vinculados à concessionária que atende seu endereço).

A diferença básica entre eles está na quantidade de energia elétrica demandada. Se a tensão de fornecimento for igual ou superior a 3 Mega Watts e tensão de 69 mil volts, o consumidor adquire a liberdade de escolha na contratação do fornecimento de sua energia e pode contratar distribuidor de outra localidade ou até mesmo produtor independente de energia.

A ANEEL, por intermédio da Resolução nº 456/00 [130], dividiu os consumidores em dois grupos: A (consumidores livres) e B (consumidores cativos).

Estar no grupo A confere ao consumidor, além da liberdade de contratar com o produtor ou distribuidor de energia elétrica que quiser, mediante contrato de conexão e uso dos sistemas de transmissão e distribuição de energia elétrica, a possibilidade de contratar uma reserva de potência.

Esta reserva visa garantir o consumidor de eventuais interrupções no fornecimento, sendo necessária para consumidores que não podem prescindir da energia elétrica, como hospitais e indústrias metalúrgicas.

Para estes consumidores, a comercialização de energia elétrica, seguindo determinação dos artigos 9º, do Decreto nº 62.724/68 [131] e 7º, da Resolução ANEEL nº 264/98 [132], implicará em celebração de três contratos com objetos distintos:

I – de compra e venda de energia elétrica;

II – de conexão com a rede elétrica entre o consumidor e o concessionário ou permissionário proprietário do sistema elétrico ao qual a unidade consumidora será conectada;

III – de uso do sistema elétrico de distribuição e/ou de transmissão, quando for o caso, nos termos da legislação específica.

Em casos em que a reserva de potência é demandada, o contrato de fornecimento firmado pelo consumidor livre, nos termos do artigo 23 da Resolução nº 456/00, deverá conter, além das cláusulas essenciais aos contratos administrativos, outras que digam respeito à:

Uma das principais diferenças desta forma de contratação é que, na parte de suas obrigações, a empresa fornecedora de energia coloca à disposição do consumidor tensão de fornecimento para consumo imediato, bem como uma quantia de energia elétrica contratada, para uso a qualquer momento, comprometendo-se a não comercializá-la com terceiros.

Na parte das obrigações do consumidor, há outra característica importante: a fatura binômia, ou seja, dividida em duas partes, uma delas para pagamento da denominada demanda reservada de potência e outra referente ao consumo efetivo de energia elétrica ativa.

A estrutura pormenorizada da fatura é explicitada no artigo 49 da Resolução nº 456/00:

O faturamento de unidade consumidora do Grupo "A", observados, no fornecimento com tarifas horo-sazonais, os respectivos segmentos, será realizado com base nos valores identificados por meio dos critérios descritos a seguir:

I - demanda de potência ativa: um único valor, correspondente ao maior dentre os a seguir definidos:

a) a demanda contratada, exclusive no caso de unidade consumidora rural ou sazonal faturada na estrutura tarifária convencional;

b) a demanda medida; ou

c) 10% (dez por cento) da maior demanda medida, em qualquer dos 11 (onze) ciclos completos de faturamento anteriores, quando se tratar de unidade consumidora rural ou sazonal faturada na estrutura tarifária convencional.

II - consumo de energia elétrica ativa: um único valor, correspondente ao maior dentre os a seguir definidos:

a) energia elétrica ativa contratada, se houver; ou

b) energia elétrica ativa medida no período de faturamento.

III - consumo de energia elétrica e demanda de potência reativas excedentes: quando o fator de potência da unidade consumidora, indutivo ou capacitivo, for inferior a 0,92 (noventa e dois centésimos), nos termos dos arts. 64 a 69.

Impende esclarecer que o pagamento efetuado a título de consumo de energia elétrica ativa se baseia no valor da mercadoria energia elétrica efetivamente entregue ao consumidor.

Já o pagamento a título de demanda contratada corresponde à garantia de fornecimento de uma quantidade de energia previamente estipulada no contrato.

Se o consumo medido for inferior ao garantido pela demanda contratada, o valor referente será cobrado como energia elétrica consumida.

Todavia, se for superior, por disposição do artigo 56, da Resolução ANEEL nº 456/00 [133], o consumidor deverá pagar uma espécie de multa contratual ou cláusula penal chamada de tarifa de ultrapassagem, que poderá ser correspondente a três vezes o valor da tarifa normal de fornecimento [134].

Para evitar esta situação, a Resolução citada permite ao consumidor o ajuste da demanda a ser contratada, mediante determinação de que a concessionária lhe ofereça um período de testes, com duração mínima de três ciclos consecutivos e completos de faturamento, durante o qual será faturável a demanda medida, observados os respectivos segmentos horo-sazonais, quando for o caso.

Esclarecida a estrutura do fatura de energia elétrica, é hora de passar à questão objeto deste trabalho: em que pese a demanda contratada e a tarifa de ultrapassagem não integrarem as hipóteses de incidência do ICMS, previstas na Constituição Federal de 1988 e na legislação infraconstitucional, alguns Estados exigem o pagamento de ICMS sobre estas duas parcelas.

4.2 Juridicidade da imposição tributária sobre Demanda Contratada de Potência

Existem, na doutrina e jurisprudência pátrias, diversos fundamentos jurídicos que permitem a discussão acerca da constitucionalidade e/ou legalidade da exigência do ICMS sobre a parcela da fatura de energia elétrica denominada demanda contratada de potência.

São estes argumentos, favoráveis e contrários à incidência, que trataremos a seguir.

4.2.1 Debate na doutrina
4.2.1.1 Quanto ao fato gerador

A energia elétrica para fins tributários é considerada mercadoria; sua circulação, portanto, com o advento da Constituição Federal de 1988 [135], é considerada hipótese de incidência do ICMS.

Nos termos da Lei Complementar nº 87/96 [136], o fato gerador, neste caso, considera-se ocorrido na saída da energia elétrica do estabelecimento gerador ou distribuidor para qualquer outro estabelecimento.

A mera formalização do contrato não caracteriza a circulação de mercadoria. Para ocorrência do fato gerador do ICMS é necessária a efetiva circulação física e econômica da energia elétrica.

Significa dizer que a mera disponibilidade de energia elétrica ao consumidor não se subsume à hipótese de incidência do ICMS. Para tanto, é imprescindível que a energia elétrica seja efetivamente consumida, ou seja, que não só tenha saído da linha de transmissão, mas, entrado na residência ou estabelecimento comercial do consumidor.

A entrega da energia elétrica ao consumidor é caracterizada pela Resolução nº 456/00 [137] que conceitua o chamado Ponto de Entrega. Este, como o ponto de conexão do sistema elétrico da concessionária com as instalações elétricas da unidade consumidora, situado no limite da via pública com o imóvel em que se localizar a unidade consumidora, onde se fixará também o limite de responsabilidade do fornecimento.

Para a parte da fatura relativa ao consumo efetivo de energia elétrica, não há dúvidas acerca da ocorrência de fato gerador, pois vê-se com clareza a circulação de mercadoria.

A controvérsia se configura na parte da fatura que fixa a cobrança sobre a demanda contratada de potência, uma vez que nesta se remunera a produtora/distribuidora de energia elétrica, pela reserva de demanda, e, caso haja efetiva utilização da energia elétrica, pelo consumo.

Neste caso, deverá o ICMS incidir sobre o total da fatura, composto pela remuneração não somente de energia elétrica realmente consumida e pela mera reserva de potência, que pode vir a ser utilizada ou não?

Carvalho [138] afirma que não deverá incidir o ICMS sobre a parte da conta de energia elétrica relativa à reserva de demanda, haja vista que esta parcela não possui nenhuma relação com o valor pago às concessionárias em razão da energia elétrica consumida no período. Assim sendo, a exigência implicaria em cobrança de tributo sem que tivesse ocorrido o fato gerador.

MACHADO [139] analisa mais percucientemente o fato gerador do ICMS, assim lecionando:

O tributo somente é devido quando consumado o fato sobre o qual incide a norma de tributação, ou, em outras palavras, quando concretizada a hipótese de incidência tributária.

[...]

Operações relativas à circulação de mercadorias são quaisquer atos ou negócios, independentemente da natureza jurídica específica de cada uma deles, que implicam em circulação de mercadorias, vale dizer, que implicam mudança da propriedade das mercadorias, dentro da circulação econômica que as leva da fonte até o consumidor.

A principal dessas operações é, sem dúvida, o contrato de compra e venda. Vale ressaltar, todavia, que um contrato de compra e venda de mercadorias, por si mesmo, não gera o dever de pagar ICMS. Não é fato gerador desse imposto enquanto não implique circulação de mercadoria.

Por isto mesmo é importante o sentido da expressão operações relativas à circulação de mercadorias, que há de ser entendida em seu conjunto, e não, o significado de cada uma das palavras que a compõem. O legislador constituinte preferiu, seguindo orientação da moderna doutrina do Direito Tributário, utilizar expressões desvinculadas de quaisquer negócios jurídicos. Referiu-se, assim, a um gênero de operações. Todos aqueles atos, contratos, negócios, que são usualmente praticados na atividade empresarial, com o fim precípuo de promover a circulação das mercadorias em geral, movimentando-as desde a fonte de produção até o consumo. E os considerou ligados a essa movimentação, não lhes atribuindo relevância se considerados isoladamente.

