Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Tutela jurídica da flora e da fauna no direito ambiental brasileiro

Exibindo página 1 de 2
Agenda 18/03/2020 às 16:12

Uma breve analise dos aspectos mais importantes envolvendo a flora e a fauna no direito ambiental brasileiro

 

TUTELA JURÍDICA DA FLORA E DA FAUNA NO DIREITO AMBIENTAL BRASILEIRO[1]

 

Nehemias Domingos De Melo et all[2]

 

 

Sumário: I – INTRODUÇÃO (1. A proteção jurídica constitucional da flora e da fauna e o destinatário da norma; 2. Os bens ambientais e sua natureza de direitos difusos; 3. Limitação constitucional ao direito de propriedade; 4. Da competência legislativa e administrativa; 5. Princípio da dignidade humana). II – DA FLORA (1. Distinção terminológica; 2. A Norma Geral – o Código Florestal; 3. Área de Preservação Permanente – APP; 4. Unidades de conservação – Lei n. 9985/00; 5. Código de Defesa do Consumidor e o Ecoturismo de aventura; 6. Sanções penais e administrativas; 7. Reflexões).  III – DA FAUNA (1. A fauna e as varias espécies de caça; 2.  Rodeios de animais e a lei no 10.519/02; 3. Manifestações culturais, fauna e direito ambiental; 4. Conclusão). IV – DA FAUNA COMO BEM AMBIENTAL (1. Natureza jurídica da fauna; 2. Fauna como bem ambiental; 3. Finalidades da fauna; 4. Conclusões). V – CONCLUSÃO FINAL. VI – BIBLIOGRAFIA.

 

 

I – INTRODUÇÃO

(Nehemias Domingos de Melo)

 

1.  A proteção jurídica constitucional da flora e da fauna e o destinatário da norma

            A tutela dos valores ambientais está consagrada na Constituição Federal em seu art. 225, caput, verbis:

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

 

            Como leciona o Prof. Celso Fiorillo,[3] neste preceito constitucional está contido alguns  aspectos importantes, e dentre os quais, destacamos:

  1. Que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito de todos, cujo conteúdo do termo todos, deve ser entendido como a coletividade formada pelos brasileiros e estrangeiros aqui residentes nos termos do art. 5°, caput, da Constituição Federal.
  2. Que esse mesmo meio ambiente é um bem de uso comum do povo, sendo, portanto um gênero de bem que se situa num ponto intermédio entre os bens particulares e os bens públicos.
  3. Que é um bem essencial à sadia qualidade de vida, aí se identificando claramente que o destinatário da norma constitucional, somos todos nós.

 

Já no tocante a proteção jurídica da flora e da fauna, a Constituição é expressa, consagrado-a no inciso VII, do citado art. 225, verbis:

“VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade”.

 

            Assim, temos que a tutela protecionista do meio ambiente, nele incluída a fauna e a flora, é voltado para a satisfação das necessidades dos seres humanos. Quer dizer, o direito ambiental possui uma necessária visão antropocêntrica, sendo o homem o destinatário da proteção legal e, somente por vias reflexas, e que se protege as outras espécies.[4]

            Como preleciona Hugo Nigro Mazzilli, “a tutela dos seres vivos e da natureza em geral se faz em atenção ao sentimento de respeito que os serem humanos têm e devem mesmo ter em relação a todos os seres e todas as formas de vida que lhe deram origem ou lhe dão condições de subsistência, ou que aproveitam ao equilíbrio ecológico, necessário à preservação de seu próprio habitat”.[5]

            Conclui-se pois, que somente o homem é sujeito de direitos, de tal sorte que mesmo quando a norma, aparentemente, contemple direitos às coisas que não os homens (caso da proteção à fauna e flora, por exemplo), ela o faz tendo em vista o bem-estar e as necessidades da espécie humana.

2. Os bens ambientais e sua natureza de direitos difusos

 

            Direitos ou interesses difusos, deve ser compreendido na perspectiva de sua titularidade que é transindividual, isto é, conferida a um número indeterminado e indefinido de pessoas, que fática e circunstancialmente estejam ligadas entre si e, de outro lado, pela indivisibilidade do objeto, quer dizer, é um bem que a todos pertence, mas não pertence com exclusividade a ninguém (ver art. 81, I da Lei n° 8.078/90 – CDC).

            Na conceituação de Rodolfo de Camargo Mancuso “são interesses metaindividuais, que, não tendo atingido o grau de agregação e organização necessários à sua afetação institucional junto a certas entidades ou órgãos representativos dos interesses já socialmente definidos, restam em estado fluído, dispersos pela sociedade civil como um todo, podendo, por vezes, concernir a certas coletividades de conteúdo numérico indefinido”, que se caracteriza “pela indeterminação dos sujeitos, pela indivisibilidade do objeto, por sua intensa litigiosidade interna e por sua tendência à transição ou mutação no tempo e no espaço”.[6]

            No âmbito do direito ambiental, se deve entender por bem de interesse difuso todos os valores da natureza e todos os valores imprescindíveis à vida, tais como o ar, a água, e as terras e as matas preservadas; o meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado; o espaço aéreo protegido; o subsolo, as nascentes, as jazidas e os repositórios naturais de riqueza; os sítios arqueológicos; o meio ambiente cultural e de trabalho; a fauna e a flora com suas espécies.

Conforme ensina o Prof. Celso Fiorillo,[7] trata-se de direito constitucional que não se reporta a pessoas individualmente consideradas, mas sim a uma coletividade de pessoas indefinidas; ou seja, está em face de um direito transindividual, cujos titulares são pessoas ligadas por circunstâncias de fato. Dessa forma, nos termos do art. 81, parágrafo único, I, da Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor), para o direito positivo os bens ambientais possuem inequivocamente natureza jurídica de direitos difusos.

Anota ainda o ilustre mestre, com base em José Afonso da Silva, que o povo, portanto é quem exerce a titularidade do bem ambiental dentro de um critério adaptado à visão da existência de um ‘bem que não está na disponibilidade particular de ninguém, nem de pessoa privada nem de pessoa pública’. Assim, o bem ambiental criado pela Constituição Federal de 1988 é, pois, um bem de uso comum, a saber, um bem que pode ser desfrutado por toda e qualquer pessoa dentro dos limites constitucionalmente assegurados.[8]

Assim, o direito ambiental é um direito difuso, na exata medida em que cuida de interesses indivisíveis e insuscetíveis de personificação em sujeitos individualizados, sendo, portanto, um direito de toda coletividade.

 

3. Limitação constitucional ao direito de propriedade

 

            Já se foi o tempo em que o direito à propriedade era um direito absoluto.

O nosso sistema jurídico, de índole capitalista, garante o direito de propriedade, porém esse direito deverá ser exercido tendo em vista a função social que a propriedade deve desenvolver (CF, art. 5°, XXII e XXIII). Nesse passo, cabe destacar posicionamento de Toshio Mukai de que “o princípio da propriedade privada (de sua garantia) só é legítimo e constitucional quanto à sua invocação, na medida em que seu uso estiver conforme os demais princípios, notadamente, o da sua função social”.[9]

            No mesmo diapasão, preceitua o novo Código Civil que "o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas" (art. 1.228, § 1°).

Assim, o uso racional da propriedade é um dever de todos, e o uso e gozo da coisa somente pode se realizar de modo que atenda os interesses da coletividade em geral (e não apenas aos interesses privados do titular do domínio), sendo perfeitamente legítimo que as leis especiais imponham outras restrições ao uso da propriedade, tais quais as diretrizes fixadas na Lei de Política Ambiental (Lei nº 6.938/81), na Lei de Proteção à Fauna (Lei nº 5.197/67), no Código Florestal (Lei nº 4.771/65), porque tudo isso se coaduna com os princípios constantes da nossa Constituição Federal, não só o previsto no art. 5°, XXIII, mas também o contido nos art. 170, III, que trata dos princípios gerais da ordem econômica e, principalmente, o art. 225, que tutela o meio ambiente.

 

4. Da competência legislativa e administrativa

 

A competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios é concorrente, tanto na atividade política quanto na administrativa, naquilo que visa proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas (CF, art. 23, VI), preservar as florestas, a fauna e a flora (CF, art. 23, Vll) e, legislar sobre florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, bem como de proteção ao meio ambiente e ao controle da poluição (CF, art. 24, VI).

Nesse aspecto cumpre papel fundamental ao município, pois é neste ente federativo onde a proteção, conservação e defesa do meio ambiente vai se realizar. A tutela à sadia qualidade de vida de que nos fala a Constituição, vai se materializar no município.

Não é por outro razão que o saudoso Prof. André Franco Montoro de longa data afirmava: “ninguém vive na União, ou no Estado, as pessoas vivem no município”.

Quando a Constituição Federal atribui ao município a competência para legislar sobre os assuntos de interesse local (art. 30, I), está se referindo aos interesses que atendem de imediato às necessidade locais, ainda que tenham repercussão sobre as necessidade gerais do Estado ou do País, de sorte a afirmar que o texto Constitucional deu importante relevo ao município, particularmente em face do direito ambiental, na exata medida em que é a partir dele que a pessoa humana poderá usar os denominados bens ambientais, visando a plena integração social, tudo com base na moderna concepção de cidadania.[10]

 

5. Princípio da dignidade humana

 

Para exata compreensão do princípio da dignidade suprema da pessoa humana e de seus direitos, é preciso rememorar que os avanços têm sido, fruto da dor física e do sofrimento moral como resultados de surtos de violências, mutilações, torturas, massacres coletivos, enfim, situações aviltantes que fizeram nascer consciências e exigências de novas regras de respeito a uma vida digna para todos os seres humanos.[11]

É preciso rememorar que com o fim da Segunda Guerra Mundial e, em face das atrocidades cometidas pelos dirigentes nazistas, houve uma tomada de consciência universal, espelhada na Declaração Universal dos Direitos Humanos, tendo como base uma razão jurídica de conteúdo ético universal, “fundada na garantia da intangibilidade da dignidade da pessoa humana, na aquisição da igualdade entre as pessoas, na busca da efetiva liberdade, na realização da justiça, e na construção de uma consciência que preserve integralmente esses princípios”.[12]

No âmbito interno, importa destacar que o mais precioso valor da ordem jurídica brasileira, erigido como fundamento da República e do Estado Democrático de Direito pela Constituição Federal de 1988, foi a dignidade da pessoa humana, que, como consectário lógico, impõe a elevação do ser humano ao ápice de todo o sistema jurídico, sendo-lhe atribuído o valor supremo de alicerce da ordem jurídica.[13]

Em matéria ambiental, a própria Lei nº 6.938/81, em seu art. 2º, preceitua, que a Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os princípios que são enumerados nos incisos.

