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A IRREDUTIBILIDADE DE VENCIMENTOS DO SERVIDOR E O DIREITO ADQUIRIDO

Agenda 20/03/2020 às 09:06

O ARTIGO DISCUTE SOBRE A IRREDUTIBILIDADE DOS VENCIMENTOS DO SERVIDOR E SUA NATUREZA DE DIREITO ADQUIRIDO.

A IRREDUTIBILIDADE DE VENCIMENTOS DO SERVIDOR E O DIREITO ADQUIRIDO

Rogério Tadeu Romano

 

Determina o artigo 37, inciso XV, da Constituição.

 

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

XV - o subsídio e os vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos são irredutíveis, ressalvado o disposto nos incisos XI e XIV deste artigo e nos arts. 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

 

A proibição de reduzir os vencimentos do funcionalismo público rompe com o que se vinha aceitando no país, da edição da Carta de 1988.

É certo que o direito administrativo reconhece diante de entendimento doutrinário a possibilidade dos Poderes Públicos reduzirem vencimentos de servidores, submetidos ao regime estatutário. Em alguns países essa medida chegou a ser empregada como forma de evitar-se a dispensa de servidores em momento de imperiosa necessidade de contenção dos gastos públicos.

O que o preceito presente no artigo 37 da Constituição, em seu inciso XV, são, pois, as reduções formais ocorridas na própria soma pecuniária.

Soma-se a isso o reforço do ari. 29 da Emenda Constitucional nº 19/98 que deve ser interpretado sem ir de encontro com pórtico fundamental do direito adquirido, o qual prevalece em todas as situações, a teor do artigo 5º, XXXVII, da Constituição Federal.

Observe-se, como norma típica primária, subordinada aos ditames expostos na Constituição, o artigo 23, em seus parágrafos primeiro e segundo, da Lei de Responsabilidade Fiscal(Lei Complementar 101/2000) que permitem a redução da jornada e do salário de servidores quando a despesa total com pessoal do Poder ou órgão ultrapassar os limites definidos na própria lei.

A maioria dos ministros entendeu ser inconstitucional a redução salarial prevista no parágrafo 2º.

 A maioria foi formada, diga-se, no julgamento da ADIn 2238.

Ao proferir seu voto, o relator, ministro Alexandre de Moraes, votou pela improcedência da ação quanto aos dispositivos, por entender que previsão é constitucional.

O ministro Moraes entendeu que a Constituição prevê, em seu artigo 169, três passos para se solucionar os gastos com pessoal que supere o teto, sendo eles: a redução de despesa, seguida da demissão de servidores em cargo de confiança ou em comissão e, se não solucionado o problema, a demissão do servidor estável.

Para o ministro Moraes, se a Constituição permite a quebra da estabilidade do servidor, a LRF estabelece um caminho intermediário, ao permitir a redução temporária da jornada e do salário do servidor. Assim, entendeu serem constitucionais os dispositivos, votando pela improcedência da ação neste ponto. O voto do relator foi seguido pelos ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes.

O ministro Edson Fachin inaugurou divergência. Em seu voto, afirmou que a Constituição garante ao servidor a irredutibilidade de salários e que o texto constitucional não merece ser flexibilizado. Assim, votou pela procedência da ação para julgar inconstitucionais os dispositivos. Foi seguido pelos ministros Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Luiz Fux e Marco Aurélio.

A ministra Cármen Lúcia proferiu voto intermediário, entendendo que o texto deve ser lido em consonância com o artigo 15 da CF/88, considerando, no entanto, ser constitucional a redução da jornada.

O ministro Dias Toffoli, por sua vez, votou no sentido de julgar parcialmente procedente a ação para se dar interpretação conforme a CF ao parágrafo 2º, seguindo o relator quanto ao parágrafo 1º. Depois, a sessão foi encerrada e o julgamento da ADIn 2.238, suspenso.

