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A competência para as ações oriundas de acidente de trabalho:

o enfoque da hermenêutica constitucional

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Agenda 19/02/2006 às 00:00

O dissenso acerca da competência para julgamento das ações de acidente de trabalho é bastante antigo, mas a discussão voltou a ser o tema o dia em razão da Reforma do Judiciário.

Introdução

O dissenso acerca da competência para julgamento das ações de acidente de trabalho não foi aceso recentemente. Pelo contrário, é bastante antigo. Todavia, em razão da Reforma do Judiciário, que se perfez por meio da Emenda Constitucional nº 45/2004, a discussão voltou a ser o tema o dia.

Entendimentos diversos e em todos os sentidos são encontrados tanto na jurisprudência, quanto na doutrina, os quais serão examinados detidamente no desenvolvimento deste trabalho.

A questão é bastante complexa, pois envolve várias interpretações, as quais, por sua vez, têm diversos argumentos em seu favor e desfavor.

Tentamos dar uma interpretação que ainda não vimos em relação à questão e que nos pareceu mais adequada e razoável, com fundamento nos Princípios Constitucionais e na Hermenêutica Constitucional e, adiante-se, sem faltar à modéstia, parece-nos que bastante condizente com a Ordem Constitucional instituída pela Constituição da República de 1988.

Tratamos, assim, do conceito de acidente de trabalho, fizemos um histórico constitucional da matéria, estudamos as possíveis ações que envolvem o acidente de trabalho, examinamos a jurisprudência das mais altas Cortes sobre a questão e, por fim, enfatizamos nosso enfoque, baseado na Constituição e em sua regular interpretação.

Desta forma, em razão de ser este estudo direcionado à avaliação em uma pós-graduação em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho, buscou-se apresentar a discussão, analisar os argumentos jurídico-científicos existentes, bem como apresentar novas idéias para a solução desta controvérsia.


Capítulo I. Conceito de Acidente do Trabalho

Para se iniciar a discussão que neste trabalho se propõe a analisar, pensamos ser importante, em primeiro lugar, delinear o acidente do trabalho, ainda que em linhas gerais e trazer a opinião doutrinária a respeito.

O primeiro enfoque que temos para conceituar o acidente do trabalho é o legal. A Lei nº 8.213/91 em seus artigos 19, 20 e 21 define o que é acidente do trabalho [01]:

Art.19.Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.

§ 1ºA empresa é responsável pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador.

§ 2ºConstitui contravenção penal, punível com multa, deixar a empresa de cumprir as normas de segurança e higiene do trabalho.

§ 3ºÉ dever da empresa prestar informações pormenorizadas sobre os riscos da operação a executar e do produto a manipular.

§4ºO Ministério do Trabalho e da Previdência Social fiscalizará e os sindicatos e entidades representativas de classe acompanharão o fiel cumprimento do disposto nos parágrafos anteriores, conforme dispuser o Regulamento.

Art.20.Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:

I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;

II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.

§ 1ºNão são consideradas como doença do trabalho:

a) a doença degenerativa;

b) a inerente a grupo etário;

c) a que não produza incapacidade laborativa;

d) a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho.

§ 2ºEm caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação prevista nos incisos I e II deste artigo resultou das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deve considerá-la acidente do trabalho.

Art. 21.Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei:

I - o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua II - o acidente sofrido pelo segurado no local e no horário do trabalho, em conseqüência de:

a) ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de trabalho;

b) ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho;

c) ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro ou de companheiro de trabalho;

d) ato de pessoa privada do uso da razão;

e) desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior;

III - a doença proveniente de contaminação acidental do empregado no exercício de sua atividade;

IV - o acidente sofrido pelo segurado ainda que fora do local e horário de trabalho:

a) na execução de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade da empresa;

b) na prestação espontânea de qualquer serviço à empresa para lhe evitar prejuízo ou proporcionar proveito;

c) em viagem a serviço da empresa, inclusive para estudo quando financiada por esta dentro de seus planos para melhor capacitação da mão-de-obra, independentemente do meio de locomoção utilizado, inclusive veículo de propriedade do segurado;

d) no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado.

§1ºNos períodos destinados a refeição ou descanso, ou por ocasião da satisfação de outras necessidades fisiológicas, no local do trabalho ou durante este, o empregado é considerado no exercício do trabalho.

§2ºNão é considerada agravação ou complicação de acidente do trabalho a lesão que, resultante de acidente de outra origem, se associe ou se superponha às conseqüências do anterior.

Assim, para a Lei nº 8.213/91 o acidente do trabalho é, além daquelas hipóteses dispostas no artigo 19, a doença profissional e a doença do trabalho, bem como as hipóteses equiparadas a acidente do trabalho, conforme se verifica nos artigos 20 e 21 respectivamente.

Na doutrina encontramos a conceituação de Annibal Fernandes, citado por Marcelo Leonardo Tavares [02], que assim discorre sobre o tema:

"O acidente do trabalho – o acidente-tipo – é um evento relacionado, diretamente ou não, ao trabalho executado pelo obreiro. Já não se trata de um infortúnio no trabalho, mas do trabalho. O que envolve o trabalho, nos limites da legislação e interpretada a regra pela sua finalidade social, caracteriza o acidente para efeito de reparação".