Nesse cenário, a dignidade da pessoa humana, enquanto princípio fundamental da República, insculpido na Constituição Federal (art. 1º, III,), há de ser destacado e harmonizado com todos os demais dispositivos constantes da mesma, implícita ou explicitamente, tais como a função social da propriedade, a livre concorrência, a defesa do consumidor, a defesa do meio ambiente, redução das desigualdades regionais e sociais, a a ordem econômica, bem como com a defesa do dos direitos fundamentais da pessoa humana, destacando-se a inviolabilidade da vida.

Conclusão que exsurge é que se o homem tem direito ao meio ambiente equilibrado e sadio (CF, art. 225), este meio ambiente é pressuposto para a preservação da vida e da saúde, logo, não há como desvincular a proteção ao meio ambiente do princípio da dignidade da pessoa humana.

 

 

 

II – DA FLORA

(Lincoln Biela de Souza Vale Junior)

 

  1. Distinção terminológica

Inicialmente é importante ressaltar que os termos flora e floresta são distintos, sendo certo que flora é coletivo e engloba o conjunto de espécies vegetais de uma determinada região, enquanto que floresta é um dos conteúdos de flora e se caracteriza como “formação arbórea densa, de alto porte, que recobre área de terra mais ou menos extensa”[14].

Note-se que o legislador constitucional menciona expressamente a necessidade de se tutelar a flora[15] como forma de se alcançar a sadia qualidade de vida para as presentes e futuras gerações.

 

  1. A Norma Geral – o Código Florestal[16]

Diante da limitação dos recursos naturais e o crescimento da escassez ocasionado pelo aumento do número de pessoas, bem como pelo consumo em larga escala de tais recursos, o Código Florestal, datado de 1.965, veio a estabelecer de acordo com o professor Fiorillo um “piso mínimo” no tocante à tutela legislativa das florestas, sendo oportuno observar neste momento que, com o advento do Código Florestal o legislador já vislumbrava a ideologia dos interesses difusos quando reconhece, expressamente, no art. 1° da lei que as florestas são bens de interesse comum de todos os habitantes do País.

No mesmo sentido obtempera o professor Paulo Affonso Machado, verbis:

 

O ser humano, por mais inteligente e mais criativo que seja, não pode viver sem as outras espécies vegetais e animais. Conscientes estamos de que sem florestas não haverá água, não haverá fertilidade do solo; a fauna depende da floresta, e nós – seres humanos – sem florestas não viveremos. As florestas fazem parte de ecossistemas, onde os elementos são interdependentes e integrados[17]

 

  1. Natureza Jurídica das Florestas

Tem característica de bem ambiental, pois, de acordo com o que pontifica o professor Fiorillo “é um bem que tem como característica constitucional mais relevante ser ESSENCIAL À SADIA QUALIDADE DE VIDA, sendo ontologicamente de uso comum do povo, podendo ser desfrutado por toda e qualquer pessoa dentro dos limites constitucionais”[18].

Portanto, o regime jurídico da propriedade, onde se incluem as florestas não é puramente civil, pois, a partir da CF/88 as características da propriedade acabaram por exorbitar a esfera do Direito Civil, sofrendo restrições, conforme observa o professor Paulo de Bessa Antunes[19], ao observar o disposto no Código Civil, art. 1228 § 1, verbis:

 

“§ 1. O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas”.

 

Em decorrência disso, pontifica o sempre lembrado professor Fiorillo que “quando situadas em espaços e propriedades privadas, devem sofrer limitações pelo fato de o bem ambiental a todos pertencer, possibilitando, ainda, a todos uso e gozo comum”[20].

 

  1. Área de Preservação Permanente – APP

É a área protegida nos termos dos arts. 2 e 3 do Código Florestal, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurara o bem-estar das populações humanas. Portanto, como se vê, as APP's têm funções protetoras das águas, do solo, da biodiversidade, da paisagem e do bem-estar humano; o que segundo o professor Paulo Affonso, não se trata de um favor da lei, mas sim um ato de inteligência social e de fácil adaptação às condições humanas[21].

Note-se que o Código Florestal nestes dois artigos prevê duas espécies de APP, a decorrente de lei e a decorrente de ato do Poder Público.

Assim, atento a vontade do povo desde a promulgação do Código Florestal de 1965 no que diz respeito à utilidade pública e ao interesse social (CFLO, art. 4), impõe-se um maior tempo e maior discussão quando se pretenda suprimir ou alterar os espaços protegidos e seus componentes nos termos da CF/88, art. 225, § 1, III. Portanto, verifica-se que esses espaços territoriais não podem ser alterados somente pela vontade do Poder Executivo, seja através de atos dos chefes desses Poderes como por atos de seus agentes, mas mediante lei.

Uma floresta de preservação permanente não é para ser suprimida ou alterada precipitadamente, a todo momento ou ao sabor do interesse somente do partido político que administre o meio ambiente. Neste diapasão e nos termos do art. 225 § 1, III da CF, observa-se todo um processo legislativo de uma lei ordinária, dando-se uma maior oportunidade de participação social para a decisão de manter ou suprir a vegetação[22].

 

  1. Reserva Legal Florestal

É a área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção da fauna e flora nativas nos termos do art. 16 do CFLO.

Sua razão de ser é conservar a biodiversidade a fim de que se possa cumprir o princípio constitucional do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações.

Assim, a reserva legal florestal deve ser adequada à tríplice função da propriedade: econômica, social e ambiental.

Segundo o professor Paulo Afonso “usa-se menos a propriedade, para usar-se sempre. A existência de uma Reserva Florestal, mais do que uma imposição legal, é um ato de amor a si mesmo e a seus descendentes[23].

 

3.2. Inalterabilidade da destinação

 

A lei visou dar um caráter de relativa permanência à área florestada do País. A lei federal determina a imutabilidade da destinação da Reserva Legal Florestal de domínio privado, por vontade do proprietário.

Nos casos de transmissão por compra e venda, p. ex., a área da Reserva continua com os novos proprietários numa cadeia infinita. O proprietário pode mudar, mas não muda a destinação da área da Reserva Legal Florestal[24], nos termos do CFLO, art. 16 § 8.

Tem-se, portanto, que a cobertura florestal é um dos elementos mais importantes na proteção dos hídricos, na medida em que contribui na manutenção do equilíbrio ecológico e térmico de uma região (...)[25].

 

3.3. Averbação da Reserva Legal Florestal no Registro de Imóveis

 

Dispõe o CFLO, art. 16 § 8 que a RLF deverá ser averbada no Registro de Imóveis competente e, caso o proprietário não o faça, qualquer pessoa poderá provocar referida averbação, cabendo-lhe recolher as respectivas despesas nos termos do art. 217 da Lei de Registros Públicos.

Levando-se em conta que as florestas são bens de interesse comum a todos os habitantes do País (CFLO, art. 1) e que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (CF, art. 225), qualquer pessoa pode dirigir-se diretamente ao Cartório de Registro de Imóveis para informar-se sobre a existência da averbação da Reserva Legal Florestal.

Assim, independentemente de ser ou não proprietário da propriedade rural, qualquer pessoa e, portanto, o Ministério Público e as associações poderão promover “o registro e a averbação, incumbindo-lhes as despesas respectivas”, e desde que ofereçam elementos fáticos e documentais[26].

 

  1. Unidades de conservação – Lei n. 9985/00

É um espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção (Lei 9985/2000, art. 2, I).

De fato, possuindo cerca de 20% de toda biodiversidade mundial, o Brasil lidera o ranking dos países com o maior número de espécies endêmicas conhecidas do planeta, e tanto a experiência brasileira quanto a internacional mostra que, para a efetiva proteção à biodiversidade, nada é mais seguro que a existência de unidades de conservação.

 

Tipologia das unidades de conservação

 

Categoria

Objetivo

Denominação

 

 

 

Proteção Integral

Preservação da natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos.

Estação Ecológica

Uso Sustentável

Compatibilização entre a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais

* Área de Proteção Ambienta;

* Área de Relevante interesse ecológico;

* Floresta Nacional;

* Reserva Extrativista;

* Reserva da Fauna;

* Reserva de desenvolvimento sustentável;

* Reserva Particular do Patrimônio Natural.

 

 

Neste sentido, é possível afirmar, sem medo de errar que o objetivo do legislador ao instituir referidas unidades de conservação sempre preocupou-se com a conservação não só para as presentes, mas para as futuras gerações, o que significa dizer nas palavras do professor Fiorillo o “piso mínimo”.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

 

 

  1. Floresta Nacional – Lei 9985/2000.

O art. 17 da Lei que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza define a floresta nacional com sendo uma área com cobertura florestal de espécies predominantemente nativas e, com objetivo básico o uso múltiplo sustentável dos recursos florestais e a pesquisa científica, com ênfase em métodos para exploração sustentável de florestas nativas.

Entretanto, em sendo de domínio público, as áreas particulares incluídas nos limites das florestas nacionais devem ser desapropriadas (§ 1 do art. 17).

