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O significado da batida do martelo do juiz e a compreensão da realidade do Direito

Agenda 12/03/2006 às 00:00

Introdução

Também chamado de malhete, o martelo do juiz é, juntamente com a deusa Thêmis e a balança da justiça comutativa, um dos mais fortes e conhecidos símbolos do direito e da justiça. Em franco desuso, perceptível é seu abandono nos gabinetes dos juízes das mais diversas competências, praticamente não sendo possível encontrar exemplares nos juízos cíveis, trabalhistas ou criminais. Porém, seu uso em outras instituições ainda é ostensivo, a exemplo da maçonaria e do Lions Clube, instituição filantrópica de origem alienígena.

Mas qual sua origem? E, principalmente, qual seu significado?

Não são poucas as hipóteses alusivas ao seu surgimento.

Alguns autores ligam-no à mitologia grega, como NAYLOR, para quem a figura do martelo liga-se à figura do deus Hefestos, conforme trecho de sua obra:

Sobre os antigos monumentos era esse deus representado pela figura de um operário musculoso, barbado, com a cabeleira pouco tratada, envolto numa ligeira túnica que não lhe chegava senão aos joelhos, trazendo na cabeça um barrete redondo e pontudo e tendo às mãos um martelo e uma tenaz. Se bem que, segundo a lenda, fosse coxo, os artistas suprimiam esse defeito. O mostravam apenas sensível: assim é ele representado de pé sem nenhuma deformidade aparente. Algumas vezes se lhe põe junto um leão, cujo rugido invoca o ronco surdo dos vulcões.

Os sacrifícios que se ofereciam a Hefestos eram principalmente holocaustos: a vítima toda inteira era consumida pelo fogo.Suas festas se realizavam no mês de Agosto, no momento da canícula (no hemisfério norte é verão) [01].

Outra corrente vincula a figura do martelo ao antigo cajado utilizado pelos sacerdotes judeus e cristãos, que, quando presidindo os cultos ou reuniões públicas, o utilizavam para chamar a atenção da assembléia. Para tais, o martelo assumiu o lugar do cajado, pois, fruto do desenvolvimento tecnológico, possui igualmente a capacidade de ressoar, produzindo ruidosos sons.

Neste artigo, analisando a realidade do direito e o fenômeno de subsunção da norma ao fato e sua produção de concretos efeitos invadindo o mundo naturalístico, proporemos um novo significado para o uso deste instrumento. Não se trata de advogar pelo retorno da ruidosa ferramenta. Trata-se, porém, de utilizar este poderoso símbolo do direito para auxiliar a compreensão da realidade de nossa ciência e seu objeto de estudo fundamental: a norma jurídica.


A realidade do direito positivo

O problema da realidade do direito e sua compreensão se erguem como a pedra angular de nossa ciência. É o primeiro problema com o qual se deparam os acadêmicos nos primeiros anos da graduação, nem sempre superado a contento.

Ao longo dos séculos precedentes, inúmeras escolas de pensamento permearam as discussões a respeito da realidade ôntica do direito, sempre se impondo a pergunta: o que é o direito?

Para dar resposta à indagação acima, inúmeras correntes do pensamento jurídico se instituíram, apontando para seis direções fundamentais [02]: racionalismo metafísico ou jusnaturalista; empirismo exegético; historicismo casuístico; sociologismo eclético; racionalismo dogmático e egologia existencial.

A despeito das considerações feitas pelas citadas escolas, afigura-se-nos claro que, em se tratando do direito, necessária a distinção entre dois aspectos desta disciplina: o direito positivo e a ciência do direito. Ambos erguem-se como sistemas, porém indicando realidades distintas. CARVALHO afirma a distinção entre a ciência do direito e o direito positivo, afirmando que

São dois mundos que não se confundem, apresentando peculiaridades tais que nos levam a uma consideração própria e exclusiva. São dois corpos de linguagem, dois discursos lingüísticos, cada qual portador de um tipo de organização lógica e de funções semânticas e pragmáticas diversas. [03]

Ainda PAULO DE BARROS CARVALHO [04] nos chama a atenção para a existência de dois tipos de sistemas: os reais ou empíricos e os proposicionais. Aqueles são constituídos pelos objetos do mundo físico, enquanto estes, por proposições.