Conceito que sintetiza muito bem os dispositivos legais mencionados é aquele que, com maestria, Rodolfo Pamplona Filho [03] elabora em uma de suas obras doutrinárias:

"Acidente do Trabalho é o ‘acontecimento casual e imprevisto que provoca dano, sob forma de lesão corporal, doença profissional ou perturbação funcional a empregado, pelo exercício de sua função na empresa, dentro ou fora do local e horário de trabalho, atingindo, total ou parcialmente, de forma permanente ou transitória, sua capacidade laborativa ou causando-lhe a morte’".

Destarte, o acidente do trabalho é um acontecimento de abrangência ampla, que tem como limites definidores a própria relação de trabalho, uma vez que todo acidente ocorrido em razão da prestação de serviços para a empresa tomadora, nos moldes da interpretação que se confere ao artigo 4º, da CLT, é considerado como acidente do trabalho. Sob este aspecto, entende-se que, a contrario sensu, é acidente de trabalho aquele que não ocorreria se não fosse a relação de trabalho.

Além disso, o acidente do trabalho está também vinculado umbilicalmente a outro fator: capacidade para o trabalho. Havendo perda [04] ou redução da capacidade para o trabalho, estará configurado o acidente do trabalho.

Assim, o acidente de trabalho gera incapacidade para o trabalho, a qual pode ser temporária ou definitiva, ficando, em qualquer caso, o trabalhador impossibilitado de auferir, por conta própria, seu sustento e de sua família, agredindo o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (artigo 1º, III, da CRFB).

Em síntese, a nosso ver, todo acidente que ocorra em virtude da relação de trabalho e que gere alguma incapacidade para o trabalho é conceituado como acidente do trabalho.

Após este breve exame do conceito de acidente do trabalho, passemos, então, para o desenvolvimento do dissenso que aqui se propõe estudar.


Capítulo II: Breve Histórico Constitucional

Torna-se relevante uma abordagem histórica quanto à matéria da competência para julgamento das ações oriundas do acidente do trabalho, pois que, atualmente, a corrente que defende ser tal matéria de competência da Justiça Comum Estadual tem como um de seus argumentos esta interpretação histórica.

Desde a Constituição de 1934, as Constituições brasileiras passaram a tratar do Direito do Trabalho. Contudo, a primeira Constituição que regulou a competência para as ações de acidente do trabalho foi a Constituição de 1946, a qual em seu artigo 123, § 1º conferia expressamente a competência das ações relativas a acidentes do trabalho à Justiça Ordinária, assim dispondo:

Art. 123 - Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores, e, as demais controvérsias oriundas de relações, do trabalho regidas por legislação especial.

§ 1º - Os dissídios relativos a acidentes do trabalho são da competência da Justiça ordinária. (grifo nosso)

No mesmo sentido dispôs a Constituição de 1967 que estabeleceu também expressamente a competência da Justiça Ordinária para o julgamento das ações relativas a acidentes do trabalho, bem como trazia dispositivo similar ao artigo 109, I, da Constituição de 1988. Vejam-se os artigos 119, I e 134, § 2º, da Constituição de 1967:

Art. 119 - Aos Juizes Federais compete processar e julgar, em primeira instância:

I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal for interessada na condição de autora, ré, assistente ou opoente, exceto, as de falência e as sujeitas à Justiça Eleitoral, à Militar ou a do Trabalho, conforme determinação legal;

(...)

Art. 134 - Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores e as demais controvérsias oriundas de relações de trabalho regidas por lei especial.

§ 1 º - A lei especificará as hipóteses em que as decisões nos dissídios coletivos, poderão estabelecer normas e condições de trabalho.

§ 2 º - Os dissídios relativos a acidentes do trabalho são da competência da Justiça ordinária. (grifo nosso)

Na Constituição de 1969 ou, para outros, a Emenda Constitucional nº 01 de 1969 houve modificação na redação dos dispositivos que tratavam desta matéria, mas a competência continuou a ser expressamente da Justiça Estadual, conforme se verifica pelo seu artigo 142, in verbis:

Art.142 – Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores, e, mediante lei, outras controvérsias oriundas da relação de trabalho.

(...)

§ 2º - Os litígios relativos a acidente do trabalho são da competência da Justiça Ordinária dos Estados, do Distrito Federal ou dos Territórios. (grifo nosso)

Conforme se vislumbra, as Constituições de 1946, 1967 e 1969 atribuíram expressamente a competência para o julgamento das ações relativas a acidente do trabalho à Justiça Comum Estadual.

Diversamente, a Constituição da República de 1988, Constituição esta com visíveis anseios democráticos e sociais, não possui norma expressa quanto à competência para o julgamento das ações relativas a acidente do trabalho como os citados dispositivos das Constituições anteriores.

O que somente se encontra no Texto Constitucional de 1988 em pertinência ao acidente do trabalho é a disposição do artigo 109, I, in verbis:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

I – as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidente de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;

Constata-se claramente que a norma constitucional acima, no que concerne ao acidente de trabalho, é uma norma de exceção, ou seja, ela trata da competência dos juízes federais e excepciona da competência destes as causas de acidente do trabalho, assim como as de falência, as da Justiça Eleitoral e as da Justiça do Trabalho. Isto quer dizer que ela (ou qualquer outra norma da CRFB/88) não atribui expressamente a competência para ações relacionadas ao acidente de trabalho à Justiça Comum Estadual, conforme as anteriores Constituições fizeram.

