2. As hipóteses de concessão seletiva, percentual ou parcelada do benefício da gratuidade de justiça
2.1. Histórico e possíveis causas
A Súmula nº 51 do TJ/SC incorpora uma concepção unitária do benefício da gratuidade de justiça, segundo a qual o custeio de apenas uma despesa processual, ainda que ínfima, anularia o interesse recursal da parte em ver-se albergada pelo benefício nos gastos posteriormente exigíveis.
A inteligência do Enunciado se contrapõe, assim, a hipótese de concessão parcial do benefício, aplicável quando as condições financeiras da parte, por um lado, impossibilitem o custeio integral das despesas judiciais e, por outro, não justifiquem a extensão da isenção à totalidade dos gastos processuais. Trata-se de hipótese que, embora consagrada pelo CPC, já encontrava respaldo na derrogada Lei nº 1.060/50.
Ressalvadas algumas disposições esparsas e de menor expressividade20, o benefício da gratuidade de justiça não fora objeto de maior delineação pelo CPC/73, de modo que cabia primordialmente à Lei nº 1.060/50 a regência do tema em âmbito nacional. Sob a vigência do referido Diploma, doutrina e jurisprudência voltavam-se ao art. 13. para fundamentar a possibilidade de concessão percentual do benefício da justiça gratuita: “Se o assistido puder atender, em parte, as despesas do processo, o Juiz mandará pagar as custas que serão rateadas entre os que tiverem direito ao seu recebimento”.
Não obstante a truncada redação do dispositivo, ganhou solidez o entendimento doutrinário segundo o qual, uma vez constatadas (i) a insuficiência de recursos para o adimplemento integral das despesas judiciais; (ii) e, ao mesmo tempo, a possibilidade de custeio de uma fração das referidas despesas, o art. 13. da Lei nº 1.060/50 possibilitaria ao magistrado o deferimento do benefício mediante a concessão de desconto percentual à parte:
Uma vez concedido o benefício, a regra é que o beneficiário alcança in totum as benesses da assistência judiciária; contudo, se há possibilidade dele arcar com parte dos custos, em qualquer momento da relação jurídica de direito processual, pode o juiz determinar que ele suporte parcela fixa ou variável daqueles. (...) Então, o benefício pode ser concedido em parte, como, por exemplo, cabe ao beneficiário arcar com 30% das despesas judiciais. (CAMPO, 2002, p. 77) 21
Uma vez consolidado o aprimoramento do dispositivo legal pela doutrina, a concessão percentual do benefício da justiça gratuita passou a ser chancelada pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça22:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CONCESSÃO DE ISENÇÃO PARCIAL DO PAGAMENTO DE DESPESAS PROCESSUAIS (LEI Nº 1.060/50). POSSIBILIDADE. 1. O Judiciário pode conferir apenas em parte o benefício de assistência judiciária, desde que vislumbrada certa possibilidade de se arcar com as despesas processuais. 2. Agravo improvido.
(STJ - AgRg no Ag: 632839 MG 2004/0140886-1, Relator: Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, Data de Julgamento: 28/03/2006, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJ 15/05/2006 p. 312)
Pacificada no âmbito jurisprudencial e doutrinário a possibilidade de flexibilização do benefício às especificidades do caso concreto, coube ao CPC aperfeiçoar o tema no âmbito legal. Dentre os entendimentos positivados pelo Código, figuram os §§5º e 6º do art. 98, nos quais, superando-se as ambiguidades que circundavam o art. 13. da Lei nº 1.060/50, previu-se expressamente as hipóteses de concessão seletiva, percentual ou parcelada da gratuidade de justiça:
§ 5º A gratuidade poderá ser concedida em relação a algum ou a todos os atos processuais, ou consistir na redução percentual de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento.
§ 6º Conforme o caso, o juiz poderá conceder direito ao parcelamento de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento.
