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O DELEGADO E A CULPA PELO “SER” – SEPARAÇÃO DOS PODERES EM QUARENTENA

Jose Antonio Gomes Ignacio Junior

Agenda 30/04/2020 às 16:24

A equivocada interferência do Judiciário, no ato de nomeação do Delegado-Chefe da Policia Federal, traz grande preocupação, pois interferir no âmago da discricionariedade do Presidente da Republica, é colocar a separação dos poderes em quarentena.

A decisão liminar do Ministro Alexandre de Moraes, nos autos do Mandado de Segurança 37.097, ajuizado pelo Partido Democrático Trabalhista – PDT –, foi  equivocada.

Relata o Impetrante que, Alexandre Ramagem, então nomeado para exercer o cargo de Diretor-Geral da Policia Federal (Decreto de 28/04/2020  -DOU de 28/4/2020), não atuaria com a necessária isenção sobre  investigações sigilosas, pois teria ligação intestina com a prole do Presidente (sic), e que sua indicação visava o “aparelhamento” da instituição, receio relatado pelo ex-ministro Sergio Moro em sua fala de despedida.

O Ministro Alexandre, cotejando as manifestações públicas do Presidente e do ex-ministro da Justiça, entendeu que haveria, a priori, ofensa aos princípios da moralidade e da impessoalidade, razão pela qual emitiu ordem judicial de suspensão da nomeação do delegado.

Após o deferimento da medida cautelar, Bolsonaro editou Decreto anulando a nomeação de Ramagem. De plano, oportuno ser ressaltado, que a nomeação em questão, é ato discricionário do Presidente da República (CF, art. 84, XXV e Lei Federal 9.266/1996, art. 2o-C).

Também não é desconhecida posição do Supremo Tribunal Federal, permitindo em casos teratológicos de falta de legitimidade, intervenção do Judiciário contra atos discricionários (REsp 17.126/MG).

A questão em debate é outra: o fato do delegado ter eventual relação de amizade com os filhos do Presidente, e as falas públicas entre este (Bolsonaro) e Sergio Moro, retira a impessoalidade e a moralidade das razões de nomeação? Ou seja, Ramagem pode ser preterido em ocupar o mais alto cargo da instituição que atua por “ser” conhecido da família do nomeante? A história recente do país demonstra que tais vertentes não impediram militantes declarados de certos partidos políticos, amigos de presidentes, de ocupar cargos sensíveis no governo federal, e até nas cortes superiores, sem qualquer desautorização judicial.

Outrossim, o ordenamento não veda que nomeados para cargos em comissão ou confiança, tenham relação de amizade com as autoridades, ao contrário do parentesco (Sumula Vinculante 13).

Quais fatos desabonariam moralmente Bolsonaro e Ramagem, para se “achar” que ocorreria um aparelhamento estatal, de modos a transformar a PF em órgão de inteligência? Certamente nenhum, tanto que o Delegado, até então, chefiava a ABIN, o que demonstra sua respeitabilidade.

O desacerto do Ministro Alexandre de Moraes se equipara ao do Ministro Gilmar Mendes quando inviabilizou a posse do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como ministro na gestão Rousseff.

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Essa interferência do STF na liberdade de atuação do Presidente da República, por motivos tão rasos, causa preocupação aos que lutam para manter nosso Estado de Direito e a devida separação dos poderes.

O Delegado foi impedido de ser ocupar o cargo porque de alguma forma, mantém relação de amizade com a família Bolsonaro, não por falta de méritos. Esse raciocínio de julgar pelo “ser” não pelo ato praticado, já ocorreu na historia.

O regime nazista adotava a teoria do Direito Penal do Autor, onde a punição não ocorria pela prática de um ato, mas pelos traços da personalidade do agente:

 "ainda que não haja um critério unitário acerca do que seja o direito penal do autor, podemos dizer que, ao menos em sua manifestação extrema, é uma corrupção do direito penal, em que não se proíbe o ato em si, mas o ato como manifestação de uma forma de ser do autor, esta sim considerada verdadeiramente delitiva. O ato teria valor de sintoma de uma personalidade; o proibido e reprovável ou perigoso, seria a personalidade e não o ato. Dentro desta concepção não se condena tanto o furto, como o ser ladrão”[1] ... “um Direito que reconheça, mas que também respeite, a autonomia moral da pessoa jamais pode penalizar o ser de uma pessoa, mas somente o seu agir, já que o direito é uma ordem reguladora de conduta humana. Não se pode penalizar um homem por ser como escolheu ser, sem que isso violente a sua esfera de autodeterminação"[2]

Felizmente, essa teoria morreu com o regime nazista, embora alguns tentem revitalizá-la com o nome de Direito Penal do Inimigo, acolhendo os apontamentos de Günther Jakobs. O controle judicial dos motivos determinantes do ato discricionário, deve ser feito com muito cuidado, não sendo recomendável o açodamento, como ocorreu, data vênia, pela via do mandado de segurança em questão. Embora o tema não trate de penalização no sentido estrito da palavra, é certo que Ramagem foi preterido por “ser próximo a família” não por “ter feito” algo desabonador. Aplicou-se pela via transversa, a teoria germânica do século passado, colocando a separação dos poderes em quarentena.


[1]ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. 2007. p. 107. In: MUZZI, Veridiane Santos. Teorias Antigarantistas - Aspectos do Direito Penal do Autor e do Direito Penal do Inimigo.http://www.lex.com.br/doutrina_24043823_TEORIAS_ANTIGARANTISTAS__ASPECTOS_DO_DIREITO_PENAL_DO_AUTOR_E_DO_DIREITO_PENAL_DO_INIMIGO.aspxAcesso em: 29/20/2020

[2]ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Enrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. São Paulo: RT, 1997. p. 119-120. In: MUZZI, Veridiane Santos. Teorias Antigarantistas - Aspectos do Direito Penal do Autor e do Direito Penal do Inimigo. http://www.lex.com.br/doutrina_24043823_TEORIAS_ANTIGARANTISTAS__ASPECTOS_DO_DIREITO_PENAL_DO_AUTOR_E_DO_DIREITO_PENAL_DO_INIMIGO.aspxAcesso em: 29/20/2020

Sobre o autor
José Antônio Gomes Ignácio Júnior

Advogado; Professor de Direito (EDUVALE/Avaré); membro do Conselho Editorial da Revista Acadêmica de Ciências Jurídicas da Faculdade Eduvale Avaré - Ethos Jus; Autor de vários livros e artigos jurídicos; Doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade Autônoma de Lisboa Luiz de Camões (Portugal); Mestre em Teoria do Direito e do Estado (UNIVEM); Pós-graduado (lato sensu) em Direito Tributário (UNIVEM) e Publico (IDP); Graduado em Direito (FKB) e Administração (FCCAA).

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