Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

A personalidade jurídica e a teoria da desconsideração à luz do princípio da autonomia patrimonial

Agenda 03/03/2020 às 08:53

O presente artigo tem como temática apersonalidade jurídica, que é capaz de autorizar determinados sujeitosà prática de atos jurídicos em comum. Entretanto, tal idoneidade não permite que ela tenha existência fora dos conceitos compartilhados pelos integr

1 INTRODUÇÃO A personalidade jurídica é um componente de suma importância para o exercício da atividade empresarial. Sendo um expediente de direito, esta é capaz de autorizar determinados sujeitos à prática de atos jurídicos em geral. Porém, tal capacidade não possibilita que ela tenha existência fora dos conceitos partilhados pelos integrantes de uma comunidade jurídica, o que torna sua realidade meramente social, e caracteriza a imposição de direitos e obrigações. É com base no exercício da pessoa jurídica, que a sociedade empresária é considerada um sujeito de direito personalizado, e poderá realizar qualquer ato ou negócio jurídico.Diante disso, os efeitos gerados por esta atividade causam divergências doutrinárias no que diz respeito ao caráter de autonomia patrimonial imposto pelas sociedades, o que ocasiona uma desconsideração da mesma. Isto, pois, é constatada muita das vezes, a existência de abusos por parte da empresa individual de responsabilidade limitada e dos sócios das sociedades, que atingem indefesamente os direitos de credores e de terceiros. Sendo que, o objetivo atinente à desconsideração da personalidade jurídica recai sobre o exercício da sua atividade empresarial, mais precisamente da sua autonomia patrimonial. Isto, pois sendo estas umas das características principais que distingue a pessoa jurídica de seus demais integrantes como sujeito autônomo de direito e obrigações, acaba por se revelar não sendo totalmente absoluta, uma vez que a desconsideração de tal é imposta justamente pelo abuso de poder desta, a qual é essencial e de notória importância para o exercício da atividade jurisdicional. Assim sendo, o presente artigo pretende, primeiramente, descrever a atuação da personalidade jurídica, aludindo como esta se comporta no âmbito empresarial, para mais além, explicar por quais motivos ocasionam-se abordar sobre a desconsideração da personalidade jurídica à luz do princípio da autonomia patrimonial em determinados casos, versando ainda, a teoria da desconsideração inversa que se mostra notoriamente significativa no tocante à desconsideração da personalidade jurídica. 2A ATUAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO ÂMBITO EMPRESARIAL A personalidade jurídica é a característica básica da pessoa jurídica. A fim de se esclarecera sua atuação no âmbito empresarial, a precisão do surgimento da mesma faz-se necessário adentrar nas palavras doautor Ricardo Negrão (2008), que diz: A personalidade jurídica é uma ficção jurídica, cuja existência decorre da lei.É evidente que às pessoas jurídicas falta existência biológica, característicaprópria das pessoas naturais. Entretanto, para efeitos jurídicos e, leia-se, para facilitar a vida em sociedade, concede-se a capacidade para umaentidade puramente legal subsistir e desenvolver-se no mundo jurídico. Suarealidade, portanto é social, concedendo-lhe direitos e obrigações. (Negrão, 2008, p.238). Esse aspecto permite elucidar que a personalidade jurídica surgiu para permitir a união de esforços de homens em busca de um objetivo comum à sociedade. Inicialmente, era frequente as pessoas não acharem em si mesmos, recursos para o desenvolvimento de uma empresa, e a associação com outras pessoas mostrou-se uma solução apropriada, pactuando uma sociedade. Consequentemente, o indivíduo ético passou a ser detentor de direitos e deveres e de uma personalidade jurídica distinta de seus sócios, fator que estimulou o surgimento das sociedades. Todavia, caberessaltar que existem dois tipos societários que não possuem personalidade jurídica: a sociedade em conta de participação e a sociedade em comum. A sociedade em conta de participação não possui personalidade jurídica, pois é um exemplo societário sui generis. Nesse sentido, por mais que leve seus atos a registro, não irá adquirir a personalidade jurídica, tendo ausência de patrimônio, de denominação e de sede. Por outro lado, a sociedade em comum não detém personalidade jurídica, exatamente pelo fato de não praticar o que preceitua o artigo 985 do Código Civil, onde este aludi que “A