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Colisão de direitos fundamentais:

direito à vida X direito à liberdade religiosa

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Agenda 16/02/2006 às 00:00

CONCLUSÃO

Após o desenvolvimento desse estudo a conclusão mais importante que se alcançou é a de que não existem verdades inabaláveis, teorias indestrutíveis, impressões irrefutáveis e que é saudável, senão fundamental ao jurista saber mudar de opinião quando lhe seja demonstrado que outra tese é mais coerente, mais perspicaz ou simplesmente mais justa para a solução do caso concreto.

Essa guinada de opinião foi o que aconteceu ao longo da pesquisa empregada nesse trabalho de conclusão de curso. No princípio, como foi relatado na introdução, a linha adotada exprimia a certeza da prevalência do direito à vida em face do direito à liberdade religiosa. À medida que as etapas eram percorridas, muitas dúvidas iam surgindo e a chama da certeza ia se apagando até ser completamente substituída pela luz de argumentos opostos, divergentes e contestadores.

Passo a passo procurou-se construir um raciocínio lógico, antes de tudo crítico, ao abordar as limitações e as fraquezas humanas, depois, interpretativo, buscando a sistemática e a finalidade de todo o sistema jurídico, e por último, proporcional, de modo a relacionar a crítica com a interpretação e a vontade maior do sistema. Enfim, a ponderação não reside apenas na aplicação do princípio da proporcionalidade, mas na inter-relação das várias etapas percorridas.

A conclusão dessa ponderação não pretende afirmar que a vida humana não tem valor, pelo contrário, seu valor é inestimável, é tão grande que, para que o Direito aceite seu sacrifício, tamanho pensamento lógico tenha que ser construído, e outro bem mais importante mereça receber a proteção jurídica. Esse princípio que merece receber prevalência no caso concreto é o da dignidade da pessoa humana, refletido no princípio da liberdade religiosa dos seguidores da religião testemunhas de Jeová.

Impossível resumir todos os argumentos que levaram a fazer tal juízo de peso e relevância, para tanto, é fundamental percorrer toda a trajetória desse trabalho, mas o ensinamento que fica de todo o estudo é que a racionalidade do Direito ultrapassa a pura discricionariedade de seus hermeneutas e o apego às teorias pré-concebidas. A lógica do sistema precisa ser, a todo o momento, questionada, para conseguir reformular as concepções erradas ou ultrapassadas do Direito.

Enfim, ter uma certeza não é errado, errado é nunca levantar nenhuma dúvida.

Mas, em função da existência verídica do caso concreto relatado, o questionamento que resta volta-se para seu desfecho no Hospital Escola de Pelotas. A paciente internada em estado grave acabou retratando-se de seu desejo inicial e resolveu permitir a transfusão de sangue proibida pelos seus dogmas religiosos. Com esse ato, acabou salvando sua vida, mas não se sabe quais foram as outras conseqüências não visíveis de sua decisão.

Todavia, o importante afinal, não é que o Direito decida entre a vida e a liberdade religiosa, e sim, que deixe essa escolha a cargo do próprio indivíduo, como acabou ocorrendo no caso concreto. Para concluir esse entendimento, volto-me para as palavras de Dworkin sobre a importância da autonomia da pessoa:

Talvez o principal valor dessa capacidade só se concretize quando uma vida realmente manifestar uma integridade e uma autenticidade absolutas. Mas o direito à autonomia protege e estimula essa capacidade em qualquer circunstância, permitindo que as pessoas que a têm decidam em que medida, e de que maneira, procurarão concretizar esse objetivo. [78]


BIBLIOGRAFIA

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VENTURA, Deisy. Monografia Jurídica. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.


NOTAS

01 Luís Diez Picazo, Los princípios generales del Derecho en el pensamiento de F. de Castro, apud Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, pp. 228-229.

02Op. Cit., p. 232.

03 Ibidem, p. 234.

04 Ibidem, p. 234.

05 Ibidem, p. 235.

06 Luís Roberto Barroso, Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (Pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo),vol. 38, p. 114.