Menciono naquele julgamento a bem traçada fundamentação apresentada pelo ministro Fachin com relação a inconstitucionalidade daqueles dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal:

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“Decerto, diante de desafiante quadro de recessão econômica nacional e de sistêmico desajuste das contas estaduais e municipais, notadamente no que tange à folha de salários, reconheço um pleito legítimo por parte dos Chefes do Poderes Executivos dos diversos entes federativos em ganhar espaço fiscal para a efetivação de investimentos e cumprimento de plataforma político-eleitoral sufragada pelas urnas, o que, no curto prazo, poderia ser feito pela redução do peso das dotações com pessoal e seus encargos no ciclo orçamentário. No entanto, firmo convicção de que esse objetivo deve ser realizado conforme a Constituição, e não apesar dela. Tenho buscado manter em linha de coerência em meus posicionamentos exarados neste E. Plenário, como é dever de todo magistrado brasileiro. Nesses termos, iterativamente tenho me posicionado por não transigir com os valores sociais do trabalho na condição de fundamento do Estado, à luz da matriz trabalhista consagrada em Assembleia Nacional Constituinte. A meu ver, eventual panorama econômico que tornasse imprescindível a adoção de receituário de austeridade somente reforça a função da Corte Constitucional como locus específico para impedir retrocessos sociais na seara dos direitos e da Ordem Social, identificando o núcleo de intangibilidade do direito fundamental ao trabalho e equilibrando a delicada relação entre o capital e o trabalho, sempre à luz dos ditames constitucionais. Por isso, rogando as mais respeitosas vênias a quem se posiciona em sentido diverso, declaro que não me gera desassossego confirmar a correção do juízo de plausibilidade jurídica das alegações dos Requerentes efetuado por este Supremo Tribunal Federal em sede cautelar, com base nos parâmetros protetivos esculpidos na Constituição da República de 1988. Igualmente, na esteira de brocardo a maiori, ad minus segundo o qual quem pode mais, pode o menos, não compreendo uma relação de proporcionalidade entre o vínculo empregatício e o direito à percepção da contraprestação pecuniária ao trabalho. Esse raciocínio cuja premissa não subscrevo levaria a supor que diante da possibilidade concreta de medida mais gravosa, como a exoneração de servidores estáveis, a redução de jornada de trabalho e do salário por medida unilateral do Chefe de cada instituição autônoma seria dos males o melhor. A esse propósito, entendo que são grandezas incomensuráveis em consonância à dicção expressa da Constituição da República. Com efeito, por mais inquietante e urgente que seja a necessidade de realização de ajustes nas contas públicas estaduais, a ordem constitucional vincula, independentemente dos ânimos econômicos, a todos, inclusive a este Juiz em atividade de interpretação constitucional. Assim, caso repute-se conveniente e oportuna a redução das despesas com folha salarial no funcionalismo público como legítima política de gestão da Administração Pública, o receituário está previamente fixado nos §§3º e 4º do art. 169 do Texto Constitucional, pelo menos desde a Reforma Administrativa de 1998. Não cabe ao magistrado flexibilizar o mandamento constitucional para gerar alternativas menos onerosas do ponto de vista político aos líderes públicos devidamente eleitos para tomar decisões difíceis desse jaez. Por esse motivo, a Primeira Turma do Tribunal assentou que “[o] STF tem entendimento no sentido de que o art. 37, XV, da Constituição, impossibilita que retenção salarial seja utilizada como meio de redução de gastos com pessoal com o objetivo de adequação aos limites legais ou constitucionais de despesa.” (excerto da emenda do RE-AgR 836.198, de relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, j. 23.03.2018) Pela mesma razão, manifestei-me pela incorreção do parcelamento de remuneração como expediente lícito para geração de disponibilidade de caixa no Tesouro no bojo da SL 883, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, antes da perda superveniente do objeto dessa demanda suscitada por questão de ordem levantada pelo Ministro Dias Toffoli em voto-vista. Feitas essas considerações sobre o ethos deste Supremo Tribunal Federal em tempos desafiadores sob a perspectiva econômica, ao meu juízo, a jurisprudência da Corte inviabiliza de qualquer forma interpretação diversa da que foi conferida na ADI-MC 2.238, de relatoria do Ministro Ilmar Galvão, à cláusula de irredutibilidade dos vencimentos. Isto porque é entendimento iterativo do STF considerar a irredutibilidade do estipêndio funcional como garantia constitucional voltada a qualificar prerrogativa de caráter jurídico-social instituída em favor dos agentes públicos, conforme se depreende da ementa da ADIMC 2.075, de relatoria do Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, DJ 27.06.2003, reproduzida no que interessa: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - REMUNERAÇÃO, SUBSÍDIOS, PENSÕES E PROVENTOS DOS SERVIDORES PÚBLICOS, ATIVOS E INATIVOS, DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - FIXAÇÃO DE TETO REMUNERATÓRIO MEDIANTE ATO DO PODER EXECUTIVO LOCAL (DECRETO ESTADUAL Nº 25.168/99) - INADMISSIBILIDADE - POSTULADO CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE LEI EM SENTIDO FORMAL - ESTIPULAÇÃO DE TETO REMUNERATÓRIO QUE TAMBÉM IMPORTOU EM DECESSO PECUNIÁRIO - OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DA IRREDUTIBILIDADE