E assim concluiu o autor: "[...] Por isto um contrato de fornecimento de energia elétrica, ou a respectiva fatura de pagamento, considerado isoladamente, como simples negócio jurídico, não gera o dever de pagar ICMS, dever esse que surge, todavia, da circulação da mercadoria como ato de execução daquele contrato".

Ou seja, a mera formalização do contrato não caracteriza a circulação de mercadoria.

Para correta visão do debate, é mister ter-se à vista o conceito de circulação de mercadoria fixado pelo Supremo Tribunal Federal.

A jurisprudência da Suprema Corte, como já salientado neste trabalho, é assente ao afirmar que a mera movimentação física de mercadorias internamente ou em estabelecimentos de mesmo contribuinte, não constitui fato gerador do ICMS, por considerar não ter havido circulação de mercadoria.

Mutatis mutandis, significa dizer que se a energia elétrica não saiu da distribuidora/produtora, não houve circulação e, portanto, não há como ter ocorrido o fato gerador do ICMS.

Este posicionamento é também pacífico na doutrina pátria, desde antes da Constituição Federal de 1988, como confirma MARTINS [140]:

Como se percebe, o novo e pretendido fato gerador de ICM (movimentação interna de mercadorias dentro de um estabelecimento) não mereceu acolhida doutrinária de nenhum dos 200 tributaristas presentes ao 3º Simpósio (1978), nem dos 500 presentes ao 1º Congresso Brasileiro de Direito Tributário (1981). É que a hipótese não é prevista legalmente e por força do princípio da estrita legalidade e da tipicidade fechada, apenas se constitui fato gerador do ICM efetiva saída de mercadorias. O tipo tributário é bem claro e não admite interpretações extensivas, impossíveis por força do Código Tributário Nacional, ou exegeses analógicas, também vedadas em face da norma com eficácia de complementar que é a Lei 5.172/66.

O tipo fechado no caso é a saída efetiva. A legalidade estrita apenas admite como saída a mercadoria que ultrapasse as soleiras do estabelecimento, por documento ou faticamente. Sem documento e sem saída efetiva, não é possível aceitar-se como fato gerador do ICM a simples movimentação interna, nos páteos de um mesmo estabelecimento, de mercadorias de um setor para o outro.

CANTO [141], em análise do Convênio nº 66/88 [142], perfeitamente válida ainda, segue o mesmo raciocínio:

Em que pesem, porém, tais imperfeições, penso que o art. 19 transcrito contém os elementos necessários à configuração da obrigação tributária, porquanto menciona o seu fato gerador, o seu sujeito passivo e a sua base de cálculo, sendo, como se sabe, a alíquota (o outro elemento necessário) definida de modo variável em função das características de cada operação. Fica, portanto, claramente evidenciado que o fato gerador se exterioriza, no caso de energia elétrica, pela entrega do produto ao consumidor.

E conclui afirmando que "[...] a ‘entrega’ de energia elétrica corresponde, no caso, à saída de mercadoria, e o valor que constitui a base de cálculo do ICMS que sobre ela incide terá de ser o valor da operação, que é o valor do fornecimento efetivo". [143]

Ao final, CAMPOS [144] é categórico:

Incidindo o ICMS sobre a demanda contratada de energia elétrica, temos uma tributação indevida pela total falta de hipótese de incidência. O ICMS, só pode ser cobrado, tomando-se como base de cálculo o efetivo consumo de energia elétrica. Na realidade, quando a fatura é feita pelo valor de demanda de energia elétrica contratada, estamos diante de uma penalidade contratual, que não pode ser tributada pelo ICMS. O consumidor, tributado injustamente, tem o direito de promover Ação de Repetição do Indébito, exigindo o reembolso do pagamento, ou, alternativamente, a compensação do tributo pelo Fisco Estadual, sendo o prazo prescricional de cinco anos, nos termos do art. 168 do CTN".

4.2.1.2 Quanto à base de cálculo

A base de cálculo, nos dizeres do § 9º, do artigo 34, do ADCT [145], corresponde ao preço praticado na operação final, valor da operação mercantil.

Anteriormente à Lei Complementar nº 87/96 [146], que determina que base de cálculo deve ser o valor da operação mercantil realizada, o Convênio nº 66/88 [147] fazia a previsão em redação bastante mais clara:

Art. 19 A base de cálculo do imposto devido pelas empresas distribuidoras de energia elétrica, responsáveis pelo pagamento do imposto relativamente às operações anteriores e posteriores, na condição de contribuintes substitutos, é o valor da operação da qual decorra a entrega do produto ao consumidor.

De análise desta conformação legislativa, FILHO e MONTEIRO [148] firmaram seguinte posicionamento: "O preço, ressaltamos com ênfase, consiste na parte essencial no cálculo do ICMS. A base de cálculo do imposto não pode ser diversa do valor da operação da qual decorra a entrega de mercadoria ao consumidor, não comportando esta qualquer incremento ou majoração".

Trazendo esta posição ao caso específico da fatura de energia elétrica, pode aferir-se que o valor da operação (base de cálculo prevista na legislação de regência) não será o valor integral da fatura, eis que composta de outros elementos, mas sim, somente o valor da operação de entrega de energia elétrica ao consumidor, aquela efetivamente consumida, que ocorre ao sair da linha de transmissão e, ao entrar no estabelecimento do consumidor.

Observe-se que o contrato de reserva de demanda somente vai garantir uma quantidade de energia elétrica, não promovendo alterações na situação fática da energia realmente gasta, de forma que, seguindo a orientação acima explicitada, deve-se concluir que não deve ser incluída na base de cálculo do ICMS.

Na mesma esteira de raciocínio, CANTO é enfático:

É de toda evidência que o ICMS incide somente sobre o valor da energia elétrica efetivamente consumida, pois só ela pode ser considerada como entregue ao consumidor, ou, como simples alegoria, como tendo "saído" da linha de transmissão, e "entrado" no estabelecimento da consulente. Nem se pretenda que, estando obrigada a pagar pela energia contratada o consumidor deve considerá-la como preço do kWh para efeito de determinação da base de cálculo do ICMS, em vez do valor referente aos kWh realmente consumidos.

Ganim [149], por sua vez, diverge afirmando que posições doutrinárias como as acima expostas, não levaram em consideração a legislação específica do setor elétrico, desconsiderando, portanto, aspectos básicos da formação do preço como a tarifa binômia para consumidores do Grupo A e o custo do fornecimento.

O autor afirma que a determinação de estrutura binômia da fatura permite concluir que o somatório dos valores atribuídos à demanda de potência e à energia consumida forma o preço cobrado do consumidor, portanto, o valor expressivo da remuneração pela entrega de energia ao consumidor, conseqüentemente base de cálculo válida para o ICMS.

Por outro lado, há a determinação do artigo 14, do Decreto nº 62.724/68 [150], na redação do Decreto nº 86.463/81:

Art. 14 - O custo do serviço do fornecimento de energia elétrica deverá ser repartido, entre os componentes de demanda de potência e de consumo de energia, de modo que cada grupo ou subgrupo, se houver, de consumidores, responda pela fração que lhe couber.

Parágrafo único - O critério de repartição das parcelas do custo do serviço entre os componentes tarifários será definido pelo Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica - DNAEE.

Assim, ficou definido que o componente de Demanda de Potência seria responsável pelo atendimento de algumas parcelas do custo do serviço como: remuneração legal, cota de reversão ou de amortização, cota de depreciação e parcela relativa ao custo da demanda de potência adquirida.

Por outro lado, o componente de consumo de energia deveria abarcar as despesas de exploração, impostos e taxas.

Com mais esta razão, Ganim pôde concluir que, por serem tanto a demanda de potência como o consumo de energia, parcelas remuneratórias da concessionária, sendo a primeira concernente aos investimentos e a segunda pelas despesas operacionais, o ICMS, de fato, deve incidir sobre o preço total da operação.

Quanto a este último aspecto, do custo do fornecimento, SEGUNDO [151] contradita afirmando:

Nos contratos de concessão, o poder concedente autoriza a cobrança da tarifa, que já remunera todos os custos do concessionário, e determina ainda a cobrança do ICMS. Nesses mesmos contratos, a receita proveniente da cobrança do ICMS não é considerada receita da concessionária, que figura como mera arrecadadora, a exemplo das fontes pagadoras para fins de imposto de renda.

Significa dizer que os custos do fornecedor de energia são cobertos pela tarifa, mas que o ICMS não é custo ou receita sua. Na verdade, a lei apenas conferiu ao concessionário o dever jurídico de recolher o ICMS, mas atribuiu-lhe o direito de exigir do consumidor o reembolso respectivo, não para remunerar seu custo de fornecimento, mas para repassá-lo ao sujeito ativo competente.

Ainda analisando a questão sob o aspecto da remuneração do custo do serviço, GODOI e SALIBA [152] assim lecionam:

A parte da conta referente à ‘demanda’ não tem relação com o valor pago às concessionárias em função da energia efetivamente consumida no mês. O preço da ‘demanda’ é fixado em função de um consumo presumível, baseado na potência dos aparelhos instalados pelo consumidor. A parte da conta correspondente ao consumo refere-se à energia elétrica efetivamente consumida, ao passo que a parte relativa à ‘demanda’ refere-se à energia que a concessionária poderia ter sido chamada a entregar ao consumidor. A tarifa correspondente à ‘demanda’, destarte, visa a recompensar a concessionária pelo serviço público (fornecimento de energia elétrica) que, apesar de não ter sido prestado, foi posto à disposição do consumidor. A tarifa de consumo, por sua vez, remunera o efetivo fornecimento de energia elétrica pela concessionária.

