TESTAMENTO: ESPÉCIES E IMPLICAÇÕES JURÍDICAS
O testamento, figura importante do Direito de Família e das Sucessões, é um procedimento icônico e quase teatral a respeito da forma de uma pessoa destinar os seus bens após o falecimento, o espólio por ela deixado. No imaginário popular, o testamento envolve uma situação pomposa, cheia de revelações surpresas e reviravoltas. Na vida real, por outro lado, não costuma ser bem assim.
Na verdade, o testamento é uma forma prática de destinar a parte disponível dos bens sem depender que seus herdeiros abram mão do patrimônio herdado ou, ainda, para garantir que parte do patrimônio seja destinado para pessoas que, apenas pela lei, não teriam direito a ele.
Além disso, ter um testamento é uma forma de determinar previamente decisões que precisariam ser feitas em um inventário, reduzindo os desgastes dos que ficam e garantindo que as vontades da pessoa que partiu sejam respeitadas.
É importante saber, no entanto, que um testamento não é um instrumento sem limites. Regulado pelo Código Civil, ele precisa seguir algumas regras para que possa produzir efeitos e ter validade.
Com o objetivo de esclarecer as principais dúvidas sobre o tema, elaboramos o presente artigo. Confira!
O que é?
O testamento é um ato personalíssimo de vontade no qual uma pessoa pode atribuir destino a seus bens e a certos direitos e deveres. Fala-se que é personalíssimo pois depende exclusivamente da vontade da pessoa que deixa o testamento, podendo ser alterado ou revogado quantas vezes essa pessoa quiser, desde que esteja em plena capacidade de exercício de seus direitos.
Normalmente, quando falamos nesse dispositivo, pensamos exclusivamente em bens. No entanto, o documento pode tratar de questões mais amplas, como reconhecimento de paternidade, criação de fundações e, até mesmo, disposições sobre o próprio funeral.
Os diferentes tipos de testamento
O Código Civil considera três tipos de testamentos diferentes como ordinários, que são os mais comumente utilizados. São os formatos público, cerrado e particular. Há, ainda, formas testamentárias especiais, como a marítima, a aeronáutica e a militar, que tratam de circunstâncias excepcionais dentro e fora do território brasileiro.
Nesse artigo, trataremos das formas ordinárias do ato, pois são as que definem suas regras gerais e, sem dúvidas, as mais frequentemente aplicadas.
Testamento público
O primeiro entre os testamentos trazidos pelo Código Civil é o testamento público. Nessa modalidade, o testador declarará sua vontade ao tabelião ou ao seu substituto, que a registrará no livro de notas. Após o registro, o tabelião lerá o documento em voz alta para o testador e duas testemunhas para que assinem caso esteja tudo de acordo com as vontades emitidas.
Essa é, provavelmente, a forma mais comum e segura de realizar o testamento, pois garante mais segurança com a fé-pública do tabelião, a assinatura do testador e de suas testemunhas. O ponto negativo a ser apresentado é a existência de uma burocracia um pouco maior em comparação à modalidade privada.
Testamento privado
O testamento privado é aquele em que o testador escreve sua vontade e lê para três testemunhas que certificam sua autenticidade. As testemunhas assinarão o documento e o testador poderá guardá-lo onde quiser, para que seja aberto na ocasião de sua morte.
Nesse caso, não há autenticação ou registro em nenhum instrumento que oferece fé-pública. Isso não reduz o caráter de validade do documento, desde que tenha cumprido os requisitos necessários e não haja qualquer problema com as testemunhas que o assinaram (as quais não podem ser afetadas pela vontade do testador). Contudo, dificulta a comprovação de sua validade.
Testamento cerrado
O testamento cerrado também utiliza o reconhecimento de um cartório, mas não é publicamente registrado, nem lido em voz alta para testemunhas. Na prática, o testador escreverá o documento de forma privada e levará ao cartório junto a duas testemunhas afirmando que aquele testamento é seu e que deseja que este seja reconhecido como tal.