 

  1. Compensação Ambiental.

Prevista no art. 36 § 1 da Lei 9985/2000 tem natureza que a compensação ambiental possui natureza reparatória. Todavia, em 09/04/2008 o STF acatou a ADIN 3.378, julgando improcedente a cobrança de percentual mínimo na compensação ambiental.

A ADIN , ajuizada pela Confederação Nacional das Indústrias, sustentava que o art. 36 e seus parágrafos violavam os princípios da legalidade, da harmonia e da independência entre os Poderes, da razoabilidade e da proporcionalidade, e impunham indenização prévia sem mensuração e comprovação da ocorrência do dano, ocasionando enriquecimento sem causa pelo Estado.

Conforme destaca o autor Fernando Reverendo Vidal Akaoui[27], “o artigo em questão padecia de inconstitucionalidade, na medida em que não é possível estabelecer a compensação por um dano ambiental de forma simples e tarifada”, prossegue sustentando que “o problema é que a fórmula utilizada para a compensação, atrelando o percentual do 0,5% aos custos totais para a implantação do projeto, gerava uma distorção nos valores a serem pagos pelo empreendedor, já que estes não significam proporcionalidade ao impacto ambiental oriundo do empreendimento”. 

No mesmo sentido é o entendimento de Patrícia Iglecias[28] aduzindo que “o empreendedor não pode ser responsabilizado duas vezes, antes e depois, exatamente pelo mesmo dano”. Assim, se o empreendedor compensar os impactos ambientais antes da instalação do empreendimento, não poderá, posteriormente, ser acionado para pagar o que já compensou.

Mas deve sim ser responsabilizado pelos danos que ainda não estavam previstos nos primeiros estudos de impacto ambiental.

 

  1. Gestão de Florestas – Lei 11284/2006.

Salientam Antonio Fernando Pinheiro Pedro e Flávia Frangetto que as leis ambientais estão ligadas à questão da ciência da economia, assim asseveram que “o desenvolvimento econômico, como respostas do homem à escassez provocada por sua apropriação unilateral e destrutiva da natureza, coloca a administração dos recursos naturais em situação indissociável do desenvolvimento econômico, posto que, os recursos naturais apresentam-se como fonte primária da economia”. Prosseguem os autores afirmando que “não há como dissociar o uso dos recursos econômicos do meio ambiente e do Direito”.

Aduzem, ainda, que “tendo em vista que o objeto da Economia (e, por extensão, das leis e princípios que autorizam o exercício da autoridade) é a gestão dos recursos econômicos, isto é, dos recursos escassos, sejam eles produzidos ou extraídos, destinados ao mercado e consumidos, essa ciência vem representar o início e o fim dos problemas ambientais, desde que a administração do ciclo do uso dos recursos seja essencial para as populações[29].

Sendo que a lei 11.284/06 dispõe sobre a gestão das florestas públicas para produção sustentável e tem como princípios da gestão, verbis:

Art. 2º Constituem princípios da gestão de florestas públicas:

I - a proteção dos ecossistemas, do solo, da água, da biodiversidade e valores culturais associados, bem como do patrimônio público;

II - o estabelecimento de atividades que promovam o uso eficiente e racional das florestas e que contribuam para o cumprimento das metas do desenvolvimento sustentável local, regional e de todo o País;

III - o respeito ao direito da população, em especial das comunidades locais, de acesso às florestas públicas e aos benefícios decorrentes de seu uso e conservação;

IV - a promoção do processamento local e o incentivo ao incremento da agregação de valor aos produtos e serviços da floresta, bem como à diversificação industrial, ao desenvolvimento tecnológico, à utilização e à capacitação de empreendedores locais e da mão-de-obra regional;

V - o acesso livre de qualquer indivíduo às informações referentes à gestão de florestas públicas, nos termos da Lei nº 10.650, de 16 de abril de 2003;

VI - a promoção e difusão da pesquisa florestal, faunística e edáfica, relacionada à conservação, à recuperação e ao uso sustentável das florestas;

VII - o fomento ao conhecimento e a promoção da conscientização da população sobre a importância da conservação, da recuperação e do manejo sustentável dos recursos florestais;

VIII - a garantia de condições estáveis e seguras que estimulem investimentos de longo prazo no manejo, na conservação e na recuperação das florestas.

§ 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios promoverão as adaptações necessárias de sua legislação às prescrições desta Lei, buscando atender às peculiaridades das diversas modalidades de gestão de florestas públicas.

§ 2º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, na esfera de sua competência e em relação às florestas públicas sob sua jurisdição, poderão elaborar normas supletivas e complementares e estabelecer padrões relacionados à gestão florestal.

 

 

  1. Código de Defesa do Consumidor e o Ecoturismo de aventura

Conforme doutrina o professor Fiorillo[30], “o ecoturismo se revela nos dias de hoje como uma atividade econômica destinada a viabilizar viagens de lazer, usando principalmente bens ambientais 'transformados' em produtos ou mesmo em serviços, destinada a satisfazer as diferentes necessidades dos consumidores e em proveito do lucro para os diferentes fornecedores de serviços vinculados à realização de aludidas atividades prazerosas”, sendo certo que o mesmo é tutelado como atividade econômica.

Neste sentido, pontifica o professor acima citado que “embora o denominado turismo de aventura explore, em proveito do próprio consumidor, a possibilidade de acontecer lances acidentais, inesperados ou mesmo eventuais peripécias, é dever do fornecedor assegurar a incolumidade físico psíquica do ecoturista conforme a norma constitucional e o CDC, art. 6”.

Considerando-se, portanto, que nos termos do art. 35 da Lei 9985/2000, possibilidade de cobrança de taxa de visitação e outras rendas decorrentes de arrecadação, serviços e atividades da própria unidade, órgãos ambientais responsáveis pela administração das unidades poderão figurar no pólo passivo de ações de acidente de consumo, como p. ex., no caso de alpinistas que se acidentam dentro de Parques Nacionais.

 

  1. Sanções penais e administrativas
  1. Sanções penais.

É a lei 9605/98 que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.

Os crimes contra a flora foram tratados nos arts. 38 a 53, sendo certo que do art. 44 ao 50 e os arts. 51 e 52, em que as penas não ultrapassam a dois anos, são considerados de menor potencial ofensivo, possibilitando, portanto, a transação penal.

Assim, no tocante a transação penal destes crimes ambientais de menor potencial ofensivo é importante indagar se referidos danos podem ser redutíveis a uma determinada quantidade de cestas básicas ou se alguns quilos de alimentos perecíveis são equivalentes a destruição de florestas nativas ou a alguns pés de pau-brasil cortados por moto-serra, pontifica o professor Paulo de Bessa Antunes que há necessidade de se reverter em investimentos ambientais[31].

  1. Sanções administrativas.

Art. 2º As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções:

I - advertência;

II - multa simples;

III - multa diária;

IV - apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração;

V - destruição ou inutilização do produto;

VI - suspensão de venda e fabricação do produto;

VII - embargo de obra ou atividade;

VIII - demolição de obra;

IX - suspensão parcial ou total das atividades;

X - restritiva de direitos; e

XI - reparação dos danos causados.

 

  1. Biopirataria e o Princípio Constitucional da Soberania.

Conforme a conceituação de biopirataria, advinda do Instituto Brasileiro de Direito do Comércio Internacional, da Tecnologia da Informação e Desenvolvimento - CIITED - temos:

“Biopirataria consiste no ato de aceder a ou transferir recurso genético (animal ou vegetal) e/ou conhecimento tradicional associado à biodiversidade, sem a expressa autorização do Estado de onde fora extraído o recurso ou da comunidade tradicional que desenvolveu e manteve determinado conhecimento ao longo dos tempos (prática esta que infringe as disposições vinculantes da Convenção das Organizações das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica). A biopirataria envolve, ainda, a não-repartição justa e eqüitativa - entre Estados, corporações e comunidades tradicionais - dos recursos advindos da exploração comercial ou não dos recursos e conhecimentos transferidos.”

 

Assim, segundo Roger Brutti[32], “a biopirataria, além do aspecto de contrabando de diversas formas de vida da flora e da fauna, abarca a apropriação e a monopolização de conhecimentos das populações tradicionais no que diz respeito à utilização dos mais diversos recursos naturais existentes em nosso meio ambiente. Dessa forma, referidas comunidades acabam perdendo o domínio sobre os mais diversos recursos essenciais à sua sobrevivência cuja soberania sempre coube ao coletivo”.

Note-se que uma das problemáticas que surgem deste assunto é a facilitação de mecanismos de registro de marcas e patentes no âmbito internacional, como ocorreu com a marca “cupuaçu” registrada por uma empresa multinacional japonesa, sendo certo que o Brasil já conseguiu a quebra do registro da referida marca.

Em sendo fundamento da República nos termos da CF/88, art. 1, I, o princípio da soberania revela qualidade máxima de poder. Portanto, do ponto de vista externo, impede que a República Federativa do Brasil fique à mercê de quaisquer injunções internacionais ou estrangeiras, cerceadoras ou subjugadoras do Direito Interno do País, ligando-se, diretamente com o princípio da independência nacional conforme o art. 3, I da CF/88.

Assim, a tutela da flora e fauna é matéria de Soberania Nacional, de Segurança Nacional, pois, compete ao Conselho de Defesa Nacional propor critérios e condições de utilização de áreas indispensáveis à segurança do território nacional e opinar sobre seu efetivo uso, especialmente na faixa de fronteira e nas relacionadas com a preservação e a exploração dos recursos naturais de qualquer tipo (CF, art. 91 § 1, III), competindo às Forças Armadas a defesa da Pátria em caso de violação ou ameaça à soberania nacional (CF, art. 142) e a segurança pública, pelas polícias federais, civis e militares a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio (CF, art. 144).  

