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Coronavírus: Como ficam os contratos em shoppings centers

A Onerosidade excessiva e a teoria da imprevisão

A regra geral aplicada aos contratos é o da sua obrigatoriedade, ou seja, uma vez firmado pelas partes, não poderá ser modificado, a não ser que haja concordância de todos os seus signatários quanto a mudança do que foi ajustado. Essa regra é absolutamente essencial para que as relações sociais e empresariais se desenvolvam com estabilidade e previsibilidade, caso contrário a insegurança traria como consequência o caos social e inviabilizaria a atividade empresarial.

Essa regra, no entanto, comporta exceção que se dá justamente naqueles casos onde se verifica a ocorrência de algo inusitado, completamente surpreendente e que, por conta disso, faz com que o cumprimento do contrato acabe por não ser possível ou então gere a uma das partes um sacrifício desproporcional. Trata-se da denominada onerosidade excessiva.

Não se trata daquela situação previsível que pode vir a alterar o equilíbrio contratual, situação normal, especialmente no mundo dos negócios, onde o risco faz parte do ambiente empresarial. Trata-se de condição excepcional que não poderia ser antevista ao tempo em que o contrato foi firmado.

Nessas situações de anormalidade, que tragam como consequência a onerosidade excessiva a um dos contratantes, é que se admite seja pleiteado o reequilíbrio do ajuste contratual. Esse pleito deve, preferencialmente, ser encaminhado pelas partes numa negociação onde a boa fé e o bom senso devem prevalecer, trazendo para a relação contratual soluções que tragam de volta o equilíbrio que existia quando do surgimento da avença. Caso isso não seja possível, o prejudicado não tem outra opção senão buscar no Poder Judiciário a satisfação de seu direito, buscando por meio de uma ação revisional ou mesmo de um pedido de resolução (encerramento) contratual. Neste caso será um terceiro – o juiz – quem irá trazer uma solução para o impasse. Se o contrato estipular que eventual discussão deva ser decidida por meio de arbitragem, caberá então ao arbitro essa incumbência.

Diante do absoluto desequilíbrio advindo com a pandemia do Coronavirus enfrentado ao redor do mundo, fenômeno esse absolutamente imprevisível, que colheu o mundo todo de surpresa, resta evidente a necessidade da aplicação da teoria da imprevisão, fazendo com que as relações contratuais abaladas sejam reequilibradas, e na impossibilidade de seu reequilíbrio, sejam simplesmente desfeitas.

 A Locação predial urbana

A Lei do Inquilinato possibilita que, ordinariamente, tanto locador quanto locatário pleiteiem a revisão do valor do aluguel desde que ultrapassados ao menos 3 anos de contrato e sempre que se verifique que tal valor não condiz mais com aquele praticado pelo mercado. Não se trata aqui da aplicação da teoria da onerosidade excessiva. Ao contrário, como é previsível nesse período de tempo possam haver alterações nos valores locatícios é que o legislador previu essa possibilidade.

Ocorre que não existe na lei de locação a possibilidade de revisão diante de fatos inesperados e que tragam para uma das partes uma desproporção abrupta quanto a obrigação assumida contratualmente. Fácil perceber a possibilidade disso ocorrer quando se trata de locação de imóvel comercial. Naquela hipótese em que o empreendimento tiver que reduzir substancialmente sua atividade ou até mesmo fechar o estabelecimento por um período razoável de tempo, superior a 30 dias em decorrência da pandemia, não há dúvida que o pagamento de alugueres em período em que o imóvel, em decorrência de fato inesperado e alheio a vontade das partes, trará ao locatário uma onerosidade excessiva. Diante disso, razoável que locador e locatário encontrem uma medida adequada de redução do valor locatício, de forma a que essa onerosidade seja compartilhada entre ambos.

Caso esse consenso não seja possível, terá o locatário a sua disposição a via judicial, com o manejo de uma ação revisional fundada na teoria da imprevisão.

Locação em Shopping Center

Caso análogo a locação urbana é a situação relacionada com a locação de lojas em shopping centers. Essa relação é disciplinada igualmente pela lei do inquilinato, que estipula que prevalece as condições livremente pactuadas entre as partes, indicando então uma maior liberdade para a contratação em relação aos outros tipos de locação de imóvel urbano.

Lojista e empreendedor, portanto, estão livres para contratar da forma que melhor atenda a seus interesses. Aqui, no entanto, a teoria da imprevisão deve prevalecer e, em se tratando de pandemia que faz com que o shopping passe a ter uma redução drástica em sua frequência ou até mesmo diante de seu fechamento compulsório, a necessidade de repactuação dos encargos contratuais torna-se absolutamente necessária e um direito do lojista.

Em primeiro lugar deve-se registrar que, se mantido aberto do shopping, mas com frequência reduzida em decorrência da recomendação geral para que as pessoas mantenham-se em suas casas e evitem a frequência em local público, as lojas podem sofrer restrições diferentes a depender do ramo da atividade desenvolvida. Por exemplo, as farmácias e supermercados provavelmente serão menos afetados que as lojas de malas, as lojas de câmbio, cinemas e os restaurantes ou lanchonetes. Para cada loja, portanto, caberá uma análise específica quanto ao impacto que a crise causou ao negócio para se dimensionar a possibilidade de redução dos valores contratualmente estipulados.

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Por outro lado, em caso de fechamento do shopping, encontraremos uma situação equânime entre todos os lojistas que, diante disso, deverão ter um tratamento igualmente equânime.

Registre-se ainda que devemos separar os encargos contratuais entre aqueles que são relacionados com a ocupação propriamente dita com aqueles que tratam-se de custos variáveis imputados exclusivamente ao lojista. Os primeiros são o valor da locação, eventual taxa de condomínio, fundo de publicidade, etc. e os demais são as despesas com água, luz e demais facilidades que podem ser aquilatadas com precisão diante da utilização específica pelo lojista.

Os encargos contratuais relacionados com a ocupação deverão ser renegociados entre o empreendedor e o lojista, de forma a que esse ônus seja distribuído entre as partes na proporção de suas respectivas capacidades econômico-financeiras e exposição ao risco.

Quanto aos encargos contratuais relacionados com custos variáveis estes, obviamente, não poderão ser compartilhados, mas sim arcados exclusivamente pelo lojista.

Inicialmente o aconselhável é que empreendedor e lojista procurem encontrar uma fórmula adequada, de comum acordo, para se chegar a uma proporção justa de compartilhamento dos efeitos danosos trazidos pela pandemia. Caso esse ajuste não seja possível não haverá outra alternativa senão a busca do poder judiciário por aquele que se sinta prejudicado.

Sobre os autores
Gustavo Pires Ribeiro

Advogado e coordenador da Área Societária do Marins Bertoldi Advogado

Marcelo Marco Bertoldi

Sócio da Área de Direito Corporativo do Marins Bertoldi Advogados

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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