Ele não será lido naquele momento, apenas será aprovado se todos os requisitos estiverem corretos. As testemunhas e o tabelião confirmarão que a entrega ocorreu de maneira regular e que o testador afirmou ser aquela a sua vontade. O conteúdo do documento só será revelado com a morte do testador.
Quais são os benefícios?
Ter um testamento oferece uma solução imediata para a partilha dos bens deixados pelo falecido, que não dependerá de negociação ou acordo entre os beneficiados. Além disso, não havendo contestação do documento, o processo é significativamente reduzido em comparação ao inventário não consensual.
Isso impacta na redução de custos, de tempo e, claro, de desgaste entre as partes. Além disso, o testamento garante que o testador tenha garantida a sua vontade em relação ao patrimônio disponível, independentemente da vontade de seus herdeiros. Doar, criar fundações, deixar bens para uma pessoa que não seria herdeira e reconhecer direitos são ações passíveis de serem feitas por meio de testamento e dependerão exclusivamente do testador, sem a necessidade de concordância dos herdeiros legítimos.
É obrigatório contratar um advogado?
O testamento é um ato de vontade que não precisa ser ajuizado e não exige capacidade postulatória. Isso significa dizer que não é obrigatória a contratação de um(a) advogado(a) para sua realização. Na prática, qualquer pessoa pode escrever um testamento a próprio punho e levar a uma das três formas de efetivação supracitadas.
No entanto, é sempre útil lembrar que esse tipo de documentação precisa cumprir todos os requisitos legais dispostos no Código Civil para que seja válido. A falta de requisitos ou eventuais irregularidades podem invalidar a vontade final do testador.
Por isso, é recomendada a contratação de profissionais devidamente capacitados para a elaboração do testamento. Isso garante maior segurança e pode evitar gastos futuros para se discutir sobre a possibilidade de aplicação ou não do documento.
Essa regra, aliás, é válida para praticamente todo ato jurídico: a contratação consultiva de um escritório de advocacia sempre é mais eficiente em termos de desgaste e custo financeiro do que a necessidade de resolver o problema de forma litigiosa posteriormente.
O testamento pode dispor de todos os bens da pessoa?
Essa é a dúvida mais recorrente sobre o assunto e a resposta é categórica: não, o testamento não pode utilizar de 100% dos bens do testador. O testador necessariamente é atrelado à obrigação legal de deixar 50% do patrimônio aos herdeiros necessários – normalmente, filhos, pais e cônjuge.
Isso significa que o máximo do patrimônio que a vontade do testador pode distribuir é a outra metade, que pode ser desassociada ou não de seus herdeiros necessários. Para facilitar a compreensão, pensamos em alguns exemplos:
Imagine Dona Joana, viúva e mãe de dois filhos e dedicada a um certo trabalho beneficente e voluntário há anos, com patrimônio de um milhão de reais. Sem um testamento, o patrimônio estaria dividido entre os dois filhos igualmente, sem maiores complicações.
Agora, imagine um cenário no qual ela desenvolveu uma profunda briga com um de seus filhos, considerando-o ingrato e maldoso com ela, enquanto o outro filho cuidou dela durante as últimas décadas de sua vida. Ela pode fazer um testamento no qual destina toda parte disponível para o filho com o qual tem boas relações.
Isso significa que a parte legítima da herança (50%) será dividida entre os dois filhos, ou seja, cada um terá metade do montante de R$ 500 mil, totalizando R$ 250 mil. Já a outra metade, de R$ 500 mil, será dada ao filho com quem tem boas relações. Nesse caso, um dos filhos ficará com 25% do total (correspondente à sua herança necessária) e o outro ficará com 75% do total (correspondente aos 25% da herança necessária mais os 50% dispostos em testamento).
