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Amplo acesso ao Judiciário e coisa julgada

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2. AÇÕES ANULATÓRIA E RESCISÓRIA

          2.1. Ação anulatória

          O artigo 486 do CPC. prevê uma ação anulatória dos atos jurídicos em geral, que não dependem de sentença ou em que ela é meramente homologatória. A sentença, uma vez decidindo o mérito da questão, não pode ser objeto desta ação, pois ela é de mérito, não estando sujeita, portanto, a esse tipo de recurso. É cabível a ação anulatória prevista neste dispositivo processual contra decisão judicial homologatória da arrematação ou adjudicação, uma vez que a sentença que homologar essa adjudicação ou arrematação não é de mérito. (15)

          Denomina-se erroneamente a ação anulatória como "ação ordinária de nulidade", sendo que, essa intitulação é uma denominação equivocada, pois, na realidade trata-se de uma ação declaratória de nulidade ou ação anulatória de ato jurídico, a ser ajuizada sob o rito ordinário, previsto no artigo 274 do Código de Processo Civil; daí porque chamada equivocadamente de ação ordinária de nulidade. Não existem ações ordinárias, mas sim ações cognitivas ou declaratórias que seguem o rito ordinário

          A ação anulatória é uma ação declaratória desconstitutiva, de rito ordinário, sendo regulamentada formalmente pelo Código de Processo Civil (que prevê os casos de rescindibilidade tanto da sentença de mérito como da sentença meramente homologatória) e materialmente pela Lei Civil (que prevê os casos de nulidades e anulabilidades dos atos praticados tanto processualmente como extra processualmente). A nosso ver, a situação topográfica da ação anulatória no Código de Processo Civil somente facilita a confusão, sendo infeliz o confeccionador da legislação formal nesse momento. Deveria a ação anulatória ou ser melhor regulamentada formalmente; ou, ter uma situação topográfica antes ou depois da ação rescisória, tudo para se tentar evitar a confusão que se criou com relação a duas ações que regulamentam situações que parecem tão idênticas mas que são tão diversas.

          2.1.1. Atos nulos e anuláveis

          O Código Civil, em seus artigos 145 a 158 prevê as hipóteses de atos que, embora realizados, foram praticados sem validade jurídica, são os atos nulos ou anuláveis. (16) Existem atos jurídicos que, por serem praticados de forma contrária à lei, são considerados nulos. Os atos nulos são de ordem pública, de alcance geral, é a chamada nulidade absoluta. Os atos anuláveis somente podem ser decretados no interesse privado, é a chamada nulidade relativa.

          2.1.2. Sentença de mérito e sentença meramente homologatória

          As sentenças de mérito não são objeto da ação anulatória, pois, podem ser apenas objeto de ação rescisória, prevista em lei, nos termos expressos, ocorrendo qualquer das hipóteses lá previstas e somente podendo ser ajuizada perante o segundo grau de jurisdição. Tratam-se de decisões terminativas que decidem um litígio, fazem coisa julgada. Já as sentenças meramente homologatórias, não são objeto da ação rescisória, uma vez que não existe sentença de mérito a ser rescindida, não existe decisão do mérito da causa, inexistindo, assim, coisa julgada. Assim, v. g. de sentença meramente homologatória é aquela que homologa uma adjudicação, uma arrematação, uma separação consensual, uma partilha amigável, etc.

          2.2. Ação rescisória

          Ocorrendo o julgamento por uma sentença de mérito teremos uma situação onde o direito concedido será consolidado, "coberto" (em tese) pelo dogma constitucional da coisa julgada, esses casos, em determinadas situações, são passivos de anulabilidade através da ação rescisória, prevista no artigo 485 do Código de Processo Civil, que prevê casos passivos de rescisão como: decisão dada por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz; proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente; resultado de dolo ou de colusão a fim de fraudar a lei; ofender a coisa julgada; violar literal disposição de lei; se fundar em prova falsa; surgimento de documento novo; confissão, desistência ou transação invalidas; existência de erro de fato resultante de atos ou documentos da causa (tudo devidamente previsto pelo artigo 485 e seus Incisos).

          Vemos, portanto, que a coisa julgada não é objeto genérico de aplicação a toda e qualquer sentença judicial, simplesmente porque ela foi proferida pela justiça e transitou em julgado. Para que uma sentença tenha realmente a proteção constitucional da coisa julgada, é necessário que ela não esteja viciada nos moldes previstos pela legislação supra citada, para, somente assim, tornar-se efetivamente coisa julgada.

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          Existe uma certa resistência no judiciário com relação a qualquer tipo de rescisão de decisões suas que se pretenda. O judiciário, como é de se esperar, prima por ser detentor do poder de decisão final dos conflitos na sociedade. Por isso, a proteção (a nosso ver até excessiva) à chamada coisa julgada e a pequena resistência em aceitar retomar questões anteriormente julgadas, "solucionadas".