Mais adiante discutiremos a interpretação histórica que tenta se dar, de maneira errônea, ao artigo 109, I, da CRFB/88, a fim de justificar a posição da competência da Justiça Comum Estadual para as ações relativa a acidentes do Trabalho, pois se julga mais apropriado abordar esta discussão quando da análise hermenêutica constitucional. Contudo, adianta-se que este é um dos argumentos adotados pela corrente que exclui a competência da Justiça do Trabalho para tais ações.

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Capítulo III: As possíveis ações oriundas do acidente do trabalho

O acidente do trabalho é um acontecimento jurídico que enseja diversas conseqüências, em razão de sua relevância social e dos efeitos nefastos que ocasiona na vida do trabalhador e também no âmbito da empresa, com reflexos sociais da mesma forma preocupantes. Por isso que na atualidade há uma grande preocupação na prevenção de acidentes do trabalho, pois poderá significar o fim da vida de um trabalhador ou a perda ou redução de sua capacidade laborativa, o que afeta intimamente a dignidade da pessoa humana, pois, a meu ver, o trabalho constitui o principal fator que alimenta tanto o espírito do indivíduo quanto seu corpo material. Pode-se dizer que o trabalho é a força motriz do ser humano e da sociedade e permite que aquele alcance suas realizações, além de ser o alicerce de seu sustento e de sua família.

Tendo em vista tal relevância social que o acidente do trabalho possui, a Constituição e a lei ordinária possibilitam, pelo menos, três conseqüências jurídicas distintas que podem advir do acidente do trabalho [05].

A primeira delas é uma Ação Trabalhista na qual se discuta a estabilidade do trabalhador acidentado conferida pelo artigo 118, da Lei nº 8.213/91. Esta estabilidade pode ser a questão principal do processo, mas também pode ser uma questão prejudicial, pois, caso ela exista, serão devidas determinadas verbas, conforme o caso. Esta, sem dúvida, é uma ação de competência da Justiça do Trabalho, matéria sobre a qual não há dissenso, uma vez que a matéria é trabalhista e as partes são, de um lado, empregado e, de outro, empregador.

A segunda possível conseqüência é a Ação Acidentária em face da Previdência Social, com fundamento na sua responsabilidade objetiva que advém do artigo 7º, XXVIII, CRFB, primeira parte e dos artigos 194 e 201, da CRFB, bem como dos artigos120 e 121, da Lei nº 8.213/91. É uma ação que tem por objeto o seguro contra acidentes do trabalho e envolve questões referentes ao benefício previdenciário auxílio-acidente (artigo 18, I, h e § 1º, da Lei nº 8.213/91). Frise-se que nesta ação a matéria é previdenciária, mas decorre umbilicalmente da relação de trabalho, assim como as partes são beneficiário e a autarquia federal – Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.

No que concerne a esta ação, há grande discussão para se definir o juízo competente para seu processamento e julgamento, sendo o tema que constitui o presente trabalho.

Por fim, em terceiro lugar, há a Ação Indenizatória por Danos Morais e Materiais oriundos do Acidente de Trabalho em face do empregador, com base em sua responsabilidade subjetiva constante do artigo 7º, XXVIII, CRFB, in fine. É o texto do dispositivo mencionado:

Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem a melhoria de sua condição social:

(...)

XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa. (grifo nosso)

A responsabilidade subjetiva do empregador, nascida com o acidente do trabalho, também é confirmada tanto pela lei, por meio do artigo 121, da Lei nº 8.213/91, quanto pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, por meio da Súmula 229, do STF, respectivamente:

Art.121.O pagamento, pela Previdência Social, das prestações por acidente do trabalho não exclui a responsabilidade civil da empresa ou de outrem.

Súmula 229, STF: a indenização acidentária não exclui a do direito comum, em caso de dolo ou culpa grave do empregador.

Note-se que esta ação tem por objeto matéria de cunho eminentemente trabalhista, cujas partes são empregado e empregador.

Esta também é uma ação cuja competência para julgamento é extremamente controvertida e que consiste no objeto do presente estudo.

Enfim, as três são ações distintas, porque têm objetos diversos e, no caso da segunda, partes diferentes. Todo este sistema de proteção do trabalhador acidentado visa à reparação integral dos danos gerados, justamente por ser o acidente do trabalhado um fato social de alta relevância e, como já afirmado, de conseqüências gravosas.


Capítulo IV: Exposição da divergência jurisprudencial

No âmbito da jurisprudência, a instabilidade é reinante. Os Tribunais Superiores têm decisões em todos os sentidos, o que, por certo, demonstra a importância da discussão do tema.

Contudo, diga-se de início que o dissenso quanto à competência para as ações oriundas de acidente do trabalho não nasceu recentemente. Pelo contrário, como se constatará, a questão é antiga e, hoje, é reacendida pelo advento da Emenda Constitucional nº 45/2004.