Os sistemas reais dirigem-se à descrição da realidade, tanto natural como social, atinentes àquilo que pode ser apreendido pela percepção humana enquanto objetos de existência concreta. A ciência do direito pertence ao conjunto dos sistemas ditos reais, posto que sua finalidade é descrever a estrutura do direito, as inter-relações de seus elementos e os postulados lógicos que governam a interação das várias unidades do sistema de modo a produzir o que chamamos de direito.

Já os sistemas proposicionais são constituídos pelo conjunto dos objetos abstratos modelados pela racionalidade humana, tais como a Gramática, na Lingüística, a Teoria da Relatividade, na Física e o conjunto de Normas Jurídicas, no Direito Positivo. No sistema proposicional, encontram-se os subsistemas prescritivos, de peculiar interesse neste trabalho, conforme se verá em seu desenvolvimento. De ressaltar-se, também, que o sistema de direito positivo é um sistema do tipo proposicional prescritivo.

Com efeito, o Direito Positivo "é o conjunto de normas estabelecidas pelo poder político que se impõem e regulam a vida social de um dado povo em determinada época" [05]. Em nosso país, coexistem quatro sistemas de direito positivo: a) o sistema nacional; b) o sistema federal; c) os sistemas estaduais ; d) e os sistemas municipais [06]; cada um destes constituído por um plexo de normas, tendo como ponto de apoio a Constituição Federal, as Constituições Estaduais e as Leis Orgânicas Municipais. Cada um destes sistemas têm, como ponto de apoio, normas de superior hierarquia na pirâmide normativa de KELSEN. Cada norma possui fundamento de validade numa outra, de hierarquia mais alta, a sua norma fundamental.

O festejado autor propõe ainda um axioma, como fundamento de validade das normas Constitucionais, de mais alta hierarquia, teorizando a existência de uma norma máxima fictícia, a norma hipotética fundamental [07].


A norma jurídica como realidade do direito positivo

As normas jurídicas são objeto de acurado estudo de inúmeros pensadores. Entre estes, especialmente destacamos KELSEN e REALE.

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HANS KELSEN, procurando decantar o direito, distinguindo-o de todas os demais ramos do conhecimento, produziu obra de inenarrável estatura, intitulada Teoria Pura do Direito [08].

Em suas próprias palavras, o pensador destacou que:

Quando a si própria se designa como ‘pura’ teoria do Direito, isto significa que ela se propõe garantir um conhecimento apenas dirigido ao Direito e excluir deste conhecimento tudo quanto não pertença ao seu objeto, tudo quanto não se possa, rigorosamente, determinar como Direito. Quer isto dizer que ela pretende libertar a ciência do jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos [09].

KELSEN, assim, procurou delimitar o Direito à sua unidade essencial: a norma jurídica.

Remontando às raízes, temos que o Direito objetiva conformar a vida em sociedade. É, pois, mais uma ferramenta tecnológica a serviço do homem na consecução de seus objetivos. Tais objetivos, relacionados ao Direito, dizem respeito à determinação da conduta humana, fruto de sua vontade.

Em determinado momento, movido pelo ciúme, Caim matou Abel. Viu-se que o resultado morte de Abel, exteriorização da vontade de Caim era mau. Deveria ser coibido. Assim, os atos valorados como maus, frutos da vontade desviada do homem, deveriam ser controlados. Nutriente repetir que o homem exterioriza sua vontade enquanto sujeito consciente e cognoscente através do ato. O ato permite a interpenetração do abstrato (vontade) no concreto. É a palavra em sua concretude. A unidade básica e componente da interação do homem com outro homem é a conduta humana, exteriorizada por atos.

O Direito, como mola mestra de uma complexa engenharia social, objetiva organizar a vida do homem em sociedade determinando os atos que estes devam praticar e os atos dos quais devam se abster. O homicídio, por exemplo, não deve ser praticado. Mas, como conseguir o Direito a determinação da prática de alguns atos e a abstenção de outros?

Consegue-se tal intento através da prescrição das condutas socialmente aceitas. KELSEN assim sintetiza esta possibilidade ao enunciar:

Na verdade, o Direito, que constitui objeto deste conhecimento, é uma ordem normativa da conduta humana, ou seja, um sistema de normas que regulam o comportamento humano. Com o termo ‘norma’ se quer significar que algo deve ser ou acontecer, especialmente que um homem se deve conduzir de determinada maneira. É este o sentido que possuem determinados atos humanos que se dirigem intencionalmente à conduta de outrem [10].