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O fato é que, tratando-se de remuneração por serviço público, a hipótese não se encaixa dentro daquelas descritas pela Constituição Federal, uma vez não há para o caso de energia elétrica a previsão para incidência sobre o serviço – fornecimento. Os serviços alcançados pela incidência do ICMS são, e só podem ser, aqueles previstos na Carta Magna: os de transporte intermunicipal e interestadual e de comunicação, o que configura ausência de hipótese de incidência a legitimar a cobrança do ICMS sobre a demanda.

BALEEIRO [153] confirma a posição acima:

A Constituição de 1988 distingue, continuamente, operação de circulação de mercadoria, de prestação de serviços. Jamais equipara prestação de serviço à operação de circulação.

[...]

O descrímen é necessário e foi continuamente estabelecido pela Constituição Federal. Onde quis incluir a prestação de serviços, a Constituição o fez clara e inquestionavelmente.

[...]

É justo e correto presumir que, naqueles sítios em que a Constituição Federal não menciona a prestação de serviços, a omissão é deliberada, não podendo o intérprete alterar o Texto Magno. Ainda que nisso se vislumbrasse mero erro, a Constituição prevê os únicos possíveis caminhos adequados de revisão, não cabendo ao intérprete se sobrepor ao legislador.

4.2.2 Debate na jurisprudência

O debate na jurisprudência, da mesma forma, ainda não teve final, ao menos no que concerne àquela formada pelos tribunais de justiça estaduais.

Como se demonstrará a seguir, mediante cotejo de acórdãos prolatados por tribunais de duas unidades da Federação, escolhidas a título exemplificativo, mas bastante ilustrativos da dissidência, não há consenso nas Cortes estaduais, no que tange à constitucionalidade/legalidade da incidência de ICMS sobre a demanda contratada de potência de energia elétrica.

4.2.2.1 Cotejo da jurisprudência das Cortes estaduais

No Tribunal de Justiça do Paraná, o entendimento é pacífico no sentido da ilegalidade da incidência, adotando para tanto o entendimento, abaixo esmiuçado, acerca da configuração do fato gerador, não deixando de analisar questões relativas à legitimação processual ativa e passiva.

No acórdão proferido no julgamento da Apelação Cível nº 137.769-3 [154], a argüição de ilegitimidade ativa do consumidor de energia elétrica restou assim tratada:

A apelante é parte legítima para impetrar a presente ação mandamental, uma vez que é ela quem paga a conta do consumo, nela incluído o ICMS, suportando dessa forma todo o ônus tributário.

Na mesma linha de raciocínio, o acórdão proferido no julgamento da Apelação Cível nº 147.154-5 [155]:

[...]

Muito embora a concessionária de energia elétrica, na qualidade de substituto tributário, seja responsável pelo recolhimento do ICMS, é o consumidor, substituído, que arca com o pagamento do tributo, configurando-se sua legitimidade para a causa [...]

Por outro lado, no quesito legitimidade do Chefe de Delegacia da Receita Estadual para figurar como autoridade coatora em mandado de segurança visando o afastamento da incidência tratada neste trabalho, assim restou firmado no julgamento da Apelação Cível nº 137.769-3 [156]:

Da mesma forma, os impetrados, também são partes legítimas, para figurarem no pólo passivo da ação. Autoridade coatora é aquela que ordena (ainda de manifestamente incompetente para a sua prática: RSTJ 96/376) ou omite a prática do ato impugnado, e não o superior que recomenda ou baixa normas para a sua execução. (STJ REsp 62174-7 rel. Min. Demócrito Reinaldo)

Já no acórdão proferido no julgamento da Apelação Cível nº 147.154-5 [157], o ponto foi tratado de forma mais acurada:

Já a vinculação entre o ato inquinado de ilegal (ato coator) e a autoridade apontada como coatora também existe e foi muito bem abordada pelo ilustre agente ministerial de 2º grau, ao tratar da legitimidade passiva:

"Legitimidade passiva tem a autoridade apontada como coatora e o Estado do Paraná. Relação jurídica de direito material é eminentemente tributária (incidência e exigência de ICMS) e, como tal, conforme a exordial pretensão, há de por ela responder o Estado do Paraná (sujeito ativo: art. 119 do CTN) e seu(s) agente(s) com poder-dever fiscal circunstancialmente vinculado(s) à Fazenda Estadual, e não à COPEL (concessionária e prestadora de serviço público sem qualquer responsabilidade direta quanto à exigência tributária). Por outro lado, e além da difícil eleição, por parte do cidadão (e até seu advogado), do agente público responsável administrativamente para efeitos judiciais (frente à burocrática e complexa estrutura da Administração Pública), na espécie o Delegado Regional da Receita Estadual em Umuarama-Pr (domicílio tributário das impetrantes: art. 127, II, do CTN) é circunscrita e geográfica autoridade competente (inclusive como superior hierárquico, ainda que intermediariamente) para a relação tributária em questão, sobremodo para fiscalizar, exigir, lançar, determinar em concreto, corrigir, enfim, para realizar ou executar as providências ou os procedimentos afetos, abrangendo-se, nessa perspectiva, a obediência à eventual ordem judicial [...]"

Na questão de fundo, ou seja, a adequação da hipótese fática àquela descrita na norma de regência como fato gerador e base de cálculo do ICMS, o acórdão da Apelação Cível nº 137.769-3 [158], assim tratou:

[...]

Ressalte-se, então, que a referida tarifa visa somente recompensar a concessionária pelo serviço público (fornecimento de energia elétrica), que apesar de não ter sido prestado, foi posto à disposição do consumidor. Por outro lado, acrescenta-se que a tarifa de consumo, (sic) remunera o efetivo fornecimento de energia elétrica pela concessionária.

[...]

De fato, a demanda reservada de potência, por não constituir operação de circulação da mercadoria energia elétrica, não é fato gerador do ICMS. Este imposto, por força das disposições contidas na Constituição Federal (art. 155, II e § 3º) e na legislação complementar, tem como aspecto temporal da hipótese de incidência, a saída da energia elétrica do estabelecimento produtor, sendo sua base de cálculo o valor da operação da qual decorrer a saída da mercadoria.

O valor destacado nas contas de energia elétrica a título de consumo, corresponde à efetiva operação de circulação de mercadoria (saída de energia elétrica do estabelecimento produtor), praticada em determinado lapso de tempo, sujeita à incidência do ICMS. Já o valor destacado nas contas de energia elétrica sob a rubrica demanda, refere-se à energia que a concessionária poderia ter sido chamada a entregar ao consumidor.

Na espécie, o Hospital, ora recorrente, não recebe a energia da reserva, apenas paga para mantê-la reservada. Como o ICMS só incide sobre mercadoria transferida, naturalmente, não incide imposto sobre o que não circulou e não se transferiu.

O contrato, no direito brasileiro, por si só não transfere a propriedade, impondo-se a transcrição do título em se tratando de imóveis, e a tradição, para os móveis. A simples reserva de energia não implica na sua circulação para a usuária. Só com o efetivo consumo é que se transmite a energia, configurando o fato gerador do ICMS.

Na reserva de demanda não ocorre a tradição da energia, e como tal, não há que se falar em ICMS. Isto porque a cobrança de tributo sem o correspondente fato gerador é ilegal, gerando mesmo enriquecimento sem causa por parte de quem cobra, o que, sem dúvida é vedado pelo bom senso, e pelo Direito.

O contrato entre a apelante e a Copel, existe somente para garantir uma demanda de energia elétrica, em face das grandes necessidades do Hospital. Entretanto, esse contrato ao alterar a situação fática, da quantidade de energia elétrica efetivamente gasta, sobre a qual se deve tributar o ICMS, sendo injusto cobrar do apelante, pelo que efetivamente ele não gastou. Ademais, a simples formalização do contrato de compra e fornecimento de energia, não caracteriza circulação de mercadoria. O fato gerador do ICMS, não se configura com o simples pacto. Há que materializar o negócio jurídico na efetiva circulação física ou econômica da mercadoria em termos de seu real consumo.

Por sua vez, o acórdão da Apelação Cível e Reexame Necessário nº 141.104-1 [159], apesar de sucinto, não perdeu sua contundência:

No caso dos autos, a recorrida não recebe a energia de reserva, apenas paga para mantê-la reservada. Como o ICMS é um imposto que incide sobre a efetiva circulação de mercadorias, a simples reserva de energia não implica sua circulação para usuária, que só acontece com o efetivo consumo que só ocorre quando se transmite a energia, configurando então o fato gerador do ICMS.

Fundamentos expostos, assim concluiu o acórdão da Apelação Cível nº 137.769-3 [160]:

[...]

Invocando o art. 19 do Convênio nº 66/88, que define a base de cálculo do ICMS sobre energia elétrica, concluo pela não incidência do imposto, visto ser ele bem preciso ao prever: A base de cálculo do imposto devido pelas empresas distribuidoras de energia elétrica, responsáveis pelo pagamento do imposto relativamente a operações anteriores e posteriores, na condição de substitutos, é o valor da operação da qual decorre a entrega do produto ao consumidor.

