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Gerenciamento de riscos à luz da Lei nº 13.979/2020: teoria e prática

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3. Gerenciamento de Riscos nas aquisições provenientes da Lei nº 13.979/2020

Para o enfrentamento da Covid-19 a nova lei temporária determinou a possibilidade de aquisições e contratações via Suprimento de Fundos, por Dispensa de Licitação (contratação direta) e via Pregão Express, inclusive, com o advento da Medida Provisória nº 951/2020, permite-se que as duas últimas sejam efetivadas também via Sistema de Registro de Preços - SRP.

Fazendo uso dessas formas de aquisição, o poder público pode comprar bens, contratar serviços e adquirir insumos, inclusive para a realização de serviços de engenharia, posto que destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus.

Para promover a identificação dos riscos atinentes a cada uma dessas formas de contratação, sugerimos, previamente, a análise do documento elaborado pelo Tribunal de Contas da União, denominado Riscos de Controles nas Aquisições - RCA, disponível no seguinte endereço eletrônico: https://portal.tcu.gov.br/comunidades/controle-externo-das-aquisicoeslogisticas/atuacao/riscos-e-controles-nas-aquisicoes/ .

Neste documento de caráter doutrinário, o TCU apresenta um metaprocesso de trabalho para contratação de objetos em geral, construído a partir de 214 outros documentos, possuindo 370 afirmativas, sendo 117 riscos, 150 possíveis controles internos para mitigá-los e 103 outras (definições, considerações etc.), distribuídos pelas fases, etapas e tarefas do metaprocesso de contratação proposto (números da primeira versão, publicada em 6/6/2014). Trata-se de instrumento dotado de base normativa que muito contribui para o aprimoramento de gestão das contratações, sendo de grande valia sua utilização.

3.1. Aquisições através de suprimento de fundos

Explica-nos a CGU em manual sobre o assunto, acessível através do link https://www.gov.br/cgu/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/orientacoes-aos-gestores/arquivos/suprimento-de-fundos-e-cartao-de-pagamento.pdf que:

O que diferencia a execução da despesa por Suprimento de Fundos das demais formas de execução de despesa é o empenho feito em nome do servidor, o adiantamento da quantia a ele e a inexistência de obrigatoriedade de licitação. Porém, a realização dessas despesas deve observar os mesmos princípios que regem a Administração Pública - legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, bem como o princípio da isonomia e da aquisição mais vantajosa para a Administração Pública. (Grifo nosso)

Apesar da simplicidade do procedimento, faz-se necessária estrita observância aos princípios que regem a Administração Pública, definidos no art. 37, caput, da Constituição Federal e ao dever de publicidade determinado no § 2º, do art. 4º da Lei nº 13.979/2020. Nesse sentido, na prática, percebe-se que os órgãos/entidades têm encontrado dificuldades para aquisição de alguns tipos de insumos por meio de procedimento mais demorado, daí a necessidade de “turbinar” o processo de aquisição levando à utilização dessa forma de aquisição.

No que tange aos atos de gestão, parece-nos, à primeira vista, não haver dificuldade quanto aos produtos adquiridos por suprimento de fundos ou regime de adiantamento, uma vez o próprio agente público torna-se executor da despesa e, ainda, considerando que a lei estabelece a utilização do Cartão de Pagamento do Governo Federal.

Entretanto, é fundamental muito cuidado, uma vez que o suprido deve prestar contas dos recursos que lhe foram confiados, por meio da apresentação de documentos originais, devidamente atestados, emitidos em nome do órgão, comprovando as despesas realizadas, e ainda para não incorrer em fracionamento, situação que ensejaria responsabilização por fuga ao processo licitatório ou de dispensa de licitação.

A nova legislação estabeleceu para essa modalidade os seguintes limites:

No que pertine a compras e outros serviços até R$ 176.000,00, realizada a aquisição, deve-se atentar para a seguinte documentação:

a) no caso de compra de material, Nota Fiscal de Venda ao Consumidor, Nota Fiscal Fatura, Nota Fiscal ou Cupom Fiscal;

b) no caso de prestação de serviços por pessoa jurídica, Nota Fiscal de Prestação de Serviços ou Nota Fiscal Fatura de Prestação de Serviços;

c) no caso de prestação de serviços por pessoa física: recibo comum, se o credor não for inscrito no INSS; Recibo de Pagamento de Autônomo (RPA), se o credor for inscrito no INSS; e cópia da GPS e do DARF respectivo, quando for o caso;

d) quando houver devolução de recursos sacados, a Guia de Recolhimento da União referente ao valor sacado e não utilizado.

