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A analogia como fonte do Direito Administrativo

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Agenda 23/04/2020 às 11:44

As fontes devem ser entendidas como meios de revelação do direito, existindo um silêncio em boa parte da doutrina administrativista na enumeração da analogia como fonte do direito administrativo, distanciando do entendimento jurisprudencial sobre o tema.

1. INTRODUÇÃO

O direito, em síntese apertada, objetiva estabelecer as normas jurídicas que irão permitir o convívio social. Não se trata de estabelecer um conceito universal e atemporal, mas destacar que o direito é veiculado através de normas jurídicas e, aqui, sobreleva entender quais as fontes da produção normativa.

As fontes devem ser entendidas como meios de exteriorização ou revelação do direito, registrando que o nosso ordenamento jurídico é filiado ao sistema jurídico romano-germânico, Civil Law, que tem na lei o suporte principal para a produção do direito, em que pese tal parâmetro está sendo revisitado, notadamente, após a introdução da súmula vinculante pela Emenda Constitucional de nº 45/2004.

Para além da lei, na doutrina civilista, boa parte dos autores indica como fontes do direito a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito, previstos no art. 4º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro, que são os métodos de integração que devem ser utilizados para a solução de casos concretos na ausência de lei regulamentadora da matéria. Ainda, a doutrina e a jurisprudência são referenciadas como fontes do direito, e a partir dessa diversidade é que surgem às classificações das fontes do direito, a exemplo, das fontes primárias e secundárias, diretas ou indiretas, mediatas e imediatas.

Tal discussão sobre as fontes do direito, também, permeia o direito administrativo existindo uma variação doutrinária sobre a classificação das fontes e sobre quais seriam as fontes dessa disciplina, no entanto, a temática do presente ensaio é estabelecer a analogia como fonte do direito administrativo, a qual dificilmente é referenciada como fonte, não obstante a referência aos costumes a aos princípios gerais do direito, na maioria dos autores consultados, como fonte do direito administrativo.

Para tanto, inicialmente será pontuado a ideia de fontes do direito, em sequência, discorreremos sobre as fontes do direito administrativo e, de forma mais detalhada, revelar a analogia como fonte do direito administrativo, explanando o entendimento jurisprudencial sobre o tema, concluindo ao final que a analogia é fonte do direito administrativo consolidada na jurisprudência, em que pese não ser referenciada por boa parte da doutrina administrativista.

A metodologia adotada é bibliográfica realizada a partir de artigos jurídicos e doutrina, além da análise pontual da legislação e da jurisprudência nacional relacionada à temática, buscando oferecer argumentos úteis a uma reflexão sobre o papel da analogia como fonte de produção de normas aplicáveis ao direito administrativo.


2. FONTES DO DIREITO

2.1. Fontes do Direito

As fontes do direito devem ser entendidas como meios de exteriorização ou revelação do direito e, portanto, reportam-se a origem e/ou base de sustentação das normas jurídicas, não se confundindo ou se limitando às leis editadas pelo Estado, a significar que o direito vai além da lei.

Existem diversas classificações doutrinárias para as fontes de direito, a exemplo, da diferenciação entre fontes materiais e fontes formais.

As fontes materiais seriam os fatos sociais, políticos e econômicos que embasam o nascimento da norma jurídica, tratando-se de pressuposto prévio ao surgimento das fontes formais, que veiculam e exteriorizam o direito. Como exemplo, temos o movimento social (fonte material) que deu a origem as alterações na legislação eleitoral, a partir de um projeto de lei de iniciativa popular, denominada Lei de Ficha Limpa (fonte formal).

As fontes formais, portanto, seriam a inclusão no ordenamento jurídico da regulamentação de determinado fato social, adiantando que, em termos gerais, não existe grande divergência na doutrina nacional sobre a temática, o que se explica a partir dos paradigmas que são utilizados para a construção das fontes do direito.

O primeiro paradigma diz respeito ao sistema jurídico adotado em nosso ordenamento jurídico, qual seja o Civil Law no qual a lei é a fonte principal do direito e, como consequência, a doutrina irá classificar a lei como fonte primária ou principal do direito.