[...]

Assim, não há dúvida de que houve, da parte dos impetrados, uma cobrança indevida a título de ICMS, fazendo-se incidir sobre a parcela de demanda contratada que não foi utilizada, que é mero valor decorrente de contrato de fornecimento. Nessa disponibilização, enquanto não se efetivar o consumo, está ausente o fato jurídico tributário descrito abstratamente na norma constitucional do ICMS.

Por sua vez, o acórdão da Apelação Cível nº 147.154-5 [161] finaliza desta forma:

Sobre essa parcela, de demanda contratada, mas não utilizada, é que o fisco vem fazendo incidir o ICMS, contra o que se volta o presente mandado de segurança. Para se resolver a questão há que se saber se ocorreu o fato gerador. E aqui a resposta é claramente negativa. Não houve o consumo da energia, não existiu a operação, que ficou apenas na expectativa. Desta forma, é absolutamente ilegal a incidência do ICMS.

Na verdade, o tributo está sendo cobrado em razão de um contrato de promessa de fornecimento de energia, ou seja, o ICMS incide sobre a quantidade de energia que a COPEL assegurou, colocou à disposição do consumidor, independente de ser ou não utilizada.

Abre-se um parênteses aqui, para um exemplo bastante ilustrativo, constante na conclusão do acórdão citado:

Seria o caso, por exemplo, de um contrato em que uma montadora de automóveis garantisse a entrega de dez veículos por mês a uma concessionária, e esta fosse obrigada a pagar, na condição de substituto tributário, o ICMS dos dez, ainda que tivesse recebido e vendido apenas um ou dois. Parece evidente que não tem sentido a incidência do tributo nessas condições.

Ao final, o desfecho dado no julgamento da Apelação Cível e Reexame Necessário nº 141.104-1 [162]:

Dessa forma, inobstante o contrato celebrado entre a recorrida e a COPEL, conclui-se que o fisco estadual somente poderia fazer o lançamento do tributo de acordo com o efetivo consumo de energia elétrica e não com base na demanda potencialmente reservada.

Em jurisprudência reveladora de posicionamento diametralmente oposto, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal é também pacífico; todavia para declarar a legalidade da incidência do ICMS sobre a demanda reservada de potência de energia elétrica. Veja-se em detalhes.

No aspecto da legitimidade passiva, assim se manifestou o Desembargador Relator no acórdão proferido no julgamento da Apelação Cível nº 2001.01.1.087714-4 [163]:

Na verdade, revela-se despiciendo, no caso vertente, questionar a legitimidade da Eletronorte quanto à cobrança do ICMS, eis que a pretensão ora deduzida tem por fundamento contrato celebrado entre autora e ré.

De outra monta, em relação à necessária intervenção do Estado do Pará no pólo passivo da demanda, impende ressaltar, como bem salientou o i. julgador monocrático, que se trata de litisconsórcio facultativo, nos termos do art. 46, II e IV, do CPC.

Destarte, não obstante tenha sido requerida a citação do Estado do Pará para integrar no pólo passivo da demanda, despicienda é sua participação, eis que apesar de tratar-se de questões relativas à cobrança de imposto, repassáveis ao Estado do Pará, o cerne da demanda cinge-se à legalidade das prestações pactuadas no contrato de demanda e não ao repasse.

O Desembargador Revisor, sem divergir do posicionamento adotado pelo Relator, complementou:

O que se discute nos autos é a forma de cobrança do ICMS prevista no contrato, não sendo o Estado do Pará parte deste. Assim, entendo que sua presença na lide torna-se desnecessária. Ademais, como bem expôs a sentença, o litisconsórcio é facultativo.

Quanto ao tema da ilegitimidade passiva, melhor sorte não colhe a recorrente. Sua legitimidade é manifesta, eis que é parte do contrato entabulado e ora em discussão, sendo titular dos interesses discutidos.

A seu modo, desta forma foi tratada a questão no acórdão prolatado na Apelação Cível nº 2001.01.1.010880-5 [164]:

A Companhia Energética de Brasília, em sua minuta, sustenta a sua ilegitimidade passiva, por se tratar de pessoa jurídica e assevera que celebrou contrato com o usuário, ora impetrante, sob o regime jurídico privado e não como concessionária de serviço público.

Aduz que não é substituto tributário, haja vista que recolhe o tributo em seu próprio nome. No mérito alega que a exação está acorde com a legislação aplicável e a regulamentação da ANEEL.

[...]

Concernente à preliminar de ilegitimidade passiva da Companhia Energética de Brasília, tenho que deva a mesma ser rejeitada, porquanto o referido imposto é recolhido pela referida concessionária, em regime de substituição tributária, pelo que exsurge cristalina sua legitimidade para figurar no pólo passivo da impetração.

O entendimento sobre a legalidade da incidência do ICMS sobre a demanda reservada de potência, foi fundamentado versando-se acerca do fato gerador e base de cálculo, como se pode extrair de diversas passagens no acórdão da Apelação Cível nº 2001.01.1.087714-4 [165]:

Ocorre, todavia, que a garantia e disposição de energia elétrica em favor da apelante é suficiente para a circulação de mercadoria.

Não há dúvida de que a circulação do bem se dá com a sua colocação à disposição do consumidor, não importando se este venha a utilizá-lo ou não. A partir do momento em que a energia é reservada exclusivamente à usuária – Companhia Vale do Rio Doce S/A, ela não poderá mais ser utilizada por terceiros nem ser devolvida à fornecedora de energia, ocorrendo, de fato, uma venda da possibilidade de compra de energia adicional, ou seja, energia reservada.

[...]

Com efeito, em sendo as operações relativas à circulação de mercadorias atos ou negócios que impliquem na circulação econômica do bem, o fato da energia não ter sido consumida não desfigura sua circulação, eis que foi colocada à disposição do consumidor.

[...]

Outrossim, afere-se que a Eletronorte em consulta com a fazenda estadual obteve informação "que a base de cálculo do ICMS devida em virtude do fornecimento de energia elétrica deveria considerar o valor total da tarifa estruturada de conformidade com o artigo 11 do Decreto Federal n° 62.724/68, que define expressamente que as tarifas dos consumidores do grupo a são estruturadas de forma ‘binômia’, com um componente de demanda e outro de consumo de energia".

In casu, a circulação do bem energia elétrica é inquestionável tanto no contrato padrão quanto no contrato de demanda. Naquele, o bem é fornecido pela concessionária de energia e efetivamente utilizado pelo consumidor; neste, o bem é fornecido pela concessionária, podendo ou não ser utilizado pelo consumidor.

[...]

Conforme se depreende, a mera disponibilização da energia em favor da apelante – entrega do produto -, a meu aviso, configura a circulação de mercadoria e, ainda que a recorrente não utilize toda a energia que reserva, não se pode negar que ela foi entregue.

O fato da energia não ter sido consumida não desfigura o fato da mesma ter sido colocada à disposição, caracterizando a circulação tornando legítima, pois, a incidência do imposto sobre a energia colocada à disposição e não somente sobre aquela que foi utilizada.

A recorrente está pagando para possuir energia à sua disposição, energia esta que lhe foi entregue, sendo esta circulação o fato gerador do ICMS.

A partir do momento que a energia é reservada à recorrente, estando a sua disposição, não poderá mais ser utilizada por terceiros nem devolvida à própria concessionária de energia o que caracteriza uma venda, uma circulação.

Do mesmo jeito, com a mesma ênfase do posicionamento contrário do Tribunal de Justiça do Paraná, tratou-se do fato gerador e base de cálculo relativos ao caso em tela, no acórdão prolatado na Apelação Cível nº 2001.01.1.010880-5 [166]:

Consoante assentei quando da análise do Agravo Regimental interposto em face de decisão, da minha lavra, que negou seguimento ao AGI n.º 2001 00 2 000710-5, entendo que essa garantia, essa disponibilização de energia em favor do apelante, está a caracterizar uma circulação de mercadoria, ou seja, o bem é deslocado do domínio da CEB ao do Condomínio, que dele poderá fazer uso, caso necessite.

A meu ver, ainda que o apelante não utilize toda a energia que reserva, não se pode dizer que essa mercadoria não foi vendida, tanto que, em havendo a necessidade, esse bem necessário ao recorrente estará de pronto à sua disposição, numa clara evidência de que ocorreu uma transferência, não apenas em relação à energia que consumiu, mas em relação, também, à potência que reservou.

No mesmo sentido assentou o Ministério Público em seu parecer de fls. 371/375, do qual, por oportuno, extraio o seguinte trecho, verbis:

[...]

In casu, a circulação do bem energia elétrica é inquestionável tanto no contrato padrão quanto no contrato de demanda. Naquele, o bem é fornecido pela concessionária de energia e efetivamente utilizado pelo consumidor; neste, o bem é fornecido pela concessionária, podendo ou não ser utilizado pelo consumidor. O fato de a energia não ter sido consumido não desfigura o fato de a mesma ter sido colocada à disposição do consumidor.

Não há dúvida de que a circulação do bem se dá com a sua colocação à disposição do consumidor, não importando se este venha a utilizá-la ou não. A partir do momento em que a energia é reservada exclusivamente ao usuário, ela não poderá mais ser utilizada por terceiros nem ser devolvida à própria concessionária de energia, ocorrendo, de fato, uma venda da possibilidade de compra de energia adicional, ou seja, da energia reservada."