Em prol da clareza dos conceitos empregados, compreende-se como concessão seletiva a delimitação do benefício a uma ou algumas das espécies típicas e atípicas23 de despesas processuais. Por sua vez, as modalidades de concessão percentual e parcelada concernem, respectivamente, à possibilidade do beneficiário custear tão somente uma porcentagem das despesas processuais ou adimpli-las de forma parcelada.
Embora não se possa atribuir ineditismo ao CPC na pacificação da possibilidade de concessão percentual do benefício (DIDIER; OLIVEIRA, 2016, p. 53)24, há de se apontar a originalidade do Diploma Processual em ampliar os instrumentos de dosagem da hipossuficiência financeira das partes, alçando ao patamar legal, de forma inovadora, a possibilidade de concessão seletiva ou parcelada do benefício (art. 98, §§5º e 6º).
Mais do que consagrar a hipótese de concessão parcial 25 , os §§5º e 6º do art. 98. são responsáveis por conferir, no âmbito legal, atributos de delimitação (concessão seletiva) e fracionamento (isenção percentual ou parcelada) à gratuidade de justiça, rompendo-se, em definitivo, com um modelo binário de irrefletido deferimento ou indeferimento integral do benefício.
Ao proporcionar ampla gradação e, por conseguinte, melhor adequação do custeio das despesas processuais às condições financeiras das partes, a efetiva adoção da tríade de instrumentos disponibilizada pelos §§5º e 6º do art. 98. demonstra-se benéfica tanto ao Estado-Juiz quanto às partes litigantes.
Sob a perspectiva estatal, embora o papel desempenhado pelo Poder Judiciário seja digno de reconhecimento e apreço, o constante e vertiginoso aumento no número de processos entre os anos de 2009 e 2017 (CNJ, 2019, p. 79)26 alerta para a premente necessidade de readequação dos custos atrelados à máquina jurisdicional. Apenas em 2018, o Judiciário brasileiro dispendeu um total de R$ 93.725.289.276,00 montante equivalente a 1,4% do Produto Interno Bruto registrado no mesmo ano (CNJ, 2019, pp. 84-86).
Para fins comparativos, constata-se que o dispêndio anual com a manutenção do Poder Judiciário supera, em muito, o volume de recursos destinados a pautas prioritárias da agenda pública, tais como saneamento básico e infraestrutura27:
O impasse quanto ao alto custo do Judiciário nacional, na iminência de atingir a ordem da centena de bilhão, adquire contornos dramáticos quando constatado que 90,8% desses gastos encontram-se engessados em folhas de pagamento de pessoal, devendo as estratégias de curto prazo voltadas à sustentabilidade da jurisdição centrar-se nos R$ 8,6 bilhões restantes, verba sujeita à efetiva gestão.
Figura 1 – Alocação orçamentária do Poder Judiciário
Fonte: CNJ, 2019.
Repensar a forma de provimento jurisdicional não é, portanto, uma opção normativa incompatível com o princípio constitucional de acesso à justiça, mas uma necessidade orçamentária que torna sustentável a efetiva materialização de tal princípio.
Nesse cenário, a desoneração seletiva, percentual ou parcelada do Estado no custeio das despesas processuais reclama maior atenção da prática forense. O Centro Nacional de Inteligência da Justiça Federal (CNIJF) alerta que “Pouco se debateu, até o momento, sobre a possibilidade da concessão de gratuidade limitada, à luz das disposições do novo CPC. A tendência se manteve a mesma que já era adotada sob a égide do CPC de 1973.” (CNIJF, 2019, p.18). O Órgão se mobiliza em estudos voltados a minimizar os gastos suportados pela Justiça Federal que, somente no ano de 2017, dispendeu R$ 170.418.280,45 no custeio de perícias judiciais (CNIJF, 2018, p. 3). Diante de tal cenário, potencialmente abrandável pela efetiva implementação da tríade de instrumentos prevista nos §§5º e 6º do art. 98, recomenda-se:
Algumas medidas paliativas podem ser implementadas com vistas a reduzir os impactos da concessão da gratuidade judiciária. São elas, entre outras: (i) concessão parcial da gratuidade, quando for o caso; (ii) pagamento de parte das despesas com perícia pelo beneficiário (ou pagamento da segunda ou terceira perícias) (...) (CNIJF, 2019, pp. 28-29)
Na conjuntura do Judiciário nacional, o Relatório Justiça em Números consigna o deferimento da assistência judiciária gratuita (AJG) em 34% dos processos em curso (CNJ, 2019, p. 84), ressalvadas as ações penais, o que corresponde a uma despesa anual de, aproximadamente, um bilhão de reais – montante equivalente a 11% do orçamento do Judiciário não afetado à folha de pagamento (R$ 8,6 bilhões).
