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A divergência doutrinária e jurisprudencial sobre o prazo prescricional nas ações indenizatórias decorrentes de desapropriação indireta

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Agenda 27/03/2020 às 20:58

3. CONCLUSÃO

A possibilidade do Poder Público tomar a propriedade de terceiros sem a observância de qualquer procedimento prévio, simplesmente apossando do bem, é uma conduta totalmente incoerente com o Estado Democrático de Direito, notadamente, quando a própria Constituição Federal estabelece a propriedade como direito fundamental e estabelece regras para que possa haver a desapropriação.

A par da consideração, em situações como essa, o Poder Público deveria ser obrigado à restituição imediata do bem e, de forma concomitante, o gestor deveria ser responsabilizado pela ilicitude, inclusive, por improbidade administrativa por não observância da Constituição Federal e da legislação infraconstitucional que tratam do procedimento da desapropriação, acarretando, no mínimo, malferimento dos princípios que regem a Administração Pública.

Ocorre que há situações concretas em que a propriedade apossada pelo Poder Público acaba por incorporar ao patrimônio público, a exemplo, da conclusão de obra pública ou implantação de serviço público, o que dificulta o retorno ao status quo com a restituição da propriedade ao anterior proprietário e, por tal razão, na doutrina e na jurisprudência formatou-se o que se denomina de desapropriação indireta, permitindo ao proprietário prejudicado exigir o pagamento de indenização na impossibilidade de restituição do bem.

Da possibilidade de postular indenização nos casos de desapropriação indireta, há tempos doutrina e jurisprudência diverge sobre o prazo prescricional para o ajuizamento da ação respectiva, o que vai decorrer, inclusive, da natureza pessoal ou real da pretensão.

Para aqueles que defendem a natureza de direito pessoal, o prazo prescricional para o ajuizamento da ação indenizatória seria de 05 (cinco) anos com fundamento no art. 1º do Decreto nº. 20.910/32 ou de 03 (três) anos para aqueles que defendem a aplicação do art. 206, §3º, V da Lei nº 10.406/02 (Código Civil).

Já para aqueles que advogam ser a referida ação de natureza real, o prazo prescricional seria o mesmo da usucapião extraordinária, sob o argumento de que não existiria um prazo específico para o ajuizamento dessa ação e, dessa forma, permitiria ao prejudicado acionar o Estado enquanto não ultrapassado o prazo para a aquisição via usucapião, entendimento este que foi consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça com a publicação da súmula nº 119 publicado nos idos de 1994.

Ocorre que o Código Civil de 2002 alterou o prazo da usucapião extraordinária que passou a ser, como regra, de 15 (quinze) anos, salvo se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo, exceções em que o prazo é de 10 (dez) anos.

O entendimento prevalecente na jurisprudência é pela aplicação do prazo de 10 (dez) anos, todavia, entendemos mais coerente à divergência aberta pela 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao entendimento de as exceções contidas no parágrafo no art. 1.238. do CC/02 são direcionados ao particular, não se aplicando ao Poder Público.

Em outro viés, o instituto da desapropriação indireta não deveria nem existir diante do Estado Democrático de Direito por se tratar de uma conduta ilícita praticada pelo Poder Público em frontal inobservância da Constituição Federal, violando uma das bases de nosso ordenamento jurídico, no qual o Poder Público, também, deve obediência às normas por ele editadas, todavia, não há como desprezarmos toda uma construção doutrinária e jurisprudencial sobre o instituto, demonstrando, em linhas acima, a dificuldade de consenso quanto ao prazo prescricional aplicável às ações indenizatórias nos casos em que ocorre o apossamento do bem particular pelo Poder Público.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo . 33ª Ed. Atlas: São Paulo. 2019.

CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de Direito Administrativo. Parte Geral, Intervenção do Estado na Propriedade e Estrutura da Administração. Ed. Juspodivm. 2008

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FARIAS, Cristiano Chaves e ROOSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 2ª Ed. Lumen Juris: Rio de Janeiro. 2008.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo . 3ª Ed. Saraiva: São Paulo. 2008.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 18ª Ed. Saraiva: São Paulo, 2014.

MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo . 10ª Ed. Saraiva: São Paulo. 2016.

MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo . 6ª Ed. Saraiva: São Paulo. 2016.


Notas

1 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo . 3ª Ed. Saraiva: São Paulo. 2008. pág. 528.

2 FARIAS, Cristiano Chaves e ROOSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 2ª Ed. Lumen Juris: Rio de Janeiro. 2008.p. 126.

3 APELAÇÃO CÍVEL. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. BEM IMÓVEL DECLARADO DE UTILIDADE PÚBLICA. DECRETO EXPROPRIATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE DE CONVERSÃO EM AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO. PROCEDIMENTOS DISTINTOS. JULGAMENTO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. SENTENÇA MANTIDA. 1. Ação de Reintegração de Posse não pode ser convertida no rito expropriatório disposto no Decreto nº 3.365, de 1941, por se tratarem de procedimentos distintos, notadamente quando o imóvel esbulhado pela Administração Pública já fora declarado como de utilidade pública para fins de desapropriação. 2. Concluída ou reconhecida a utilidade ou interesse público de área privada, o particular não mais poderá reaver a sua propriedade, em razão do princípio da finalidade, não havendo como retornar ao status quo ante, devendo o caso resolver-se em perdas e danos. 3. Sentença mantida. (TJMG – Apelação Cível nº 1.0105.11.001142-3/001 - 7ª CÂMARA CÍVEL – Rel. Des. WASHINGTON FERREIRA, DJ 04/10/11) GRIFO NOSSO

4 Referida ADI nº 2.260/01 foi extinta por perda superveniente do objeto (DP 02/06/2004), entendendo o Ministro Relator que houve alteração substancial do dispositivo impugnado sem que houvesse o necessário aditamento da inicial.

5 Em outra passagem do texto, houve a transcrição do entendimento de Cristiano Chaves Farias e Nelson Roonsevald, os quais defendem que o prazo prescricional nas ações indenizatórias contra o Poder Público seria de 03 (três) anos com base no Código Civil de 2002, registrando que foi utilizada obra com edição anterior a 2012, ano este em que o Superior Tribunal de Justiça pacificou o tema quanto ao prazo prescricional de 05 (cinco) anos, entendendo pela aplicação do art. 1º do Decreto nº 20.91/32, por se tratar de norma especial em relação à Lei nº 10.406/02 (Código Civil).

6 Súmula 119 – A ação de desapropriação indireta prescreve em vinte anos. (STJ - DJ 16/11/1994)

7 MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo . 10ª Ed. Saraiva: São Paulo. 2016. p. 943/944.

8 MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo . 6ª Ed. Saraiva: São Paulo. 2016. p. 818

9 STJ - AgRg no Ag 1220426/RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 24/05/2011, DJe 27/05/2011;

10 STJ - AgInt nos EAREsp 815.431/RS, Relator Ministro Felix Fischer, Corte Especial, DJe 27/10/2017;

11 No AgInt no AREsp 973.683/RS (STJ, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/08/2017, DJe 28/08/2017), o Relator indica os seguintes julgados em que se decidiu pela aplicação do prazo de 10 (dez) anos: (STJ, AgRg no AREsp 815.431/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 11/02/2016; STJ, REsp 1.449.916/PB, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 19/04/2017; REsp 1.654.965/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 27/04/2017; AgInt no AREsp 1100607/SC, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/06/2017, DJe 30/06/2017).

Sobre o autor
Fabiano Batista Correa

Advogado, Professor de Direito Administrativo, Gestão Pública, Direito Constitucional e Direito Tributário

Informações sobre o texto

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