Porém, não basta que se prescrevam simplesmente as condutas aceitas. É necessário adicionar-se um elemento a esta prescrição para que se possa obter a efetividade esperada consistente na coibição da prática dos atos não socialmente aceitos.

Os atos humanos, referenciados no tempo e no espaço consubstanciam os fatos. Tais fatos estão no domínio do ser. Eles simplesmente acontecem, são. Porém, diante da ocorrência de fatos que, valorados pela sociedade humana, não são queridos por esta, surge a necessidade de determinar quais fatos são permitidos e quais são proibidos. Impende-se dirigir a conduta humana!

A conduta prescrita, ou seja, a que se declara como querida pela comunidade, situa-se no domínio do dever-ser. É o que deve ser. Para KELSEN nítida a distinção entre ser e dever ser:

A distinção entre ser e dever-ser não pode ser mais aprofundada. É um dado imediato da nossa consciência. Ninguém pode negar o enunciado: tal coisa é – ou seja, o enunciado através do qual descrevemos um ser fático – se distingue essencialmente do enunciado: algo deve ser – com o qual descrevemos uma norma – e que da circunstância de algo ser não se segue que algo deva ser, assim como da circunstância de que algo deve ser se não segue que algo seja [11].

E como conseguir que ocorra a observância das condutas desejadas, prescritas?

A resposta do direito, de tempos imemoriais até nossa era é apenas uma: através da utilização da violência, prevista na possibilidade de aplicação de uma sanção [12].

Pois bem, a sanção prevista na norma é a ferramenta utilizada pelo direito para o implemento do dever-ser. Dessa assertiva depreende-se talvez a característica mais marcante da norma jurídica: o autorizamento, acerca do qual trataremos logo adiante.

Assim, o mecanismo planejado pelo Direito para a consecução de seus objetivos, a organização da sociedade, deve, em tese, prever os fatos indesejados e prescrever a conseqüência: a sanção [13].

Então, para que se atinja a eficácia da proposição dever-ser e se atinja o fim colimado, qual seja, a prática de determinadas condutas consideradas lícitas e a abstenção da prática de determinadas condutas consideradas ilícitas, criou-se o mecanismo da norma jurídica que enceta, em si, a possibilidade de coação.

Tal mecanismo, de acordo com a estrutura Kelseniana refinada pelos inúmeros pensadores que o sucederam, pode ser representada da seguinte forma:

Se F é, deve ser P;

Se -P, deverá ser SP

Traduzindo-se o modelo acima temos que a ocorrência de um fato (F), fruto da conduta humana, acarreta o dever de efetuar uma prestação (P). Esta é a norma primária ou ENDONORMA.

O descumprimento da norma primária (não prestação ou –P) acarreta a necessidade de aplicação de uma sanção (SP). Esta é a norma secundária ou PERINORMA.

Assim, resumidamente as normas podem ser entendidas como a hipótese, que descreve o fato e o conseqüente, que prescreve a prestação. Então temos:

Hipótese ð Conseqüente

Ou,

Descritor ð Prescritor

Como exemplo, podemos trazer à colação as normas relativas à responsabilidade civil extracontratual, previstas no Código Civil [14], que resumidamente prescrevem:

Aquele que praticar ato ilícito e causar dano ð Deverá indenizar

REALE contribui significativamente para a teoria normativista de KELSEN, observando que, entre o fato descrito e a conduta prescrita pela norma situa-se uma medida de valor axiológica. Em outros termos, a norma é a medida entre o fato e o valor. Nas palavras de REALE:

a norma é, por assim dizer, uma ponte elástica e flexível entre o complexo fático axiológico, que condicionou sua gênese, e os complexos fáticos axiológicos a que visa atender, no desenrolar do processo histórico. [15]

Assim, REALE indica a realidade do Direito calcada no fato (sociológico), no valor (axiológico, portanto, filosófico) que confere determinada significação a esse fato, inclinando ou determinando a ação dos homens no sentido de atingir ou preservar certa finalidade ou objetivo, e, finalmente, uma regra ou norma, que representa a relação ou medida que integra aquele elemento ao outro, o fato ao valor.