Importante mencionar, para aquisições via suprimento de fundos, a não abrangência de obras, podendo ser realizados serviços de engenharia urgentes e inadiáveis, como por exemplo, a pintura e revitalização de ala de hospital a ser ativada para atendimento a pacientes portadores da Covid-19, situação que denota ao suprido especial atenção no que tange à documentação necessária à prestação de contas.

Além do pagamento indevido ou sem o devido recebimento do material/serviço que se pretende adquirir, a ausência de cuidado do suprido, ensejará sua responsabilização através da desaprovação de suas contas.

Nesse sentido, podemos afirmar, de forma peremptória, que existem riscos que devem ser considerados pelo suprido, sendo salutar, em razão da ausência de determinação legal, que se adote, minimamente, a título de “boa prática”, modelo resumido de matriz de riscos, mapeando-se aqueles mais relevantes, cuja ocorrência conduza à desaprovação das contas ou à ineficácia da aquisição.

Assim sugerimos, o seguinte modelo simplificado de mapa de riscos que deve ser utilizado apenas se não representar entrave ou gerar atraso ao procedimento:

Quadro 1 - Mapa de Riscos

RISCO

IMPACTO

PROBABILIDADE

CONTROLE

Ausência de documento hábil que comprove a realização da despesa ou emissão de documento fora da validade, com falhas no preenchimento, levando à incorreção do atesto

...

...

-Manter cartilha sobre utilização de suprimento de fundos

-Criar check list para auxiliar a conferência da documentação

-Maior rigor na etapa de recebimento, realizando controle do prazo de entrega e da qualidade do objeto/serviço adquirido

-Verificar se os documentos comprobatórios da realização da despesa (notas fiscais, recibos e outros) são originais, estão sem rasuras, em nome do órgão/entidade, e se apresentam a data, o endereço e a discriminação da despesa efetivamente realizada, bem como a declaração de recebimento da importância paga emitida pelo fornecedor e, ainda, o respectivo atesto do

recebimento/execução do serviço pelo demandante

-verificar a data de validade do documento fiscal recebido e se esta se encontra dentro do período de aplicação;

-confrontar os documentos comprobatórios da realização das despesas com as faturas fornecidas pela instituição operadora do Cartão

Ausência de recolhimento de tributos (ISS)

...

...

-Observar a legislação tributária pertinente, especialmente quanto ao município de emissão da Nota Fiscal de serviços;

-Realizar criteriosa conferência da documentação, observando o campo relativo ao ISS

-Realizar conferência do relatório de prestação de contas, antes do envio ao setor de análise

Ausência de recolhimento de à previdência social (11%) sobre cessão de mão de obra

...

...

-Observar a legislação tributária pertinente, especialmente quando da contratação de prestadores de serviço autônomos;

-Realizar criteriosa conferência da documentação

-Realizar conferência do relatório de prestação de contas, antes do envio ao setor de análise

Deixar de recolher, via GRU, os valores sacados e não gastos após 3 (três) dias.

...

...

-Verificar se houve recolhimento ao Tesouro Nacional de qualquer saldo em espécie porventura em seu poder

Estimativa inadequada das quantidades adquiridas

...

...

Ausência de levantamento criterioso da quantidade necessária ao atendimento da situação emergencial

Fonte: Autores

Observação: Entendemos, ante a simplicidade do procedimento, que o suprido é o único responsável pelas ações de identificação, avaliação, tratamento de riscos e definição ações de contingência.

Legenda (Impacto/Probabilidade): Muito Alto - 4, Alto - 3, Médio - 2, Baixo - 1

Observação: Valores que devem ser definidos de acordo com a série histórica, estrutura organizacional ou preexistência de controles no órgão.

Ainda que este seja o procedimento mais célere e mais simplificado para adquirir insumos com vistas ao enfrentamento dos efeitos do coronavírus recomenda-se que o suprido adote cuidados básicos sempre tendo em mente o dever de prestar contas e de gerir corretamente os recursos públicos, sendo prudente alertar que a cada mudança significativa, altera-se a forma de analisar os riscos.