O segundo diz respeito sobre os métodos de integração admitidos em nosso ordenamento jurídico, os quais devem ser utilizados na ausência da lei em vista da vedação do non liquet considerando que o juiz não pode deixar de apreciar e decidir um caso concreto ao argumento da ausência de lei regulamentando a matéria, o que estava previsto no art. 126. do CPC/73 e está previsto no art. 141. do CPC/15, vide redação:

CPC/73 - Art. 126. O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito.

CPC/15 - Art. 140. O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico.

Observa-se a diferença redacional visto que o art. 126. do CPC/73 enumerava os métodos integrativos, ao ponto que o art. 140. do CPC/15, não mais enumera referidos métodos, talvez a significar que o juiz teria uma discricionariedade de escolha quanto aos métodos integrativos do direito processual, alertando que no direito material, os métodos integrativos continuam elencados, a exemplo, do art. 4º do Decreto-Lei nº 4.657/421, do art. 108. da Lei nº 5.172/66 (Código Tributário Nacional) e do art. 8º do Decreto-lei nº 5.452/43 (Consolidação das Leis do Trabalho).

Para além da lei e de alguns dos métodos integrativos elevados a fontes, a doutrina e a jurisprudência, também, são indicadas como fontes do direito, registrando que tais fontes, de igual forma, servem de base para a construção dos institutos do direito administrativo, o que merece uma análise apartada.

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2.2. Fontes do Direito Administrativo

Como fonte de Direito Administrativo devemos entender os pressupostos que embasam e sustentam o nascimento das normas jurídicas que regem essa disciplina.

Adianta-se a inexistência de unanimidade doutrinária em relação à classificação das fontes de Direito Administrativo, havendo quem diferencie em fontes primárias e secundárias; organizadas e inorganizadas; formais, não formais e materiais; mediatas e imediatas.

Em NOHARA2 lemos que “o Direito Administrativo, assim como a maior parte das disciplinas é inspirado em diversas fontes, sendo as principais: 1. A norma jurídica; 2. A jurisprudência; 3. A doutrina; e 4. Os costumes”.

Já MARINELLA3 aponta a lei, a doutrina, a jurisprudência, os costumes e os princípios gerais do direito.

Para ALEXANDRINO e PAULO4, seguindo orientação de Hely Lopes Meireles, “o direito administrativo tem sua formação norteada por quatro fontes principais: a lei, a jurisprudência, a doutrina e os costumes”, observando-se que os autores classificam a lei como fonte primária e as demais como fontes secundárias.

MOREIRA NETO5, após diferenciar fontes em sentido material, subjetivo e formal, nos ensina que:

Para o Direito Administrativo releva apreciar o problema das fontes sob o critério formal, distinguindo as fontes organizadas – norma jurídica, doutrina e jurisprudência – e as inorganizadas – costume e praxe administrativa.

Os princípios não se constituem em fonte autônoma: serão doutrinários, quando induzidos da ordem jurídica, ou serão positivados, quando expressos na legislação.

Para LUCAS ROCHAS6A Constituição Federal, as leis – complementares, ordinárias, delegadas -, os tratados internacionais, os regulamentos, os costumes, a doutrina e a jurisprudência as principais fontes do Direito Administrativo”. Já em MAZZA7 se lê que “no Direito Administrativo, somente a lei constitui fonte primária na medida em que as demais fontes (secundárias) estão a ela subordinada. Doutrina, jurisprudência e costumes são fontes secundárias”.

Em COUTO8 se lê que “são, portanto, fontes objetivas do Direito Administrativo as normas jurídicas, os atos administrativos gerais e abstratos, os costumes e os princípios gerais”. Para GOMES9a doutrina administrativa classifica as fontes do Direito Administrativo como fontes escritas e fontes não escritas. As fontes escritas são a Constituição Federal, as leis ordinárias, os decretos, as medidas provisórias, as portarias, as circulares, etc..., ao passo que as fontes não escritas são principalmente os costumes e os princípios gerais do direito”.

MEDAUAR10 relaciona a Constituição Federal, as leis, aos administrativos gerais, a jurisprudência e a doutrina como forma de expressão ou fontes do Direito Administrativo.