Assim, resta evidente que há efetiva circulação de mercadoria, tendo em conta que há a transferência da titularidade do bem, em que pese não tenha havido o efetivo consumo pelo estabelecimento contrante.

E assim conclui o julgado:

Entretanto, entendo razão não lhe assistir, em que pese o v. aresto trazido à colação, do egrégio Superior Tribunal de Justiça, em precedente do Estado de Minas Gerais, visto que o ICMS possui disciplinamento constitucional, mas compete aos estados e ao Distrito Federal instituir por Lei o tributo.

A Lei Distrital nº 1.254, que instituiu o ICMS nesta unidade da Federação, ao ditar, ao final de seu art. 16, que a base de cálculo do imposto devido será "... o valor total da operação final da qual decorra a entrega do produto ao consumidor", afasta qualquer dúvida sobre o assunto em pauta.

No caso dos autos, exsurge cristalina que a CEB, através do Contrato Padrão cobra pela energia efetivamente consumida, disponibilizando energia ao ora Apelante, através do Contrato de Demanda, por preço diferenciado, que não pode vender à outrem.

Assim, o Apelante está pagando para possuir energia em estoque, não restando qualquer dúvida de que está pagando para ter a energia à sua disposição, sendo este o fato gerador do ICMS ora reclamado, respeitante ao Contrato de Demanda.

4.2.2.2 A jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça

O Superior Tribunal de Justiça passou ao largo das divergências nos Tribunais Estaduais e vem firmando cada vez mais sua jurisprudência no sentido da não incidência de ICMS sobre a parcela denominada demanda contratada de potência.

A esse respeito, vejam-se as ementas abaixo colacionadas:

TRIBUTÁRIO. ICMS. ENERGIA ELÉTRICA. CONTRATO DE DEMANDA RESERVADA DE POTÊNCIA. FATO GERADOR. INCIDÊNCIA.

1 — O valor da operação, que é a base de cálculo lógica e típica no ICMS, como era no regime de ICM, terá de consistir, na hipótese de energia elétrica, no valor da operação de que decorrer a entrega do produto ao consumidor (Gilberto Ulhôa Canto).

2 — O ICMS deve incidir sobre o valor da energia elétrica efetivamente consumida, isto é, a que for entregue ao consumidor, a que tenha saído da linha de transmissão e entrado no estabelecimento da empresa.

3 — O ICMS não é imposto incidente sobre tráfico jurídico, não sendo cobrado, por não haver incidência, pelo fato de celebração de contratos.

4 — Não há hipótese de incidência do ICMS sobre o valor do contrato referente a garantir demanda reservada de potência.

5 — A só formalização desse tipo de contrato de compra ou fornecimento futuro de energia elétrica não caracteriza circulação de mercadoria.

6 — A garantia de potência e de demanda, no caso de energia elétrica, não é fato gerador do ICMS. Este só incide quando, concretamente, a energia for fornecida e utilizada, tomando-se por base de cálculo o valor pago em decorrência do consumo apurado.

7 — Recurso conhecido e provido por maioria.

8 — Voto vencido no sentido de que o ICMS deve incidir sobre o valor do contrato firmado que garantiu a ‘demanda reservada de potência", sem ser considerado o total consumido. [167]

TRIBUTÁRIO. ICMS. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.

1. Inexiste omissão em acórdão que, no trato de recurso especial. deixa de analisar e aplicar regras de patamar constitucional.

2. A função do Recurso Especial é de garantir a autoridade e a aplicação uniforme da lei federal.

3. O ICMS, que se trata de fornecimento de energia elétrica, deve incidir sobre o total efetivamente consumido pelo contribuinte.

4. Inexistência de lei determinando como fato gerador do ICMS a reserva de demanda e, conseqüentemente, como base de cálculo, o valor correspondente a esse tipo de negócio jurídico.

5. Embargos de declaração rejeitados. [168]

TRIBUTÁRIO - ICMS - ENERGIA ELÉTRICA: DEMANDA RESERVADA - FATO GERADOR ART. 116, II, DO CTN

1. A aquisição de energia elétrica para reserva, formalizada por contrato, não induz à transferência do bem adquirido, porque não se dá a tradição.

2. Somente com a saída do bem adquirido do estabelecimento produtor e o ingresso no estabelecimento adquirente é que ocorre o fato gerador do ICMS (art. 19 Convênio 66/88) e art. 166, II, do CTN.

3. Recurso especial provido. [169]

TRIBUTÁRIO. RECURSOS ESPECIAIS INTERPOSTOS POR COMPANHIA VALE DO RIO DOCE - CVRD E ESPÍRITO SANTO CENTRAIS ELÉTRICAS S/A - ESCELSA. ICMS. ENERGIA ELÉTRICA. DEMANDA RESERVADA OU CONTRATADA. APLICAÇÃO AO FATO GERADOR. IMPOSSIBILIDADE. BASE DE CÁLCULO DO ICMS. VALOR CORRESPONDENTE À ENERGIA EFETIVAMENTE UTILIZADA. PRECEDENTES. ART. 116 DO CTN. ART. 19 DO CONVÊNIO 66/88. CONCESSIONÁRIA DE ENERGIA ELÉTRICA. ILEGITIMIDADE PASSIVA PARA FIGURAR EM CAUSA EM QUE SE EXAMINA FORMA DE CÁLCULO DE ICMS.

1. Tratam os autos de ação ordinária proposta pela COMPANHIA VALE DO RIO DOCE – CVRD contra a ESPÍRITO SANTO CENTRAIS ELÉTRICAS S/A – ESCELSA, sendo posteriormente admitido como assistente litisconsorcial o ESTADO DO ESPÍRITO SANTO.

Discute-se a cobrança de ICMS sobre "demanda contratada", consistente em potencial de energia elétrica colocada à disposição de grandes clientes pela concessionária de energia, mediante contrato. Em primeira instância o pedido da CVRD - para calcular o ICMS apenas sobre a energia efetivamente utilizada - foi julgado improcedente, interposta apelação, foi denegada pelo aresto recorrido, pelo que resultaram os recursos especiais em apreciação. O da CVRD buscando assentar a tese apresentada em primeiro grau. O da EXCELSA S/A aduzindo a sua ilegitimidade passiva para o feito. Admitidos, ambos os recursos vieram a exame.

2. Concessionária de energia elétrica não é sujeito passivo de obrigação tributária e contribuinte no que se refere ao ICMS, uma vez que apenas repassa à Fazenda Pública o numerário obtido, razão pela qual não possui legitimidade para figurar no pólo passivo de ação cujo ponto controverso respeita à forma de apuração de ICMS decorrente de transmissão de energia.

3. Consoante o entendimento esposado por este Superior Tribunal de Justiça, não se admite, para o efeito de cálculo de ICMS sobre transmissão de energia elétrica, o critério de Demanda Reservada ou Contrada - apura-se o ICMS sobre o quantum contratado ou disponibilizado, independentemente do efetivo consumo -, uma vez que esse tributo somente deve incidir sobre o valor correspondente à energia efetivamente consumida.

4. Apenas com a transferência e a tradição da energia comercializada se tem como existente a obrigação tributária concernente ao ICMS (art. 116, II do CTN e art. 19 do Convênio 66/88).

5 – O valor da operação, que é a base de cálculo lógica e típica no ICMS, como era no regime de ICM, terá de consistir, na hipótese de energia elétrica, no valor da operação de que decorrer a entrega do produto ao consumidor (Gilberto Ulhôa Canto).

6 – O ICMS deve incidir sobre o valor da energia elétrica efetivamente consumida, isto é, a que for entregue ao consumidor, a que tenha saído da linha de transmissão e entrado no estabelecimento da empresa.

7 – A garantia de potência e de demanda, no caso de energia elétrica, não é fato gerador do ICMS. Este só incide quando, concretamente, a energia for fornecida e utilizada, tomando-se por base de cálculo o valor pago em decorrência do consumo apurado.

8. Recurso especial da ESCELSA S/A conhecido e provido, para o efeito de reconhecer a sua ilegitimidade passiva para o feito. Recurso especial da COMPANHIA VALE DO RIO DOCE conhecido e provido. [170]

Ocorre que, para se chegar ao consenso, aquela Corte teve que enfrentar a divergência. No julgamento do Recurso Especial nº 222.810/MG, cuja ementa foi acima transcrita, o relator inicial do processo, Ministro Milton Luiz Pereira, ficou vencido ao não conhecer o recurso por entender que a solução ao litígio era de ordem constitucional, portanto, incompetente o Superior Tribunal de Justiça para julgamento, e que, seria necessária a análise do contrato, o que restaria inviabilizado em razão da Súmula 05, que veda a análise de disposições contratuais.

Para chegar a tal conclusão, o Relator fundou-se nas seguintes premissas.

Quanto à base de cálculo:

[...] presa a atenção às anunciações delineadas no relatório, comemora-se que, decorrente de ação com pretendida tutela antecipatória, provendo a apelação, no julgamento dos Embargos Infringentes foi constituído o vergastado v. Acórdão restabelecendo a r. sentença de primeiro grau, em suma assentando:

"O ICMS deve ter por base a quantia efetivamente paga, a título de consumo, independentemente do consumo efetivo."

No que concerne aos efeitos do contrato, ressaltando a adoção de toda a argumentação da Fazenda Estadual:

[...]