3.2. Contratação direta

Neste momento tão sensível a contratação por dispensa de licitação tem sido a forma mais utilizada para a aquisição de bens e insumos e para a contratação de serviços, inclusive de engenharia, destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus. Para se ter uma ideia, o Governo Federal, até o último dia 15/04/2020, realizou 1.357 (mil trezentas e cinquenta e sete) contratações por esta modalidade, o que equivale a um custo superior a R$ 828,5 milhões - dados do Ministério da Economia.

Há de se ressaltar que o legislador, em virtude do próprio caráter emergencial, não cuidou de estabelecer um “teto” para essas contratações, o que nos leva a afirmar, com fundamento na análise de várias contratações já realizadas em âmbito Federal, que “o céu é o limite”.

O legislador, entretanto, cuidou de determinar a observância do dever de transparência ao estabelecer que todas as contratações ou aquisições realizadas com fulcro na Lei do Coronavírus sejam imediatamente disponibilizadas em sítio oficial específico na rede mundial de computadores (internet), contendo, no que couber, além das informações previstas no § 3º do art. 8º da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, o nome do contratado, o número de sua inscrição na Receita Federal do Brasil, o prazo contratual, o valor e o respectivo processo de contratação ou aquisição.

Também estabeleceu que esse modelo de dispensa de licitação é temporário e aplica-se apenas enquanto perdurar a emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus. Assim, considerando a publicidade acima mencionada, podemos observar contratações por dispensa realizadas pelo Ministério da Saúde:

Quadro 2 - Contratações Ministério da Saúde

Objeto

Valor Total Contrato

EMPRESA

CNPJ

Nº CONTRATO

Prazo (180 dias)

Forma de aquisição

Touca hospitalar, material não tecido 100% polipropileno, modelo com elástico em toda a volta, cor sem cor, gramatura 20G/M2, tamanho único, uso descartável, hipoalergênica, atóxica, inodora, unissex

R$ 360.000,00

REAGEN PRODUTOS PARA LABORATÓRIOS LTDA

82.075.748/0001-18

101/2020

30-set-20

Dispensa de Licitação

ÁLCOOL ETÍLICO, TIPO HIDRATADO, TEOR ALCOÓLICO 70% (70GL), APRESENTAÇÃO GEL

R$ 6.680.000,00

LIMA & PERGHER INDÚSTRIA E COMÉRCIO S /A

22.685.341/0001-80

105/2020

30-set-20

Dispensa de Licitação

UTI ADULTO/PEDIÁTRICA DE ALTA COMPLEXIDADE

R$ 28.680.000,00

RTS RIO S/A

04.050.750/0001-29

73/2020

30-set-20

Dispensa de Licitação

UTI ADULTO/PEDIÁTRICA DE ALTA COMPLEXIDADE

R$ 60.975.600,00

LIFE MED INDUSTRIAL DE EQUIPAMENTOS E ARTIGOS MÉD

02.357.251/0016-30

81/2020

16/09/2020

Dispensa de Licitação

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Em boa hora, é necessário registrar a falta de maturidade da Administração Pública para realizar análise criteriosa de riscos, uma vez que a maioria dos órgãos/entidades sequer possuem uma matriz de riscos geral ligada ao planejamento de suas contratações.

É fato que não existe em nossas organizações o hábito realizar e difundir práticas voltadas ao trabalho pontual de Gerenciamento de Riscos intimamente ligados à fase da contratação, sendo este, certamente, o “calcanhar de aquiles” da Lei nº 13.979/2020.

A este cenário, somam-se as contratações resultantes dos “pregões express”, que, assim como as demais relacionadas à Lei do Coronavírus, conduzirão o gestor contratual à obrigação de gerenciar riscos de aquisições firmadas sob o manto de notável flexibilização de procedimentos.

Com isso, ante o iminente prejuízo ao nosso bem maior, vimos o legislador tornar maleável o “modus operandi” do procedimento licitatório, para endurecer na fase da gestão do contrato. Aqui, ressaltamos que isso não é, em absoluto, motivo para flexibilizar o Gerenciamento de Riscos.

Assim, ainda que a Administração contrate, em razão de extrema necessidade, fornecedor inidôneo ou que não possua regularidade fiscal, ou ainda que adquira equipamentos usados, cuja qualidade seja de difícil apreciação, o papel precípuo da gestão contratual é de garantir a viabilidade desses acordos já firmados e assegurar que os resultados pretendidos, quando da contratação, em termos de negócio, sejam efetivamente realizados, coibindo-se, além de frustrações em razão de um consequente não atendimento da necessidade primordial - evitar contágios e salvar vidas - o uso irregular do dinheiro público.