 

  1. Reflexões

7.1.      “Cometer erros em gerações e séculos passados teria conseqüências que poderíamos superar, não temos mais este luxo”. ( Al Gore, filme Uma Verdade Inconveniente).

7.2.       “Os búfalos estão diminuindo depressa. Os cervos, que eram muitos há alguns anos antes, agora são poucos. O que é o homem sem os animais? Se todos os animais se fossem, o homem morreria de uma grande solidão de espírito, pois o que quer que ocorra aos animais breve vai acontecer também ao homem. Existe uma ligação em tudo. O que vier a acontecer com a terra recairá sobre os filhos da terra. Não foi o homem que fez o tecido da vida. Ele é simplesmente um de seus fios. O que quer que faça ao tecido estará fazendo a si mesmo” (Trecho da carta de um cacique de Seattle, líder dos índios Suquamish, dirigida, em 1854, ao presidente dos EUA) (apud Américo Luís Martins da Silva. Direito do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais v.1)‏

 

 

 

III – DA FAUNA

(Renato Fleury de Souza Boppré)

 

1. A fauna e as varias espécies de caça

 

1.1 Caça profissional

 

A caça profissional era conceituada pelo Decreto-Lei no. 5.894/43, o qual definia que o caçador profissional era aquele que procurava auferir lucros com o produto de sua atividade. Todavia, a Lei n. 5.197/67 – Lei de Proteção à Fauna – proibiu a caça profissional, conforme verificamos em seu art. 2o:

“Art. 2º É proibido o exercício da caça profissional”.

 

Em face da esgotabilidade do bem ambiental fauna silvestre, bem como diante da sua importância no equilíbrio do ecossistema, e tendo em contrapartida os altos níveis de desemprego que assolam os países de terceiro mundo, e admitíssemos ou continuássemos a admitir a caça profissional, isso ocasionaria, por certo, um verdadeiro desastre ecológico, culminando com a extinção de várias espécimes selvagens. Dessa forma, devemos aplaudir a vedação da caça profissional pela Lei de Proteção à Fauna.

Todavia, apesar da proibição da caça profissional/comercial há mais de 30 anos, pela pré-citada Lei de Proteção à Fauna em 1967, tal atividade foi efetivamente represada a partir do Decreto no 76.623/1975 que promulgou a Convenção Internacional sobre Comércio das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (CITES).

A Portaria IBAMA 093/1998, que regulamentou a importação e a exportação da fauna silvestre; bem como, da edição da Lei de Crimes Ambientais (Lei no 9.605/1998).[33]

Ainda assim, a atividade persiste hoje de forma furtiva, alimentada pelo comércio clandestino, sobretudo em áreas remotas da Amazônia, onde o controle e a fiscalização são escassos.

Temos no Brasil, como primeira tentativa legislativa para se proteger os animais da crueldade e dos maus-tratos, as Ordenações Manoelinas, em 1521, com a proibição da caça a perdizes, lebres e coelhos, com fios, rede ou quaisquer outros instrumentos que causassem sofrimento na morte dos animais.  A pena prevista para o infrator era o pagamento de “mil réis” e a perda dos instrumentos e dos cães utilizados na caçada. Após quatrocentos e treze anos, mais precisamente em 10 de julho de 1934, deu-se grande passo em defesa dos animais, através do Decreto-Lei  n.º 24.645, que estabelece medidas de proteção, passando-os à tutela do Estado e impondo pena restritiva de liberdade a quem lhes impingisse maus-tratos. 

Contudo, das leis para a prática, o caminho a se percorrer é longo e árduo, mesmo porque a nossa legislação ambiental é uma das mais avançadas do mundo.

A verdade é que a nossa realidade, infelizmente, não a acompanhou de forma alguma, tendo em vista a disparidade do poderio econômico, tornando os recursos naturais, muitas vezes, a salvação de muitas famílias brasileiras que não têm o que comer.

Concorre também, para o  distanciamento das leis em relação à realidade,  escassez de fiscalização para que aquelas sejam cumpridas, devido aos quadros de funcionários públicos, tanto da esfera federal como da estadual, que atuam como fiscais, constituírem a minoria dentro de estruturas governamentais puramente administrativas.

Diante dessa desigualdade de forças, o Brasil está entre os principais países do mundo que comercializam e exportam espécies da fauna e flora silvestres de forma ilegal. Segundo um levantamento realizado pela organização não governamental denominada Fundo Mundial para a Natureza - WWF, “especialistas das agências governamentais que atuam no combate ao tráfico de animais silvestres calculam que esta atividade movimenta cerca de US$ 10 bilhões/ano em todo o mundo”. O volume de animais silvestres oriundos do Brasil representa algo entre 5 a 7% deste total (US$ 500 milhões a US$ 700 milhões).

Fortalecendo o entendimento de que os dispositivos contidos no art. 225 da Carta Magna necessitam de uma legislação de menor hierarquia, apesar de alguns desses dispositivos já possuírem regração infraconstitucional, quando da promulgação da mesma, segundo Paulo de Bessa Antunes[34], “cuida-se, portanto, de investigar quais destas normas permanecem integradas  ao ordenamento jurídico, quais foram efetivamente revogadas”.

Estas questões são de importância ímpar na medida em que “de sua solução depende boa parte da eficácia do artigo constitucional que agora estamos examinando”.

Procedendo a exame indispensável, o mesmo e ilustre Procurador da República preleciona que “a competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios se alarga, em nosso sistema, às seguintes matérias, por força do art. 23 e seus incisos, a proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas (VI); preservar as florestas, a fauna e a flora (VII)... A competência concorrente abrange a produção legislativa sobre florestas, caça, pesca, fauna,...” art. 24, VI, VIII).

Diante de tal clareza da Constituição Federal, todos os constituintes estaduais do Brasil inteiro, bem compreenderam que passavam a repartir com a União a sua competência para legislar, concorrente e supletivamente, a propósito de meio ambiente, caça e pesca. 

Valeram-se então, do disposto no art. 225, § 1°, inciso III, da atual Carta Magna, que comete e atribuiu explicitamente “a todas as unidades da Federação a definição de espaços territoriais a serem especialmente protegidos”.

Concluindo não resta dúvida quanto à obrigatoriedade dos Estados em proteger a fauna local e, conseqüentemente, os ecossistemas peculiares de cada região, essenciais para a sobrevivência das espécies ameaçadas de extinção, exercendo assim, medida supletiva dentro de sua competência concorrente, traduzida definitivamente através da proibição da caça em seus territórios.

1.2  Caça de controle

A caça de controle destina-se ao reequilíbrio do ecossistema, em decorrência do aumento populacional de alguns animais.

O art. 3º, § 2º, da Lei no 5.197/67 trata da matéria, determinando que:

“§ 2º Será permitida, mediante licença da autoridade competente, a apanha de ovos, larvas e filhotes que se destinem aos estabelecimentos acima referidos, bem como a destruição de animais silvestres considerados nocivos à agricultura ou à saúde pública”.

O aumento da espécie pode decorrer da própria ação do homem ou até mesmo de alterações no quadro natural em que vivem. Independente da causa determinante, a caça de controle é concebida.

Todavia, importa-nos questionar se, diante da caça de controle, a fauna silvestre deixa de ter função ecológica. Como foi possível verificar, a função ecológica da fauna silvestre reflete a harmonia entre a relação da sua existência e o habitat em que vive.

Entretanto, havendo uma superpopulação que impeça o equilíbrio, a função ecológica deixa de existir. Dessa forma, diante da caça de controle, a fauna silvestre deixa de possuir função ecológica.

Vale salientar ser ponderável que, antes que se proceda à caça de controle, existam atividades de manejo ecológico e avaliações de impacto ambiental.

É necessário frisar que, por disposição legal, o produto da caça de controle não é passível de comercialização, conforme determina o art. 3º da Lei no 5.197/67:

Art. 3º É proibido o comércio de espécimes da fauna silvestre e de produtos e objetos que impliquem a sua caça, perseguição, destruição ou apanha.

Assim, temos que a permissão conferida pelo § 2º desse art. 3º somente diz respeito à caça e não ao seu comércio.

A título de ilustração, a caça é permitida no Rio Grande do Sul, para marrecos, lebres e perdizes, em quantidades limitadas, nos meses que não têm "R"  -  maio, junho, julho e agosto  -  por causa do período de reprodução.

1.3  Caça de subsistência

A caça de subsistência é permitida, apesar de a Lei de Proteção à Fauna não prever tratamento sobre ela, porque o fundamento de sua existência baseia-se na própria inviolabilidade do direito à vida. Desse modo, se a caça é de subsistência, legítima a sua prática, pois o que se tutela é o exercício do direito à vida.

A caça de subsistência de vertebrados silvestres é uma das formas mais difundidas de extração de recursos em florestas tropicais, resultando em conseqüências profundas para a biomassa das populações, diversidade de espécies e estrutura de tamanho das assembléias de fauna residual.

Por outro lado, a destruição e a fragmentação de habitats naturais é uma das maiores ameaças à biodiversidade e s principal causa da crise de extinção atual.

Poucos estudos até hoje avaliaram a interação entre a caça de subsistência e a fragmentação de habitats em regiões de florestas tropicais.

Entretanto, há evidência suficiente para sugerir que o impacto da pressão de caça sobre fragmentos florestais é muito mais grave do que em regiões de mata contínua, onde áreas não caçadas ainda podem abastecer as demais através da dinâmica de metapopulação das espécies abatidas.

Este estudo teve como objetivo principal avaliar qualitativa e quantitativamente os efeitos da caça de subsistência na integridade da comunidade de vertebrados de médio a grande porte (> 0.5 kg) em um número elevado de fragmentos florestais de diferentes tamanhos do arco do desmatamento na Amazônia no norte do Mato Grosso. Além disso, este projeto definiu como os padrões de abundância de vertebrados respondem a diferentes níveis de pressão de caça, e examinou os principais determinantes ecológicos das taxas de extinção local de diferentes espécies em fragmentos de mata.