Aqui impende um apontamento: embora a doutrina distinga a AJG e o benefício da gratuidade de justiça, sendo a primeira compreendia como o direito à representação processual gratuita por profissional de direito e a última como a isenção ao pronto custeio das despesas judiciais28, o Relatório elaborado pelo CNJ não delineia os gastos que adviriam especificamente do benefício da gratuidade de justiça, o qual, evidentemente, pode ser concedido à parte que goze ou não da AJG. Sem pretensões de acuidade estatística, a qual não constitui o objeto deste estudo, assume-se, em uma valoração otimista de dados, que o supramencionado gasto anual de um bilhão de reais englobe o total das despesas judiciais arcadas pelo Estado na concessão do benefício da gratuidade: (i) àqueles contemplados pela AJG, não sendo a gratuidade judicial consequência necessária, embora usual, de tal contemplação; e (ii) àqueles patrocinados por advogados particulares e que, em não poucos casos, igualmente são albergados pela isenção de despesas judiciais (art. 99, §4º). Face às aproximações aqui adotadas, é possível que o custo ao Estado decorrente da gratuidade de justiça seja ainda maior, especialmente quando constatado que 14 dos 27 Tribunais de Justiça Estaduais não possuem dados fidedignos quanto aos gastos atrelados à AJG29. Faz-se imprescindível, em prol do responsável regramento dos institutos processuais de assistência, o pronto processamento de tais dados por uma coleta sistematizada.
Por outro lado, a concessão genérica e irrefletida do benefício da gratuidade demonstra-se igualmente prejudicial ao jurisdicionado, porquanto reduz as singularidades do caso concreto a uma classificação binária: o requerente do benefício é considerado apto ou inapto ao custeio integral do processo:
A análise do requerimento do benefício deixa de ser feita com base no tudo ou nada, oito ou oitenta. Com isso, muitos pedidos que outrora eram feitos e rejeitados, sob o fundamento de que o requerente não era tão pobre assim, poderão agora ser reavaliados. A modulação ganha importância exatamente aí: nas situações limítrofes, em que o requerente não é tão evidentemente pobre, mas tampouco é notoriamente abastado. Em situações tais, o pensamento do tudo ou nada fatalmente causaria um prejuízo a alguém. Com a possibilidade, agora expressa, de concessão de um benefício alternativo, o julgador pode viabilizar uma solução para aquele caso em que o requerente tem, ao menos, condições de antecipar urna parte do pagamento, ou o pagamento da maioria dos atos processuais, ou ainda o pagamento parcelado. (DIDER; OLIVEIRA, 2016, p. 54)
Note-se que a evolução no regramento do benefício indica a superação legislativa dos paradigmas de pobreza e necessidade então vigentes sob a Lei nº 1.060/50 (arts. 2º, parágrafo único e 4º, §1º30), os quais foram sucedidos pela consagração do critério de “insuficiência de recursos” como requisito à concessão do benefício da gratuidade (art. 5º, LXXIV, da CF e art. 98, caput, do CPC). A evolução do ordenamento jurídico repudia, assim, a análise binária calcada em um modelo de “tudo ou nada”, na qual a concessão do benefício inclina-se a perquirir uma comprovação de miserabilidade do requerente.