De volta a nossa atividade prática, asseveramos que, nesta forma de contratação, diferente do sugerido gerenciamento simplificado das aquisições por suprimentos de fundos, nos encontramos diante de um processo mais elaborado, com a provável celebração de um contrato administrativo, regulado pelos preceitos de direito público e contendo expressamente obrigação de que sejam designados agentes responsáveis para a prática de atos de gestão e de fiscalização.

No que toca à fiscalização contratual, resta válida a regra de que para o recebimento de material de valor superior a R$ 176.000,00 (cento e setenta e seis mil reais) deve ser designada comissão de, no mínimo, 3 (três) membros, nomeados por autoridade competente.

Permanece também a regra de que cabe ao representante da Administração promover anotações em registro próprio de todas as ocorrências relacionadas à execução do contrato, indicando dia, mês e ano, bem como o nome dos envolvidos, determinando o que for necessário à regularização das falhas ou defeitos observados e, inclusive, encaminhando esses apontamentos à autoridade competente para as providências cabíveis.

O objeto voltado a nossa prática será a contratação recente, realizada através do Processo nº 25000.041371/2020-24 (https://www.saude.gov.br/contratos-coronavirus), que tem por objeto a aquisição de álcool etílico, tipo hidratado, teor alcoólico 70% (70GL), no valor de R$ 6.680.000,00. Contrato nº 105/2020, celebrado entre o Ministério da Saúde e a empresa LIMA & PERGHER INDÚSTRIA E COMÉRCIO S/A, com vigência de 180 (cento e oitenta) dias, prorrogáveis por períodos sucessivos, enquanto perdurar a necessidade de enfrentamento dos efeitos da situação de emergência de saúde pública.Para este modelo sugerimos, minimamente,a seguinte matriz:

Quadro 3 - Mapa de Riscos

RISCO

IMPACTO

PROBABILIDADE

CONTROLE

RESPONSÁVEL

Entrega fora do prazo

PREVENIR - Consultar outros órgãos visando a obter indicações de empresas confiáveis no mercado

PREVENIR - Solicitar ao fornecedor apresentação de portfólio de imagens demonstrando a capacidade de fornecimento

Comissão de recebimento

Entrega fora do padrão de qualidade exigido

MITIGAR - Realizar testes de qualidade para atestar a adequação do produto às especificações

Comissão de recebimento

Adquirir quantidade insuficiente

MITIGAR - Criar planilha com base atualizada de informações relativas a o aumento do número de casos - Criar planilha de distribuição

Fiscalização

Entrega de produtos em desconformidade ou falsificados

PREVENIR - Manter estoque regulador pelo tempo necessário à realização de nova aquisição - Reavaliar o processo de trabalho de conferência e validação dos materiais recebidos

Gestão Contratual/ Fiscalização

Objeto entregue fora da especificação desejada

MITIGAR - Rever especificações técnicas e de qualidade

Comissão de recebimento Gestão Contratual / Fiscalização

Produto não fornecido

MITIGAR - buscar soluções alternativas e sugerir administração coerente dos estoques

Gestão Contratual

Impedimento de continuidade do fornecimento do objeto

MITIGAR - buscar soluções alternativas e sugerir administração coerente dos estoques

Gestão Contratual

Execução contratual deficiente

Não aplicação de penalidade à contratada

MITIGAR - capacitar servidores - Designar servidor que conheça o objeto da contratação

Administração

Sanções desproporcionais à conduta do fornecedor/ausência de sanções em caso de descumprimento das cláusulas contratuais

MITIGAR - correta padronização dos instrumentos contratuais - Capacitar servidores

Administração

Necessidade de autorização superior para prorrogação contratual

ACEITAR - risco que se mantém por obrigação normativa

Gestão Contratual

Fonte: Autores

Legenda (Impacto/Probabilidade): Muito Alto - 4, Alto - 3, Médio - 2, Baixo - 1

Observação: Valores que devem ser definidos de acordo com a série histórica, estrutura organizacional ou preexistência de controles no órgão.