Em arremate das citações doutrinárias sobre o tema, importa transcrever o posicionamento de GASPARINI11:

Os Autores costumam separar as fontes do Direito em escritas e não escritas. Em relação ao Direito Administrativo, as fontes escritas são as chamadas, genericamente, de lei (Constituição Federal, Emenda Constitucional, Lei Complementar, Lei Ordinária, Medida Provisória, Regulamento, entre outras), enquanto as não escritas são a jurisprudência, os costumes e os princípios gerais do direito. Observe-se que não há sobre essa matéria entendimento unânime entre os autores. Uns incluem, outros não, a doutrina como forma de exteriorização do Direito, isto é, como fonte. Outros entendem que a Administração Pública, em razão do princípio da legalidade, não pode fundamentar seus atos na jurisprudência, nos costumes ou na doutrina. Para estes só há uma fonte do Direito Administrativo: a lei.12

Ao visitar o tema na doutrina, a conclusão a que se chega é que existe variação terminológica sobre a classificação das fontes do direito administrativo e, também, existe divergência sobre quais seriam as fontes, registrando que é ponto comum encontrar, como fonte do direito administrativo, quatro pilares: lei, jurisprudência, doutrina e costumes.

Naturalmente não foram listados todos os autores que escrevem sobre Direito Administrativo, bem como, alguns dos autores listados podem ter revisitado o tema em edições mais recentes de seus livros, não obstante, o que se quer destacar e historiar é que a analogia não é indicada como fonte, em que pese alguns dos autores referenciados defenderem a sua utilização em situações pontuais dessa disciplina.

2.3. A Analogia como Fonte do Direito Administrativo

O art. 4º da LINDB (Lei nº 4.657/42) estabelece, como métodos de integração, a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito, sendo que estes são referenciados como fontes do direito administrativo para boa parte da doutrina, no entanto, há um silêncio no que diz respeito à analogia.

Tratamento diferente é verificado na doutrina civilista, na qual a analogia é indicada por muitos doutrinadores como fonte do direito, a exemplo, de TARTUCE13, o qual as classifica em fontes formais, diretas ou imediatas e fontes não-formais, indiretas ou mediatas, assim dispondo com relação as primeiras:

Fontes formais, diretas ou imediatas: constituídas pela lei, analogia, pelos costumes e pelos princípios gerais do direito, conceito que são retirados do art. 4º, da LICC. São fontes independentes que derivam da própria lei, bastando por si para a existência ou manifestação do direito. A lei seria fonte formal, direta ou imediata primária, enquanto a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito administrativo constituem fontes formais, diretas ou imediatas secundárias.

Talvez, a explicação para a não enumeração na doutrina administrativa da analogia como fonte do direito administrativo tenha relação direta com o princípio da legalidade, a significar que não se admitiria a criação de direitos ou imposição de obrigações por outra fonte que não fosse à lei, no entanto, mesmo no direito penal, se admite a aplicação da analogia em favor réu.

A analogia, em síntese apertada, significa aplicar para a mesma razão de fato, a mesma razão de direito, o que pode ser compreendido a partir do seguinte exemplo: o fato AA encontra regulamentação na lei XX, enquanto que o fato BB não possui regulamentação, existindo similitude entre o fato AA e BB, o que permitiria, em tese, a utilização da lei XX para decidir um caso que envolva o fato BB.

A doutrina diferencia a analogia legis, referente ao exemplo acima, na qual e utilizado como parâmetro uma lei para decidir caso que envolva fato não regulamentado, da analogia iuris, na qual será utilizado como parâmetro, não uma lei específica, mas um conjunto de normas.

Importa esclarecer que muitos dos autores consultados não enumeram um rol taxativo das fontes de direito administrativos e alguns, inclusive, indicam como “as principais” fontes, demonstrando a inexistência de entendimento consolidado quanto ao tema.

Em que pese essa incerteza doutrinária, defendemos que a analogia é importante fonte do direito administrativo, o que se comprova a partir do tratamento jurisprudencial dado ao tema.