É possível que uma pessoa natural, mesmo com boa renda mensal, seja merecedora do benefício, e que também o seja aquele sujeito que é proprietário de bens imóveis, mas não dispõe de liquidez. (...) Por isso mesmo, nem sempre o beneficiário será alguém em situação de necessidade, de vulnerabilidade, de miséria, de penúria – sobretudo agora, com a possibilidade expressa de modulação do benefício. (DIDIER; OLIVEIRA, 2016, pp. 60-61).
Negar efetividade aos instrumentos de gradação previstos nos §§5º e 6º do art. 98. implica, portanto, grave deficiência de prestação jurisdicional, seja sob a constatação fática de inadequação à pluralidade de situações observáveis em casos concretos, seja sob o argumento estritamente jurídico, porquanto superado, há muito, o paradigma de condicionamento do benefício à miserabilidade do beneficiário.
2.2. Novo paradigma de provimentos jurisdicionais aplicáveis ao pedido de concessão da gratuidade de justiça
Embora notáveis, a consagração, no âmbito legal, das hipóteses de concessão seletiva, percentual e parcelada da gratuidade de justiça e a positivação dos respectivos atributos de delimitação e fracionamento não encerram as contribuições dos §§5º e 6º do art. 98. à sofisticação da gratuidade de justiça no Direito Processual brasileiro. Isto porque, mais do que a mera enunciação legislativa da tríade de instrumentos gradativos, os dispositivos buscam uma alteração paradigmática dos provimentos jurisdicionais aplicáveis ao pedido de concessão do benefício.
Prima facie, deve-se compreender que, em geral, os pedidos submetidos à apreciação judicial comportam três hipóteses de provimentos jurisdicionais (art. 490): (i) acolhimento integral; (ii) rejeição integral; ou (iii) acolhimento parcial – sendo esta última restrita aos pedidos passíveis de fracionamento, nos quais cabe ao magistrado negar provimento à fração à qual a parte carece de direito31.
Assim, nos pedidos insuscetíveis de fracionamento, tal qual a entrega de coisa indivisível, a atuação do magistrado é, a princípio32, restrita às hipóteses de acolhimento ou rejeição integrais. Noutro giro, os pedidos fracionáveis, referentes, por exemplo, às obrigações pecuniárias ou de fazer concernentes a objetos divisíveis, conferem ao magistrado uma terceira hipótese, qual seja, o acolhimento parcial do pedido.
Sendo a gratuidade de justiça legalmente dotada dos atributos de delimitação (seletividade) e fracionamento (isenção percentual ou parcelada), não há dúvida quanto ao pertencimento do benefício a este último grupo.
Nesse sentido, ao ditar que a gratuidade poderá ser concedida parcialmente, o legislador não confere ao magistrado uma faculdade, mas insere no âmbito da apreciação judicial uma terceira hipótese que, acaso aplicável às especificidades financeiras do caso concreto (capacidade da parte versus despesas a serem custeadas), deverá ser concedida à parte parcialmente hipossuficiente, sob risco de negativa do direito constitucional de assistência do Estado aos desprovidos de suficiência de recursos (art. 5º, LXXIV, da CF).
Assim, o provimento jurisdicional que, ao verificar a hipossuficiência parcial de recursos pelo jurisdicionado, indefere integralmente o benefício da gratuidade de justiça, demonstra-se tão equivocado quanto a decisão que, ao reconhecer tão somente parcela da soma pleiteada pelo autor, indefere integralmente o pedido deduzido em juízo.
Ao formular o pedido à gratuidade de justiça, o requerente pugna pela concessão de isenção a todo o espectro de despesas, típicas e atípicas, insurgentes no curso do processo33. Incumbe ao magistrado, então, um exercício de ponderação entre a capacidade financeira demonstrada pela parte versus as despesas processuais a serem custeadas para, somente após essa análise, verificar a aplicabilidade das seguintes hipóteses de provimento jurisdicional: (i) acolhimento integral, lastreada na miserabilidade da parte; (ii) rejeição integral do pedido, em razão da suficiência financeira do requerente frente aos gastos da demanda; ou (iii) acolhimento parcial, aplicável aos casos intermediários nos quais as condições financeiras da parte não caracterizem hipossuficiência absoluta, tampouco impossibilitem o custeio integral do processo.