          Mas, a decisão judicial, a solução do litígio, o julgamento, o próprio dogma constitucional da coisa julgada, jamais pode servir para fins ilegais, para prejudicar quem seja o real detentor do direito a ser concedido pelo judiciário. Por isso a Lei protege tanto a coisa julgada (real, verdadeira, visando a segurança do julgado), como o direito do lesado por alguma injustiça, praticada por quem quer que seja, dando-lhe a faculdade de ajuizar outra ação tendo em vista o trânsito em julgado de uma decisão flagrantemente ilegal.

          Essa faculdade existe em duas frentes, através de dois tipos de procedimentos jurídicos: através da Ação Rescisória (que visa rescindir a sentença de mérito viciada de alguma forma, prevista pelo artigo 485 do CPC.); e da Ação Anulatória (que visa rescindir atos judiciais que não dependam de sentença ou aqueles em que essa sentença seja meramente homologatória, como os atos jurídicos em geral, nos termos da lei civil).

          A coisa julgada refere-se às decisões judiciais terminativas (sentenças) que decidem mérito, julgam os conflitos, e, a ação cabível para rescindir essas sentenças que, em tese, seriam cobertas com o manto da coisa julgada, é a ação rescisória, e, a ação anulatória rescinde não sentenças, mas sim decisões terminativas meramente homologatórias, não tendo a ver, direitamente, portanto, com a coisa julgada, protegida constitucionalmente.

          Mas, a lei também prevê regras para a rescisão mediante a mesma atividade jurisdicional. Dizendo que a lei não prejudicará a coisa julgada, quer-se tutelar esta contra atuação direita do legislador, contra aquele direito da lei. A lei não pode desfazer (rescindir ou anular ou tornar ineficaz) a coisa julgada, mas pode prever licitamente, como prevê no artigo 485 do Código de Processo Civil, sua rescindibilidade por meio da ação rescisória.

          Quando a lei protege a coisa julgada ela não impede que outras leis regulamentem os meios de rescisão. O Código Civil Brasileiro, em seus artigos 145 e seguintes, prevê atos que, embora reconhecidos jurisdicionalmente, podem ser anulados, como os atos jurídicos em geral, por meio da já mencionada ação anulatória.

          Assim, quando existe uma sentença de mérito (que decide, julga um litígio), o único meio (ocorrendo no processo ou na sentença a incidência de um dos motivos previstos nos incisos do artigo 485 do CPC.) de se rescindir uma decisão, de alguma forma viciada, é através da ação rescisória, prevista pelo nosso ordenamento processual civil no artigo 485. Em situação diversa, existindo uma decisão judicial meramente homologatória, o instrumento jurídico adequado para se rescindir o ato (agora jurisdicional mas não deixando de ser jurídico em geral e não se tratando de sentença de mérito) é a ação anulatória, prevista no artigo 486 daquele mesmo diploma legal.

          A ação anulatória teria a mesma eficácia da ação rescisória, diferenciando-se em alguns pontos como: é ajuizada em primeira instância, não no tribunal como o ação rescisória; englobaria os nove incisos do artigo 485 e também as nulidades civis, tendo, portanto, um alcance e uma aplicabilidade maior do que a ação rescisória, podendo ser ajuizada para rescisão não somente de sentenças mas de todo e qualquer ato jurídico nulo ou anulável.

          Trata-se (a ação rescisória) de uma ação especial, com procedimento em Segunda Instância, com depósito prévio de 5% do valor da causa e com casos de cabimento estipulados expressamente no texto legal processual (incisos I a IX do art. 485 do CPC.) e regulamentada pelos artigos 487, a 495, todos do Código de Processo Civil. É uma ação distinta, estritamente processual, regulamentada quase que unicamente pela lei formal, que a cria e regulamenta.


3. COISA JULGADA

          A coisa julgada, instrumento tipicamente processual, recentemente erigida a dogma constitucional pela carta de 1988 (art. 5º, XXXVI já mencionado), é um instituto que visa uma quase que total proteção à decisão judicial, uma vez transitada em julgado. (17) Mas essa proteção não pode ser absoluta, pois, ao mesmo tempo em que a Constituição Federal protege a coisa julgada, ela também prevê o amplo acesso à justiça (art. 5º, XXXV). Trata-se de caso "sui generis" onde ocorreu, quando da decisão judicial, alguma (ou várias) ilegalidade(s). Quando se fala em decisão terminativa, que põe fim ao litígio processual (sentença de mérito), a legislação prevê, em nosso diploma pátrio, a ação rescisória (CPC. Art. 485) como instrumento a ser utilizado para rescindir uma decisão desse tipo, de alguma forma viciada. Ao lado desse instrumento processual, para os casos em que, apesar de haver decisão judicial não houve sentença de mérito, nosso ordenamento processual prevê a ação anulatória (CPC. Art. 486), que visa a rescisão dos atos jurídicos "em geral". Apontar fundamentadamente as diferenças entre a sentença de mérito, que faz coisa julgada, e o ato jurídico que põe fim ao processo mas é meramente homologatório, é fundamental para a distinção do instrumento processual adequado a ser utilizado ao caso, ou seja: ação rescisória ou ação anulatória.