O direito positivo e Matrix

O direito positivo, como sistema proposicional prescritivo, erige-se como um sistema de normas jurídicas destinadas a prescrever a conduta dos indivíduos objetivando conformá-las à prática do socialmente aceito. E como tal, o direito é um sistema abstrato, fruto da racionalidade humana vertido em linguagem.

Queremos com isto dizer que o Direito se ergue acima de nossas cabeças como um mundo paralelo ao mundo real dos objetos corpóreos.

Tal mundo paralelo, diferentemente do mundo real constituído pela matéria, possui como substrato a linguagem. Com efeito, as normas jurídicas, células do direito positivo, são enunciadas com o uso de símbolos, característicos da linguagem.

Maria Helena Diniz evidencia este fato ao asseverar que "a ciência jurídica encontra na linguagem a sua possibilidade de existir" [16]. Isto porque a única possibilidade de transmitirmos a outrem um enunciado prescritivo é através da linguagem, falada, escrita ou dos símbolos.

Assim, por exemplo, se quisermos informar a alguém a necessidade de parar, com seu automóvel, em um cruzamento, o faremos através de uma placa indicativa da ação de parar. Se quisermos indicar a alguém a possibilidade de aplicação de uma sanção pela prática do homicídio, o faremos através da palavra escrita.

Este universo paralelo do direito paira sobre nossas cabeças e já foi representado das mais diversas formas possíveis. PONTES DE MIRANDA referia-se ao "mundo dos pensamentos" ao enunciar sua teoria da incidência automática e infalível da norma:

A incidência da lei, pois que se passa no mundo dos pensamentos e nele tem de ser atendida, opera-se no lugar, tempo e outros ‘pontos’ do mundo, em que tenha de ocorrer, segundo as regras jurídicas. É, portanto, infalível. Tal o jurídico, em sua especificidade, frente aos outros processos sociais de adaptação. A incidência ocorre para todos, posto que não a todos interesse: os interessados é que têm de proceder, após ela, atendendo-a, isto é, pautando de tal maneira a sua conduta que essa criação humana, essencial à evolução do homem e à sua permanência em sociedade, continue de existir. [17]

Mais recentemente, uma trilogia cinematográfica que recebeu o nome de MATRIX, dos irmãos Andy e Larry Wachowski, nos forneceu mais uma fonte de inspiração para a representação do Direito.

Nesta obra, Neo, personagem representado pelo ator Keanu Reeves, liberta-se de seu casulo no qual permanecia preso fornecendo energia a um sistema inteligente central, o MATRIX. Neste mesmo casulo, o personagem encontra-se conectado por cabos ao sistema central de modo a interagir com este imerso na ilusão da existência de um mundo real, enquanto seu cérebro e corpo eram usados para produzir energia. O mundo ilusório de MATRIX coexiste com a realidade física dos objetos corpóreos, distinguindo-se completamente por representar a realidade tal qual a conhecemos, compondo-a com objetos imagéticos existentes somente no mundo da simbologia binária dos circuitos eletrônicos de computadores.

Da mesma maneira, o direito positivo, mundo ilusório composto pelos objetos produzidos no processo de elaboração da norma jurídica coexiste separado do mundo real e corpóreo, chapado por PONTES DE MIRANDA de mundo do pensamento.

A comunicação entre o mundo físico e o mundo abstrato e lingüístico do Direito Positivo existe e se dá em duas vias: do mundo corpóreo para o mundo abstrato do direito e vice-versa.

Do mundo corpóreo para o "mundo do pensamento" fluem as normas jurídicas que se inscrevem no Direito Positivo através dos veículos introdutores de normas jurídicas, categoria muito bem explicitada por CARVALHO, que afirma:

(...) regra jurídica alguma ingressa no sistema de direito positivo sem que seja introduzida por outra norma, que chamaremos, daqui avante, de "veículo introdutor de normas" (...) as fontes do direito serão os acontecimentos do mundo social, juridicizados por regras do sistema e credenciados para produzir normas jurídicas que introduzam no ordenamento outras normas, gerais e abstratas, gerais e concretas, individuais e abstratas ou individuais e concretas [18].