sociedade adquiri personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos - art. 45 e 1.150”(pag.216). Desta forma, ressalta-se que a personalidade jurídicaé um fator do mundo jurídico, originada a partir de uma liga de pessoas ou umconjunto de bens, no qual tem um documento escrito levado aregistro pela sociedade, e que sua existência é de fundamental importância para a entrada no mundo jurídico e empresarial. Enquanto sociedade empresária, é importante elucidar a forma como a personalidade jurídica se apresenta na atualidade, sendo necessário compreender que esta é um significante instituto no direito brasileiro, por consentir a regularização de empresas que lidam, através dela, a ser sujeitos de direito e obrigações, e, por conseguinte, protegidas pela legislação o que garante a autonomia da sociedade, e a tornará independente de seus sócios. Na perspectiva de Fábio Ulhôa Coelho (2010) entende-se que: Quando a sociedade empresarial realiza negócios jurídicos (compramatéria-prima, celebra contrato de trabalho, aceita uma duplicata etc.)embora ela o faça necessariamente pelas mãos de seu representante legal é ela, pessoa jurídica, como sujeito de direito autônomo, personalizado, que assume um dos pólos da relação negocial. O eventualsócio que representou não é parte do negócio jurídico, mas sim dasociedade (Coelho,2010,p.113). Diante disso, entende-se que de um lado se favorece a fraude contra credores, pois a pessoa jurídica não deve ser confundida com a pessoa física que a compõe, além da defesa de que seu patrimônio também é independente. Sendo assim, poderá o juiz interferir e suspender a personalidade jurídica da sociedade. A personalização, posto isso, dá à sociedade a individualização e autonomia patrimonial, ou seja, o patrimônio da sociedade não se confunde com o patrimônio particular dos sócios que a constituem. Uma vez que é dotada de patrimônio próprio, a sociedade responde, com ele, pelas obrigações que assumir ou que os sócios assumirem em nome dela. 3A TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA SOB PERSPECTIVA DO PRINCÍPIO DA AUTONOMIA PATRIMONIAL A teoria da desconsideração da personalidade jurídica tem como fundamento mostrar a ineficiência de determinados atos da sociedade, para fins de estender a responsabilidade sobre esses atos aos sócios, como é o caso da autonomia patrimonial atribuída aos administradores das empresas. Na perspectiva do doutrinador Freddie Didier Júnior (2004) em relação à personalidade jurídica, este aborda que: Situações há, entretanto, em que a utilização da pessoa jurídica é feita ao arrepio da função social para qual o direito albergou. Não raras vezes deparamo-nos com notícias de utilização indevida do ente moral para fins de locupletamento pessoal dos sócios, ocultos pela licitude da sociedadeempresária(Didier,2004,p.2). Frente a isto, o princípio da autonomia patrimonial tido até então comoabsoluto, passou a ser alvo de exceções. Nos casos de atos visando fins abusivosou fraudulentos passou a ter-se como cabível o uso da desconsideração da personalidade jurídica, a qual permite a superação da autonomia patrimonial, autorizando a penetração no patrimônio dos sócios e administradores. Em consequência, a fraudeconsiste em um ato ilícito realizado com o uso da autonomia patrimonial para gerarprejuízos a terceiros, e, por conseguinte, benefícios aos sócios e/ouadministradores. Para fins posteriores, faz-se necessário compreender que quando houver a fraude, se estará diante de hipóteses emque os sócios ou administradores agiram com má-fé, cientes do ato lesivo queestavam praticando. Igualmente, o abuso de direito consiste no desvio da finalidade da pessoajurídica gerando o seu “mau uso”. De acordo com Marlon Tomazette(2011), porém, o ato não é ilícito,conforme este elucida : No abuso de direito, o ato praticado é permitido pelo ordenamento jurídico, trata-se de um ato, a princípio, plenamente lícito. Todavia ele foge a suafinalidade social, e sua prevalência gera um mal-estar no meio social, nãopodendo prevalecer. Os direitos se exercem tendo em conta não apenas oseu titular, mas todo o agrupamento social. Seu exercício normalmente nãoé absoluto, é relativo. (Tomazette,2011,p.246) Assim, o abuso de personalidade é reconhecido, nessa perspectiva, pelo desvio de finalidade, que pode haver tanto quando a pessoa jurídica agir de maneira contrária ao objeto da empresa, quanto contrariar a finalidade social, buscando fins diversos do da sociedade(MAMEDE,2004). Nesses