Ocorre autoria mediata quando o autor domina a vontade alheia e, desse modo, se serve de outra pessoa que atua como instrumento (atribui-se esse conceito a Stübel, 1828). Exemplo: médico quer matar inimigo que está hospitalizado e se serve da enfermeira para ministrar injeção letal no paciente.
As características fundamentais da autoria mediata, portanto, são as seguintes: a) nela há uma pluralidade de pessoas, mas não co-autoria nem participação (ou seja, não há concurso de pessoas); b) o executor (agente instrumento) é instrumentalizado, ou seja, é utilizado como instrumento pelo autor mediato; c) o autor mediato tem o domínio do fato; d) o autor mediato domina a vontade do executor material do fato; e) o autor mediato, chamado "homem de trás" (pessoa de trás ou que está atrás), não realiza o fato pessoalmente (nem direta nem indiretamente).
Hipóteses de autoria mediata
Ocorre autoria mediata:
1ª) quando o agente instrumento (agente imediato ou executor material) atua sem dolo: o médico se vale da enfermeira para, mediante injeção, executar para ele o delito de homicídio contra seu inimigo que está hospitalizado; o homicida utiliza o carteiro para entregar para a vítima a correspondência contendo antraz ou uma bomba; o comerciante utiliza a empregada para colocar arsênico na alimentação do empregador etc.
Em todas essas situações o responsável único pelo delito é o autor mediato (o agente de trás), visto que o executor material atua sem ter consciência da realidade, ou seja, atua sem dolo, por erro ou ignorância (da situação fática). Quem determina o erro responde por ele (CP, art. 20, § 2º, do CP).
E se o agente imediato (executor) também atua com dolo (caso da enfermeira que percebe que se trata de substância letal e passa a agir dolosamente)? A enfermeira (agente imediato) responde pelo crime, na forma dolosa (homicídio doloso). E o agente mediato? Não é autor mediato porque nesse caso não atuou com domínio sobre vontade alheia. A enfermeira não foi um instrumento, ao contrário, agiu por conta própria (dolosamente). Não se trata de co-autoria porque não houve acordo (expresso ou tácito) de vontades. A enfermeira não sabia da intenção criminosa do médico. Não aderiu subjetivamente a essa conduta. Não houve pacto prévio entre eles. Nem acordo tácito por parte do médico, que também não sabia da intenção homicida da enfermeira. Não se trata de autoria colateral porque a conduta do médico, ao prescrever a substância letal, não é punível quando enfocada autonomamente (isoladamente).
Conclusão: tendo em conta o aspecto subjetivo do médico (que tinha intenção homicida), só resta o caminho da sua punição como partícipe do homicídio, na modalidade de induzimento (a partir da sua conduta é que nasceu a idéia homicida na cabeça na enfermeira). No princípio o médico queria induzir a enfermeira em erro. Seu ato era de induzimento. Ocorre que no percurso do "iter criminis" a enfermeira acabou não sendo induzida em erro, ao contrário, agiu dolosamente (também). Fica afastada a autoria mediata, mas não a participação (na modalidade de induzimento) do médico. Outra fundamentação possível: o médico é partícipe em razão do auxílio prestado. Também responde pelo delito em virtude dessa sua contribuição.
2ª) quando o agente imediato, que serviu de instrumento, agir com culpa, há autoria mediata? Sim. "A" induz "B" a, com um disparo, cortar o cigarro que está na boca de "C". "B" dispara e, por inabilidade, mata "C". "B" agiu com culpa (não assumiu o risco de produzir o resultado, por isso que não se trata de dolo eventual). "B" responde por homicídio culposo (afastando-se a hipótese do dolo eventual que, em tese, seria perfeitamente possível). E o autor mediato? Responde por homicídio doloso, como autor mediato. Não há dúvida que cabe autoria mediata quando o executor atua com culpa. Problema existe quando ele atua com dolo, como vimos acima.