Para além da análise e gerenciamento dos riscos, é preciso que a gestão contratual (aqui entenda-se gestão e fiscalização) não abra mão da necessária aplicação de sanções motivadas pela inexecução total e parcial do ajuste (nos termos do que preconiza o inciso IV, do art. 58. c/c arts. 77. e 87, da Lei nº 8.666/93), por essa razão indicamos excelente material elaborado pela Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação, do extinto MPOG, atual Ministério da Economia, a saber os Cadernos de Logística: Sanções Administrativas em Licitações e Contratos e Sanções Administrativas - Diretrizes para a formulação de procedimento administrativo específico, ambos disponíveis no link https://www.comprasgovernamentais.gov.br/index.php/cadernos. Cumpre, ainda, relembrar que a cada evento relevante ocorrido, sempre será cabível revisão do mapa de riscos.

3.3. Pregão Express

Já tratamos no item 2.4 sobre as nuances desse tipo de contratação, cabendo aqui pincelar entendimento compartilhado pelo Professor Anderson Pedra, de que resta vedada a realização de qualquer procedimento em que o tempo para sua realização traga mais riscos, não podendo a emenda sair-se pior que o soneto.

Pegando um gancho nessa ideia do Ilustre Professor, podemos dizer que a forma de gerir riscos dos contratos celebrados via pregão express será a mesma utilizada naqueles celebrados via dispensa de licitação, isso porque a diferença entre ambos reside na urgência da contratação, aqueles mais urgentes e estes de urgência moderada.

Antes mesmo da nova MP nº 951/2020, percebeu-se um aumento significativo do número de Atas de Registro de Preços (vide Comprasnet) voltadas à aquisição de bens e insumos, para fins de enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do novo coronavírus, causador da COVID-19, realizadas com fundamento no modelo da Lei nº 13.979/2020.

Sendo ata é um documento vinculativo, obrigacional e com característica de compromisso para futura contratação, nos termos do Decreto nº 7.892/2013, art. 2º, inc. II, é certo que um dos grandes desafios para os Gestores de Atas é o gerenciamento deste instrumento após a sua celebração, neste ponto remetemos o leitor ao item 3.5.

Assim, no que toca ao gerenciamento dos riscos sugere-se ao leitor a utilização da matriz do item anterior, uma vez que aplicável também às aquisições via pregão express.

3.4. Contrato sui generis - serviços, com alocação de mão de obra, uso de telemonitoramento associado à tecnologia (inteligência artificial), por meio de algoritmos

Aqui chegamos à “cereja do bolo”, ao mais excêntrico dos contratos celebrados para o enfrentamento do coronavírus. Sabemos que todos os sentidos estão voltados à adoção de medidas voltadas à contratação, não podendo, como dito anteriormente, a Administração olvidar-se de um bom gerenciamento desses contratos, que permita a avaliação do serviço prestado e, principalmente, o alcance dos objetivos, sendo essencial a conscientização da boa utilização do dinheiro público.

Diante do atual cenário, é inegável a necessidade de aplicação de medidas excepcionais e inovadoras, situação que levou o Ministério da Saúde a anunciar que adotaria serviço de atendimento pré-clínico, realizado remotamente, via telefone, com o objetivo de acompanhar casos suspeitos e confirmados, de menor gravidade. Esse tipo de contratação, com objeto sui generis já está em vigor, instrumentalizada através dos Processos nº 25000.035465/2020-64 e 25000.039379/2020-21, que deram origem, respectivamente, aos Contratos nº 19 e 20/2020, que têm como objeto:

1. CLÁUSULA PRIMEIRA – OBJETO (CT 19/2020)

1. CLÁUSULA PRIMEIRA – OBJETO

1.1. O presente Contrato emergencial tem como objeto a contratação de empresa para operacionalização do serviço de atendimento pré-clínico para atendimento remoto à excepcionalidade da pandemia do coronavírus via telefone, realizada a partir de central operada por profissionais de saúde sob supervisão médica utilizando-se algoritmos clínicos adequados à identificação de caso suspeito e sinais de gravidade da infecção por esse agente patogênico, com desfechos de orientações ao autocuidado e encaminhamento aos serviços de saúde; bem como monitoramento remoto dos casos identificados como suspeitos e confirmados até sua resolução, quer essa identificação tenha sido realizada por este próprio serviço ou por outros pontos de atenção da rede de saúde.