DO ESTIPÊNDIO FUNCIONAL (CF, ART. 37, XV) - MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA. REMUNERAÇÃO DOS AGENTES PÚBLICOS E POSTULADO DA RESERVA LEGAL (…) A GARANTIA CONSTITUCIONAL DA IRREDUTIBILIDADE DO ESTIPÊNDIO FUNCIONAL QUALIFICA-SE COMO PRERROGATIVA DE CARÁTER JURÍDICO-SOCIAL INSTITUÍDA EM FAVOR DOS AGENTES PÚBLICOS. - A garantia constitucional da irredutibilidade do estipêndio funcional traduz conquista jurídico-social outorgada, pela Constituição da República, a todos os servidores públicos (CF, art. 37, XV), em ordem a dispensar-lhes especial proteção de caráter financeiro contra eventuais ações arbitrárias do Estado. Essa qualificada tutela de ordem jurídica impede que o Poder Público adote medidas que importem, especialmente quando implementadas no plano infraconstitucional, em diminuição do valor nominal concernente ao estipêndio devido aos agentes públicos. A cláusula constitucional da irredutibilidade de vencimentos e proventos - que proíbe a diminuição daquilo que já se tem em função do que prevê o ordenamento positivo (RTJ 104/808) - incide sobre o que o servidor público, a título de estipêndio funcional, já vinha legitimamente percebendo (RTJ 112/768) no momento em que sobrevém, por determinação emanada de órgão estatal competente, nova disciplina legislativa pertinente aos valores pecuniários correspondentes à retribuição legalmente devida.” No âmbito do Tema 514 da sistemática da repercussão geral, cujo paradigma é o ARE 660.010, de relatoria do Ministro Dias Toffoli, Tribunal Pleno, DJe 19.02.2015, reafirmou-se expressamente que a redução da jornada de trabalho com adequação dos vencimentos à nova carga horária é medida inconstitucional: “Recurso extraordinário. Repercussão geral reconhecida. Servidor público. Odontologistas da rede pública. Aumento da jornada de trabalho sem a correspondente retribuição remuneratória. Desrespeito ao princípio constitucional da irredutibilidade de vencimentos (…) 3. A violação da garantia da irredutibilidade de vencimentos pressupõe a redução direta dos estipêndios funcionais pela diminuição pura e simples do valor nominal do total da remuneração ou pelo decréscimo do valor do salário-hora, seja pela redução da jornada de trabalho com adequação dos vencimentos à nova carga horária, seja pelo aumento da jornada de trabalho sem a correspondente retribuição remuneratória.” Enfim, por apuro técnico, verifico ser desnecessária e, por isso, desproporcional a suspensão da eficácia da expressão “quanto pela redução dos valores a eles atribuídos” da forma como foi feita em sede preambular. Na verdade, o que se almeja evitar é infligir o inciso XV do art. 37 da Constituição da República, o que é alcançável pela exclusão da possibilidade interpretativa de reduzir-se o vencimento de função ou cargo que estiver provido. A esse respeito, a diretriz jurisprudencial é assente no sentido de que a irredutibilidade de vencimentos dos servidores também alcança àqueles que não possuem vínculo efetivo com a Administração Pública. Confiram-se os seguintes precedentes: “MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. CARGO EM COMISSÃO. VANTAGEM DENOMINADA "DIFERENÇA INDIVIDUAL". LEI N. 9.421/96. RESOLUÇÃO DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL DETERMINANDO O PAGAMENTO DA PARCELA. IMPOSSIBILIDADE DE SUPRESSÃO ANTE O PRINCÍPIO DA IRREDUTIBILIDADE DE VENCIMENTOS [ART. 37, XV, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL]. SEGURANÇA CONCEDIDA. 1. A Lei n. 9.421/96 instituiu o Plano de Cargos e Salários do Poder Judiciário, dando lugar, no momento da implementação dos novos estipêndios nela fixados, a decréscimo remuneratório com relação a alguns servidores. 2. Os que sofressem o decréscimo receberiam a diferença a título de "Vantagem Pessoal Nominalmente Identificada - VPNI", que seria absorvida pelos reajustes futuros. 3. A Resolução TSE n. 19.882, de 1.7.97, determinou o pagamento da parcela aos servidores sem vínculo com a Administração. 4. A irredutibilidade de vencimentos dos servidores, prevista no art. 37, XV, da Constituição do Brasil, aplica-se também àqueles que não possuem vínculo com a Administração Pública. 5. Segurança concedida.” (MS 24580, Rel. Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, DJe 23.11.2007, grifos nossos) “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. 1. GRATIFICAÇÃO DE NÍVEL SUPERIOR. REDUÇÃO DE VENCIMENTOS. IMPOSSIBILIDADE DA ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO LOCAL E DO REEXAME DAS PROVAS. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 279 E 280 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 2. IRREDUTIBILIDADE DE VENCIMENTOS: APLICAÇÃO TAMBÉM AOS SERVIDORES QUE EXERCEM CARGO EM COMISSÃO. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.” (RE 599411 AgR, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, DJe 20.11.2009, grifos nossos) Por outro lado, a ordem constitucional preconiza como primeira solução a ser adotada em caso de descontrole no limite de gastos com pessoal a “redução em pelo menos vinte por cento das despesas com cargos em comissão e funções de confiança,” nos termos do inciso I do §3º do art. 169 da Constituição. Por isso, dou procedência ao pedido tão somente para declarar parcialmente a inconstitucionalidade sem redução de texto do art. 23, §1º, da LRF, de modo a obstar interpretação segundo a qual é possível reduzir valores de função ou cargo que estiver provido. Quanto ao §2º do art. 23 da LRF, declaro a inconstitucionalidade do dispositivo, ratificando a medida cautelar nesse ponto.”