1.4 Caça científica

Esta espécie de caça é justificada pela finalidade científica da fauna. A Lei de Proteção à Fauna reservou-lhe tratamento no art. 14, ao preceituar que:

“Art. 14. Poderá ser concedida a cientistas, pertencentes a instituições científicas, oficiais ou oficializadas, ou para estas indicadas, licença especial para coleta de material destinado a fins científicos, em qualquer época”.

§ 1º. Quando se tratar de cientistas estrangeiros, devidamente credenciados pelo país de origem, deverá o pedido de licença ser aprovado e encaminhado ao órgão público federal competente, por intermédio de instituição científica oficial do país.

§ 2º. As instituições a que se refere este artigo, para efeito de renovação anual da licença, darão ciência ao órgão público federal competente das atividades dos cientistas licenciados no ano anterior.

§ 3º. As licenças referidas neste artigo não poderão ser utilizadas para fins comerciais ou esportivos.

§ 4º.  Aos cientistas das instituições nacionais que tenham por lei a atribuição de coletar material de zoológico, para fins científicos, serão concedidas licenças permanentes”.

 

Cabem a esse artigo alguns reparos. Primeiramente, deve-se mencionar que a licença não pode ser concedida em qualquer época, porquanto a própria lei, no seu art. 10, j, determina que não poderá haver caça de espécies silvestres fora do período permitido.

Aludido período é ficado pelo órgão público federal competente, nos termos do art. 8º. Da Lei no 5.197/67. Dessa feita, se um determinado animal estiver em fase de reprodução, não se permitirá, nem para fins científicos, a sua captura, caça ou apanha. Restrições ainda existirão em relação aos locais onde poderá ser praticada a caça.

Além disso, não há como conceber a autorização permanente, mas apenas para determinada época, em certos locais, respeitando-se as condições específicas daquele bioma.

Acrescente-se ainda que o art. 8º acaba por não permitir que a autorização tenha validade para mais de um ano, uma vez que determina que: anualmente será publicada e atualizada:

“(a) a relação das espécies cuja utilização, perseguição, caça ou apanha será permitida, indicando e delimitando as respectivas áreas;

 

(b) a época e o número de dias em que o ato será permitido;

(c) a quota diária de exemplares cuja utilização, perseguição, caça ou apanha será permitida”. 

Apesar de a moratória à caça comercial vigorar desde 1986, o Japão possui uma cota de captura científica na Antártida que atinge cerca de mil baleias por ano. O governo japonês reconhece que a atividade resulta na venda de 5.000 toneladas de carne de baleia ao ano no país. Tsuyoshi Iwata, diretor-assistente da Divisão Oceânica da Agência de Pesca do Japão, usa vários argumentos para justificar a intenção do país de voltar a caçar comercialmente. Diz que é preciso matar animais "para pesquisa" e que a importância da carne de baleia na dieta local tende a aumentar. "Nós temos tradição de comer carne de baleia. E, no futuro, esse uso deve ficar ainda mais importante em razão da crise mundial de alimentos", diz Iwata, lembrando que o Japão importa muitos alimentos. Ele diz, ainda, que só matando é possível saber o que as baleias comem (ao analisar o conteúdo do estômago) e descobrir com precisão idade e tamanho. Matar para argumentar - Sara Holden, coordenadora internacional da campanha de Baleias do Greenpeace, ironiza esse tipo de afirmação. "O conteúdo do estômago é o mesmo de muitos anos atrás. E é possível saber aproximadamente idade e tamanho sem matar”. Iwata, porém, afirma que, quanto mais baleias forem mortas, mais estatística haverá para provar que é viável voltar a caçar de maneira comercial. "Em nossa opinião, não existe diferença entre carne de baleia e atum, por exemplo. É um recurso marinho que deve ser utilizado, desde que seja abundante”.

Os japoneses abatem na região da Antártida até 935 baleias minke, espécie que aparece na categoria "risco menor/dependente de conservação" na lista vermelha de animais ameaçados da IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza).

 

Também estão na cota 2007/ 2008 outras 50 baleias-fin, espécie da categoria "em perigo", e 50 jubarte, da categoria "vulnerável". Sob pressão, o país disse que não caçaria jubartes pelo menos até o meio do ano. Tanto ONGs quanto outros países, como o Brasil, questionam a matança. Na opinião de Bernardo Velloso, chefe da Divisão do Mar, da Antártida e do Espaço, do Ministério das Relações Exteriores, o número de baleias abatidas na caça "dita científica" não é justificável do ponto de vista técnico. De acordo com ele, outro problema é o fato de a cota incluir "50 baleias jubarte, consideradas universalmente o símbolo da espécie em extinção". O Brasil, que só na década de 80 proibiu a caça, hoje defende o "uso não-letal" desses animais, como o turismo para observação de baleias, que gera lucro e está em expansão. Mesmo assumindo considerar o abate de baleias natural, os japoneses ainda parecem sentir certo constrangimento com a ação. Leandra Gonçalves, do Greenpeace, seguiu navios na Antártida entre o final de 2007 e início deste ano. "Decidiram não caçar na nossa frente. Perseguimos a frota por duas semanas e impedimos a caça de mais de cem baleias”.[35]

 

1.5  Caça amadorista

Vale lembrar que a caça esportiva tem sido uma das principais ferramentas para a conservação da biodiversidade em diversos países do mundo, na medida em que agrega valor às espécies animais.

Nos EUA, por exemplo, o Serviço de Pesca e Vida Selvagem (U.S Fish & Wildlife Service) arrecada mais de US$ 1 bilhão com a emissão de licenças de caça, recursos que são responsáveis pela viabilidade do uso e da conservação de populações robustas e saudáveis de animais silvestres (www.fws.gov.br).

No Brasil, o MMA/IBAMA organizou em 2006 um seminário destinado à elaboração da “Política de Fauna Silvestre da Amazônia” que, dentre outras coisas, definiu claramente as bases e diretrizes técnicas bem como, os instrumentos legais, administrativos e econômicos para atender as demandas dos povos da Amazônia e viabilizar as atividades de manejo de fauna em bases sustentáveis em seus diferentes níveis de abrangência.

Sabemos que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é essencial à sadia qualidade de vida. Esta expressão, por sua vez, tem por conteúdo o preceito trazido pelo art. 6º da Constituição Federal, que prevê os direitos sociais, entre os quais está encartado o direito ao lazer.

Com base nesse raciocínio, a caça amadorista tem fundamento jurídico no direito social ao lazer, e a própria Lei de Proteção à Fauna expressamente incentivou a modalidade esportiva em seus arts. 6ºe 12:

“Art. 6º O Poder Público estimulará:

a) a formação e o funcionamento de clubes e sociedades amadoristas de caça e tiro ao vôo, objetivando alcançar o espírito associativista para a prática desse esporte; (...)

Art. 12. As entidades a que se refere o artigo anterior deverão requerer licença especial para os seus associados transitarem com arma de caça e de esporte, para uso em suas sedes, durante o período defeso e dentro do período determinado”.

 

Vale frisar que essa espécie de caça também está sujeita aos regramentos normais que determinam a permissão, ou seja, os critérios de prévia avaliação ambiental, as ressalvas previstas quanto aos aspectos e à observância da conveniência e oportunidade aferidos pela Administração, ante a autorização da caça.

Deve-se notar ainda que justificar a impossibilidade da caça amadorista, alegando que haverá um desequilíbrio ecológico, como se tal atividade fosse responsável por este, reflete uma forma de esconder seus verdadeiros causadores.

Por derradeiro, temos que, diante de um critério de sustentabilidade, a caça amadorista é aceita, evidentemente, tomadas as precauções legais mencionadas.

 

2.  Rodeios de animais e a lei no 10.519/02

 

A Lei no 10.519/2002, ao dispor sobre a promoção, assim como a fiscalização da defesa sanitária animal quando da realização de rodeio[36], acabou por compatibilizar a proteção jurídica do meio ambiente natural em face do meio ambiente cultural e do trabalho, harmonizando no plano infraconstitucional a defesa da fauna em face dos modos de vier de alguns brasileiros em determinadas regiões do País.

A lei determina a aplicação das disposições gerais relativas à defesa animal aos rodeios de animais, definindo-os como “as atividades de montaria ou de cronometragem e as provas de laço, nas quais são avaliados a habilidade do atleta em dominar o animal com perícia e o desempenho do próprio animal” (art. 1º., parágrafo único, da Lei no 10.519/2002), fixando vários deveres às entidades promotoras do rodeio não só no que se refere à integridade física dos animais[37] como evidentemente em favor dos denominados profissionais do rodeio[38].

Os profissionais do rodeio, a saber, os peões de boiadeiro, “os madrinheiros” (pessoa que faz o resgate do peão após a montaria em cavalo), os “salva-vidas” (também conhecidos como peões-palhaços), os domadores, os porteiros, os juízes e os locutores, passam a ter alguns benefícios, que deverão ser suportados economicamente pelos organizadores/entidades promotoras de rodeios, dentro de uma visão legislativa que consolida aludidas atividades não só no plano cultural, mas principalmente no econômico.

A partir da Lei no 10.519/2002, estão autorizados os organizadores de rodeio a promover as atividades descritas no parágrafo único do art. 1º.[39], desde que comuniquem ao órgão estadual competente a realização das provas com antecedência mínima de trinta dias, demonstrando aptidão legal para cumprir com suas obrigações em todos os planos  -  e evidentemente no plano ambiental  -  e indicando desde logo o médico veterinário responsável, inclusive para os efeitos do que estabelece o art. 3º., II, da regra ambiental sob comento[40].

