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MP do Agro, agora é Lei - dos credores - do Agro

Agenda 15/04/2020 às 11:03

A medida provisória nº 897/2019 conhecida como ‘MP do Agro’ agora se transformou na ‘lei do agro’, com a promulgação da Lei Federal nº 13.986, de 07 de abril de 2020, considerada, por muitos, como um ‘marco’ para o agronegócio.

A medida provisória nº 897/2019 conhecida como ‘MP do Agro’ agora se transformou na ‘lei do agro’, com a promulgação da Lei Federal nº 13.986, de 07 de abril de 2020, considerada, por muitos, como um ‘marco’ para o agronegócio.

Ao acompanhar a tramitação da medida provisória e agora a nova legislação, é possível perceber uma tentativa de adequação das leis à realidade de mercado atual, uma flexibilização de ferramentas que operam com o setor e a melhoria na estrutura de mercado para um melhor desenvolvimento do crédito no agronegócio.

Há quem diga que a novidade é considerada “Lei dos Credores do Agro” estimulando a alienação fiduciária em Cédula de Produto Rural, onde beneficiaria tradings e bancos, pelo fato de que estes usam as CPRs para renegociação de dívidas com altas taxas de juros e multas, também pelas mudanças relacionadas à recuperação judicial que aumentarão a exigência de alienações fiduciárias.

Houve demasiada ampliação do uso da alienação fiduciária para diversas espécies de ferramentas jurídicas, aumentando o risco ao patrimônio do produtor, já que a alienação fiduciária é medida agressiva que não deixa alternativas em caso de inadimplência, senão a perda do imóvel, pois permite ao credor ficar com o bem objeto de garantia, caso não haja entrega da produção nas datas combinadas, independente de força maior (frustrações de safra), oportunidade em que o credor ao cartório, no vencimento, solicitar transferência do bem ao seu nome, posteriormente intimando o devedor sobre um leilão de sua propriedade com dívida já consolidada.

Será necessária muita atenção ao tomar crédito nestes próximos tempos. E será necessária atenção redobrada dos consultores jurídicos e advogados destes produtores para melhor orientação nestas relações jurídicas, com extrema dedicação e especialização.

Esta nova legislação traz mudanças para a política agrícola, instituições que operam no mercado privado no agronegócio, o crédito rural em geral, além de outras facilidades ao setor produtivo, bem como para empresas estrangeiras.

Especificamente na legislação houveram alterações em 21 leis e decretos, bem como a criação de mais instrumentos normativos, chamados Fundo Garantidor Solidário (FGS); Cédula Imobiliária Rural (CIR), patrimônio rural em afetação, dentre outras novidades.

Entre estas alterações, também uma atualização na Lei Federal nº 5.709/1971, que regula a aquisição de imóvel rural por estrangeiro residente no país ou pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil, trazendo a expectativa de que, desta maneira, seja viabilizada a entrada de recursos externos na agricultura brasileira, estimados em bilhões por ano.

A alteração feita na referida lei, foi em apenas um parágrafo de um artigo, justamente aquele que diz a quem a lei não se aplica, incluindo dentre eles:

- As hipóteses de constituição de garantia real, inclusive a transmissão da propriedade fiduciária em favor de pessoa jurídica, nacional ou estrangeira;

- Casos de recebimento de imóvel em liquidação de transação com pessoa jurídica, nacional ou estrangeira, ou pessoa jurídica nacional da qual participem, a qualquer título, pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas que tenham a maioria do seu capital social e que residam ou tenham sede no exterior, por meio de realização de garantia real, de dação em pagamento ou de qualquer outra forma.

Percebe-se que um solo fértil chamado segurança jurídica, é preparado para receber capital estrangeiro, já que nosso país possui modelo bancário e mercado de tradings concentrado e estas últimas buscam resultado financeiro fazendo vendas casadas, por isso talvez tenha sido pensado uma forma de reduzir intermediadores por meio do mercado de capitais, um espaço de aproximação entre investidor (fora do país) e produtores.