2.4. O entendimento jurisprudencial

Um exemplo histórico da aplicação da analogia como fonte do direito administrativo é o Decreto nº 2.681 de 07/12/1912, o qual regula a responsabilidade civil das estradas de ferros com relação aos danos causados aos passageiros e a mercadorias transportadas, norma embrionária da responsabilidade objetiva e da teoria do risco, a qual passou a servir de parâmetro na jurisprudência para decidir a responsabilidade civil em outros tipos de contratos de transporte, a exemplo, do transporte coletivo por bondes elétricos e por ônibus, nítido exemplo de aplicação da analogia, conforme nos informa COELHO14:

A responsabilidade objetiva das estradas de ferro foi estendida, pela jurisprudência, aos empresários de outros ramos de transporte. De início, o Decreto 2.681 foi aplicado analogicamente aos danos no transporte urbano por bondes elétricos; em seguida, associados ao transporte por ônibus...

Em que pese o contexto histórico, as regras contidas no referido Decreto 2.681/12, ainda são utilizadas, por analogia, para fundamentar decisões que envolvem a responsabilidade civil das concessionárias de serviço público de transporte coletivo de passageiros, a exemplo do seguinte julgado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais cujo caso envolve ônibus:

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - ACIDENTE DE TRÂNSITO - CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO DE TRANSPORTE COLETIVO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA - QUEDA DE PASSAGEIRO - LESÃO FÍSICA - DANOS MORAIS - CONFIGURAÇÃO - VALOR DA INDENIZAÇÃO - MANUTENÇÃO. - As concessionárias de transporte coletivo, prestadoras de serviço público, respondem objetivamente pelos danos causados aos usuários dos seus serviços (passageiros). CR/88, art. 37, § 6º. - A responsabilidade das transportadoras está regulada ainda pelo Decreto n. 2.681, de 7.12.1912, sendo certo que no transporte que prestam existe a cláusula de incolumidade, em que o transportador tem a obrigação de conduzir o passageiro são e salvo ao lugar de seu destino. - A queda de passageiro no interior de ônibus por falha da prestadora do transporte, que resulte lesões físicas e afastamento da vítima de seu trabalho, possibilita reparação por dano moral. - Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando o seu patrimônio. A indenização pelo dano moral possui caráter punitivo, para que o causador do dano, diante de sua condenação, se sinta castigado pela ofensa que praticou; possui também caráter compensatório, para que a vítima receba valor que lhe proporcione satisfação como contrapartida do mal sofrido. - A fixação do quantum do dano moral deve se ater: (1) à capacidade/possibilidade daquele que vai indenizar, já que não pode ser levado à ruína; (2) suficiência àquele que é indenizado, pela satisfação da compensação pelos danos sofridos.

(TJMG - Apelação Cível 1.0079.14.072603-9/001, Relator(a): Des.(a) Ramom Tácio, 16ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 26/03/2018, publicação da súmula em 06/04/2018)

Do âmbito do Superior Tribunal de Justiça é possível indicar julgado de 201115 que admite a aplicação, por analogia, do prazo decadencial previsto na Lei Federal nº 9.784/99 (Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal), para anulação e revisão de atos administrativos, aos estados e municípios, vide ementa:

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. PENSÃO POR MORTE. REVISÃO DO VALOR. IMPOSSIBILIDADE. DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA EM FACE DO DECURSO DO PRAZO DE CINCO ANOS APÓS A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. APLICAÇÃO DA LEI FEDERAL N. 9.784/99 POR ANALOGIA INTEGRATIVA. 1. Nos termos da Súmula 473/STF, a Administração, com fundamento no seu poder de autotutela, pode anular seus próprios atos, de modo a adequá-lo aos preceitos legais. 2. Com vistas nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, este Superior Tribunal de Justiça tem admitido a aplicação, por analogia integrativa, da Lei Federal n. 9.784/1999, que disciplina a decadência quinquenal para revisão de atos administrativos no âmbito da administração pública federal, aos Estados e Municípios, quando ausente norma específica, não obstante a autonomia legislativa destes para regular a matéria em seus territórios. Colheu-se tal entendimento tendo em consideração que não se mostra razoável e nem proporcional que a Administração deixe transcorrer mais de cinco anos para providenciar a revisão e correção de atos administrativos viciados, com evidente surpresa e prejuízo ao servidor beneficiário. Precedentes. 3. Recurso especial conhecido e provido.