Destarte, as entidades promotoras do rodeio passam a ter, por força de lei, algumas obrigações, destinadas não só a resguardar a integridade física dos profissionais que atuam nas atividades como a própria integridade física dos animais participantes do evento[41]. No que se refere aos profissionais, a lei determina caber às entidades promotoras do rodeio, a suas expensas, prover: 1) infra-estrutura completa para atendimento médico, com ambulância de plantão e equipe de primeiros socorros, com presença obrigatória de clínico geral (art. 3º., I); 2) arena das competições e bretes (corredores dentre fileiras de estacas ou aramados por onde os animais são conduzidos para a arena) cercados com material resistente e com piso de areia ou outro material acolchoador, próprio para o amortecimento do impacto de eventual queda do peão de boiadeiro (art. 3º, IV)[42]; e 3) contrato de seguro pessoal de vida e invalidez temporária destinado aos aludidos profissionais (art. 6º).

Já no que se refere à incolumidade física dos animais, determina a lei que a entidade promotora assegure: a) médico veterinário habilitado, responsável pela garantia da boa condição física e sanitária dos animais (observando-se, inclusive, conforme determina o art. 2º., o controle da febre aftosa e da anemia infecciosa eqüina) e pelo cumprimento das normas disciplinadoras a quem a lei atribui a obrigação de impedir maus-tratos e injúrias de qualquer ordem (art. 3º, II); b) transporte dos animais em veículos apropriados e instalação de infra-estrutura que garanta a integridade física deles durante sua chegada, acomodação e alimentação (art. 3º., III); c) arena das competições e bretes cercados com material resistente e com piso de areia ou outro material acolchoador, próprio para o amortecimento do impacto de eventual queda do animal montado (art. 3º, IV).

A lei também estabeleceu regras vinculadas aos apetrechos técnicos utilizados nas montarias no âmbito da realização de rodeios no sentido de delimitar, no plano infraconstitucional, a determinação estabelecida no art. 225, VII, da Constituição Federal. Os acessórios antes mencionados não poderão, conforme determina o art. 4º. da lei, causar injúrias ou ferimentos aos animais, devendo obedecer a normas estabelecidas pela entidade representativa do rodeio, que deverá, por sua vez, apoiar-se naquilo que a lei chama de “regras internacionalmente aceitas” (art. 4º). A lei disciplina ainda que as cintas, cilhas (cinta larga, de couro ou de tecido reforçado, que cinge a barriga das cavalgaduras para apertar a sela ou a carga) e barrigueiras[43] deverão ser confeccionadas em lã natural, com dimensões adequadas, visando garantir o que o legislador chama de “conforto dos animais” (art. 4º, § 1º). O uso de esporas com rosetas pontiagudas ou qualquer outro instrumento destinado a ocasionar ferimentos nos animais  -  tais como chicotes  -  passam a ser expressamente proibidos pela lei (art. 4º, § 2º.), inclusive aparelhos que provoquem choques elétricos.

As condutas e atividades consideradas pela Lei no 10.519/2002 lesivas aos destinatários da norma - a saber, profissionais de rodeio e animais participantes das atividades - sujeitarão os infratores (pessoas físicas ou jurídicas vinculadas à atividade) não só às sanções administrativas indicadas  no art 7º., I a III (advertência por escrito, suspensão temporária e suspensão definitiva do rodeio, que se aplicam evidentemente apenas em face da atividade econômica organizada) como a “outras penalidades previstas em legislação específica”(art. 7º.), o que nos leva a observar necessariamente a aplicação da Lei no 9.605/98[44] em matéria criminal e da Lei no 6.938/81 e demais normas cabíveis no plano da obrigação de reparar dano causado.

Daí ser importante observar que a responsabilidade chamada civil das entidades promotoras de rodeios, principalmente em face dos profissionais responsáveis pelas atividades indicadas no parágrafo único do art. 1º., é objetiva, em decorrência de cuidarmos de matéria adstrita ao direito ambiental brasileiro.

 

3. Manifestações culturais, fauna e direito ambiental

 

O art. 215 da Constituição Federal, ao determinar ao Estado Democrático de Direito o apoio e o incentivo à valorização assim como à difusão das manifestações culturais, adotou importante visão destinada a assegurar, concretamente, a tutela do patrimônio cultural brasileiro[45], em proveito dos grupos que formaram a sociedade brasileira (art. 216).

Assim, as práticas culturais em nosso país, entendidas fundamentalmente como atividades de recepção e produção cultural, estão claramente associadas aos hábitos culturais (entendendo-se por hábito, como explica Teixeira Coelho[46], uma disposição duradoura adquirida pela reiteração do ato), particularmente diante de atividades que “movem um grupo ou comunidade numa determinada direção, previamente definida sob um ponto de vista estético, ideológico, etc.”, restando embutida em referida concepção um juízo de valor.

Referidos hábitos, num primeiro momento, foram incorporados em nossa Carta Magna de 1988 a partir da proteção das diferentes manifestações das culturas populares[47], indígenas, afro-brasileiras, bem como de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional, conforme estabelece o art. 215, § 1º., da Constituição Federal, no sentido de respeitar nossa mais importante biodiversidade: a humana.

Dessarte restou bem posicionada a evolução cultural refletida nas normas jurídicas: outrora definida como coisa[48], [49], [50] e [51], passou a fauna a ser protegida constitucionalmente como bem ambiental[52] dentro de uma nova visão em que a proteção da vida em todas as suas formas deve atender ao fundamento da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), ante seu conteúdo cultural.

4. Conclusão I

Os animais em suas diversas categorias -  silvestre, nativo ou exótico, doméstico ou domesticado  -  fazem parte da ampla variedade de seres vivos integrantes da biosfera. O meio ambiente, constituído pelos fatores abióticos e bióticos, que compreendem todos os seres vivos em relação, formam um todo onde nada pode ser excluído.

Sob o ponto de vista legal os animais, sem qualquer discriminação em categoria estão inseridos no capítulo do Meio Ambiente da Constituição Federal, cujos preceitos asseguram sua total proteção pelo Poder Público e a comunidade. Estão ainda amparados pela Lei de Crimes Ambientais.

Entretanto, o que se vê na prática é que os atentados contra fauna são punidos timidamente, e de forma imediata só quando o crime se insere nas modalidades de crime ecológico, ou seja, quando o ato ameaça a função ecológica de um animal silvestre no ecossistema.

Para a maioria dos doutrinadores o Direito protege os animais com o intuito de proteger o homem, daí uma habitual atenção dirigida aos animais silvestres, em detrimento dos domésticos. O extermínio da vida de um animal doméstico é aceita pelo sistema que prioriza os direitos econômicos. Não existe uma vontade política para a proteção dos animais domésticos, além de haver um descaso com a proteção dos silvestres. Tanto que, apesar de ser de competência dos órgãos ambientais que compõem o Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA protegê-los, tais órgãos não contam com uma diretoria competente para fiscalização de animais domésticos.

De outro lado, enquanto a lei considera os animais silvestres como bem de uso comum do povo, ou seja, um bem difuso indivisível e indisponível, já os domésticos são considerados pelo Código Civil como semoventes passíveis de direitos reais. Assim que é permitida a apropriação dos animais domésticos para integrar o patrimônio individual, diferentemente do que ocorre com o bem coletivo.

Quando o Poder Público aplica a Lei de Crimes Ambientais em defesa da função ecológica dos animais a atitude é aceita pela doutrina majoritária e pela crença dominante. Ao contrário, quando se procura inibir maus tratos aos animais existe uma resistência, que se esbarra não só na insensibilidade generalizada, mas no falso conceito de que existem vidas que valem mais que as outras.

Como se vê a organização dos poderes constituídos, a mentalidade científica e a crença popular são as grandes responsáveis pelo tratamento ético e jurídico dispensado aos animais na atualidade, e pela discriminação ainda maior contra os animais domésticos.

Precisamos acordar para o fato de que é chegada a hora de se esfacelar os velhos tabus. A vida é um bem genérico e, portanto o direito à vida constituiu um direito de personalidade igualmente do animal, assim como do homem. O animal, embora não tenha personalidade jurídica, possui sua personalidade própria, de acordo com sua espécie, natureza biológica e sensibilidade. O direito à integridade física é imanente a todo ser vivo, e está umbicado à sua própria natureza, indiferentemente de ser humana ou não humana, silvestre ou doméstica.

O certo é aceitar a natureza sui generis dos animais, afim de que sejam compreendidos como sujeitos de direitos. Seus direitos são reconhecidos e tutelados, e podem ser postulados por agentes titulados para esse mister, que agem em legitimidade substitutiva.

Enfim, todos os animais merecem igual proteção e consideração, os silvestres nativos ou exóticos e os domésticos. Temos que combater com veemência o tráfico de animais, a biopirataria, a vida e a integridade de todo ser vivo, além de todo especismo.

5. Conclusão II

 

 Podemos também concluir, que as novas normas jurídicas ambientais, como as Leis no 9.605/98 (sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente), 9.985/2000 (regulamenta o art. 225, § 1º., I, II, III, e VII, da CF) e 10.519/2002 (dispõe sobre a promoção e a fiscalização da defesa sanitária animal quando da realização de rodeio e dá outras providências), passaram a revelar claramente essa nova “tendência” destinada a adequar as manifestações culturais diante da fauna no sentido de harmonizar nossas práticas culturais em proveito da dignidade da pessoa humana.

 

 

 

IV – DA FAUNA COMO BEM AMBIENTAL

(Rogério Alves Rodrigues)

 

1. Natureza jurídica da fauna

Inicialmente cumpre-nos destacar, conforme leciona o Ilustre Professor Celso Antônio Pacheco Fiorillo, que os animais são bens sobre os quais incide a ação do homem. Com isso, deve-se frisar que os animais e vegetais não são sujeitos de direitos, porquanto a proteção do meio ambiente existe para favorecer o próprio homem e somente por via reflexa para proteger as demais espécies.[53]

2. Fauna como bem ambiental

Importante salientar que quanto ao regime de titularidade da fauna, houve considerável alteração na legislação aplicável. Com o advento da Lei 5.197/67, foram revogados tanto o Código de Caça (Decreto-Lei 5.894/43) quanto o Código de Pesca (Decreto-Lei n.º 794/38).