Desse modo, o novo CPC melhor regula a situação de impossibilidade relativa de pagamento das despesas. Fossem os gastos, no caso concreto, de apenas algumas centenas de reais, para um litigante de classe média-alta não haveria óbice ao acesso à justiça; entretanto, quando tais despesas podem entrar na casa das dezenas de milhares de reais, é improvável que, à exceção dos mais abonados do extremo ápice da pirâmide social, a parte tenha condições de adiantar as custas incidentes sobre o feito. Negar-lhes o benefício, nesse caso, seria uma afronta ao direito de acesso à justiça; mas, por outro lado, a gratuidade completa também não soa adequada. Mostrou-se bastante oportuna, portanto, a afirmação expressa da possibilidade de concessão de gratuidade parcial, trazida pelo CPC/2015, cabendo ao magistrado, caso a caso, determinar a proporção do benefício a ser concedido ao requerente. (MARCACINI; MARTINS, 2016, p. 39).
Diante deste último cenário, incumbe ao magistrado eleger os instrumentos gradativos que melhor se adequem ao caso, mediante a concessão de um desconto percentual ao requerente, a dilatação do recolhimento das custas em parcelas ou, se o caso, a delimitação de isenção a apenas um segmento das despesas processuais. Pode o Juiz, inclusive, optar pela aplicação cumulativa das modalidades intermediárias do benefício:
Embora o NCPC não contemple a hipótese de maneira explícita, plenamente possível, a meu ver, a combinação de todas as três benesses referidas, vale dizer, a concessão de redução percentual da despesa de um só ato processual, mediante pagamento parcelado. (SILVA, 2015, p. 306).
Portanto, a inauguração de uma terceira via de provimento do benefício retira do magistrado, quando interpelado por parte parcialmente hipossuficiente, a faculdade de sopesar a aplicabilidade de concessão parcial do benefício, cuja análise torna-se compulsória, seja por melhor se coadunar ao princípio de fundamentação das decisões (art. 11), seja por proporcionar melhor alocação dos custos processuais entre as partes e o Estado-Juiz.
Preserva-se, assim, o direito de acesso à justiça em igualdade de condições, o qual, para além da estatura constitucional (art. 5º, LXXIV), é refletido pelo CPC no dever do magistrado em assegurar às partes igualdade de tratamento (art. 139, §1º) e na norma fundamental do processo civil à paridade de armas, expressamente estendida aos ônus processuais e aos meios de defesa:
Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.
Sem prejuízo da necessária ressignificação forense quanto à análise dos pedidos à gratuidade de justiça, tem-se que o posicionamento de sequer considerar as condições financeiras apresentadas pela parte, por amparo exclusivo em prévio custeio de algum encargo processual, é eivado de patente incoerência.
Conquanto a impossibilidade de arcar com as custas judiciais ordinárias (art. 98, §1º, I e VIII) redunde na impossibilidade de arcar com diligências de maior monta (art. 98, §1º, V, VI, VII e IX), tem-se que o contrário não necessariamente seja verdade34. É dizer: não se pode pressupor que a possibilidade financeira do litigante em arcar com as custas inicias e recursais implique na aptidão ao custeio das diligências probatórias (tradução juramentada, exame pericial) e executivas (avaliação, averbação, memória de cálculo) igualmente inerentes ao processo.
Assim, é um engano pressupor que o recolhimento do preparo, apenas uma das inúmeras espécies típicas e atípicas de despesas processuais, anule o interesse recursal em rediscutir a incidência seletiva, percentual ou parcelada do benefício aos demais encargos que o recorrente entende ser incapaz de custear. Em tal salto conclusivo, reside a ilegal concepção da gratuidade de justiça incorporada pelo Enunciado da Súmula nº 51 do TJ/SC.