casos, torna-se possível a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, a fim de responsabilizar o sócio ou administrador que praticou o ato. O juristaFábio Ulhôa Coelho (2008)defende, ainda mais, que a teoria da desconsideração da personalidade jurídica serve como um meio de preservar a sociedade, bem como a própria personalidade jurídica, sendo que, aludir sobre a sua existência jurídica não implica dizer que se é contra a separação subjetiva entre asociedade empresária e seus sócios, mas, que estavisa conservaro instituto, em suas contiguidades fundamentais diante da possibilidade da desvirtuação vir a comprometê-lo. Isto é, a inexistência de um critério deorientação, a partir do qual os julgadores pudessem conter fraudes eabusos cometidos através da autonomia patrimonial, poderia eventualmente provir no questionamento do próprio instituto, e não do seu uso indevido. (COELHO, 2008, p.39) Nesse sentido, a desconsideração da personalidade jurídica deveser aplicada em casos singulares, haja vista quea regra é a autonomia patrimonial. Deste modo, será cabível, quando verificado pelomagistrado que a aplicação da autonomia patrimonial ensejará prejuízos à terceiroem face de um ato ilícito ou quando a personalidade jurídica for utilizada de maneira indevida. 3.1 O princípio da autonomia patrimonial Com a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, a sociedade passa a responder legalmente pelas operações nela realizadas dentro dos limites de gestão estabelecidos nos seus atos constitutivos. Assim, constitui-se em um incentivo às pessoas, que passam a se dispor a colocar seu capital a serviço do empreendimento empresarial, tendo a garantia que não terão seu patrimônio pessoal ameaçado para suprir dívidas da pessoa jurídica. Isto é característico, sobretudo, nas sociedades limitadas. Essa proteção patrimonial, que é uma espécie de égide a defender a pessoa dos sócios, quanto ao seu patrimônio pessoal, é usada para praticar fraudes e abusos, lesando terceiros e credores. Se não houvesse um freio, ao se aplicar o princípio da autonomia patrimonial de forma absoluta, o credor passaria a ser refém das circunstâncias e da boa vontade do devedor. Enquanto não se instituía um diploma legal para coibir as fraudes, os tribunais passaram, então, a firmar jurisprudência, visando coibir os excessos, decidindo que o direito à personalidade jurídica deveria sofrer restrições, podendo, em determinados casos, não levar em conta a distinção patrimonial entre a pessoa jurídica e os seus sócios. Iniciava-se aí a aplicação da Desconsideração da Personalidade Jurídica. 3.2 Teoria Maior e Teoria Menor da desconsideração da personalidade jurídica A desconsideração da personalidade jurídica disponha-se em duas teorias, as quais são: Teoria Maior e Teoria Menor. O que se torna formidável destacar que em ambas as teorias são cabíveis não somente a responsabilização do sócio, mas também do administrador, mesmo que não sócio, tendo em vista que seu objetivo é de responsabilizar o autor do ato danoso. Segundo o doutrinador Marlon Tomazette(2011), a aplicação da Teoria Maior nãodecorre unicamente do descumprimento de uma determinada obrigação, mas de umdesvirtuamento da função da personalidade jurídica, de um afastamento dos finspara o qual foi criada.Dessa forma, a regra da autonomia patrimonial deverá ser excepcionada, desde que a pessoa jurídica tenha sua função desvirtuada. Acerca dessa teoria, existem duas formulações, a Teoria Maior Subjetiva e a Teoria Maior Objetiva. Na perspectiva do autor Souza (2009)a teoria maior subjetivaé fundamental averificação de uma questão subjetiva, a qual é a intenção do agente. Neste sentido, o autor Gama (2009) afirma que paraque se dê a desconsideração da personalidade jurídica fundada na Teoria Subjetivaé necessário que o sócio ou administrador tenha agido dolosamente. A Teoria Maior Subjetiva é fundada, posto isso, no desvio de função da pessoa jurídica, oqual se verifica na fraude e no abuso de direito. Em outras palavras pode-se dizer que: Uma primeira vertente pode ser chamada de teoria subjetiva, na qual opressuposto fundamental da desconsideração é o desvio da função dapessoa jurídica, que se constata na fraude e no abuso de direito relativos àautonomia patrimonial, pois a desconsideração nada mais é do que umaforma de limitar o uso da pessoa jurídica aos fins para os quais ela édestinada. (TOMAZETTE,2011) Deste modo, torna-se conexo fazer uma breve conceituação acerca da fraude e do abuso de direito. No que