3ª) quando o agente instrumento não tem capacidade de discernimento (isto é, para se motivar de acordo com a norma): é autor mediato quem se serve de uma criança para incendiar uma casa, subtrair algum objeto etc.; é autor mediato quem se serve de um louco para cometer um homicídio, de quem está em erro de proibição (por ignorar que o fato é proibido) etc.
4ª) quando o agente instrumento atua sob coação moral: na coação moral existe conduta relevante do coagido, que pode não responder por nenhuma sanção penal em razão da ausência de culpabilidade (CP, art. 22, coação moral irresistível). O fato praticado sob coação moral é de responsabilidade do autor mediato.
Na coação física irresistível (o agente bate a cabeça da vítima contra um vidro, para quebrá-lo) a vítima não pratica conduta penalmente relevante. Não há que se falar em autoria mediata, sim, em autoria imediata (de responsabilidade do coator).
5ª) quando o agente instrumento não atua tipicamente: mesmo que o agente imediato (ou executor) não pratique fato típico, ainda assim, é possível a autoria mediata. "A" induz "B" em erro, dizendo que a arma está descarregada; faz com que "B" efetue disparo contra o próprio pé. Pela lesão corporal responde exclusivamente o autor mediato, não o executor (que é a vítima também), porque a autolesão não é conduta típica (para a própria vítima).
6ª) quando o agente instrumento age de acordo com o Direito (justificadamente): "A", dolosamente, indica para a polícia como autor de um crime pessoa inocente. A pessoa indicada vem a ser presa em flagrante. A polícia atua de acordo com o Direito (estrito cumprimento de dever legal). Quem responde pelo delito contra a liberdade da vítima é o autor mediato (que se serviu da polícia para cometer o crime para ele).
7ª) quando o agente imediato, que serve de instrumento, atua dentro de uma estrutura de poder (caso de obediência hierárquica): o agente secreto mata uma pessoa por determinação do superior. O superior é autor mediato e responde pelo homicídio. Nesse caso o autor imediato (o agente secreto) também responde pelo crime, porque se tratava de ordem manifestamente ilegal. Embora tenha atuado com dolo, em razão da estrutura de poder não há como afastar o domínio do agente mediato sobre a vontade do executor. Por isso é que não fica descartada a autoria mediata.
De outro lado, não há autoria mediata: (a) quando o sujeito usa animais ou coisas (objetos) para o cometimento do delito (usa um cachorro treinado para subtrair bens, v.g.; usa um papagaio para injuriar o vizinho, etc.); (b) na coação física irresistível (porque nesse caso não há conduta voluntária do coagido; quem responde é exclusivamente o coator); (c) no crime de mão própria (que exige a atuação pessoal do agente – falso testemunho, por exemplo); (d) quando o terceiro não é instrumento, mas age livre e dolosamente também como autor (age com plena responsabilidade e fora de qualquer estrutura de poder); (e) nos crimes próprios, que exigem autores com especial qualificação (no peculato, por exemplo, somente o funcionário público pode cometê-lo). O funcionário, entretanto, pode ser autor mediato quando se serve de alguma outra pessoa para cometer o delito para ele (essa outra pessoa pode ser funcionária ou não).
Em que momento inicia-se a tentativa para o autor mediato? Desde o começo da sua atuação sobre o agente instrumento ou a partir do momento em que o agente instrumento inicia a execução do fato? No exemplo do medico que quer se valer da enfermeira para matar, com injeção, seu inimigo hospitalizado: há tentativa a partir de que momento? A doutrina majoritária posiciona-se no sentido de que já existe tentativa desde o momento em que começa a atuação do agente mediato sobre o agente instrumento.
A distinção entre autoria mediata e participação por indução é a seguinte: caso a participação não seja seguida do início de execução do crime, não é punível (CP, art. 31). Na autoria mediata a punibilidade do autor mediato começa com sua atuação sobre o agente instrumento, antes, portanto, do início de execução do crime pretendido.