No que diz respeito às alterações no sistema bancário, a novidade é que foi permitido que as instituições financeiras privadas possam operar o crédito rural com juros subvencionados e com isso o programa que atualmente prevê R$ 200 milhões para obras, maquinário e equipamentos de construção, com subvenção limitada em R$ 20 milhões por ano, operado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) passa a ser desconcentrado, ampliando a concorrência entre os bancos públicos e privados, ‘barateando’ o financiamento para o produtor  e para as cooperativas, os quais estão livres para a escolha do banco de sua preferência.

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Contudo, mesmo com ampliação de concorrência, para melhor segurança do produtor rural, ainda falta a normatização de mecanismos que compartilhem os riscos agrobiológicos da atividade agrária com os financiadores e tradings, distribuindo, consequentemente, o risco concentrado em quem está na atividade principal (produção); senão pensar na reformulação do sistema de seguro rural para que seja realmente efetivo, aproximando-se da realidade do produtor rural.

Acredita-se ainda que, através de algumas inovações trazidas pela lei, poderá haver diminuição do número de registros de títulos rurais em cartórios, pois a forma de escrituração de títulos (impressa) poderá ser feita de forma eletrônica nas instituições financeiras, devendo os cartórios realizarem a inserção de informações em sistemas eletrônicos.

E em se tratando especificamente de algumas novidades nas ferramentas jurídicas da nova legislação, passo a alguns comentários a seguir.

Fundo Garantidor Solidário (FGS)

Antes chamado Fundo Aval Fraterno (FAF) pela medida provisória, agora se chama Fundo Garantidor Solidário (FGS) pela nova lei, se presta para garantir (servir como garantia) operações de crédito firmadas entre produtores (solidários) e instituições financeiras, servindo para a garantia tanto de dívidas já existentes, onde o fundo será acionado, quanto para dívidas recém firmadas.

É um fundo que será composto por, no mínimo, dois produtores rurais (que ficam com a cota primária de 4%), a instituição financeira ou credor original (fica com cota de 2%) e um terceiro interessado, se houver, fica com a cota também de 2%, sendo integralizados recursos constituindo cotas e percentuais mínimos de acordo com a categoria do participante.

Quando constituído um FGS também deve ser elaborado um estatuto próprio para tratar do funcionamento, administração, utilização dos recursos, atualização, representações e outros detalhes.

Tanto credores quanto devedores injetarão considerável quantia de dinheiro para que o fundo possa existir, deixando de ser apenas uma garantia em situações de inadimplência, quando passa a ser utilizado, demonstrando a natureza solidária de seu nome, sendo que, em caso de adimplência da dívida pela qual serviu como garantia, o dinheiro é devolvido.

Também é importante lembrar que, enquanto não forem quitadas as dívidas feitas com garantia no naquele Fundo Garantidor Solidário, os recursos do fundo não responderão por absolutamente nenhuma outra dívida contraída pelos integrantes.

O fato é que será possível regularizar débitos com a captação de créditos garantidos por todos os integrantes do fundo e, embora trate-se de importante novidade, ainda serão necessárias normas regulamentadoras, pois apenas a lei não consegue detalhar a forma de funcionamento e abaixo de uma lei federal, normalmente surgem os decretos federais, em seguida as normas regulamentadoras (portarias, resoluções, etc), o que pode atrasar um pouco a formação destes fundos.

Patrimônio Rural em Afetação

A outra novidade, é chamada de “Patrimônio Rural em Afetação” e foi mantida da medida provisória para a lei federal, uma importante alteração normativa onde, para tomar um empréstimo, não será mais necessário deixar toda a propriedade como garantia, sendo possível ao proprietário rural oferecer apenas parte do imóvel nos empréstimos rurais, separando ainda o terreno e as benfeitorias do patrimônio disponível.