se refere à fraude, conforme afirmaMamede (2004) essa consiste em uma utilização ilícita da sociedade, um objeto ilícito efetivo, e não necessariamente o declarado, seja pelos sócios, seja pelos administradores.Logo, quando houver a fraude se estará diante de hipóteses emque os sócios ou administradores agiram com má-fé, cientes do ato lesivo queestavam praticando, igualmente ao abuso de direito, em que: Do mesmo modo, consiste no desvio da finalidade da pessoajurídica gerando o seu “mau uso”. Nesse caso, entretanto, o ato não é ilícito.No abuso de direito, o ato praticado é permitido pelo ordenamento jurídico,trata-se de um ato, a princípio, plenamente lícito. Todavia ele foge a suafinalidade social, e sua prevalência gera um mal-estar no meio social, nãopodendo prevalecer. Os direitos se exercem tendo em conta não apenas oseu titular, mas todo o agrupamento social. Seu exercício normalmente nãoé absoluto, é relativo.(TOMAZETTE,2011,p.246) Assim, quanto ao abuso de direito, embora não seja ilícito, tampouco existe algummotivo legítimo para o seu exercício ou interesse honesto. Vale elucidar que odesvio de finalidade não se trata unicamente de ir contrário aos fins elencados noobjeto social, mas também de contrariar a função social da empresa, em analogia ao princípio da função social da propriedade, com a finalidade de impedir que aintenção de obter lucro viole direitos fundamentais da pessoa humana e interessescoletivos(FARIAS,2008,p.261-262). Por outro lado, no que se refere à Teoria Maior Objetiva, essa trataunicamente da hipótese de confusão patrimonial. Contudo, a simples confusãopatrimonial, por si só, não tem o condão de superar a personalidade jurídica, sendonecessário para tanto verificar-se o prejuízo causado a terceiro. Desta forma,compreende-se melhor no ponto de vista do doutrinador Fábio UlhôaCoelho(2008)ao dizer que nem sempreque houver confusão patrimonial haverá a possibilidade de desconsiderar a pessoajurídica, tendo em vista a necessidade de prejuízo, bem como nem sempre que sepuder desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade estar-se-á diante de umcaso de confusão patrimonial, na medida em que nem todas as hipóteses de fraude eabuso de direito se manifestam através da confusão patrimonial. Nesse sentido, a Teoria Objetiva leva esse nome tendo em vista que ahipótese de confusão patrimonial não leva em conta critérios subjetivos(a intençãodo agente), mas tão somente a necessidade de se comprovar o prejuízo do credor ea confusão existente entre os bens da sociedade e sócios. Em face disso, aconfusão patrimonial, embora não seja o único meio cabível de desconsiderar apersonalidade jurídica, é o meio mais recorrente para a aplicação da desconsideração da personalidade(COELHO, 2008, p.31). Vale ressaltar, que a teoria maior encontra-se corroborada no Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8.078/1990), em seu artigo 28: “O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocado por má administração”.Importante salientar que o § 5° do supracitado artigo 28, refere-se à teoria menor da desconsideração e estapor sua vez, parte de premissas distintas da teoria maior. Combase na Teoria Menor, para a incidência da desconsideração da personalidade jurídica, basta à prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. Assim, o §5, doCódigo de Defesa do Consumidor diz que:“também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores”. Diante disso,a seguinte teoria é baseada na oneração patrimonial dos sócios por simples inadimplência de obrigação devida pela entidade societária, em que emerge o seu intento de proteger o patrimônio dos credores da pessoa jurídica. Defendendo que, com essa teoria, não são precisos os argumentos doutrinários a respeito de ela ser uma negação da personalidade jurídica, ou, ainda, um questionamento de sua pertinência, uma vez que ela não “mata” a personalidade da empresa, mas se perpetua no tempo, e o que se faz, é “levantar seu véu personificante”, como na teoria maior(LOVATO, 2008, p.219). Posto isso, as seguintes teorias tornam-se importantes para a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, uma vez que sua existência é aludida diante dos requisitos taxados pelas mesmas para sua efetiva realização. 