Na seqüência da ordem referenciada na manifestação recursal, quanto às prédicas afiveladas ao merecimento da questão tributária — "direito de não recolher o ICMS sobre a ‘demanda reservada’ de energia elétrica" —, tem significância abordoar que a fundamentação prevalecente, com nascedouro na motivação básica de natureza contratual, bem destacada na r. sentença, cujos fundamentos, a final, vitoriaram-se; confira-se:

No caso dos autos, temos que existe um contrato de compra e venda de energia elétrica, entre a autora e a CEMIG, contrato esse não sujeito a qualquer condição suspensiva ou resolutiva.

A empresa autora paga pela demanda de energia elétrica, mesmo que não venha a se utilizar de toda a quantidade contratada.

A CEMIG põe à disposição da autora uma determinada quantidade de energia, que, por certo, não pode ser repassada a terceiros, pois poderá ser utilizada a qualquer momento.

Isso significa que a mercadoria energia elétrica foi efetivamente comprada pela autora, aperfeiçoado o contrato de compra-e-venda entre as partes, não podendo mais a CEMIG dispor dessa energia.

Essa é a operação de circulação de mercadoria, pois há a transferência de titularidade do bem, mesmo que não haja, quanto a uma quantidade de energia, uma circulação física, ou deslocamento no espaço.

Nesse ponto, deve-se salientar que o Relator mostra-se mal informado acerca das operações com energia elétrica. Como salientado neste trabalho, a energia garantida pelo contrato de reserva de demanda, se não consumida, retorna ao MAE, onde será negociada com o preço SPOT.

No concernente à composição da fatura, o relator traz ao debate os argumentos tanto da Fazenda Estadual, quanto do contribuinte:

É inquestionável que o ICMS incide sobre a venda de energia elétrica, sendo a base de cálculo do tributo o preço total do fornecimento, pago pelo consumidor.

O preço faturado e pago, na hipótese vertente, é fixado exclusivamente pela concessionária do setor energético, que certamente. para tanto, leva em consideração, dentre outros fatores, a demanda colocada à disposição do consumidor, além do efetivo consumo de energia em determinado período.

Não vejo, em razão disso, maior interesse na discussão acerca da natureza da demanda, se deve ou não ser tipificada como mercadoria ou serviço, ou, ainda, como aluguel de potência. E que, qualquer que seja a conclusão, um fato emerge certo e induvidoso: o preço faturado, e pago pelo consumidor, traz em sua composição também os custos e despesas levados a efeito para colocação da demanda à disposição do interessado, da ora apelante no caso concreto, o quanto basta para legitimar a incidência do tributo na espécie.

[...]

...o contrato entre CEMIG e Somarco existe somente para garantir uma demanda de energia elétrica, em face das grandes necessidades desta empresa, entretanto, esse contrato não altera a situação fática, mensurável, da quantidade de energia elétrica efetivamente gasta, sobre a qual se deve tributar o ICMS. sendo mesmo injusto, imotivado, cobrar da apelante pelo que ela efetivamente não gastou, mas, se precisasse. teria à sua disposição através da CEMIG.

E assim conclui:

Desse modo, põe-se à fiveleta que, à falar da "demanda reservada de potência", estadeada na compra e venda ajustada, o fato decorre de obrigações contratuais, com efeitos na situação obrigacional de pagar, ou não, ICMS. Se o contrato, por si. caracteriza a "circulação de mercadoria", configurando o fato gerador do ICMS, in casu, inegável que a solução não se divorcia da natureza do negócio jurídico contratado, inclusive com repercussões na composição dos custos e despesas com a disposição de energia elétrica àquela "demanda". Afinal, se o ICMS, na espécie, não tem como fato gerador a celebração do contrato e sim a circulação (consumo real da energia elétrica) a questão não escapa da premissa: importância do contrato.

[...]

Viandante, avultando a solução na ordem constitucional, sem vigia nos limites da via Especial, para a composição do litígio cativo à incidência questionada, o recurso não merece conhecimento.

Por sua vez, o Relator designado vota pelo provimento do recurso do contribuinte, sendo acompanhado pelos outros componentes da turma, à exceção do Relator original.

Em seu voto, transcreveu trechos do recurso que, por traduzirem a posição do tribunal a quo, do Estado de Minas Gerais, importa colacionar:

Foi dado provimento ao recurso de apelação (Acórdão de fis. 549-558), por maioria, firmando-se o entendimento de que no caso da energia meramente contratada não ocorre o fato gerador do ICMS, conforme se comprova pelo voto-vencedor do Desembargador Aluízio Quintão (fls. 553-4):

‘Entendo que, por si só, formalização do contrato de compra fornecimento de energia elétrica não caracteriza circulação de mercadoria, O fato gerador do ICMS não se configura ‘in casu’ com o simples pacto, há que se materializar o negócio jurídico na efetiva circulação física ou econômica da mercadoria em termos de seu real consumo. E o que se tira das normas legais e regulamentares sobre específica matéria tributária.

[...]

Contra tal Acórdão que, por maioria, deu provimento à Apelação, a Fazenda Pública de Minas Gerais interpôs Embargos Infringentes, os quais foram acolhidos pela Quinta Câmara Cível do TJMG, vencidos os Eminentes Desembargadores Schalcher Ventura e Aluízio Quintão. Segundo o entendimento abraçado pelo Acórdão que acolheu os Embargos Infringentes, a solução da lide estaria na aplicação do art, 116, lido CTN, que dispõe que o fato gerador ocorre, em se tratando de situação jurídica, desde o momento em que esta esteja definitivamente constituída, nos termos do direito aplicável.

Verificada a divergência de posição dentro do Tribunal Estadual, segue o Relator, em transcrições, explicitando os fundamentos dos julgadores do acórdão recorrido:

Conheço do recurso, por estarem presentes os pressupostos de sua admissibilidade, anotando, mais uma vez, que a divergência diz respeito à incidência ou não do ICMS sobre o contrato de fornecimento de energia elétrica firmado entre a embargada e a CEMJG, entendendo o voto divergente que sim, enquanto os votos vencedores entendem que não, ressaltando o em. Relator que:

"o contrato entre CEMIG e Samarco existe somente para garantir uma demanda de energia elétrica, em face das grandes necessidades desta empresa, entretanto, esse contrato não altera a situação fática mensurável, da quantidade de energia elétrica efetivamente gasta, sobre a qual se deve tributar o ICMS, sendo mesmo injusto, imotivado, cobrar da apelante pelo que ela efetivamente não gastou..."

Por sua vez, o douto Revisor assinalou que:

"por si só, a formalização de contrato de compra ou fornecimento de energia elétrica tido caracteriza circulação de mercadoria. O fato gerador do ICMS não se configura "in casu" com o simples pacto, há que se materializar o negócio jurídico na efetiva circulação física ou econômica da mercadoria em termos de seu real consumo."

Finalmente, diz o em. Vogal que:

"qualquer que sela a conclusão, um fato emerge certo e induvidoso: o preço faturado, e pago pelo consumidor, traz em sua composição também os custos e despesas levados a efeito para colocação da demanda à disposição do interessado, da ora apelante no caso concreto, o quanto basta para legitimar a incidência do tributo na espécie."

"Data venia" dou minha modesta adesão ao voto vencido, pois o ICMS deve ter por base a quantia efetivamente paga, a título de consumo, independentemente do consumo efetivo.

Abre-se mais um parêntese para transcrever trecho que traz novo aspecto ao debate, o significado do comando exposto no artigo 116 do Código Tributário Nacional:

A MMª Juíza também nesse entendimento fundamentou seu "decisum ", que por sua clareza vale transcrever:

"No caso dos autos, temos que existe um contrato de compra e venda de energia elétrica, entre a autora e a CEMIG, contrato esse não sujeito a qualquer condição suspensiva ou resolutiva.

A empresa autora paga pela demanda de energia elétrica, mesmo que não venha a se utilizar de toda a quantidade contratada.

A CEMIG põe à disposição da autora uma determinada quantidade de energia. que, por certo, não pode ser repassada a terceiros, pois poderá ser utilizada a qualquer momento.

Isto significa que a mercadoria energia elétrica foi efetivamente comprada pela autora, aperfeiçoado o contrato de compra-e-venda entre as partes, não podendo mais a CEMIG dispor dessa energia.

Essa é a operação de circulação de mercadoria pois há a transferência de titularidade do bem, mesmo que não haja, quanto a uma quantidade de energia. uma circulação física, ou deslocamento do espaço".

E nesse ponto, Aliomar esclarece:

O CTN, no art. 116, como vimos, declara ocorrido o fato gerador, se definido como situação jurídica, no momento em que esta se acha definitivamente constituída. No art. 117, prevê os casos de atos e negócios sujeitos a cláusulas, condicionais, dando solução para a condição suspensiva e para a resolutiva.

E no caso vê-se que houve realmente uma operação de circulação de mercadoria, juridicamente constituída sem cláusulas condicionais.

Com tais considerações, acolho os embargos, ‘data venia’, para que prevaleça o voto vencido, restabelecendo-se os efeitos da sentença reformada.

O Relator designado finaliza seu voto preliminar fixando os termos da análise de mérito:

Evidencia-se, portanto, que há urna discussão previamente questionada (no acórdão e no recurso) sobre a aplicação ou não do art. 116, II, do CTN.