1. CLÁUSULA PRIMEIRA – OBJETO (CT 20/2020)

1.1. O objeto do presente Termo de Contrato é a contratação de empresa especializada para prestação de serviços de atendimento automatizado por via telefônica, a partir de algoritmo fornecido pela CONTRATANTE com desfechos variáveis, incluindo o direcionamento para outro número telefônico, com disparo inicial da ligação automática a partir de base de dados da CONTRATANTE, e plataforma de análise dos dados gerados, para monitoramento remoto de casos da Covid-19, que serão prestados nas condições estabelecidas no Projeto Básico.

O valor dessas contratações é de R$144.009.900,00 (cento e quarenta e quatro milhões, nove mil e novecentos reais) e R$ 46.800.000,00 (quarenta e seis milhões oitocentos mil reais), respectivamente, totalizando mais R$ 200 milhões de reais, a serem pagos por estimativa - quando os pagamentos devidos à contratada dependerão dos quantitativos de serviços efetivamente prestados.

Na primeira temos modelo de contratação de serviços, com alocação de mão de obra, uso de telemonitoramento associado à tecnologia (inteligência artificial), por meio de algoritmos (para ganhar tempo e aumentar a agilidade), atuando de maneira mais estratégica e ágil, e na segundo temos a contratação da infraestrutura necessária à operação.

Interessante pontuar que os instrumentos contratuais nassim detalham os objetos contratados:

Contrato 19/2020

Serviço de atendimento pré-clínico, ao cidadão baseado em Algoritmos Clínicos relacionados aos sinais/sintomas do coronavírus, 24 horas por dia, 7 dias por semana.

Que tem como complemento da prestação do serviços os itens abaixo: a)Serviço de Aconselhamento sobre Autocuidado, cujo motivo seja o coronavírus; b)Serviço de Informação Geral em Saúde, cujo motivo seja o coronavírus; c)Serviço de Telemonitoramento de Casos Suspeitos/confirmados de coronavírus; d) Serviço de Chatbot para triagem inicial e orientação ao cidadão.

Contrato 20/2020

1. Contratação de empresa especializada para prestação de serviços de atendimento automatizado por via telefônica, a partir de algoritmo fornecido pela CONTRATANTE com desfechos variáveis, incluindo o direcionamento para outro número telefônico, com disparo inicial da ligação automática a partir de base de dados da CONTRATANTE, e plataforma de análise dos dados gerados, para monitoramento ativo de casos da Covid-19, incluindo:

1.1 Infraestrutura necessária à operação, com número de canais e estrutura de central telefônica adequada ao volume contratado, com possibilidade de aumento de escala conforme necessidade;

1.2 Software para gerenciamento das chamadas e dos dados gerados a partir das chamadas telefônicas (geradas e recebidas) com classificação por interação e desfecho, integrando às bases de dados solicitadas.

2. Operacionalização da chamada telefônica (recebimento e geração) - custo de telefonia (Grifo nosso)

É certo dizer que uma contratação nestes termos carece de fiscalização realizada por equipe, nos termos do art. 40, da IN nº 05/2017, sendo fundamental que o gestor contratual possua competências multidisciplinares e que seja assistido por equipe de fiscalização constituída por fiscais técnicos, administrativos e, se necessário, setoriais.

Neste sentido, ambos os instrumentos contratuais determinam que:

7.1.1 O acompanhamento e a fiscalização da execução do contrato consistem na verificação da conformidade da prestação dos serviços, dos materiais, técnicas e equipamentos empregados, de forma a assegurar o perfeito cumprimento do ajuste, que serão exercidos por um ou mais representantes da Contratante, especialmente designados. (Grrifo nosso)

O Gerenciamento de Riscos atinentes a estes dois tipos de contratação são de ampla magnitude, cujo esgotamento dependerá das situações práticas vivenciadas no decurso da execução.

Tal situação nos conduz à produção de orientações voltadas aos principais pontos de atenção inerentes à gestão e à fiscalização, de forma que se estabeleçam, minimamente, processos e controles com vistas à redução dos riscos a níveis aceitáveis de tolerância, lembrando, inclusive, da necessidade de constante revisão do mapa de riscos, a cada evento relevante ocorrido durante a fase de gestão contratual.