Com tal alteração, parece-nos que o legislador, quando da elaboração da norma que revogou tanto o Código de Caça quanto o Código de Pesca, preocupou-se com a “esgotabilidade” desse bem e a, ainda, com a sua importância no equilíbrio do ecossistema necessário à manutenção das espécies.

Analisando conjuntamente o disposto no caput do artigo 225, da Constituição Federal de 1988 e o disposto no inciso I, do artigo 81, da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), são classificados como bens difusos.

Assim, enquanto a fauna possuir a chamada função ecológica aludida no inciso VII, do parágrafo § 1.º, do artigo 225, da Carta Magna, será sempre considerada bem ambiental e, por conseqüência, difuso, sendo a sua titularidade indeterminável, haja vista que tais bens não são passíveis de apropriação, já que submetidos a um regime de administração pelo Estado, que permite o uso e gozo racional, com a conservação deste.

3. Finalidades da fauna

A finalidade da fauna, como bem ambiental, será sempre determinada em razão do benefício trazido à sociedade e, neste contexto, podemos destacar as funções recreativa, científica, ecológica, econômica e cultural.

3.1 Da função ecológica

No que diz respeito à função ecológica que vem elencada no artigo 225, § 1.º, VII, da Constituição Federal de 1988, é vedada a prática de atividades contra a fauna e a flora que coloquem em risco a sua finalidade – função ecológica.

Tal função é cumprida sempre que a fauna tenha participação no equilíbrio e na manutenção do ecossistema, alcançando-se um meio ambiente sadio, que como sabemos, é essencial à qualidade de vida dos brasileiros e estrangeiros residentes no país.

Essa função será sempre determinante para a caracterização da fauna como bem de natureza difusa. No entanto, não significa dizer que toda fauna tem tais características, ou seja, somente as que não as possuem serão objeto de apropriação.

Assim, quando ela não atender os requisitos de essencialidade à sadia qualidade de vida e bem de uso comum do povo, não consistirá em bem difuso, estando sujeita ao regime de propriedade estabelecida no Código Civil Brasileiro.

3.1.1 Introdução de espécies exóticas e a função ecológica

Cumpre-nos ressaltar, aqui, a possibilidade de introdução de espécies exóticas no ecossistema. Entende-se por espécies exóticas aquelas que não são nativas da área onde serão introduzidas.

Geralmente, as espécies exóticas são introduzidas em determinados locais visando a alimentação do ser humano, eficácia na regeneração do meio ambiente onde serão introduzidas, controle e diminuição de pragas já existentes, entre outras.

No entanto, esta introdução pode trazer sérias conseqüências, pois, em muitos casos, a espécie introduzida aumenta em número tornando-se uma praga destruidora e impossível de ser erradicada causando, dessa forma, o desequilíbrio ambiental.

Neste caso, muitas espécies se aproveitam do ambiente favorável à sua existência, da falta de predadores e da alimentação abundante, aumentando sua população, instalando-se definitivamente em tais localidades.

Antes de ocorrer a introdução de uma espécie exótica, animal ou vegetal, num determinado ecossistema, se faz necessário a elaboração de estudo prévio de impacto ambiental, verificando-se as influências positivas e negativas daquela introdução.

3.1.2 Reintrodução de espécies e a sua função

Outro ponto importante que devemos destacar é a necessidade de reintrodução de espécies nativas em determinada localidade que, por sua vez, tem como finalidade assegurar a sobrevivência de uma espécie, visando sempre sua função ecológica, ou então, restaurar uma população esgotada que tenha desaparecido.

3.2 Da finalidade científica

A fauna também poderá ser utilizada em estudos científicos para fins de experimentos, testes em laboratórios, entre outras atividades, visando sempre a sadia qualidade de vida da população residente no Brasil. Em tais estudos é indispensável que a sua destinação científica ou tecnológica seja resguardada.

Antes do atual texto Constitucional, a finalidade científica da fauna era prevista pelo artigo 14, da Lei 5.197/67. O Código Florestal, em seu artigo 5.º, cuidou de criar as reservas biológicas que, por sua vez, trouxe restrições ao exercício de atividades nesses locais.

 Com o desenvolvimento da biotecnologia, a previsão da utilização da fauna e seus componentes para finalidades científicas também foi incluída na legislação, como podemos verificar no artigo 8.º, V, vedando, nas atividades relacionadas a organismos geneticamente modificados, a intervenção in vivo em material genético de animais.

3.3 Finalidade recreativa

A finalidade recreativa está elencada na Constituição Federal, quando trata dos direitos sociais, assegurando a todos o direito ao lazer, que proporciona aos indivíduos, em conjunto com os demais direitos sociais, o aproveitamento de uma sadia qualidade de vida.

Todavia, o direito ao lazer pode chocar-se com o direito de preservação e conservação da fauna, ou seja, é possível que em certos casos, ele poderá ser exercido pela utilização daquelas.

Visando evitar o choque que pode ocorrer em razão do exercício do direito ao lazer com o de preservação da fauna, devemos sempre analisar esta questão em conformidade com o princípio do desenvolvimento sustentável, de modo a compatibilizar a conservação do meio ambiente e o exercício de certas atividades. Devemos sempre sopesar a relação custo-benefício da agressão à fauna e na relação entre a necessidade daquela prática de lazer, pois, somente assim será possível determinar se o bem ambiental, neste caso a fauna, deve ser utilizado no lazer ou deve ser preservado em razão de sua função ecológica.

A atividade de recreação não depende de licença, mas sim de autorização do Poder Público competente, conforme preceitua a Lei de Proteção à Fauna, mesmo que se trate de propriedade particular.

3.4 Finalidade cultural

A fauna também pode ser utilizada de forma cultural. Em geral, a utilização desse bem ambiental em manifestações populares, em certas regiões, estão ligadas diretamente ao sacrifício de animais.

O artigo 225, § 1.º, VII, veda que os animais sejam submetidos a práticas cruéis.

Contudo, se tal prática se der com o propósito de garantir o bem-estar do ser humano, não estará caracterizada a crueldade prevista no texto Constitucional supramencionado.

Caracteriza-se a crueldade quando tais práticas não tiverem por finalidade proporcionar ao homem uma sadia qualidade de vida, ou ainda, mesmo que este propósito esteja presente, os meios empregados forem desnecessários.

4. Conclusões

Com a preservação da fauna, como bem ambiental, buscamos o equilíbrio das relações ecológicas. Assim, a predação dentro da cadeia alimentar é fundamental para o controle de outras espécies, ou seja, somente através dela, de forma natural e não artificial, as populações existentes podem ser controladas, por exemplo, aves de rapina que se alimentam de pequenos roedores, outras aves, insetos, lagartos, cobras que podem tornar-se pragas para à sociedade.

Outra relação que podemos citar, justificando a preservação da fauna e, ainda, a manutenção do equilíbrio ecológico é a polinização realizada por insetos como as abelhas, besouros e moscas, algumas aves e os morcegos. Tal atividade garante a reprodução sexuada da flora, mantendo uma diversidade genética, permitindo a geração de sementes de boa qualidade.

Nesta relação de equilíbrio, a fauna frugívora – animais que se alimentam de frutos - tem importante papel na dispersão dessas sementes, permitindo o desenvolvimento das diferentes espécies da flora em outros ambientes, colonizando áreas degradas natural ou artificialmente, bem como mantendo suas populações nos locais de sua ocorrência.

Não podemos deixar de citar a importância de animais que vivem no solo (ex.: minhocas e outros vermes e insetos), posto que têm ligação direta com a aeração e adubação dos solos, já que é essencial tal qualidade para a manutenção da flora. Além dos microorganismos, muitos animais auxiliam na degradação da matéria orgânica por consumo alimentar, auxiliando, também, na qualidade e fertilidade do solo.

Podemos, então, concluir que a proteção da fauna, enquanto bem ambiental, está intimamente ligada à preservação e ao equilíbrio do ecossistema como um todo, justificando, assim, a preservação das diferentes espécies existentes, bem como do ambiente onde vivem, visando a sadia qualidade de vida daqueles que são os destinatários da norma – brasileiros e estrangeiros residentes no país, garantida constitucionalmente.

Sempre que haja a violação a tal garantia, tanto o legislador Constitucional quanto o infraconstitucional cuidaram de criar e disciplinar a utilização de ferramentas jurídicas (ex.: mandado de segurança coletivo, ação civil pública, mandado de injunção e a ação popular) capazes de fazer com que os responsáveis pela degradação sejam responsabilizados por suas práticas contrárias ao texto Constitucional.

 

V – CONCLUSÃO FINAL

(Helio Stefani Gherardi)

O Consenso de Washington, concluiu por um conjunto de medidas que se compunham de dez regras básicas: 01 - Disciplina fiscal; 02 - Redução dos gastos públicos; 03 - Reforma tributária; 04 - Juros de mercado; 05 - Câmbio de mercado; 06 - Abertura comercial; 07 - Investimento estrangeiro direto, com eliminação de restrições; 08 - Privatização das estatais; 09 - Desregulamentação (afrouxamento das leis econômicas e trabalhistas) e 10 - Direito à propriedade.

Formulado em novembro de 1989 por economistas de instituições financeiras baseadas em Washington, como o FMI, o Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, fundamentadas num texto do economista John Williamson, do International Institute for Economy; e que se tornou a política oficial do Fundo Monetário Internacional em 1990, quando passou a ser "receitado" para promover o "ajustamento macroeconômico" dos países em desenvolvimento que passavam por dificuldades; , concluiram os “dirigentes econômicos” mundiais que, para manter a dominação dos povos, o caminho seria o da globalização, através das comunicações.