(REsp 1251769/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/09/2011, DJe 14/09/2011) GRIFO NOSSO

Ainda, o Superior Tribunal de Justiça já manifestou sobre a aplicação, por analogia, aos Estados e Municípios de algumas das regras contidas na Lei nº 8.112/90 (Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais), quando envolver direito de cunho constitucional que seja autoaplicável e desde que tal situação não gere aumento de gasto público16, indicando julgado de 2011, cuja ementa faz referência a outros precedentes mais antigos:

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR MUNICIPAL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCESSÃO DE LICENÇA. ACOMPANHAMENTO DE CÔNJUGE. SEM ÔNUS. SILÊNCIO NA LEI MUNICIPAL. ANALOGIA COM O REGIME JURÍDICO ÚNICO OU DIPLOMA ESTADUAL. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. QUESTÕES SIMILARES. ANÁLISE DE CADA CASO. PARCIMÔNIA. CASO CONCRETO. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. 1. Cuida-se de recurso ordinário interposto por servidora pública municipal que postulava o direito à concessão de licença para acompanhamento de seu cônjuge, sem ônus, com base na proteção à família (art. 266, da Constituição Federal) e na analogia com o diploma estadual (Lei Complementar Estadual n. 39/93) e o regime jurídico único federal (Lei n. 8.112/90), ante o silêncio do Estatuto dos Servidores do Município (Lei Municipal n. 1.794. de 30 de setembro de 2009). 2. A jurisprudência do STJ firmou a possibilidade de interpretação analógica em relação à matéria de servidores públicos, quando inexistir previsão específica no diploma normativo do Estado ou do município. Precedentes: RMS 30.511/PE, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, DJe 22.11.2010; e RMS 15.328/RN, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 2.3.2009. 3. O raciocínio analógico para suprir a existência de lacunas já foi aplicado nesta Corte Superior de Justiça, inclusive para o caso de licenças aos servidores estaduais: RMS 22.880/RJ, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, DJe 19.5.2008. 4. Relevante anotar a ressalva de que, "consoante o princípio insculpido no art. 226. da Constituição Federal, o Estado tem interesse na preservação da família, base sobre a qual se assenta a sociedade; no entanto, aludido princípio não pode ser aplicado de forma indiscriminada, merecendo cada caso concreto uma análise acurada de suas particularidades" (AgRg no REsp 1.201.626/RN, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, DJe 14.2.2011). 5. No caso concreto, o reconhecimento do direito líquido e certo à concessão da licença pretendida justifica-se em razão da analogia derivada do silêncio da lei municipal, e da ausência de custos ao erário municipal, porquanto a sua outorga não terá ônus pecuniários ao ente público. Recurso ordinário provido.

(RMS 34.630/AC, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/10/2011, DJe 26/10/2011)

Outro exemplo retirado da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça17 é a aplicação, por analogia legis, do prazo prescricional para propositura da ação popular previsto na Lei nº 4.717/65 às ações civis públicas pela ausência de prazo específico na Lei nº 4.347/85 que regulamenta essa última ação.

Não poderia deixar de registrar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a partir dos precedentes do Supremo Tribunal Federal, a exemplo, dos Mandados de Injunção de nº 670-ES, 708-DF e 712-PA, de utilizar os requisitos previstos na Lei nº 7.783/89, por analogia, para decidir pela viabilidade do exercício do direito de greve pelo servidor público em vista da ausência de regulamentação desse direito contido no art. 37, VII da Constituição Federal.

O Supremo Tribunal Federal18 em vista da ausência de previsão, na legislação estatutária, da contagem especial do tempo de serviço em atividade insalubre, reconheceu a mora do legislador e, em consequência, decidiu pela utilização das regras do regime geral de previdência social, em evidente aplicação da analogia.

Oportuno registrar que, certamente, existem inúmeros outros casos julgados19 no âmbito do Poder Judiciário envolvendo a aplicação da analogia no Direito Administrativo, não obstante, os julgados indicados do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal são suficientes para demonstrar o distanciamento entre o entendimento doutrinário e jurisprudencial sobre o tema.

Sobre o autor
Fabiano Batista Correa

Advogado, Professor de Direito Administrativo, Gestão Pública, Direito Constitucional e Direito Tributário

Informações sobre o texto

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