Assim, existem normas de estrutura autorizadoras da produção normativa, como aquelas normas Constitucionais que disciplinam a edição de Leis Ordinárias, Leis Complementares, Emendas à Constituição e Medidas Provisórias. Fruto do trabalho legislativo, o documento escrito que contém a lei, devidamente aprovada pelo legislativo e sancionada pelo executivo, é o veículo que carregará a norma do mundo real (atos de produção legislativa realizados pelo legislador) para o mundo abstrato, o "mundo do pensamento", o mundo do Direito, o MATRIX. Outros veículos introdutores de normas jurídicas são conhecidos, como os atos administrativos tais como as portarias de abertura de inquérito, os autos de infração imposição de multa e as sentenças.

Da mesma maneira, a comunicação entre os dois aludidos mundos pode se dar na via contrária, do mundo abstrato para o mundo real. E isto ocorre no momento da aplicação da norma ao caso concreto, como veremos à seguir.


Conclusão: a aplicação da norma como significado da batida do martelo do juiz

A norma jurídica, como enunciado prescritivo, possui a descrição do fato e a prescrição da conseqüência, como visto alhures.

Ocorrendo um fato que contenha todos os requisitos previstos na norma, ocorrerá o fenômeno da subsunção, ou seja, a aplicação do prescritor da norma ao caso concreto.

Trazendo novamente à baila o exemplo da responsabilidade civil extracontratual veremos que, praticando alguém um ato ilícito, instituir-se-á uma relação obrigacional entre dois sujeitos, o ofendido ou vítima que sofreu o dano pela prática do ato e o agente ou ofensor que praticou o ilícito e causou dano. Daí a característica bilateral da norma jurídica.

Tal relação consubstancia-se no direito do ofendido de exigir o cumprimento de uma prestação prevista na norma, no exemplo, o dever de indenizar restituindo-se a situação prevista na norma, no exemplo, o dever de indenizar restituindo-se a situaçgue inquidamente aprovada pelo legislativo e sancio fática ao status quo ante. Esquemáticamente:

Relação Jurídica Obrigacional

Sa → O ← Sp

Onde:
          Sa = Sujeito Ativo
          O = Obrigação
          Sp = Sujeito Passivo

Exsurge que, pela ocorrência do fato previsto na norma, sujeita-se o ofensor ao dever de cumprir a prestação. Em nosso exemplo, a obrigação consubstancia-se no dever do sujeito passivo (ofensor) de entregar determinada quantia em dinheiro à titulo de reparação (retorno ao status quo ante) para o ofendido. E ao ofendido (sujeito ativo) outorga-se o direito de recorrer ao poder jurisdicional para que o Estado-Juiz declare seu direito de receber o objeto da prestação. Esta possibilidade de exigir o cumprimento da prestação dá à norma jurídica a sua característica de autorizamento, conforme enuncia MARIA HELENA DINIZ ao afirmar que "a norma jurídica autoriza que o lesado pela sua violação exija o seu cumprimento ou a reparação pelo mal causado" [19].

Submetido o litígio ao Estado-Juiz, sua tarefa será dizer a quem compete o direito. Di-lo-á de acordo com os preceitos contidos na norma jurídica. Como exemplo, ao declarar o Estado-Juiz o dever de indenizar por parte de quem praticou ato ilícito e causou dano, aplica-se o preceito normativo subsumindo-o ao caso concreto. Ocorre que tal comando judicial situa-se ainda no abstrato "mundo dos pensamentos", incapaz de realizar seus efeitos concretos "comunicando-se" com o mundo real.

A interpenetração da norma no mundo real dar-se-á quando o sujeito passivo da prestação negar-se a cumprir o comando judicial, hipótese em que se sujeitará à excussão forçada de seus bens para o cumprimento da obrigação. É o momento em que se dá a aplicação da norma secundária ou perinorma.

Somente quando, através do comando judicial o Estado-Juiz mobilizar se necessário o aparato estatal para excutir os bens do devedor utilizando a violência (sanção prevista na norma), se preciso, é que o preceito normativo irradiará seus efeitos no mundo corpóreo, viajando do abstrato para o real.

Nossa proposta é que a batida do martelo do juiz ao prolatar a sentença, percutindo na madeira e deslocando uma massa de ar causando ruído, represente justamente a atuação da norma no mundo real e concreto. É o abstrato, a idéia, invadindo o mundo da matéria.