07 V. Crisafulli, La Constituizione e le sue Disposizioni di Principio, apud Paulo Bonavides, Op. Cit., p. 230.

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08 V.Crisafulli, La Constituizione e le sue Disposizione di Principio, apud Paulo Bonavides, Op. Cit., p. 245.

09 Paulo Bonavides, Op. Cit., p. 237.

10 Ibidem. p. 238.

11 Ibidem. p.239-240.

12 Ibidem, p. 244.

13 Ibidem, p. 245.

14 Ibidem, p. 246.

15 Ibidem,.p. 259.

16 Ibidem, p. 248.

17R. Dworkin, Taking Rights Seriously, apud Paulo Bonavides, Op.Cit., p. 253.

18 Luís Roberto Barroso, Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (Pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo), p. 106.

19 Ibidem, p. 106.

20 Ibidem, p. 106.

21 R. Dworkin, Taking Ritghts Seriously, apud Paulo Bonavides, Op. Cit., p. 254.

22 Luís Roberto Barroso, Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (Pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo), p. 92.

23 Paulo Bonavides, Op. Cit.,. p. 557.

24 Konrad Hesse, La interpretación constitucional, apud. Wilson Antônio Steinmetz. Colisão de Direitos Fundamentais e o princípio da proporcionalidade, p. 90.

25 Luís Roberto Barroso, Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (Pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo),. p. 94.

26 Ibidem, p. 95.

27 Ibidem, p. 95.

28 Ibidem, p. 95.

29 De Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, vol. II, p. 865.

30 Ibidem, p. 819.

31 Ronald Dworkin, Domínio da Vida "Aborto, eutanásia e liberdades individuais", p. 1.

32 Ronald Dworkin, Op. Cit,. p. 317.

33 Ibidem, p. 319.

34 Ibidem, p. 319.

35 Ronald Dworkin, Op. Cit.,. p. 319.

36 Luis Roberto Barroso, Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (Pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo), p. 110.

37 Ibidem, p. 110.

38 Declaração Universal dos Direitos do Homem, preâmbulo.

39 Luís Roberto Barroso, Interpretação e Aplicação da Constituição, p. 131.

40 Luís Robeto Barroso. Interpretação e Aplicação da Constituição. p. 192.

41 Ibidem, p. 192.

42 Wilson Antônio Steinmetz, Op. Cit., p. 95.

43 Ibidem, p. 95.

44 Luís Roberto Barroso. Interpretação e Aplicação da Constituição. p. 241.

45 Wilson Antônio Steinmetz, Op. Cit., p. 98.

46 Ibidem, p. 126

47 Ibidem, p. 126.

48 Manfred Gentz, Zur Verhältnismässigkeit von Grundrechtseingriffen, apud Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, p. 357.

49 Xavier Philippe, Le Controle de Proportionnalité dans lês Jurisprudences Constitutionelle et Administrative Française, apud Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, p. 357.

50.Wilson Antônio Steinmetz, Op. Cit.,. p. 146.

51 Ibidem, pp. 146-147.

52 Paulo Bonavides, Op. Cit., p. 359.

53 Ibidem, p. 359.

54 Ibidem, pp. 362-363.

55 Ibidem, p. 149.

56 Ibidem, p. 150.

57 Paulo Bonavides, Op. Cit., p. 361.

58 Ibidem, p. 151.

59 Ibidem, p. 152.

60 Robert Alexy, Teoría de los derechos fundamentales, apud Wilson Steinmetz, Op. Cit., p. 153.

61 Paulo Bonavides, Op.Cit., p. 361. Quanto maior é o grau de não satisfação ou de afetação de um princípio, tão maior deve ser a importância da satisfação do outro.