O legislador não se achava legitimado pela Constituição Federal para disciplinar a matéria desse modo, tendo em vista que tal disciplina encontra óbice no princípio da irredutibilidade da remuneração dos servidores público.

A limitação das despesas com pessoal na Administração Pública é matéria Constitucional (artigo 169) regulamentada pela Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000), que estabelece os limites máximos de comprometimento da Receita Corrente Líquida com gastos dessa natureza (artigos 19, 20, 70 e 71)

Pela LRF, o limite de gastos com pessoal da União é de 50% das receitas. Para os estados e municípios, o percentual é 60%. A lei estipula que os gastos com pessoal nos estados não podem superar 60% da receita corrente líquida. Desse valor, o Legislativo estadual, incluído o Tribunal de Contas, pode gastar 3% com pessoal, o Judiciário, 6%, o Ministério Público, 2%, e o Executivo, os 49% restantes.

É inconstitucional a possibilidade de corte nos vencimentos de servidores para equilibrar a conta dos estados. A ineficiência do gestor poderia ser resolvida, de acordo com a norma, com a redução de remuneração de cargos e funções. Uma solução que tem um apelo de imediatidade de eficiência, mas que fere o Artigo 37 da Constituição, quando ele diz que subsídios e vencimentos são irredutíveis.

Em sede da ADI 2.238 – 5, o Supremo Tribunal Federal deferiu a suspensão da eficácia do § 1º do artigo 23 da Lei de Responsabilidade Fiscal quanto a expressão “quanto pela redução dos valores a ela atribuídos” e foi suspenso por inteiro o teor do § 2º do mesmo artigo.

Foi suspenso liminarmente, por força da citada ADI, o parágrafo 2º do artigo 23:

“Art. 23. Se a despesa total com pessoal, do Poder ou órgão referido no art. 20, ultrapassar os limites definidos no mesmo artigo, sem prejuízo das medidas previstas no art. 22, o percentual excedente terá de ser eliminado nos dois quadrimestres seguintes, sendo pelo menos um terço no primeiro, adotando-se, entre outras, as providências previstas nos §§ 3º e 4º do art. 169 da Constituição.

(…)

§ 2º É facultada a redução temporária da jornada de trabalho com adequação dos vencimentos à nova carga horária.

A suspensão da eficácia dos dispositivos está intrinsecamente relacionada ao Direito Social, constitucionalmente assegurado, que fixa a irredutibilidade salarial, ou seja, a vedação à redução dos vencimentos percebidos.

O princípio da irredutibilidade de vencimentos está amparado na Carta Magna pelo 37, XV destinando-se a todos os segmentos de servidores públicos.