Não é caso, portanto, de interpretação de cláusula contratual; não é matéria de prova. O que deve ser assentado, em face do acórdão recorrido e do recurso interposto, é se, com base no art. 116, II, do CTN está o fato gerador do ICMS inserido em situação jurídica contratual, a partir do momento em que esse contrato esteja definitivamente constituído ou se há de prevalecer o que estabelece a legislação aplicável á espécie, no caso, o art. 2°. do Convênio 66/88, de que essa hipótese de incidência só ocorre quando da saída de mercadoria do estabelecimento extrator, produtor ou gerador, para qualquer outro estabelecimento, de idêntica titularidade ou não.

No mérito, assim se manifestou o Ministro José Delgado sobre o fato gerador:

Assim posiciono-me por compreender que o ICMS incide sobre o valor da energia elétrica que tenha sido concretamente consumida pela empresa, em virtude de que somente essa quantidade é que deve ser considerada como utilizada.

O fato gerador do imposto, por conseguinte, consolida-se no exato momento em que a energia sai da fornecedora, circula e entra no estabelecimento do consumidor.

[...]

Com razão a fundamentação de fls. 665/667:

"A análise do ordenamento jurídico pátrio é bastante clara quanto ao marco de tempo em que se dá por ocorrido o fato gerador da circulação da mercadoria energia elétrica. Se não, vejamos:

Dispõe o art. 2º do Convênio 66/88 que ocorre o fato gerador do ICMS:

(..)

VI - na saída de mercadoria do estabelecimento extrator, produtor ou gerador, para qualquer outro estabelecimento, de idéntica titularidade ou não, localizado na mesma área ou em área contínua ou diversa, destinada a consumo ou à utilização em processo de tratamento ou de industrialização, ainda que as atividades sejam integradas;

Destarte, percebe-se que se elegeu, nesta modalidade de incidência do ICMS, o momento da saída da energia elétrica do estabelecimento gerador como o marco de tempo hábil a demarcar a incidência da norma jurídico-tributária. Assim, antes da saída da energia elétrica do estabelecimento gerador, não há como se reputar ocorrido o fato gerador".

[...]

Portanto, a pergunta que se deve fazer é quando se reputa acontecida a saída da mercadoria energia elétrica do estabelecimento gerador, pois a partir daí já se tem por consumado fato gerador. A resposta é inequivocamente fornecida pelas normas técnicas expedidas pelo Departamento Nacional de Águas e Energia (DNAEE), notadamente a Portaria n° de 22.12.87:

"Art. 8°- O ponto de entrega da energia será a conexão do sistema elétrico do concessionário com as instalações de utilização de energia do consumidor, devendo situar-se no limite da via pública com o imóvel em que se localizar a unidade consumidora (..)"

A confirmar que no momento da passagem da energia pelo ponto de entrega dá-se a saída de tal mercadoria do estabelecimento gerador, dispõe induvidoso o parágrafo único do artigo supracitado.

"Parágrafo único: Até o ponto de entrega de energia, será de responsabilidade do concessionário elaborar o projeto, executar as obras necessárias ao fornecimento e participar financeiramente, nos termos da legislação respectiva, bem como operar e manter o sistema"

Ora, enquanto a energia permanece nas linhas de transmissão da concessionária, sem ingressar no ponto de entrega da Recorrente, a legislação é clara no afirmar que ainda não ocorreu a saída da mercadoria do estabelecimento gerador, e, deste modo, ainda não se pode reputar ocorrido o fato gerador.

[...]

Assim, como são nítidos ‘in casu’ dois valores correspondentes a duas situações fáticas distintas (numa, fornecimento de energia, noutra, garantia de potência), e uma destas situações não chega a configurar o fato gerador do ICMS, somente caberá falar da incidência do imposto sobre o valor da operação de que resultou a entrega de energia - e não daquela que resultou mera garantia de potência.

Seguindo na análise do fato gerador, assim expõe seu posicionamento acerca da aplicação do artigo 116 do Código Tributário Nacional:

De outra face, comungo com a posição adotada pelas razões de fls. 668/672, no referente à aplicação do art. 116, do CTN, no caso em apreço:

"Colendos Julgadores, dois graves empecilhos impedem a conclusão de que o artigo 116, II deve ser aplicado da forma como o foi pelo Acórdão recorrido: o primeiro consiste no fato de que se supôs erroneamente que a ‘situação jurídica’ sobre a qual incide o ICMS seja o contrato de compra e venda da mercadoria, e não a circulação da mesma. Tal posicionamento equivoca-se na medida em que concebe o ICMS como um imposto sobre negócios jurídicos, e não como um imposto sobre a circulação de mercadorias (‘in casu’, circulação de energia elétrica).

Se fosse o ICMS imposto sobre o ‘tráfico jurídico’, a incidir sobre negócios jurídicos como contratos e outros instrumentos; aí sim seria lícito compor sua base de cálculo com o valor total do adimplemento, desimportante o fato de ter havido efetiva circulação das mercadorias. Ocorre, todavia, que o ICMS, na modalidade ora examinada, tem como fato gerador não a celebração de contratos, mas a circulação da mercadoria energia elétrica. Ora, tendo em vista que o momento em que se reputa acontecido este fato gerador (aspecto temporal) é a entrega da energia ao consumidor que a utilizará, enquanto tal não ocorrer não se poderá falar em incidência do mandamento jurídico-tributário, e, portanto, incabível a cobrança do imposto".

[...]

Como bem observou Paulo de Barros Carvalho em seu Curso, o artigo 116 do CTN tem aplicação quando o legislador se omite quanto ao aspecto temporal da hipótese de incidência:

"Quando a previsão hipotética referir-se à situação jurídica (inc. II), ter-se-á por ocorrida no instante em que, na forma do direito aplicável, esteja definitivamente configurada.

A explicação não estaria completa se não assinalássemos a cláusula inicial do preceito - Salvo disposição de lei em contrário. Implica reconhecer que o marco temporal do acontecimento pode ser antecipado ou diferido tanto na contingência do inc. I (situação de fato) quanto na do inc. II (situação jurídica). São matizes de fraseologia jurídica que revelam a liberdade de que desfruta o político ao construir as realidades normativas."

Ora, corno visto acima, tal omissão sobre o aspecto temporal não ocorreu no que diz respeito ao desenho da regra-matriz do ICMS sobre energia elétrica, pois dispositivos do Convênio ICMS no 66/88 e normas complementares fixaram inequivocamente na entrega da energia ao consumidor o marco temporal em que se reputa ocorrido fato gerador do ICMS incidente sobre tal operação.

No aspecto base de cálculo, assim se manifestou o Relator designado:

Outro dispositivo legal corrobora ‘in totum’ este raciocínio, o de que a saída se dá nos pontos de entrega, e a partir de então reputa-se consumado o fato gerador. Trata-se do art. 19 do Convênio 66/88, que define a base de cálculo desta modalidade de ICMS:

‘Art. 19 - A base de cálculo do imposto devido pelas empresas distribuidoras de energia elétrica, responsáveis pelo pagamento do imposto relativamente a operações anteriores e posteriores na condição de substitutos, é o valor da operação da qual decorra a entrega do produto ao consumidor.’

[...]

Ponham reparo os doutos julgadores que o legislador qualificou a operação cujo valor servirá de base de cálculo à exação. Não se traia de qualquer operação, mas somente daquela da qual decorrer a entrega do produto ao consumidor. Logo, é avesso à qualquer lógica jurídica supor que uma operação de que não resulte entrega do produto possa servir de base de cálculo ao imposto.

Assim finaliza seu voto:

Em face do exposto, vinculo-me à argumentação desenvolvida pelo Des. Schalcher Ventura, ao proferir voto na AC no 83.076/O, conforme noticiado às fis. 674:

"Ora, no caso em questão, o contrato entre CEMIG e Samarco existe somente para garantir urna demanda de energia elétrica, em face de grandes necessidades desta empresa, entretanto, esse contrato não altera a situação fática, mensurável de quantidade de energia elétrica efetivamente gasta. sobre a qual se deve tributar o ICMS sendo mesmo injusto, imotivado, cobrar da apelante o que efetivamente não gastou.

A cobrança de um tributo sem o correspondente fato gerador é ilegal, gerando mesmo enriquecimento sem causa por parte de quem cobra o que, sem dúvida, é vedado pelo bom senso, pelo Direito.

Esses os motivos sintéticos mas lógicos, pelos quais entendo que não deve haver a cobrança de ICMS sobre a ‘demanda reservada de potência’, que obrigatoriamente não é utilizada pela apelante, mas pela energia efetivamente utilizada e mensurável, concedendo, ainda, o direito de compensação de créditos oriundos de cobrança indevida, a fim de se impedir o locupletamento ilícito, sem causa, por parte da Fazenda Pública do Estado de Minas Gerais, invertidas as custas e sucumbência.

No julgamento dos Embargos de Declaração opostos em face do acórdão tratado acima, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça reafirmou seu entendimento, julgando, dentre outros, o seguinte argumento fazendário:

[...]

Na verdade, porém, a entrega é decorrência de uma operação, cujo valor total será a base de cálculo do imposto. Obviamente, pela própria assertiva do item 1 dessa ementa, ambas (a operação e a entrega dela decorrente) não se confundem.