62 Ibidem, p. 364.

63 BverfGE 19, 342, apud Wilson Antônio Steinmetz, Op. Cit., pp. 159-160. Na República Federal da Alemanha, o princípio da proporcinalidade tem posto constitucional. Deriva do princípio do Estado de Direito, em razão da própria essência dos direitos fundamentais que, como expressão da pretensão de liberdade geral dos cidadãos frente ao Estado, não podem ser limitados pelo Poder Público mais do que seja imprescindível para a proteção dos interesses públicos.

64 Wilson Antônio Steinmetz, Op. Cit., p. 154.

65 Ibidem, p.154.

66 Ibidem, p. 154.

67 Ibidem, p. 155.

68 Ronald Dworkin, Op. Cit., p. 335.

69 Ibidem, p. 316.

70 Ibidem, p. 319.

71 Ricardo Luis Lorenzetti. Fundamentos do Direito Privado. p. 134.

72 Ibidem, p.134.

73 María Patricia Castaño de Restrepo. Conflicto de Derechos y Deberes en la Determinación de la Eficacia Jurídica de la Voluntad del Paciente. p. 186.Obrigar um paciente a submeter-se a um tratamento, quando sua vontade se torna séria e dotada de outras condições que a fazem relevante, constitui uma clara violação à sua dignidade e à sua integridade física, psíquica e moral.

74 Ibidem, p. 187. A submissão obrigatória de uma pessoa a um tratamento resulta inconstitucional porque "cada um é livre para decidir se é ou não caso de recuperar sua saúde". "Se eu sou dono de minha vida, a princípio sou livre para cuidar ou não de minha saúde cuja deterioração leva à morte que, licitamente, eu posso imputar-me".

75 Aldir Guedes Soriano, Terapia Transfusional: Aspectos Jurídicos, p. 4.

76 Miguel Kfouri Neto, Responsabilidade Civil do Médico, apud Aldir Guedes Soriano, Op. Cit., p. 4.

77 José Roberto Goldim. Transfusão de Sangue em Testemunhas de Jeová. p. 1.

78 Ronald Dworkin, Op. Cit., pp. 319-230.


ANEXO 1

ÍNTEGRA DA INICIAL DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA

Fonte: Assessoria de Imprensa da Procuradoria da República de Goiás, através do site www.prgo.mpf.gov.br/prgonova/imprensa/nota64.htm, acessado dia 03/09/03.

AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA TRANSFUSÃO DE SANGUE

O Procuradores da República Anastácio Nóbrega Tahim Júnior e Helio Telho Corrêa Filho ajuizaram, na data de hoje (22/03/2002), Ação Civil Pública, com pedido de tutela antecipada, visando obter autorização judicial para realização de transfusão de sangue, em paciente Testemunha de Jeová, contra a sua vontade, em virtude do risco de vida.

A ação foi distribuída para a 3ª Vara da Justiça Federal, onde Juiz Carlos Humberto deferiu a liminar.

Segue abaixo a íntegra da Inicial da ACP.

Goiânia, 22 de março de 2002

Assessoria de Comunicação Social

Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz Federal da ___ Vara da Seção Judiciária do Estado de Goiás, a quem couber por distribuição legal.

URGENTÍSSIMO

Segredo de Justiça

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por meio dos PROCURADORES DA REPÚBLICA signatários, com fundamento no art. 127, caput, in fine, da Constituição da República e 287, do CPC, vem à presença de Vossa Excelência propor

A Ç Ã O C I V I L P Ú B L I C A

com pedido de TUTELA ANTECIPADA

em face de

1 - Universidade Federal de Goiás (Hospital das Clínicas), na pessoa da Magnífica Reitora Milca Severina Pereira, Rodovia Goiânia-Nerópolis, km 2, cx 131, Campus II Samambaia, ICB-4, Goiânia/GO;

2 – omissis,.. .., atualmente internada no Hospital das Clínicas, nesta Capital, prontuário n. omissis, leito omissis, 1.ª Avenida, s/n, Setor universitário, Goiânia/GO, pelas razões de fato e de direito a seguir aduzidas:

I – Dos Fatos

Por intermédio de Ofício (documento n.º 01), O Diretor Geral do Hospital das Clínicas, da Universidade Federal deste Estado, traz ao conhecimento da Procuradoria da República o seguinte fato:

"Encontra-se internada no leito omissis da Enfermaria da Clínica Médica do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás, prontuário n.º omissis, desde 01/02/2002, a paciente omissis, em tratamento de insuficiência renal crônica e complicações infecciosas (pneumonia, fungemia, infecção de escara sacral).