Por fim, com base nas informações acima e em breve análise às cláusulas contratuais, listamos as seguintes cautelas necessárias:

No que toca à renovação do prazo de vigência desses contratos, considerando a disciplina do art. 4º - H, da Lei nº 13.979/2020, é plenamente possível sua manutenção enquanto perdurar a necessidade de enfrentamento dos efeitos da situação de emergência de saúde pública, sendo essencial para a análise dessa renovação, nos termos do § 3º, do art. 20. da IN nº 05/2017, a manutenção do Gerenciamento de Riscos da fase de gestão do contrato

3.5. Possibilidade de dispensa de licitação e pregão express por Sistema de Registro de Preços - MP nº 951/2020

O Sistema de Registro de Preços - SRP resta previsto no inciso II, do art. 15, da Lei nº 8.666/1993, bem como nas Leis nº 1.520/2002 e 12.262/2011 (RDC), sendo regulamentado através do Decreto nº 7.892/2013. No que tange às estatais podemos asseverar que a Lei nº 13.303/2016 estabeleceu sutis diferenças na aplicação do SRP, em relação à disciplina do decreto regulamentar.

Dando seguimento à onda de inovações legislativas, enquanto escrevíamos o presente artigo, o Governo Federal estabeleceu novas regras para as aquisições de bens e contratações de serviços voltadas ao enfrentamento da emergência de saúde pública ocasionada pelo novo coronavírus.

A Medida Provisória nº 951 promoveu alterações na Lei nº 13.979/2020, para possibilitar a compra conjunta entre órgãos e entidades nas hipóteses de dispensa de licitação, por meio do Sistema de Registro de Preços e estabelecer que as licitações na modalidade pregão express realizadas para o SRP sejam consideradas compras nacionais.

A MP também promoveu alterações no prazo para as instituições manifestarem interesse em participar das aquisições (o carona) reduzindo-o de oito dias para dois até o limite de quatro dias.

Eis que temos mais uma ferramenta à disposição de Gestores Públicos em prol da celeridade na realização de aquisições relacionadas à prevenção e ao combate do coronavírus.

Em 17 de abril, dois dias após a publicação da MP nº 951/2020, o Ministério da Economia publicou no Portal Comprasnet orientações sobre a aplicabilidade desse modelo, inclusive ressaltando que as licitações na modalidade pregão por meio de SRP:

(i) serão consideradas “compras nacionais”, nos termos do disposto no regulamento federal - Decreto nº 7.892, de 2013 (incisos VI e VII do art. 2º).

Decreto nº 7.892, de 2013

“Art. 2º (...)

..............

VI - compra nacional - compra ou contratação de bens e serviços, em que o órgão gerenciador conduz os procedimentos para registro de preços destinado à execução descentralizada de programa ou projeto federal, mediante prévia indicação da demanda pelos entes federados beneficiados; e

VII - órgão participante de compra nacional - órgão ou entidade da administração pública que, em razão de participação em programa ou projeto federal, é contemplado no registro de preços independente de manifestação formal.” (Grifo nosso)

Uma vez que vivemos tempos de latente produtividade legislativa e doutrinária, vários mestres no assunto não tardaram em publicar cartilhas e manuais abordando a operacionalização dessa nova sistemática, aqui indicamos excelente cartilha intitulada Sistema de Registro de Preços na COVID-19, elaborada pelos professores Marcus Vinícius Reis de Alcântara e Luciano Elias Reis, disponível no link https://www.sollicita.com.br/Home/Leitor?url=/NP/SollicitaAdmin/Content/ConteudoDinamico/ComplementosNoticia/txgprbwCARTILHA_DE_SISTEMA_DE_REGISTRO_DE_PRECOS_COVID_1.pdf.

No que toca ao gerenciamento dos riscos dos contratos resultantes deste novo tipo de aquisição, seja ela por pregão express ou contratação direta por SRP remetemos o leitor aos cuidados já apontados em itens anteriores.

Da análise detida da cartilha dos nobres professores, conclui-se que existem riscos específicos inerentes ao Sistema de Registro de Preços que precisam ser considerados e tratados conforme a realidade de cada órgão ou entidade, aqui considerando que o risco mensurado na matriz risco/probabilidade supera o apetite a riscos da organização. Senão vejamos:

i) Sobre o prazo de vigência da Ata de Registro de Preços, os citados professores apontam que “não se recomenda prazos alongados para a ata de registro de preços em razão da variação em geral do mercado (número de fornecedores, estoque, demanda, etc.), orientando que as atas sejam de prazo de 30 a 45 dias”. Do excerto citado, verifica-se o risco de não cumprimento, por parte da empresa, do fornecimento por causa da variação do mercado e tendo como consequência o desabastecimento das unidades de saúde. Como controle sugerido, vemos a definição de um prazo exíguo para a validade da Ata de Registro de Preços;