Em suma, até então, para contratar crédito, o produtor rural teria que oferecer todo seu imóvel rural em garantia e com a novidade, poderá oferecer apenas parte deste, desde que vinculados a CIR ou a CPR.

E assim, passa a ser possível que o produtor rural utilize terreno e benfeitorias existentes nele, exceto lavouras, bens móveis e gado, para garantia de qualquer operação financeira por meio de Cédula Imobiliária Rural (CIR) ou de Cédula de Produto Rural (CPR).

É importante salientar que, enquanto sujeito à afetação, não é possível que seja realizada compra e venda, doação, demais atos de transferência e garantias por parte do proprietário, enquanto durar a afetação, considerando ainda o patrimônio como impenhorável e inatingível pelos casos de falência, insolvência ou recuperação judicial, à exceção das dívidas fiscais, trabalhistas e previdenciárias, protegendo desta forma o credor para a recuperação do crédito inadimplido.

Não obstante ser uma boa novidade, ainda sim, poderá ser burocrática e onerosa, com possível desinteresse dos produtores em utilizar, principalmente no custeio agrícola onde a garantia serve em um período pequeno.

Outra situação é a falta de parâmetros para avaliação pela instituição financeira, podendo ser problemática também neste sentido, pois se por um lado, antes o patrimônio possuía valor muito superior ao do empréstimo, agora, com a avaliação da parte do patrimônio feita à critério dos bancos, obviamente estes poderão atribuir valor menor à parte do imóvel que foi afetada e acabar aumentando a área dada como garantia, alcançando patrimônio maior.

E um destaque para o que já foi escrito em outra oportunidade a respeito da importância da “gestão jurídica cadastral” do produtor rural, pois, segundo o artigo 12 da nova lei, para que seja feito o registro da afetação em cartório, serão exigidos alguns documentos cadastrais como: inscrição do imóvel no Cadastro Nacional de Imóveis Rurais (CNIR); inscrição do imóvel no Cadastro Ambiental Rural (CAR); certidões de regularidade fiscal, trabalhista e previdenciária; e certificação junto ao Sistema de Gestão Fundiária (Sigef) do INCRA, do georreferenciamento do imóvel “afetado”; sem prejuízo dos demais procedimentos solicitados para constituição da afetação, como o memorial descritivo e outros.

Cédula Imobiliária Rural (CIR)

A medida provisória agora convertida em lei, ampliou o uso da Cédula Imobiliária Rural (CIR), que é uma promessa de pagamento em dinheiro, decorrente de operação de crédito de qualquer modalidade, para qualquer operação financeira, não só de crédito junto às instituições.

A CIR é um título de crédito representativo de promessa de um pagamento em dinheiro que será emitido em favor da instituição financeira, sendo a cédula vinculada à um patrimônio de afetação, este um imóvel ou parte dele (novidade).

Portanto, este título de crédito possibilita a operacionalização da garantia dada pelo patrimônio rural em afetação, emitida por proprietário rural (pessoa física ou jurídica) que tenha constituído patrimônio rural em afetação.

Esta CIR deve ser registrada em entidade autorizada a funcionar pelo Banco Central ou pela comissão de valores imobiliários em até 5 dias de sua emissão, cuja liquidação pelo credor deve ser informada no mesmo prazo.

Em caso de inadimplemento do crédito tomado pelo produtor, a instituição financeira, poderá de imediato exercer o direito de transferência do imóvel afetado, sem prejuízo da exigibilidade do saldo remanescente, em caso de o leilão não se considerar suficiente para quitação.

As orientações e alertas sobre este tipo de alienação foram feitas ao início do texto, remetendo-nos ao perigo das alienações feitas por meio da afetação instrumentalizada pela cédula imobiliária rural

Cédula de Produto Rural (CPR)

A respeito da já existente Cédula de Produto Rural (CPR), emitida para garantir o pagamento de um empréstimo rural com a produção agrícola, pecuária, de floresta plantada e de pesca e aquicultura, seus derivados, dentre as novidades da “lei do agro”, houve ampliação dos produtos passíveis de emissão da cédula, para incluir os que sofrem beneficiamento e primeira industrialização.