(...) necessitando, portanto, de que seja feito transfusão de sangue, no entanto, a paciente bem como a sua acompanhante, recusam que seja realizado tal procedimento (...) alegam que sendo Testemunhas, a religião não permite que os seus seguidores sejam transfundidos. Caso não seja autorizado o Hospital tomar tal providência, a paciente fatalmente irá a óbito, no menor espaço de tempo possível.

(...)"

Ao final, solicita "autorização para realizar a transfusão de sangue na paciente acima mencionada com urgência, sob pena da paciente vir a óbito.", diante da recusa da paciente, que é testemunha de Jeová, em se submeter a este procedimento médico, em virtude de convicção religiosa (observar documento n.º 02).

II – Do Direito

No caso em epígrafe está-se cuidando de paciente maior de idade, consciente e, até prova em contrário, no perfeito gozo de suas faculdades mentais, que antecipadamente manifestou sua objeção à transfusão de sangue, ainda que esse procedimento viesse a se configurar a sua última tábua de salvação.

Ocorre que, nada obstante a declaração de vontade da paciente, a Constituição da República, em seu art. 5º, caput, consagra o princípio dainviolabilidade do direito à vida.

No dizer de Jacques Robert:

"O respeito à vida humana é a um tempo uma das maiores idéias de nossa civilização e o primeiro princípio da moral médica. É nele que repousa a condenação do aborto, do erro ou da imprudência terapêutica, a não-aceitação do suicídio. Ninguém terá o direito de dispor da própria vida, a fortiori da de outrem e, até o presente, o feto é considerado como ser humano". (apud, José Afonso da Silva, Direito Constitucional Positivo, 9ª ed., São Paulo, Malheiros, 1994, pág. 182).

O direito à vida é, pois, indisponível, não estando na esfera de disposição ou disponibilidade do indivíduo, seja por que motivo for, mesmo que em razão de firmes convicções religiosas.

Por ser a vida indisponível, é legítima a intervenção judicial, provocada pelo Ministério Público, com o propósito de preservá-la.

Isto porque está o Ministério Público, via ação civil pública, legitimado a tutelar direito individual indisponível ¾ como o é o direito à vida ¾ , nos termos do artigo 127, caput, da Carta Republicana em vigor, e artigo 6º, inciso VII, alíneas "a" e "d", da Lei Complementar n.º 75/93, verbis:

"Art. 6º - Compete ao Ministério Público da União:

(..)

VII – promover o inquérito civil e a ação civil pública para:

a) a proteção dos direitos constitucionais;

(...)

d) outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos;"

Também não é dado ao Hospital das Clínicas abster-se de realizar os procedimentos médicos recomendados pela ciência para salvar a vida do paciente, sob o argumento de que o paciente os recusa.

III – Da Necessidade da Antecipação da Tutela

De acordo com o OF. N. 047/02, datado de hoje, assinado pelo Diretor Geral do Hospital das Clínicas da UFG, Prof. Dr. Rodopiano de Souza Florêncio, a paciente em questão "necessita emergencialmente" do tratamento prescrito e a sua não realização o levará à óbito.

Há fundado receio, baseado no expediente firmado pelo Diretor Geral do HC, da ocorrência de dano irreparável, qual seja, a morte da paciente.

A intervenção judicial que ora se pede não trará qualquer prejuízo para a paciente. Ao contrário, poderá salvar-lhe a própria vida, daí não se aplicar, no caso em tela, a restrição contida no art. 273, § 2º, do CPC.