Iniciemos a nossa análise pelo Supremo Tribunal Federal – STF. A posição da Corte Suprema do Brasil parecia estar caminhando para o sentido da competência da Justiça Comum Estadual para processar e julgar as ações decorrentes de acidente do trabalho. Todavia, conforme dito, é uma questão muito polêmica e esse dissenso já se manifestou também no STF e ainda se manifesta, como se verá adiante.

Sob a vigência da Constituição de 1946, o STF consolidou seu entendimento da época na sua Súmula 235, in verbis:

Súmula 235, STF: Acidente- Competência – Autarquia Seguradora

É competente para a ação de acidente de trabalho a Justiça cível comum, inclusive em segunda instância, ainda que seja parte autarquia seguradora.

Sob a égide da Constituição anterior (ou Emenda Constitucional nº 01 de 1969), o STF editou a sua Súmula 501 que assim dispõe:

Súmula 501, STF: Acidente do Trabalho – Competência da Justiça Ordinária Estadual.

Compete à Justiça ordinária estadual o processo e o julgamento, em ambas as instâncias, das causas de acidente do trabalho, ainda que promovidas contra a União, suas autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista. (DJ de 10/12/1969)

Apesar de ambas as súmulas do STF serem no sentido de ser a competência da Justiça Comum Estadual, deve-se atentar para o fato de que ambas foram editadas com base nas Constituições de 1946 e 1969, respectivamente, as quais, conforme visto no capítulo II, determinavam expressamente ser da Justiça Estadual tal competência (artigo 123, § 1º, da CRFB/1946 e artigo 142, da CRFB/1969, respectivamente).

Portanto, a meu ver, estas súmulas, por terem como fundamento os referidos dispositivos constitucionais expressos quanto à competência da Justiça Estadual, não devem prevalecer, pois que não se coadunam com a interpretação lógico-sistemática que deve ser feita do artigo 109, I, da CRFB/1988.

Registre-se que a questão não é pacífica entre os Ministros do STF, mas, por maioria, tem vencido o entendimento da competência da Justiça Comum Estadual, seja para a ação acidentária, seja para a ação indenizatória por danos materiais e/ou morais provenientes do acidente do trabalho.

No Agravo de Instrumento nº 349976 [06], no qual houve despacho do Ministro relator Sepúlveda Pertence (publicado no DJ de 22/10/2001), anulou-se um processo que foi julgado pela Justiça Estadual do Rio de Janeiro e que tinha por objeto a indenização do empregador me razão de doença pulmonar resultante don trabalho, determinando-se a competência da Justiça do Trabalho. Entendeu o Ministro relator Sepúlveda Pertence que:

O acórdão recorrido discrepou do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, a partir do julgamento plenário do aludido CJ 6.959-6 (Pleno, maioria, Pertence, DJ 22.2.91), quando se decidiu que: a determinação da competência da Justiça do Trabalho não importa que dependa a solução da lide de questões de direito civil, mas sim, no caso, que a promessa de contratar, cujo alegado conteúdo e o fundamento do pedido, tenha sido feita em razão da relação de emprego, inserindo-se no contrato de trabalho... Assim sendo, na linha da citada decisão plenária e daquelas proferidas desde então em hipóteses similares, entre as quais nos referidos RREE, que relatei, e de acordo com o que dispõem os. 3. e 4. do artigo 544 do C.Pr.Civil (cf. Leis 9.756/98 e 8.950/94, respectivamente), provejo o presente agravo e, desde logo, conheço do recurso extraordinário e lhe dou provimento para declarar nulo o processo, a partir da sentença de primeiro grau, inclusive. Brasília, 2 de agosto de 2001.

No entanto, mesmo após a EC nº 45/2004, o STF tem entendido ser a competência da Justiça Estadual para as ações de acidente do trabalho, com exceção do Ministro Marco Aurélio Mello e, atualmente, do Ministro Carlos Ayres Britto que julgam ser a competência da Justiça do Trabalho. Neste passo, torna-se importante colacionar as seguintes decisões:

1)

Ação de Danos Morais decorrente de Acidente do Trabalho: EC 45/2004 e Competência

Ressaltando a excepcionalidade do caso concreto, a Turma, por maioria, negou provimento a recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal de Alçada do Estado de São Paulo que entendera competir à Justiça Comum o exame de ação de indenização por danos morais fundada em acidente do trabalho. Decidiu-se pela manutenção, na espécie, de precedentes da Corte no sentido da competência da Justiça Comum estadual para o julgamento das causas relativas a indenizações por acidente do trabalho, por força do disposto no inciso I do art. 109 da CF, não obstante o advento da EC 45/2004 que, ao dar nova redação ao art. 114 da CF, dispôs expressamente competir à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações de indenização por dano moral ou patrimonial decorrentes da relação de trabalho (CF, art. 114, VI). Considerou-se que o acórdão recorrido deveria ser preservado em nome do sentido de justiça, uma vez que seria iníquo declarar, a essa altura, a nulidade do processo até a sentença, inclusive, e determinar a remessa dos autos à Justiça trabalhista. Vencidos os Ministros Carlos Britto, relator, e Marco Aurélio, que davam provimento ao recurso para declarar a competência da Justiça do Trabalho.