É novidade também a emissão da CPR tendo como referência a moeda estrangeira, onde, não obstante se considere a segurança jurídica para aqueles que adquiriam insumos com preços em dólar sem poder vincular a venda de sua produção à mesma moeda, neste caso o alerta é no sentido de que tanto a variação cambial quanto as taxas de juros, fixas ou flutuantes, poderão elevar o valor a ser pago pelo emitente, impossibilitando ao devedor até mesmo saber ao certo o valor da dívida.

É válido pensar na captação de investimento internacional para acesso de financiamentos, entretanto, todo cuidado é pouco neste sentido, já que, como dito, todo o risco do negócio é assumido inteiramente pelo produtor.

Finalizando com os alertas, é necessário ainda mais atenção com relação ao preenchimento das Cédulas de Produto Rural, onde a redação e leitura das cláusulas por muitas vezes não se dedicava o cuidado merecido, mas que agora passa a ser considerado crime de estelionato o seu preenchimento com declarações falsas ou inexatas acerca de sua natureza jurídica ou qualificação, bem como dos bens oferecidos em garantia, inclusive omitir declaração de já estarem eles sujeitos a outros ônus ou responsabilidade de qualquer espécie, até mesmo de natureza fiscal (art. 17, Lei nº 8929/1994).

Enfim, todo cuidado é pouco, há pontos positivos na nova “Lei do Agro”, mas há pontos de muita preocupação e recomendamos ao produtor que, antes de alienar seus bens para a tomada de crédito por meio de afetação que procure assessoria para analisar as consequências jurídicas destas escolhas.

Sobre o autor
Pedro Puttini Mendes

Advogado, Consultor Jurídico (OAB/MS 16.518, OAB/SC nº 57.644). Professor em Direito Agrário, Ambiental e Imobiliário. Sócio da P&M Advocacia Agrária, Ambiental e Imobiliária (OAB/MS nº 741). Comentarista de Direito Agrário para o Canal Rural. Colunista de direito aplicado ao agronegócio para a Scot Consultoria. Organizador e coautor de livros em direito agrário, ambiental e aplicado ao agronegócio. Membro fundador da União Brasileira da Advocacia Ambiental (UBAA), Membro Consultivo da Comissão de Direito Ambiental e da Comissão de Direito Agrário e do Agronegócio da OAB/SC. Foi Presidente da Comissão de Assuntos Agrários e Agronegócio da OAB/MS e membro da Comissão do Meio Ambiente da OAB/MS entre 2013/2015. Doutorando em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental pela Universidade do Estado de Santa Catarina, Mestre em Desenvolvimento Local (2019) e Graduado em Direito (2008) pela Universidade Católica Dom Bosco. Pós-graduação em Direito Civil e Processo Civil pela Anhanguera (2011). Cursos de Extensão em Direito Agrário, Licenciamento Ambiental e Gestão Rural. PRODUÇÃO BIBLIOGRÁFICA: "Pantanal Sul-Mato-Grossense, legislação e desenvolvimento local" (Editora Dialética, 2021), "Agronegócio: direito e a interdisciplinaridade do setor" (Editora Thoth, 2019, 2ª ed / Editora Contemplar, 2018 1ª ed) e "O direito agrário nos 30 anos da Constituição de 1988" (Editora Thoth, 2018). Livros em coautoria: "Direito Ambiental e os 30 anos da Constituição de 1988" (editora Thoth, 2018); "Direito Aplicado ao Agronegócio: uma abordagem multidisciplinar" (Editora Thoth, 2018); "Constituição Estadual de Mato Grosso do Sul - explicada e comentada" (Editora do Senado, 2017).

Informações sobre o texto

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