IV – Dos pedidos

Por todo o exposto, requer o Ministério Público Federal:

a) a imediata e urgente antecipação dos efeitos da tutela, inaudita altera pars, tendo em vista o risco de vida que corre o paciente em tela, expedindo-se mandado endereçado ao Diretor Geral do Hospital das Clínicas da UFG para que cumpra, incontinenti, a ordem judicial ora pleiteada, no sentido de determinar à Universidade Federal de Goiás, por intermédio do Hospital das Clínicas, que dispense à paciente em tela os tratamentos e procedimentos médicos que forem recomendados pela ciência para salvar-lhe a vida e colocá-la fora de risco, inclusive a transfusão sangüínea, se necessário for, independentemente de seu consentimento ou apesar de suas objeções;

b) a citação dos réus, via oficial de Justiça, para, querendo e no prazo legal, apresentarem resposta à presente demanda;

c) digne-se Vossa Excelência de requisitar cópia do Prontuário Médico da paciente e demais documentos pertinentes;

d) a procedência do pedido, nos termos em que requerido à título de antecipação de tutela;

e) a cominação de pena pecuniária, na forma prevista no art. 287, do CPC, para a hipótese de descumprimento da ordem requerida no item "b" acima.

f) para preservar a intimidade e a privacidade do paciente, colocando-o a salvo de eventual repercussão do caso na opinião pública, requer seja decretado Segredo de Justiça, determinando que a divulgação do fato só possa ocorrer com a omissão do nome do paciente, sob as penas da lei.

Embora a vida tenha valor inestimável, para satisfazer o requisito legal dá-se à causa o valor de R$1.000,00.

Nestes termos.

Pede deferimento.

Goiânia/GO, 22 de março de 2002

Anastácio Nóbrega Tahim Júnior Helio Telho Corrêa Filho

Procurador da República Procurador da República

ANEXO 2

CASO CLÍNICO

Fonte: Comissão de Ética de Direitos Humanos da OAB – Seção Distrito Federal, site:

www.cfm.org.br/revista/411996/caso5.htm acessado dia 15/10/03

CASO CLÍNICO - (continuação)

Comentários - (continuação)

Simone T. A. Nogueira, Coordenadora da Comissão de Direitos Humanos da OAB - Seção Distrito Federal e Membro da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal da OAB.

Fatos ocorridos recentemente, no Hospital Universitário de Brasília, envolvendo um paciente pertencente ao grupo religioso dos Testemunhas de Jeová, converteram-se em outro exemplo do cada vez mais inafastável papel da bioética como instrumento capaz de orientar a conduta dos profissionais da área médica, pesquisadores e cientistas tanto na definição de suas ações, em certas circunstâncias, quanto na solução de possíveis conflitos que têm como objeto a própria vida.

O paciente em questão, com quadro de leucemia aguda, necessitava de transfusão de sangue, pelo procedimento médico padrão no seu tipo de enfermidade, o que era vedado, contudo, por sua crença religiosa. Apresentava-se perfeitamente lúcido e consciente, tendo manifestado diretamente ao médico que o atendera ser contrário à transfusão, argumentando que, pela interpretação bíblica peculiar dos Testemunhas de Jeová, receber sangue de outra pessoa, além de se chocar com a proibição geral de consumo de sangue de qualquer natureza (Deuteronômio 12:23-25) eqüivale a se alimentar de outro ser humano. Essa negativa, contudo, não tem conotação niilista ou eutanásica. Não significa que a própria pessoa se autocondene a morrer, ou que não possam ser pesquisados e utilizados outros expedientes e procedimentos médicos capazes de salvar-lhe a vida. Todos os recursos da medicina são aceitos, à exceção, apenas, da transfusão de sangue humano.