RE 394943/SP, rel. orig. Min. Carlos Britto, rel. p/ acórdão Min. Eros Grau, 1º.2.2005. (RE-394943) [07] (grifo nosso)

2) Ementa: Acidente do Trabalho – Indenização por danos materiais e/ou morais – Ação ajuizada em face do empregador com fundamento no Direito Comum – matéria que, não obstante a superveniência da EC 45/2004, ainda permanece na esfera de competência do Poder Judiciário Local – Recurso improvido.

Compete à Justiça dos Estados-membros e do Distrito Federal, e não à Justiça do Trabalho, o julgamento das ações de indenização por danos materiais e/ou morais resultantes de acidente do trabalho, ainda que fundadas no direito comum e ajuizadas em face do empregador.

Não obstante a superveniência da EC 45/2004, subsiste íntegra, na esfera de competência material do Poder Judiciário local, a atribuição para processar e julgar as causas acidentárias, qualquer que seja a condição ostentada pela parte passiva (INSS ou empregador), mesmo que a pretensão jurídica nelas deduzida encontre fundamento no direito comum. Inaplicabilidade da Súmula 736/STF. Precedente: RE 438.639/MG, Rel. p/ o acórdão Min. Cezar Peluso (Pleno) [08]. (DJ 29/04/2005)

3) Ementa: acidente do trabalho - indenização por danos materiais e/ou morais - ação ajuizada em face do empregador, com fundamento no direito comum - matéria que, não obstante a superveniência da EC 45/2004, ainda permanece na esfera de competência do poder judiciário local - recurso improvido. - Compete à Justiça dos Estados-membros e do Distrito Federal, e não à Justiça do Trabalho, o julgamento das ações de indenização por danos materiais e/ou morais resultantes de acidente do trabalho, ainda que fundadas no direito comum e ajuizadas em face do empregador. - Não obstante a superveniência da EC 45/2004, subsiste íntegra, na esfera de competência material do Poder Judiciário local, a atribuição para processar e julgar as causas acidentárias, qualquer que seja a condição ostentada pela parte passiva (INSS ou empregador), mesmo que a pretensão jurídica nelas deduzida encontre fundamento no direito comum. Inaplicabilidade da Súmula 736/STF. Precedente: RE 438.639/MG, Rel. p/ o acórdão Min. CEZAR PELUSO (Pleno) [09]. (DJ de 08/04/2005) (grifo nosso)

4) EMENTA: Competência: Justiça comum: ação de indenização fundada em acidente de trabalho, ainda quando movida contra o empregador. 1. É da jurisprudência do STF que, em geral, compete à Justiça do Trabalho conhecer de ação indenizatória por danos decorrentes da relação de emprego, não importando deva a controvérsia ser dirimida à luz do direito comum e não do Direito do Trabalho. 2. Da regra geral são de excluir-se, por força do art. 109, I, da Constituição, as ações fundadas em acidente de trabalho, sejam as movidas contra a autarquia seguradora, sejam as propostas contra o empregador (por maioria, vencido o Min. Marco Aurélio) [10]. (DJ 12/03/2004) (grifo nosso)

Contudo, o STF, em curto lapso temporal, modificou seu entendimento, ao julgar o Conflito de Competência nº 7204-1 em 29/06/2005 [11], atribuindo à Justiça do Trabalho a competência para o julgamento da ação indenizatória decorrente de acidente do trabalho, conforme verificamos pela ementa da decisão mencionada:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA JUDICANTE EM RAZÃO DA MATÉRIA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E PATRIMONIAIS DECORRENTES DE ACIDENTE DO TRABALHO, PROPOSTA PELO EMPREGADO EM FACE DE SEU (EX-)EMPREGADOR. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. ART. 114 DA MAGNA CARTA. REDAÇÃO ANTERIOR E POSTERIOR À EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/04. EVOLUÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PROCESSOS EM CURSO NA JUSTIÇA COMUM DOS ESTADOS. IMPERATIVO DE POLÍTICA JUDICIÁRIA. Numa primeira interpretação do inciso I do art. 109 da Carta de Outubro, o Supremo Tribunal Federal entendeu que as ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente do trabalho, ainda que movidas pelo empregado contra seu (ex-)empregador, eram da competência da Justiça comum dos Estados-Membros. 2. Revisando a matéria, porém, o Plenário concluiu que a Lei Republicana de 1988 conferiu tal competência à Justiça do Trabalho. Seja porque o art. 114, já em sua redação originária, assim deixava transparecer, seja porque aquela primeira interpretação do mencionado inciso I do art. 109 estava, em boa verdade, influenciada pela jurisprudência que se firmou na Corte sob a égide das Constituições anteriores. 3. Nada obstante, como imperativo de política judiciária -- haja vista o significativo número de ações que já tramitaram e ainda tramitam nas instâncias ordinárias, bem como o relevante interesse social em causa --, o Plenário decidiu, por maioria, que o marco temporal da competência da Justiça trabalhista é o advento da EC 45/04. Emenda que explicitou a competência da Justiça Laboral na matéria em apreço. 4. A nova orientação alcança os processos em trâmite pela Justiça comum estadual, desde que pendentes de julgamento de mérito. É dizer: as ações que tramitam perante a Justiça comum dos Estados, com sentença de mérito anterior à promulgação da EC 45/04, lá continuam até o trânsito em julgado e correspondente execução. Quanto àquelas cujo mérito ainda não foi apreciado, hão de ser remetidas à Justiça do Trabalho, no estado em que se encontram, com total aproveitamento dos atos praticados até então. A medida se impõe, em razão das características que distinguem a Justiça comum estadual e a Justiça do Trabalho, cujos sistemas recursais, órgãos e instâncias não guardam exata correlação. 5. O Supremo Tribunal Federal, guardião-mor da Constituição Republicana, pode e deve, em prol da segurança jurídica, atribuir eficácia prospectiva às suas decisões, com a delimitação precisa dos respectivos efeitos, toda vez que proceder a revisões de jurisprudência definidora de competência ex ratione materiae. O escopo é preservar os jurisdicionados de alterações jurisprudenciais que ocorram sem mudança formal do Magno Texto. 6. Aplicação do precedente consubstanciado no julgamento do Inquérito 687, Sessão Plenária de 25.08.99, ocasião em que foi cancelada a Súmula 394 do STF, por incompatível com a Constituição de 1988, ressalvadas as decisões proferidas na vigência do verbete. 7. Conflito de competência que se resolve, no caso, com o retorno dos autos ao Tribunal Superior do Trabalho.