No exemplo, o juiz, ao prolatar a sentença declarando que o agente praticou ato ilícito e que houve dano, determinará a aplicação da norma da responsabilidade civil extracontratual, cuja conseqüência concreta é a transferência de riqueza do ofensor para o ofendido a título de reparação. A batida do martelo, logo após a prolação da sentença, representaria, então, a transformação do mundo material (pelo deslocamento de ar e o conseqüente ruído) causada pela norma.

Utilizando tal representação, acreditamos que a compreensão do Direito como sistema proposicional prescritivo composto por construções lingüísticas abstratas – a norma jurídica - se torne mais palatável para a comunidade jurídica e, principalmente para nossos graduandos, desejosos que estão de perscrutar as vísceras desta nossa genial, complexa e apaixonante ciência.


BIBLIOGRAFIA

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. São Paulo:Saraiva, 2003

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo:Saraiva, 1999

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo:Saraiva, 1999

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo:Martins Fontes, 1999

MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado. Tomo I. 2. ed. Campinas : Bookseller, 2000

NAYLOR, Mário Guedes. Pequena Mythologia. Rio de Janeiro: F. Briguiet e Cia Editores. 1933

REALE, Miguel. Filosofia do direito. São Paulo:Saraiva, 1998

VENOSA, Sílvio de Salvo. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo:Atlas, 2004


Notas

01 NAYLOR, Mário Guedes. Pequena Mythologia. Rio de Janeiro: F. Briguiet e Cia Editores. 1933, p. 57

02 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo:Saraiva, 1999, p. 35

03 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. São Paulo:Saraiva, 2003, p.133

04 Ibidem, p. 1

05 DINIZ, op. cit. p. 243

06 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso op. cit., p.55

07 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo:Martins Fontes, 1999, p. 217

08 A posição Kelseneana sofre críticas, como as formuladas por VENOSA: "Embora Hans Kelsen tenha tentado demonstrar que há uma teoria pura do direito, livre de qualquer ideologia política, o quadro do dia-a-dia do Direito traduz outra realidade" (VENOSA, Sílvio de Salvo. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo:Atlas, 2004, p.27). Para nós, seguindo os novos postulados científicos, anuímos com a necessidade de tratamento holístico e sistêmico dos fenômenos por parte da ciência, abandonando a leitura positivista do mundo e crendo na necessidade de sua leitura sistêmica. Porém, assim como os engenheiros e arquitetos, cônscios da necessidade do estudo das variáveis sociológicas para a solução do problema da habitação não podem prescindir do uso das ferramentas matemáticas para o cálculo estrutural de suas edificações (construção positivista), os profissionais do direito não podem desconhecer a teoria pura do direito.

09 KELSEN, Hans. op. cit., p. 1

10Ibidem, p. 5

11 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo:Atlas, 1999, p. 6

12 A bem da verdade, acreditamos que existam outros mecanismos mais eficazes de evitar a prática do ilícito.

13 Importante salientar que as normas jurídicas podem ou não prever sanções. À respeito, Maria Helena Diniz classifica as normas jurídicas, quanto ao autorizamento em mais que perfeitas, perfeitas, menos que perfeitas e imperfeitas, estas últimas não prevendo qualquer sanção, consideradas por Goffredo Telles Jr. como não propriamente normas jurídicas. DINIZ, Maria Helena, op. cit. p. 377-378

14 Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
       Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

15 REALE, Miguel. Filosofia do direito. São Paulo:Saraiva, 1998, p. 564

16 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo:Saraiva, 1999, p. 169

17 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado. Tomo I. 2. ed. Campinas : Bookseller, 2000, p.62

18 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo:Saraiva, 2003, p. 46

19 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo:Saraiva, 1999, p. 372

Sobre o autor
Ivo Aguiar Lopes Borges

advogado em Cuiabá (MT), professor de Faculdade de Direito da Universidade de Cuiabá, pós-graduando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET), membro da Comissão de Estudos Tributários e de Defesa do Contribuinte da OAB/MT

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORGES, Ivo Aguiar Lopes. O significado da batida do martelo do juiz e a compreensão da realidade do Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 984, 12 mar. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8069. Acesso em: 25 nov. 2024.

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