Uma crítica construtiva:
Há, porém, um ponto que passou despercebido pelo legislador e pode importar em situação processual relevante.
É esse o fato de que, ao se julgar improcedente o pedido do autor, o réu não saberá desse acontecimento se não houver recurso por parte do autor, o que se mostra inviável.
Porém, o réu tem, sim, interesse em saber se houve tal julgamento, pois, caso o autor repita a demanda em outro Juízo – cujo magistrado não tenha a mesma posição que aquele que anteriormente apreciou o outro processo –, não terá esse réu como alegar a preliminar da coisa julgada (art. 301, VI do CPC).
Esse fato é relevante, pois importa em evitar a indevida repetição de ações, cuidado esse que se deve ter sempre em mente.
Nunca há que se descurar da orientação de que "o processo não pode ser manipulado para viabilizar o abuso de direito, pois essa é uma idéia que se revela frontalmente contrária ao dever de probidade que se impõe à observância das partes... O ordenamento jurídico brasileiro repele práticas incompatíveis com o postulado ético-jurídico da lealdade processual. O processo, em sua expressão instrumental, deve ser visto como um importante meio destinado a viabilizar o acesso à ordem jurídica justa, achando-se impregnado, por isso mesmo, de valores básicos que lhe ressaltam os fins eminentes a que se acha vinculado" [11].
Há, então, que se perquirir como se pode resolver a situação, sem que se fira a intenção da lei, que foi o de evitar a citação do réu fora da hipótese de recurso, o que deve ser prestigiado. A proposta que ora se posta é simples e não iria ferir o fanal acima apontado.
Bastaria que, com o trânsito em julgado, o réu fosse apenas intimado para ciência de que o processo existiu e que a relação jurídica já foi resolvida com mérito, situação essa que não é totalmente estranha no processo civil pátrio.
Para tanto, é suficiente relembrar os termos do art. 59, §2º da Lei de Locações (Lei nº 8.245/91), o qual determina que, qualquer que seja a hipótese que finque pedido de despejo, há que se dar ciência desse pedido aos sublocatários, sem que tal importe em inclusão desses no pólo passivo da relação processual, pois a própria norma afirma que a finalidade dessa citação é a de possibilitar que esses possam vir intervir no processo como assistentes, lembrando sempre a orientação jurisprudencial e doutrinária que tal só se destina aos sublocatários legítimos. Firme é a orientação nesse sentido, asseverando que "o sublocatário legítimo, seja total ou parcial, terá de tomar ciência da ação, o que não se confunde com a citação. O sublocatário não é réu, pelo que não se justifica ser citado" [12].
Atente-se que, na situação acima indicada, o processo citado ainda tem curso e que, na proposta apresentada, esse processo já não mais estará em curso, o que diminui qualquer possibilidade de potencial dano ao réu.
Assim, estará se preservando a intenção do legislador, para que o réu não venha ao processo desnecessariamente, e, ao mesmo tempo, estará se preservando a eticidade processual, permitindo que o réu tenha ciência desse fato e possa opor essa defesa indireta se for futuramente demandado pelo mesmo fundamento.
Essa proposta pode ser adotada desde logo, pois embora não esteja prevista expressamente, não há vedação para que o magistrado assim proceda, pois ao juiz cabe conduzir o processo com vistas no art. 125 do CPC.
Note-se que o inciso II desse art. 125, que indica ser um poder-dever do juiz "velar pela rápida solução do litígio", deve ser concebido numa atitude macro-processual, com vistas endo-processual. Ou seja: não se deve pensar apenas naquele processo em que se esteja, mas na própria relação jurídica que se espraia para fora do limite físico, material, desse processo.
Nessa perspectiva, a rápida solução do litígio não é só do que ora se julga, mas também de todos os processos em geral e que com este possam interferir.
Conclusão:
Pode-se, por fim, afirmar que feliz foi o legislador em aprovar essa inovação legislativa, a qual vai ao encontro da orientação de "um processo simples, accessível e barato; um processo que se afaste do formalismo estéril e do dogmatismo acadêmico; um processo que assegure ao titular do direito subjetivo o que tal direito lhe confere e tudo aquilo que dele se deriva, segundo a técnica jurídica e de acordo com os ditames do bom senso e dos valores éticos predominantes; um processo de resultados, que supere com presteza todos os entraves a uma rápida solução do litígio; enfim um processo que transforme o programa do devido processo legal no sonho do processo justo." [13].
É bem verdade que esse arquétipo do "processo justo" não é um sonho estanque. Ao contrário, é um sonho sempre em movimento, cujo dinamismo se faz necessário como meio de acompanhar e satisfazer a constante mudança da sociedade.
É nesse espectro que se entende como válida a nova regra processual, seja pelo viés da sua conformação ao ordenamento jurídico, seja por sua real utilidade prática para as partes e para o sistema processual como um todo.
Não podemos nos afastar da trilha de que, "mais uma vez, e agora no território da democracia política, o direito, seus procedimentos e instituições passam a ser mobilizados em favor da agregação e da solidarização social, como campo de exercício de uma pedagogia para o civismo." [14]
Notas
01
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Mauro. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988. p. 20/21.02
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, vol. I. 2ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002. p. 213/214.03
CÂMARA, Alexandre de Freitas. Lições de direito processual civil, vol. II, 7ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 60.04
GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo curso de direito processual civil, vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 30105
CÂMARA, Alexandre de Freitas. Lições de direito processual civil, vol. I, 9ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 32206
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processo civil, vol. III, 30ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 42007
MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do procedimento, 22ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p.2708
SANTOS, Ernani Fidélis dos. Manual de direito processual civil, vol. 1, 6 ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 26009
Superior Tribunal de Justiça. 4ª Turma. Resp. 184599/ES. Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira.10
Superior Tribunal de Justiça. 4ª Turma. Resp. 73536/MG. Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira.11
Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. Rcl-AgR-QO 1723 / CE. Rel. Min. Celso de Mello12
SOUZA, Sylvio Capanema de. Da locação do imóvel urbano: direito e processo. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 42213
THEODORO JUNIOR, Humberto. O novo processo civil brasileiro: no liminar do novo século, 2ª ed.. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 4114
VIANNA, Luiz Werneck et al. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999. p. 153.