Diga-se, en passant, que não há mais qualquer discussão quanto a possibilidade de julgamento pela Justiça do Trabalho de causas que tenham como fundamento o direito comum/civil, entendimento este já pacificado pelo STF e, agora, pela Constituição da República em seu artigo 114, VI, uma vez que as ações de indenização têm por fundamento da responsabilidade civil (artigos 186 e 927, do Código Civil de 2002).

No que concerne ao Superior Tribunal de Justiça – STJ, a posição deste Tribunal também é de que a competência para as ações decorrentes de acidente do trabalho é da Justiça Comum Estadual, seja a ação acidentária, seja a ação indenizatória por danos provenientes do acidente do trabalho. Tal entendimento está claramente definido pela sua Súmula nº 15, in verbis:

Súmula 15, STJ: Compete à Justiça Estadual processar e julgar os litígios decorrentes de acidente do trabalho.

A atual jurisprudência do STJ não sinaliza qualquer mudança na posição esposada na citada súmula, mesmo após a EC nº 45/2004. É o que se verifica por meio dos seguintes julgados:

1)

Ementa: Competência. Ação de indenização por acidente do trabalho. EC 45/2004.

I - Tratando-se de ação de indenização em razão de acidente ocorrido no exercício de atividade profissional, a competência para apreciá-la é da justiça comum estadual, mesmo após a EC 45/2004.

Precedente do Supremo.

II - Agravo regimental desprovido [12].

2) Ementa: Conflito de Competência. Justiça comum e laboral. Ação de indenização. Danos morais e materiais. Acidente do trabalho.

- Em recente julgamento do RE 438.639, o STF atribuiu à Justiça Comum Estadual a competência para processar e julgar ações de indenização por danos morais e materiais decorrentes de acidente do trabalho.

- Conflito solucionado conforme entendimento do STF, ressalvado posicionamento pessoal.

Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Suscitado [13].

3) Ementa: Conflito de competência. Acidente de trabalho. Indenização. Justiça estadual.

1. De acordo com o entendimento do Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 438.639, de 09 de março de 2005, "as ações de indenização propostas por empregado ou ex-empregado contra empregador, quando fundadas em acidente do trabalho, continuam a ser da competência da justiça comum estadual.".

2. Conflito conhecido para declarar competente o Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, o suscitado [14].

Assim, clara é a posição do STJ.

No que pertine ao Tribunal Superior do Trabalho – TST, é farta a jurisprudência desta Corte Trabalhista no sentido de que é da Justiça do Trabalho a competência para processar e julgar as ações indenizatórias por danos oriundos de acidente do trabalho, seja, antes, seja depois da EC nº 45/2004. Ressalte-se que há decisões que conferem à Justiça Estadual a competência para as ações acidentárias em que se discute matéria previdenciária e a responsabilidade é objetiva e à Justiça do Trabalho a competência para as ações indenizatórias dos danos derivados de acidentes do trabalho. Desta forma, trazemos somente dois julgados dentre um número de infinito deles, a fim demonstrar esta posição:

1)

EMENTA: RECURSO DE REVISTA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO - DANOS MORAIS DECORRENTES DE ACIDENTE DE TRABALHO. O poder constituinte, atento à dupla possibilidade de reparação dos danos causados pelo infortúnio laboral, estabeleceu competências jurisdicionais específicas. Assim, compete à Justiça Comum processar e julgar as pretensões dirigidas contra o Estado, relativas ao seguro específico para o infortúnio laboral, decorrente da teoria do risco social (responsabilidade objetiva), e estende-se à Justiça do Trabalho a competência para apreciar a pretensão de indenização reparatória dos danos morais dirigida contra o empregador à luz da sua responsabilidade subjetiva, insculpida no art. 159 do Código Civil de 1916, ante a natureza eminentemente trabalhista do conflito. Recurso conhecido e desprovido. DANOS MORAIS. Não se conhece de recurso de revista quando não é demonstrada divergência jurisprudencial válida com os arestos acostados, de acordo com a alínea "a" do artigo 896 da Consolidação das Leis do Trabalho. Recurso de revista não conhecido. HONORÁRIOS PERICIAIS. Não se conhece de recurso de revista quando o recorrente não o embasa nas alíneas do artigo 896 da Consolidação das Leis do Trabalho. Recurso de revista não conhecido [15]. (DJ de 25/02/2005) (grifo nosso)

2) EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL DERIVADO DE ACIDENTE DE TRABALHO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Revelando-se a decisão regional em consonância com a pacífica jurisprudência do TST no sentido de ser competente a Justiça do Trabalho para apreciar e julgar pedido de indenização por danos morais decorrentes de acidente de trabalho, inviável o processamento da revista (inteligência do Enunciado de nº 333 desta Corte c/c o art. 896, § 4º, da CLT). Agravo de Instrumento a que se nega provimento [16]. (DJ de 10/12/2004)

Por entenderem que quaisquer danos materiais e/ou morais que tenham sua origem na relação de trabalho, inclusive o decorrente do acidente do trabalho, alguns entendimentos do TST se baseiam também na antiga OJ nº 327, da SDI -1, hoje transformada na Súmula 392, do TST, in verbis:

Súmula 392, TST: DANO MORAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 327 da SDI-1) - Res. 129/2005 - DJ 20.04.2005

Nos termos do art. 114 da CF/1988, a Justiça do Trabalho é competente para dirimir controvérsias referentes à indenização por dano moral, quando decorrente da relação de trabalho. (ex-OJ nº 327 - DJ 09.12.2003)

A meu ver, a posição destas decisões é bastante consentânea, pois que se a Justiça do Trabalho tem competência para conhecer e julgar todas as ações oriundas da relação de trabalho, bem como todo dano material e/ou moral que decorra desta relação, por que excluir somente os danos de acidentes do trabalho? E, vou mais longe, por que afastar a própria ação acidentária da Justiça do Trabalho, tendo em vista que a matéria, em sua natureza, também é trabalhista? Tentaremos dar algumas orientações mais a frente para a solução destes questionamentos.

Note-se que já há recente decisão do TST, proferida após a EC nº 45/2004, entendendo que a competência é da Justiça do Trabalho nas ações indenizatórias de acidente do trabalho com fundamento no artigo 114, VI, da CFRB, dispositivo acrescentado pela EC nº 45/2004. Veja-se:

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. COMPETÊNCIA. DANO MORAL DERIVADO DE DOENÇA OCUPACIONAL CONSIDERADA POR LEI COMO ACIDENTE DE TRABALHO. VIOLAÇÃO DO ART. 114 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. Declarada a incompetência da Justiça do trabalho para apreciação de pedido de indenização por danos morais decorrentes do acidente do trabalho noticiado nos autos, em prol da Justiça Comum Estadual, impõe-se admitir o processamento do recurso de revista, ante a possibilidade de ofensa ao artigo 114 da Constituição Federal. Agravo de instrumento a que se empresta provimento, ordenando o processamento do recurso de revista, nos termos regimentais. RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL DERIVADO DE DOENÇA OCUPACIONAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Nos termos do art. 114, VI, da CF/1988, a Justiça do Trabalho é competente para dirimir controvérsias referentes à indenização por dano moral, quando decorrente da relação de trabalho (OJSBDI1 de nº 327) [17]. (DJ de 15/04/2005) (grifo nosso)

Contudo, encontramos duas decisões do TST que negam a competência da Justiça do Trabalho para as ações indenizatórias de acidente do trabalho. A primeira foi proferida após a EC nº 45/2004 e se baseou no fato de que o STF, como intérprete máximo da Constituição, julgou, em Recurso Extraordinário – diga-se de passagem, que a competência é da Justiça Estadual. A segunda, proferida antes da EC nº 45/2004, também teve como base o argumento acima, bem como o "princípio da disciplina judiciária". Por serem bastante relevantes para nosso estudo, vejamos suas ementas, respectivamente:

1)

Ementa: RECURSO DE REVISTA POR CONVERSÃO INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DECORRENTES DE ACIDENTE DE TRABALHO. Sendo inquestionável que E. STF é o intérprete máximo e prevalente da Constituição Federal, não há como se divorciar de uníssona jurisprudência que ali vem sendo construída sobre a incompetência da Justiça do Trabalho para julgar ações por dano moral decorrente de acidente de trabalho ou de doença profissional àquele equiparada. De fato, o entendimento prevalente é no sentido de se reconhecer vis atractiva do art. 109, I, da Constituição para aquelas ações que decorrem de dano acidentário, fixando-se, por isso, a competência da Justiça Estadual, o que não teria sido alterado com a EC 45/04. Agravo provido [18]. (DJ de 08/04/2005) (grifo nosso)