Cuida-se de garantia assegurada aos trabalhadores, inclusive aos agentes públicos, imposta pelo legislador Constituinte, no intuito de resguardar os salários, não permitindo que o empregador ou o administrador público os manipulem a seu bel prazer, sob qualquer argumento, até mesmo o da contenção de gastos com o funcionalismo.

Surge agora a gravíssima crise com relação aos efeitos do coronavírus.

A pandemia atingiu em cheio as atividades do setor privado e do setor público exigindo o isolamento de pessoas e a diminuição do acesso às repartições.

Qualquer medida que tenha como norte, neste momento, a redução de salários é precipitada e potencialmente nociva ao trabalhador. Alternativas válidas, constitucionalmente falando, podem passar por ideias como a flexibilização de banco de horas para permitir a reposição daquelas não trabalhadas por um período especial. É viável, ainda, a alternativa de férias coletivas. Várias outras medidas como a prestação de trabalho de forma virtual, tão possível e necessária, inclusive para esses momentos, são soluções para tão difícil hora.

As Cassandras do pensamento neoliberal, com o objetivo de demonizar o serviço público, já querem diante das medidas inconstitucionais traçadas pelo governo de diminuição de salários, fazer o mesmo com relação ao servidor público, quando a Constituição assim proíbe. Alegam os Estados-membros e os Municípios deverão solicitar auxílio à União Federal, diante da crise, e que seria necessário o necessário balizamento para tal, uma vez que os recursos são escassos para isso, e essas unidades federativas, em sua maioria, disponibilizam pesadas quantias para pagamento da folha dos aposentados e pensionistas.

Seria uma forma transversal de driblar a proibição constitucional.

De toda sorte, merecerá, se assim for, tal iniciativa taxada de inconstitucional ser devidamente arquivada.

Como direito adquirido trata-se de garantia constitucional que se inclui entre as chamadas cláusulas pétreas.

A proteção ao direito adquirido foi incluída pela Constituição democrática de 1988 no elenco dos direitos fundamentais ( art. 5º, XXXVI - "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada), com a vedação da reatroatividade das leis em prejuízo das situações jurídicas consolidadas e preexistentes à edição e vigência do ato legislativo. Essa proibição firmou-se como tradição entre nós desde a Constituição Republicana de 1891, ao dispor, no art. 11, que à União e aos Estados é vedado "prescrever leis retroativas". Trata-se de exigência da segurança jurídica alçada em garantia supralegal pelos mais respeitáveis diplomas constitucionais e pelas declarações de direitos humanos da era moderna e contemporânea.

É sabido que Carlo Gabba (Teoria della retroattivitá della legge, 3ª edição, volume I, pág. 191) fundamenta o princípio da irretroatividade das leis no respeito aos direitos adquiridos. Define-o como sendo todo o direito que é consequência de um fato apto a produzi-lo em virtude da lei do tempo em que foi o fato realizado, embora a ocasião de o fazer valer não se tenha apresentado antes da vigência de uma lei nova sobre o assunto e que, nos termos da lei sob a qual ocorreu o fato de que se originou, entrou imediatamente a fazer parte do patrimônio de quem o adquiriu.

Reynaldo Porchat (obra citada, pág. 11 e seguintes) lembra definições: direito adquirido é o que entrou em nosso domínio e não pode ser retirado por aquele de quem o adquirimos.

Para Bergman, citado por Reynaldo Porchat, é o direito adquirido de modo irrevogável, segundo a lei do tempo, em virtude de fatos concretos.

É certo que Paulo de Lacerda (Manual do Código Civil Brasileiro, vol. I, 1ª parte, pág. 115 a 214) obtemperou, ao aduzir que na definição de Gabba se encontra apenas defeito de redação uma vez que segundo ele, o patrimônio individual, mencionado na definição geral de direito adquirido, não há razão para ser entendido unicamente em sentido econômico, sendo a condição jurídica do indivíduo composta não só de direitos econômicos, mas de atributos e qualidades úteis pessoais de estado e de capacidade.

Na lição de Limongi França (A irretroatividade das leis e o direito adquirido, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1982, pág. 204), o direito adquirido é a consequência de uma lei, por via direta ou por intermédio de fato idôneo; consequência que, tendo passado a integrar o patrimônio material ou moral do sujeito, não se fez valer antes da vigência da lei nova sobre o mesmo objeto.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

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