No caso em tela, sem embargo das boas intenções que devem ter orientado a atitude, e descartando-se qualquer discussão acerca de ser "certa" ou "errada" aquela crença dos seguidores das Testemunhas de Jeová, o que ocorreu, em verdade, foi que se acabou por violar e desrespeitar a posição pessoal de uma pessoa, circunstancialmente paciente, livre e conscientemente manifestada. A equipe médica, presumivelmente pressionada por parentes do paciente, tomou a iniciativa de submeter o caso ao Poder Judiciário. Sob a justificativa de preservação de um bem supremo, a vida, a medida teve êxito, com o deferimento e a expedição de alvará judicial que autorizou os médicos a submeterem o paciente à transfusão sangüínea, ainda que contra seu expresso desejo – o que acabou acontecendo. A tal propósito, vale consignar de imediato que o CRM-DF, justamente respeitando essa concepção de vida e buscando resguardar as pessoas que a vivenciam, orienta e recomenda – em atenção a um princípio fundamental da bioética, que é o respeito à dignidade e à autonomia de crença da pessoa humana, enquanto paciente – que sejam feitos o possível e o impossível para que tal tipo de paciente não seja transfundidos. Paralelamente, num esforço elogiável e com grande correção bioética, vem empreendendo esforços junto aos dirigentes dos Testemunhas de Jeová com o objetivo de que seja enviado à Brasília, por pesquisadores membros dessa religião, o substitutivo sintético de sangue, produto hoje em fase de estudo avançado de pesquisas e experimentos em Salt Lake City, Nevada, USA, sede mundial daquela religião.

ANEXO 3

JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Fonte: site do STJ: www.stj.gov.br acessado dia 11/09/03.

STJ - Superior Tribunal de Justiça 30/10/2003

Pesquisa Textual - Jurisprudência

Acórdão

RHC-7785/SP ; RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS

1998/0051756-1

Relator(a)

Min. FERNANDO GONÇALVES (1107)

Órgão Julgador

SEXTA TURMA

Data da Decisão

05/11/1998

Fonte

DJ DATA:30/11/1998 PG:00209

RTJE VOL.:00169 PG:00285

Ementa

PROCESSUAL PENAL. "HABEAS CORPUS". AÇÃO PENAL. TRANCAMENTO. FALTA DE

JUSTA CAUSA.

1. A justa causa, apta a impor o trancamento da ação penal, é aquela

perceptível "ictu oculi", onde a ilegalidade é patente e evidenciada

pela simples enunciação dos fatos a demonstrar ausência de qualquer

elemento indiciário que dê base à acusação.

2. Impossível a verificação da existência ou não de crime na via

estreita do "habeas corpus" em razão da necessidade de análise

aprofundada de provas.

3. RHC improvido.

Decisão

Por unanimidade, negar provimento ao recurso.

Resumo Estruturado

DESCABIMENTO, TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL, HOMICIDIO, REU,

MEDICO, TESTEMUNHA DE JEOVA, RESPONSABILIDADE, IMPEDIMENTO,

TRANSFUSÃO DE SANGUE, HIPOTESE, DENUNCIA, DESCRIÇÃO, CRIME EM TESE,

INEXISTENCIA, PROVA INEQUIVOCA, ATIPICIDADE, CONDUTA, FALTA DE JUSTA

CAUSA, NECESSIDADE, DILAÇÃO PROBATORIA.


Referências Legislativas

LEG:FED DEL:002848 ANO:1940

***** CP-40 CODIGO PENAL

ART:00121 ART:00146 PAR:00003 INC:00001

LEG:FED CFD:****** ANO:1988

***** CF-88 CONSTITUIÇÃO FEDERAL

ART:00005 INC:00006 INC:00008

Veja

STJ - RHC 6484-ES

Número de Sucessivos 1

Sucessivos

RHC 8091 RJ 1998/0085928-4 DECISÃO:23/02/1999

DJ DATA:22/03/1999 PG:00255

Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOPEZ, Ana Carolina Dode. Colisão de direitos fundamentais:: direito à vida X direito à liberdade religiosa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 958, 16 fev. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7977. Acesso em: 25 nov. 2024.

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