2) Ementa: I - RECURSO DE REVISTA DO RECLAMADO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. (...). DANO MORAL PROVENIENTE DE INFORTÚNIOS DO TRABALHO. COMPETÊNCIA DO JUDICIÁRIO DO TRABALHO. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 7º, INCISO XXVIII, E DO ARTIGO 114, AMBOS DA CONSTITUIÇÃO. PREVALÊNCIA DA JURISPRUDÊNCIA DO STF FAVORÁVEL À COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL. RESSALVA DE ENTENDIMENTO PESSOAL. As pretensões provenientes da moléstia profissional ou do acidente do trabalho reclamam proteções distintas, dedutíveis em ações igualmente distintas: uma de natureza nitidamente acidentária, em que é competente materialmente a Justiça Comum, a teor do artigo 109 inciso I, da Constituição c/c o artigo 129, inciso II, da Lei 8.213/91; e outra de conteúdo iminentemente trabalhista, consubstanciada na indenização reparatória dos danos material e moral, em que é excludente a competência desta Justiça. Não desautoriza a competência do Judiciário do Trabalho o alerta de o direito remontar pretensamente ao artigo 159 do Código Civil de 1916. Isso nem tanto pela evidência de ele reportar-se, na verdade, ao artigo 7º, inciso XXVIII, da Constituição, mas sobretudo pela constatação de a pretensão indenizatória provir não da culpa aquiliana, mas da culpa contratual do empregador, extraída da não-observância dos deveres contidos no artigo 157 da CLT. Frise-se ainda a impropriedade do artigo 109, inciso I, da Constituição para enfrentamento da controvérsia sobre a competência material da Justiça do Trabalho. É que segundo ali consta não caber à Justiça Federal Comum processar e julgar as ações de acidente de trabalho, cuja competência o artigo 129, inciso II, da Lei 8.213/91 cometeu à Justiça Comum. Quer isso dizer que o Judiciário do Trabalho não tem competência para as ações previdenciárias nem para as ações acidentárias, sendo incontrastável no entanto sua competência para julgamento das ações reparatórias dos multicitados danos moral e material provenientes de acidentes de trabalho ou moléstias profissionais, conforme se infere do confronto entre o artigo 7º, inciso XXVIII, e o artigo 114, ambos da Constituição. Em que pesem tais considerações, o STF já consolidou a jurisprudência no sentido de a competência material, para julgamento de indenização quer por dano material, quer por dano moral, proveniente de infortúnio do trabalho, ser da Justiça dos Estados e do Distrito Federal e não da Justiça do Trabalho. Com ressalva de entendimento pessoal e atento ao princípio da disciplina judiciária, impõe-se declarar a incompetência do Judiciário do Trabalho, com extinção do pedido de pagamento da indenização, por injunção do artigo 292, inciso II, do CPC, ficando prejudicado o exame da questão de fundo relativa à propalada indenização pelos danos morais. Recurso provido [19]. (DJ de 12/11/2004) (grifo nosso)

É importante destacarmos que surge atualmente uma posição que tem sido denominada de "disciplina judiciária", pela qual, na escala da jurisdição constitucional, os órgãos do Poder Judiciário que estão em nível abaixo devem se submeter ao entendimento dos órgãos que estão em nível superior. Tal posição é também controvertida, uma vez que atenta contra o Princípio do Livre Convencimento do Juiz (artigo 131, do CPC). Entretanto, com a adoção da súmula vinculante pela EC nº 45/2004 (artigo 103-A, CRFB), parece-nos que há uma tendência no sentido de observância das decisões dos Tribunais Superiores pelos órgãos judiciários inferiores [20].

Nota-se pela leitura da ementa do último julgado citado, bem como dos já mencionados do STJ, que alguns Ministros estão incorporando a referida disciplina judiciária quando fazem remissão à decisão do STF no RE nº 438.639. Se bem que, em relação ao STJ, a adoção desta posição não causa maiores espantos, pois sua posição foi sempre de conferir a competência das ações decorrentes de acidente do trabalho à Justiça Comum Estadual. Mas a Justiça do Trabalho aderir a tal entendimento com base em uma decisão em Recurso Extraordinário?

É bom que se esclareça e que se atente para o fato de que, até o presente momento, a decisão do STF de que a competência para as ações decorrentes de acidente do trabalho é da Justiça Comum Estadual foi proferida em um Recurso Extraordinário, ou seja, o exercício controle de constitucionalidade foi feito difusamente em um processo cujos efeitos são inter partes e não erga omnes. Somente no controle concentrado de constitucionalidade, como ocorre na Ação Direta de Constitucionalidade, os efeitos da decisão são erga omnes, atingindo toda a coletividade, bem como tem efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal (artigo 28, parágrafo único, da Lei nº 9868/99).

Portanto, em que pese ser uma decisão da Corte Constitucional e que a mesma sinalize no sentido da orientação a ser adotada, o acórdão proferido no RE nº 438.639, ou em qualquer outro RE, não tem efeito vinculante geral, pois somente se aplica às partes desse processo.

Sobre o autor
Daniel Nunes Garcez Borges

advogado em Petrópolis (RJ), pós-graduado (lato sensu) em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Universidade Gama Filho (UGF) e Decisum Estudos Jurídicos

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORGES, Daniel Nunes Garcez. A competência para as ações oriundas de acidente de trabalho:: o enfoque da hermenêutica constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 961, 19 fev. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7983. Acesso em: 22 dez. 2024.

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