          A coisa julgada, portanto, é a imutabilidade dos efeitos da sentença ou da própria sentença que decorre de estarem esgotados os recursos eventualmente cabíveis

          O efeito negativo da coisa julgada consiste, na proibição de se voltar a discutir, ou decidir, o que consta do dispositivo da sentença de mérito irrecorrível em face das mesmas partes, qualquer que seja a ação futura. (18)

          3.1. Coisa julgada formal

          Quando estiverem esgotados todos os recursos previstos na lei processual, ou porque foram todos utilizados e decididos, ou porque decorreu o prazo de sua interposição, ocorre a coisa julgada formal, que é a imutabilidade da decisão dentro do mesmo processo por falta de meios de impugnação possíveis, recursos ordinários ou extraordinários.

          A coisa julgada formal, ou preclusão máxima, dá à sentença imutabilidade como ato processual de encerramento da relação processual.

          Tornando imutável a decisão, como ato processual, a coisa julgada formal é condição prévia da coisa julgada material, que é a mesma imutabilidade em relação ao conteúdo do julgamento e "mormente aos seus efeitos." (19)

          Trata-se da impossibilidade de reformar a sentença por vias recursais, seja porque a última instância proferiu sua decisão, ou seja, por haver transcorrido o prazo para interpor recurso, ou finalmente porque se desistiu do recurso ou a ele se renunciou.

          3.2. Coisa julgada material

          O fundamento da coisa julgada material é a necessidade de estabilidade nas relações jurídicas.

          A coisa julgada material, que é a imutabilidade do dispositivo da sentença e seus efeitos, torna impossível a rediscussão da lide, reputando-se repelidas todas as alegações e defesas que a parte poderia opor ao acolhimento ou rejeição do pedido.

          Na coisa julgada material, concentra-se a autoridade da coisa julgada, ou seja, o mais alto grau de imutabilidade a reforçar a eficácia da sentença que decidiu sobre o mérito ou sobre a ação, para assim impedir, no futuro, qualquer indagação sobre a justiça ou injustiça de seu pronunciamento.

          A coisa julgada material é instituto de direito processual. Ela torna imutável a vontade concreta da lei que promana da sentença, criando, assim, vínculos de ordem puramente processual que impedem o reexame do mérito da questão decidida por qualquer outro órgão investido de poder jurisdicional.

          3.3. Limites objetivos da coisa julgada

          Dispõe o artigo 468 do Código de Processo Civil que "a sentença que julgar total ou parcialmente a lide tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas".

          Nem tudo na sentença se torna imutável. O que faz coisa julgada material é o dispositivo da sentença, a sua conclusão. Pode-se dizer que a coisa julgada se restringe à parte dispositiva da sentença; a essa expressão, todavia, deve dar-se um sentido substancial e não formalista, de modo que abranja não somente a parte final da sentença, como também qualquer outro ponto em que tenha o juiz eventualmente provido sobre os pedidos das partes.

          3.4. Limites subjetivos da coisa julgada

          O importante é saber a quem atinge a imutabilidade da coisa julgada, ou seja, quem está proibido de voltar a discutir as questões que a sentença resolver e que, nos termos dos limites objetivos, recebeu a imutabilidade.

          A sentença, ato de conhecimento e vontade do poder estatal jurisdicional, quando é editada, se põe no mundo jurídico e, como tal, produz alterações em relações jurídicas de que são titulares terceiros, porque as relações jurídicas não existem isoladas, mas inter relacionadas no mundo do direito. Assim, os efeitos das sentenças podem atingir as partes (certamente) e terceiros.

          No entanto, esses efeitos só são imutáveis para as partes. A imutabilidade dos efeitos, que é a coisa julgada, só atinge as partes.

          A eficácia da coisa julgada é restrita exclusivamente às partes; só a eficácia da sentença é que, potencialmente, se estende a terceiros.

Sobre os autores
Reinaldo Lucas de Melo

promotor de Justiça titular em Ribeirão Preto, professor de Direito Civil da UNIP – Ribeirão Preto, especialista "lato sensu" em Direito Público pela UNIP – Ribeirão Preto, mestrando em Constituição e Processo

José Arnaldo Vitagliano

Advogado. Doutorando em Direito Educacional pela UNINOVE - São Paulo. Mestre em Constituição e Processo pela UNAERP - Ribeirão Preto. Especialista em Direito pela ITE - Bauru. Especialista em Docência do Ensino Universitário pela UNINOVE - São Paulo. Licenciado em Estudos Sociais e História pela UNIFAC - Botucatu. Professor de Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Processual Civil e Prática Civil. Autor de dois livros pela Editora Juruá, Curitiba: Coisa julgada e ação anulatória (3ª Edição) e Instrumentos processuais de garantia (2ª Edição).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO, Reinaldo Lucas; VITAGLIANO, José Arnaldo. Amplo acesso ao Judiciário e coisa julgada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 45, 1 set. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/814. Acesso em: 22 dez. 2024.

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