4 A DESCONSIDERAÇÃO INVERSADA PERSONALIDADE JURÍDICA A desconsideração inversa pressupõe a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade para responsabilizá-la por dívidas do sócio. Possui como intuito coibir, principalmente, o desvio de bens da pessoa física para a pessoa jurídica. Nesse sentido, a“desconsideração inversa é o afastamento do princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica para responsabilizar a sociedade por obrigação do sócio”(ULHÔA, 2009, p.47), consistindo em uma forma de evitar o desvio debens, realizado pelo sócio controlador à sociedade com o objetivo de que as suasdívidas pessoais não atinjam seu patrimônio. Neste ínterim, preleciona o doutrinador Fábio Ulhôa (2009), que: A fraude que a desconsideração invertida coíbe é, basicamente, o desvio debens. O devedor transfere seus bens para a pessoa jurídica sob a qualdetém absoluto controle. Desse modo, continua a usufruí-los, apesar de nãoserem de sua propriedade, mas da pessoa jurídica controlada. Os seuscredores, em princípio, não podem responsabilizá-lo executando tais bens. Frente a isto, vale destacar que adesconsideração inversa, existe como forma de tomar a precaução, de verificar se o sócio agiu de forma fraudulenta, com abuso ou se foi configurada realmente a confusão patrimonial, para não causar danos ao desconsiderar a personalidade jurídica injustamente. Deste modo, é imprescindível que a pessoa física realmente não possua bens os quais sejam suscetíveis de penhora, para assim justificar a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, para que esta possa arcar com as dívidas do sócio. Este entendimento encontra-se, ainda,firmado no habeas corpus nº2000. 018889-1, deste modo, o Tribunal de justiça de Santa Catarina decidiu que: Na desconsideração inversa da personalidade jurídica de empresa comercial, afasta-se o princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, responsabilizando-se a sociedade por obrigação pessoal do sócio. Tal somente é admitido, entretanto, quando comprovado suficientemente ter havido desvio de bens, com o devedor transferindo seus bens à empresa da qual detém controle absoluto, continuando, todavia, deles a usufruir integralmente, conquanto não integrem eles o seu patrimônio particular, porquanto integrados ao patrimônio da pessoa jurídica controlada”.(SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça,2001). Contudo, acredita-se que essa medida extrema torna absoluta a indispensabilidade de comprovação, pelo credor, de todos os pressupostos da desconstituição inversa da personalidade jurídica da empresa comercial, o que não ocorre quando, comprovadamente, o executado tem bens próprios, sendo passíveis de penhora (SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça, 2001) Posto isso, com base nasideias do autor Souza (2009)é admissívela desconsideração inversa, a fim de coibir o desvio de bens realizados pelo sócio controlador da sociedade como forma de se eximir de suas obrigações, responsabilizando a sociedade por dívidas do sócio. Sendo que, a teoria da desconsideração inversa só seráaplicada para tornar sem efeito a transferência indevida do patrimônio do sócio paraa sociedade. Diante disso, convém destacar que a jurisprudência pátria, em harmônico entendimento com a doutrina, acolheu a Desconsideração da Personalidade Jurídica em sua forma inversa. É importante destacar que não há, em nosso ordenamento jurídico, legislação específica que aborde a Desconsideração Inversa da Personalidade Jurídica, mas apenas decisões jurisprudenciais que entendem a sua aplicação. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante de todo o conteúdo estudado e explicitado neste artigo científico, objetivou-se constatar que a pessoa jurídica é um instituto dotado de direitos e obrigações que merecem ser respeitados, e que esta não deve servir como “escudo” para que seus sócios se abstenham de agir dentro dos ditames previstos na legislação.O enfoque principal destacou a importância da teoria da desconsideração da personalidade jurídicasob a perspectiva do princípio da autonomia patrimonial Dessa forma, afirma-se que a desconsideração da personalidade jurídica possui como objetivo preservar a autonomia da pessoa jurídica ao coibir os atos ilícitos praticados pelos seus sócios. Emerge, então, a ideia de que a autonomia da pessoa jurídica poderá ser relativizada quando devidamente provado que seus sócios agiram com o intuito de burlar a lei. Ademais, as sociedades empresárias possuem direitos e obrigações distintos dos que possuem seus sócios, constituindo, desta forma, uma autonomia individualizada. A sociedade não se confunde com a pessoa de seus sócios. Diante desta prerrogativa, muitas vezes a pessoa jurídica, sujeito de direito