Assim não fosse, ficaria ao arbítrio do próprio contribuinte de direito pagar, a título do ICMS, o valor que desejasse, ou seja, a quantia resultante da aplicação da alíquota sobre o valor que unilateralmente fixasse para o ato de entrega. Poderia destacar do preço total da operação (cobrado efetivamente do adquirente) determinados ‘fatos’, que, em si, não seriam ‘geradores’ do imposto, mas que compõem o custo do produto e cuja existência se afigura absolutamente útil ou, mesmo, essencial a sua aquisição, como, por exemplo, a ‘atividade laboral’, o ‘atendimento especial’, ‘a assistência técnica’ por certo período (que normalmente é gratuita), ou a própria ‘demanda reservada’, aumentando o respectivo valor e diminuindo o valor do mero ato de entrega da mercadoria, para apenas recolher o imposto sobre este último valor.

Na oportunidade, assim se manifestou o Relator, Ministro José Delgado, acerca do fato gerador:

O acórdão reconheceu a inexistência de lei definindo como hipótese de incidência do ICMS o valor do contrato referente a garantir demanda reservada de potência.

[...]

Esclareça-se que não há como se compreender como sendo operações relacionadas à energia elétrica, para fins tributários, o serviço de reserva da demanda. Esta é unia relação jurídica específica que tem autonomia própria e que não está consagrada como sendo fato gerador tributário para fins de ICMS.

Impossível, destarte, a tanto ser elevado esse tipo de negócio jurídico sem lei que expressamente o defina.

A segunda turma do Superior Tribunal de Justiça, instada julgar recurso sobre a incidência ora tratada, não divergiu. No acórdão recorrido, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais julgou:

A segurança foi denegada no primeiro grau de jurisdição, por entender o julgador que a CEMIG, ao disponibilizar a energia para a empresa, perdia a titularidade pela transferência, ocorrendo o fato gerador do ICMS.

O TJ/MG confirmou a sentença, argumentando ser inquestionável que o ICMS incide sobre a venda de energia elétrica, sendo a base de cálculo do tributo o preço total do fornecimento pago pelo consumidor.

A Relatora, Ministra Eliana Calmon, assim concluiu seu voto:

Na espécie, a empresa compradora, ora recorrente, não recebe a energia da reserva. Apenas paga para mantê-la reservada.

Como o ICMS só incide sobre a mercadoria transferida, naturalmente que não incide imposto sobre o que não circulou e não se transferiu.

Lembro, por oportuno, e a propósito do voto do Ministro Milton Luiz Pereira, que no Direito brasileiro o contrato não tem a força suficiente para transferir a propriedade, o que só ocorre com a tradição para os bens móveis, e a transcrição para os bens imóveis.

Na RESERVA DE DEMANDA não ocorre a tradição da energia e, como tal, não se há de falar em ICMS.

O Ministro Peçanha Martins, em voto-vista, seguiu o voto da Relatora, aduzindo:

É que o contrato, no direito brasileiro, por si só, não transfere a propriedade, impondo-se a transcrição do título, em se tratando de imóveis, e a tradição, para os móveis. A simples reserva de energia não implica na sua circulação para a usuária. Só com o efetivo consumo é que se transmite a energia, configurando o fato gerador do ICMS.

Por sua vez, o Ministro Franciulli Netto assim fixou:

Sra. Ministra-Presidente, ouvi com atenção e voto exatamente no mesmo sentido, dando provimento a especial, porque entendo que a hipótese de incidência não pode ser a contratada, mas sim a energia realmente consumida.

Com o decorrer do tempo, a posição do tribunal não se modificou. Em acórdão publicado recentemente, maio de 2005, a Primeira Turma afastou a incidência do ICMS na hipótese de demanda contratada de potência, tendo o Relator se manifestado da seguinte forma:

Nesse sentido, impõe-se consignar que as razões articuladas na peça de inconformismo estão em sintonia com a exegese que a Corte aplica à questão, no sentido de que o ICMS, nos serviços de transmissão de energia elétrica, somente deve incidir sobre o valor correspondente à energia efetivamente consumida. Essa interpretação resulta da compreensão que se aplica ao conceito de fato gerador, bem como do momento de sua ocorrência. Na espécie, apenas com a transferência e a tradição do bem comercializado se tem como existente a obrigação tributária, tal como se extrai das normas reguladoras da questão em julgamento:

Neste julgamento, contudo, houve análise de ponto até então não suscitado: o da legitimidade da concessionária de energia para figurar no pólo passivo de ações como esta.

O Relator que anteriormente havia negado provimento ao recurso da concessionária, mantendo-a na lide, após voto divergente do Ministro Teori Zavascki, mais adiante explicitado, mudou seu posicionamento, concluindo assim:

Em primeiro, examino o recurso especial interposto por ESCELSA S/A, no qual, em síntese, a empresa busca o reconhecimento de sua ilegitimidade passiva, aduzindo para tanto que, no procedimento de cálculo e recolhimento do ICMS, figura tão-somente como executora das prescrições normativas emanadas do Estado, ao qual são destinados os valores arrecadados.

Essa argumentação se mostra passível de acolhimento na medida em que a instituição concessionária não é sujeito passivo da obrigação tributária e contribuinte do ICMS. Com efeito, na qualidade de substituta tributária (art. 34, § 9º, das Disposições Constitucionais Transitórias), apenas, calcula, exige e repassa à Fazenda Pública, mensalmente, o numerário fiscal obtido.

Dessarte, a pretensão da ESCELSA S/A apresenta elementos que conduzem à procedência do pedido.

O Ministro Teori Zavascki inaugurou a divergência neste ponto. Para ele, a concessionária deve sim fazer parte da lide. Construiu essa posição com os seguintes fundamentos:

Divirjo, no entanto, no que diz respeito à legitimidade passiva da ESCELSA. Sacha Calmon Navarro Coelho, referindo-se à hipótese de retenção na fonte, distingue a responsabilidade tributária (em que o responsável é sempre partícipe de uma relação jurídica de débito) da obrigação de reter e repassar tributo (cujo sujeito não é, em princípio, partícipe de uma relação tributária de débito, mas mero agente de arrecadação, por ter à sua disposição o dinheiro de terceiros, em razão de circunstâncias extratributárias), nos seguintes termos:

[...]

Discorrendo especificamente sobre a sistemática de imposição do ICMS incidente nas operações de consumo de energia elétrica, sustenta, a seu turno, Roque Antonio Carrazza, não deter a empresa distribuidora a condição de contribuinte do imposto, mas sim de mera responsável pelo seu recolhimento, que faz em nome e por conta do consumidor final:

[...]

Sobressai das lições transcritas que, seja qual for o nomen juris que se dê àquele que arrecada e entrega ao Fisco, seguindo instruções deste, no mais das vezes sob pena de responsabilidade pessoal, tributo cujo ônus é suportado por terceiro, certa é a sua absoluta neutralidade ou indiferença frente à exigência tributária. Por conta dessa indiferença, traduzida na inexistência de qualquer alteração no patrimônio do "retentor" como conseqüência do recolhimento do tributo, é que se lhe recusa, por exemplo, legitimidade para buscar a repetição de valores indevidamente pagos (ERESP 417.459/SP, 1ª Seção, Min. Franciulli Netto, DJ de 11.10.2004). E, por essa mesma razão, deve ser reconhecida a impossibilidade de que se lhe dirijam impugnações relativas à cobrança do tributo (no caso, questionamento sobre a base de incidência), bem como o correlato pedido de restituição do indébito.

Sendo assim, no caso concreto, somente o Fisco credor é quem pode e deve sofrer os efeitos de eventual condenação, porque é ele o único titular das pretensões contra as quais se insurge a autora. Com efeito, a distribuidora não teria como, por decisão sua, atender ao pedido de exclusão do montante relativo à operação de demanda contratada da base imponível do ICMS, já que se trata de exigência imposta não por ela, mas sim pela Fazenda. Da mesma forma, não poderia — e nem haveria como exigir que o fizesse — restituir ao consumidor final da energia elétrica os valores recebidos a esse título e que foram imediatamente repassados ao Estado.

Evidencia-se, assim, a ilegitimidade da distribuidora para figurar no pólo passivo da demanda. Entre os pedidos formulados na inicial, apenas o referente à exclusão das faturas de energia elétrica do montante relativo ao ICMS alegadamente indevido acarreta uma atuação da empresa, a qual, no entanto, é apenas efeito material reflexo da sentença de procedência, sem repercussão em direito seu, ao qual, por conseguinte, não tem ela interesse em oferece qualquer resistência.

O resultado deste julgamento foi:

[...] acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Teori Albino Zavascki e a reformulação de voto dos Srs. Ministros Relator e Francisco Falcão para acompanhá-lo, por unanimidade, dar provimento a ambos os recursos especiais, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Francisco Falcão, Teori Albino Zavascki (voto-vista) e Denise Arruda votaram com o Sr. Ministro Relator.

Efeito prático disto é a fixação de jurisprudência na mais alta Corte de competência de análise infralegal, no sentido de declarar ilegal a incidência de ICMS sobre parcela de fatura de energia elétrica denominada Demanda Reservada de Potência.

Sobre a autora
Érika Fernandes Flenik

advogada, pós-graduada em Direito Tributário

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FLENIK, Érika Fernandes. Demanda contratada de potência:: incidência de ICMS?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 958, 16 fev. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7975. Acesso em: 10 mai. 2024.

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