Assim, pelos meios de comunicação, atingem-se os objetivos de quem detém o poder econômico e, via de consequência, o poder político.

Notícias são veiculadas de conformidade com os interesses dos grandes empreendedores (sem esquecermos que dentre estes encontram-se os próprios propietários de jornais, rádios, revistas e emissoras de televisão) e, desta forma: “maculam o ar”, “desmatam florestas”, “acabam com a camada de ozônio”, “derretem o Polo Norte e o Polo Sul” num dia e noticiam a solução no dia seguinte.

Pela globalização os interesses são únicos e e de todos, sendo as fronteiras e a soberania ignoradas ante a necessidade universal.

Nos Estados Unidos ensina-se nas escolas que no mapa do Brasil não se situa a Amazônia, pois ela pertence a todos, por ser o “pulmão” do mundo.

A par da situação econômica mundial assinalada, há em nosso país um problema muito sério de formação do povo. Sendo a formação a maneira pela qual se constitui um caráter, uma mentalidade, é a mesma abrangida pela conjunção da educação, do respeito, da ética, da instrução e da cultura.

Ocorre, porém que, dia após dia, o que se ve é um verdadeiro apogeu do egoismo, onde além de cada um cuidar apenas de sí, a solidariedade, o companheirismo a união, inexistem.

Se cada um pensa em si. Se cada um pensa apenas naquele momento presente e não no futuro. Quem pensa na sociedade como um todo? Quem pensa no futuro?

Desde o início dos tempos, quem sempre pensa é quem detém o poder econômico e direciona o poder político, mas não na sociedade como um todo, e sim, como manter e ao mesmo tempo aumentar o seu poderio financeiro sem que o mesmo venha a ser turbado.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, entre os fundamentos do Estado Democrático de Direito, como primeiro fundamento encontra-se a dignidade da pessoa humana como “afirmação de um espaço pessoal na existência política”. (Nuno Rogério “in” Princípios do Direito Processual Ambiental, Celso Antonio Pacheco Fiorillo, Ed. Saraiva 3ª. Ed.).

O princípio da dignidade humana é o ponto fulcral e a base, não só do desenvolvimento social necessário, como da segurança e aplicabilidade dos demais direitos contidos na Carta Magna.

Sendo a dignidade da pessoa humana a verdadeira razão de ser de todo o sistema de direito positivo em nosso país (obra citada), embasa, evidentemente, o direito ambiental brasileiro.

O direito material ambiental vincula a pessoa humana aos denominados bens ambientais, ou seja, aqueles considerados essenciais à sadia qualidade de vida (art. 225 – CF/88).

“A definição jurídica do bem ambiental está por via de conseqüência vinculada não só à tutela da vida da pessoa humana mas particularmente à tutela da vida da pessoa humana com dignidade.” (obra citada).

O bem ambiental é “de uso comum do povo”, não autorizando a Constituição Federal que possa ser feito, com o bem ambiental, o que é permitido fazer com outros bens em face ao direito de propriedade.

Consoante destaca o Professor Fiorillo: “A tutela jurídica da pessoa humana em face de suas inter-relações com o ambiente, assim como a tutela jurídica da fauna e da flora em face dos princípios constitucionais fundamentais e demais dispositivos aplicáveis mereceram por parte de nossa Constituição Federal importantes garantias, não só materiais como processuais..” (obra citada).

A Constituição Federal, pela primeira vez em nosso país, garantiu o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, inclusive às futuras gerações.

Garantiu, ainda, os elementos de toda e qualquer ação ambiental, tornando concreta a defesa do direito material, imediatamente no art. 225 e mediatamente “em outros dispositivos assecuratórios do meio ambiente ecologicamente equilibrado (patrimônio genético, meio ambiental cultural, meio ambiental artificial, meio ambiente do trabalho e meio ambiente natural)” (obra citada).

 

Ocorre, porém, que a compreensão do povo encontra-se muito aquém da necessidade da sociedade como um todo e a soberania nacional encontra-se aviltada pelas situações em que nosso país foi envolvido.

Assim, quem está em Boa Vista, capital do Estado de Roraima, e quer visitar a Venezuela, dirige-se por cerca de 200 (duzentos) kms. a Santa Elena de Vairen, cidade Venezuelana que se encontra a 12 (doze) kms. da fronteira, sendo intenso o tráfego em razão de inúmeros carros que para lá vão comprar combustível a preço bem inferior do valor pago no Brasil.

No caminho cruza inúmeras vezes com caminhões-tanque e com caminhões comuns que carregam recipientes, indo comprar ou voltando carregados com combustível venezuelano.

No percurso, cerca de 100 kms. passam pela reserva indígena Waimiri-Atroari e se, algum pneu furar, não demora muito a se aproximarem índios e americanos (que habitam na reserva) para intimidade e intimar a retirada imediata do carro das terras indígenas.

Por outro lado, se alguém está em São Luiz, capital do Estado do Maranhão e quer visitar Alcântara, antiga capital que permanece tal e qual se encontrava há mais de duzentos anos atrás e aonde se vai somente de barco, encontra-se tranquilamente com o passado como se lá estivesse.

Se, porém, tem a infeliz idéia de tentar visitar o Centro de Lançamento de Foguetes de Alcântara, segunda base de lançamento de foguetes do Brasil, que se encontra a 90 kms. da antiga capital, logo no começo é barrado por guarita “protegida” por americanos que não permitem a passagem.

Tais situações, aliadas ao já citado mapa do Brasil estudado sem a Amazônia, configuram a violação ao princípio constitucional da soberania e à premente necessidade do fortalecimento das forças armadas para a dignidade e segurança nacional.

Não é de bom alvitre manifestar qualquer apoio a atitudes adotadas pela ditadura, pois não se elogia quem perde a guerra, mas não podemos deixar de apontar que a Lei n° 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, foi a primeira legislação a definir e determinar a Política Nacional do Meio Ambiente, criando o Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA.

O direito constitucional de agir, assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil; bem como ao Poder Judiciário, o pleno exercício das atribuições autorizadas pelo Estado Democrático de Direito, garantindo a tutela jurisdicional adequada no âmbito das ações ambientais, não só por suas próprias peculariedades, mas, precipuamente, por encontrar-se adstrita à defesa da vida em todas as suas formas (obra citada).

Desta forma, o Poder Judiciário pode atuar prontamente em defesa dos bens ambientais, em questões que poderão originar situações irreparáveis, objetivando a defesa e manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado.

“O princípio da cura está na consciência da doença” Fernando Pessoa.

“Educar não é somente instruir; mas, desenvolver a moralidade e o caráter” Getúlio Vargas.

“O progresso econômico e social só se justifica pela quantidade de benefícios que espalha por todos os indivíduos e pelas contribuições que traz ao bem comum” Getúlio Vargas.

 

VI – BIBLIOGRAFIA

 

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos, 4a. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro, 6ª. ed.. São Paulo: Saraiva, 2005.

_____. O direito de antena em face do direito ambiental no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2000.

_____. Princípios do direito processual ambiental. São Paulo: Saraiva, 2007.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 15.ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

  MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos, 5ª. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo, 15ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

MELO, Nehemias Domingos. O princípio da dignidade humana e a interpretação dos Direitos Humanos. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 5, nº 221. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/ doutrina/texto.asp?id=1779> Acesso em: 17  jul. 2008.

MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: a gestão ambiental em foco. 5.ed. São Paulo: RT, 2007

MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado, 4ª. ed.. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002.

ANTUNES,  Paulo de Bessa. Manual de direito ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

OLIVEIRA, Adriano Henrique de. 1000 Pensamentos de personalidades que influenciaram a humanidade. São Paulo: DPL Editora, 2006.

PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro; FRANGETTO, Flávia Witkowski. Direito Ambiental aplicado. In: Curso de Gestão Ambiental. Barueri/SP: Manole, 2004.

RIZZATTO NUNES, Luiz Antonio. Manual de filosofia do direito. São Paulo: Saraiva, 2004.

 

 

Sobre o autor
Nehemias Domingos de Melo

Advogado em São Paulo, palestrante e conferencista. Professor de Direito Civil, Processual Civil e Direitos Difusos nos cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito na Universidade Paulista (UNIP). Professor convidado nos cursos de Pós-Graduação em Direito na Universidade Metropolitanas Unidas (FMU), Escola Superior da Advocacia (ESA), Escola Paulista de Direito (EPD), Complexo Jurídico Damásio de Jesus, Faculdade de Direito de SBCampo, Instituo Jamil Sales (Belém) e de diversos outros cursos de Pós-Graduação. Cursou Doutorado em Direito Civil e Mestrado em Direitos Difusos e Coletivos, É Pós-Graduado em Direito Civil, Direito Processual Civil e Direitos do Consumidor. Tem atuação destacada na Ordem dos Advogados Seccional de São Paulo (OAB/SP) onde, além de palestrante, já ocupou os cargos membro da Comissão de Defesa do Consumidor; Assessor da Comissão de Seleção e Inscrição; Comissão da Criança e do Adolescente; e, Examinador da Comissão de Exame da Ordem. É membro do Conselho Editorial da Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil (Ed.IOB – São Paulo) e também foi do Conselho Editorial da extinta Revista Magister de Direito Empresarial, Concorrencial e do Consumidor (ed. Magister – Porto Alegre). Autor de 18 livros jurídicos publicados pelas Editoras Saraiva, Atlas, Juarez de Oliveira e Rumo Legal e, dentre os quais, cabe destacar que o seu livro “Dano moral – problemática: do cabimento à fixação do quantum”, foi adotada pela The University of Texas School of Law (Austin,Texas/USA) e encontra-se disponível na Tarlton Law Library, como referência bibliográfica indicada para o estudo do “dano moral” no Brasil.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!