Estes 50% podem ser alocados da maneira como a testadora julgar conveniente. Podem ser inteiramente ou parcialmente dedicados para a causa beneficente à qual ela se dedicava, por exemplo, ou para criar uma fundação que cuide dessa causa. Também podem ser distribuídos entre pessoas queridas ou para mudar o peso que cada herdeiro receberá, como mostrado no primeiro cenário.
A regra é que os 50% da herança necessária sejam respeitados e corretamente distribuídos aos herdeiros sem serem tocados pelo testamento. O restante está à disposição do testador.
Quem pode fazer um testamento?
Qualquer pessoa com capacidade civil pode realizar um testamento – inclusive aceita-se que jovens a partir de 16 anos o façam. As restrições ocorrerão apenas nos casos em que a pessoa não tenha capacidade civil ou tenha alguma questão que coloque em dúvida sua lucidez da vontade ao realizar o ato.
Uma pessoa que esteja passando por um problema de saúde que afete sua capacidade cognitiva, por exemplo, dificilmente será considerada uma testadora válida, a menos que se comprove que esteja em suas plenas faculdades mentais no momento da elaboração.
É importante ressaltar, no entanto, que a capacidade do testador é aquela do momento do testamento. Uma pessoa que esteja em plenas faculdades mentais ao fazer um testamento e, anos depois, se torna incapaz por qualquer motivo, não terá sua vontade anulada, pois ela corresponde à vontade de um momento em que estava com capacidade plena.
O testamento é definitivo ou pode ser mudado?
O testamento pode ser mudado, cancelado ou refeito quantas vezes o testador quiser, desde que por vontade própria e que esteja ainda com plena capacidade civil no momento das alterações.
É importante que os requisitos (especialmente a existência de testemunhas) sejam devidamente preenchidos a cada mudança, para não colocar em risco a validade do documento.
Há alguém que não pode ser beneficiado pelo testamento?
Sim, há três categorias de pessoas que não podem ser as beneficiadas de um testamento, para evitar qualquer risco de fraude a partir dele.
A primeira é a pessoa que escreveu o testamento a pedido do testador, bem como seus ascendentes ou descendentes diretos, cônjuge ou irmãos. Isso evita que a pessoa inclua benefícios para si ou para pessoas próximas sem a ciência do testador.
Da mesma forma, as testemunhas que assinaram o documento não podem ser por ele beneficiadas, para evitar que alguma coação tenha ocorrido e que os próprios coautores auxiliem a legitimar a prática.
Por fim, nos casos de testamentos públicos ou cerrados, o tabelião e escrivão responsável pela aprovação do ato não podem ser beneficiados por ele. Isso ocorre pela mesma noção de necessidade de isenção, pois seria inaceitável que uma parte interessada tivesse o poder de autenticar algo que lhe beneficia diretamente.
O que buscar em um escritório para fazer um bom testamento
Como já mencionamos anteriormente, o serviço do escritório de advocacia não é requisito obrigatório para a elaboração de um testamento. No entanto, não só recomendamos que isso seja feito como consideramos o trabalho do advogado em Direito de Família e das Sucessões parte essencial na confecção desse documento.
Isso ocorre porque, diferentemente de outros atos jurídicos, não é possível “corrigir” o testamento depois que alguém questiona sua validade, uma vez que o autor do documento já é falecido nesse momento. Em outras palavras, é necessário fazer o documento da forma correta desde o início, sob pena de ter a sua vontade final anulada por erros relacionados aos requisitos do testamento.
Por isso, é importante buscar um escritório competente na matéria que garanta que o ato seja aplicado corretamente e, também, que possua equipe com a sensibilidade necessária para entender os desejos do testador, orientá-lo em relação ao que é viável e ao que pode causar transtornos e deixá-lo confiante de que terá sua vontade respeitada e confortável.
No escritório Galvão & Silva, temos sempre o cuidado de aliar conhecimento técnico ao respeito completo aos nossos clientes.
Ficou alguma dúvida? Precisa do auxílio de um advogado? Entre em contato com nosso escritório de advocacia!