autônomo, pode ser usada como instrumento na realização de fins ilícitos propostos por seus sócios. Sendo assim, a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica independe de previsão legal, não sendo taxativas as hipóteses que autorizam sua aplicação, ainda que o ordenamento pátrio tenha tratado de situações que são concretas e permitem o emprego desse instituto. As hipóteses normatizadas ou não se sustentam, principalmente, em duas vertentes da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, a menor e a maior. A teoria menor que também é aplicada nos casos de insolvência ou falência da pessoa jurídica, pouco importando se o sócio utilizou fraudulentamente o instituto, se houve abuso de direito, e tampouco se foi configurada a confusão patrimonial, temsua preocupação maior em não frustrar o credor da sociedade. Esta, é muito menos organizada do que a teoria maior, pois a sua atenção pressupõe o simples inadimplemento para com os credores, sem ao menos considerar os reais motivos que levaram a sociedade a deixar de se obrigar perante terceiros. E por fim, ao tratarda desconsideração inversa, deve-se constatar se ocorreram os pressupostos os quais autorizam a aplicação desta modalidade da desconsideração da personalidade jurídica, ou seja, se realmente houve a intenção fraudulenta por parte do sócio, pois como dito acima, a pessoa jurídica é um instituto que merece ser respeitado, pois é autônomo e neste caso, responderá pelas dívidas da pessoa física. Outro fator que deve ser apurado é se a pessoa física realmente não possui bens pessoais suscetíveis de penhora, caso contrário, não pode a desconsideração inversa ser acatada. Portanto, concluiu-se que de todo o modo, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica em referencia ao princípio da autonomia patrimonial veio para coibir atos de má fé e resguardar a autonomia concedida à pessoa jurídica, evitando que esta seja prejudicada de maneira injusta. REFERÊNCIAS BENJAMIN, Antônio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Apelação cível-pedido de desconsideração da personalidade jurídica não acolhido – fraude, insolvência ou confusão patrimonial não demonstradas Apelação cível n° 2005.006802-1.: Desembargador Sérgio IzidoroHeil. Florianópolis, Julgado em 13/09/2001, DJ.Disponível em: Acesso em: 28 de maio 2016. COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito de empresa. 22 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 10 ed. V.2 .São Paulo. Saraiva. 2008. DIDIER, Freddie Junior. Regras processuais no novo código civil: aspectos dainfluência do Código Civil de 2002 na legislação processual. 2ed. rev.SãoPaulo: Saraiva, 2004. GAMA, Guilherme Calmon Oliveira da.Desconsideração da personalidade jurídica: visão crítica da jurisprudência. São Paulo: Atlas, 2009. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: teoria geral. 7. ed. atual. Rio de Janeiro: Lumen Iuris: 2008. p. 261-262. LOVATO, Rafael. Desconsideração da personalidade jurídica: a teoria maior e tese sobre teoria menor. Revista da Procuradoria Geral do Banco Central. Distrito Federal, vol. 2, nº 1, jun. 2008, p. 219. LUDVIG, Gabriel Teixeira. Desconsideração da personalidade jurídica e o redirecionamento da execução na pessoa dos sócios. Rio Grande do Sul: PUC-RS, 2010. Trabalho de Conclusão de Curso – Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, Faculdade de Direito, Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2010. Disponível em: Acesso em: 28 de maio 2016. MAMEDE, Gladston. Direito societário: sociedades simples e empresárias. São Paulo: Atlas, 2004. NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa. 6. ed. rev. e atual.São Paulo: Saraiva, 2008. v. 1. SILVA, Amadeu Braga Batista. Requisitos para a Desconsideração da Personalidade Jurídica no Direito Tributário Brasileiro.Revista da PGFN – Procuradoria Geral da Fazenda Nacional,Brasília, v.2, n.1, jan/jul. 2012. Disponível em: Acesso em: 28 de maio 2016. SOUZA. André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. São Paulo:Saraiva, 2009. TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial. 3ed. São Paulo: Atlas, 2011. VADEMECUM, OAB e Concursos. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia, Livia Céspedes e Fabiana Dias da Rocha. 8 ed. Atual. E apl. São Paulo: Saraiva, 2016.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos
Sobre a autora
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Direito Empresarial

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!