ii) Duração dos contratos que devem atender à disciplina do art. 4º-H da Lei da COVID-19 e, inclusive, conter cláusula resolutiva para fins de rescisão antecipada - cessando a situação de calamitosa. Nessa caso, o risco é a manutenção da contratação em termos emergenciais após a cessação da excepcionalidade que embasou a realização do procedimento determinado pela Lei 13.979/2020 com a redação que lhe deu a MP 951. Veja que o controle se resume, frisa-se, à previsão de cláusula resolutiva, o que será suficiente à quebra do vínculo da Administração Pública com a contratada.

iii) Elaboração de ato normativo próprio que permita a utilização do cadastro de reserva, considerando que o fornecedor pode ter exaurida sua capacidade de atendimento por razões diversas. Aqui, o risco é muito similar àquele identificado no item “i”, mas o controle sugerido visa mitigar o risco de descontinuidade do abastecimento ao garantir que outras empresas possam ser acionadas em caso de inadimplemento da obrigação por parte da contratada.

Por oportuno, ressaltamos que ainda que a Lei nº 13.979/2020 estabeleça que o gerenciamento de riscos deve ocorrer apenas durante a fase contratual, é de suma importância que a transparência e registro apurado de informações estejam presentes em todas as fases da contratação, ainda que de forma resumida.

Sobre os autores
Jamil Manasfi Cruz

Administrador Público CRA-RO nº 3033, Servidor Efetivo do Quadro da Prefeitura Municipal de Porto Velho cedido para o Governo do Estado de Rondônia, Pregoeiro e Membro da Comissão Especial de Licitações de Projetos Especiais CELPE/PEDISE da Secretaria de Estado de Assuntos Estratégicos (SEAE), Professor Orientador de Trabalho de Conclusão de Curso da Faculdade São Lucas (MBA s), Consultor e Instrutor de Cursos de Capacitação em Licitações e Contratos e Formação de Pregoeiros do Instituto de Pesquisa de Rondônia - IPRO, criador da Fan Page O Pregoeiro.com, Mestrando em Criminologia, Bacharel em Administração Pública, Bacharel em Direito, Especialista em Metodologia do Ensino Superior e MBA em Gestão Pública e Licitações e Contratos, atualmente é Pós Graduando MBA em Gestão de Finanças, Controladoria e Auditoria pela Faculdade São Lucas e Gestão Pública Municipal pela UNIR. Atua a mais de 11 anos na Administração Pública, tendo ocupado os cargos no Governo do Estado de Rondônia de: Assessor do Gabinete do Governador, Secretário Executivo Regional de Porto Velho da Secretaria de Estado do Planejamento e Coordenação Geral, Assessor Especial da Secretaria de Estado da Administração, Pregoeiro e Membro da Comissão Especial de Licitação no âmbito do Programa Integrado de Desenvolvimento e Inclusão Socioeconômica do Estado de Rondônia PIDISE/RO e da Política de Cidadania Superação da Pobreza e Erradicação da Extrema Pobreza Plano FutuRO, Assessor Técnico (Elaborador de Termo de Referência e Projetos Básico) da Secretaria de Estado de Assistência Social; desempenhou na Prefeitura Municipal de Porto Velho os cargos de Agente Comunitário de Saúde, Assistente Administrativo, Cotado, Elaborador de Termo de Referência e Projetos no Fundo Municipal de Saúde da Secretaria Municipal de Saúde, Pregoeiro, Auxiliar, Assistente, Membro e Secretário da Comissão Permanente de Licitação Educação da Coordenadoria Municipal de Licitações da Secretaria Municipal de Administração.

Lindineide Oliveira Cardoso

Bacharel em Direito. Pós-Graduada em Direito Processual Civil, servidora de carreira do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, atualmente cedida ao Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas, Chefe da Seção de Gestão de Contratos, palestrante e instrutora em Gestão e Fiscalização de Contratos Públicos.

Paulo José Ribeiro Alves

Bacharel em Direito, Pós-Graduado em Direito Administrativo Contemporâneo, Mestrando em Ciências Jurídicas (Master of Legal Science) com concentração em Riscos e Compliance pela Ambra University (Florida/EUA), servidor de carreira do Superior Tribunal de Justiça, titular da unidade de Auditoria Operacional e de Governança do Conselho da Justiça Federal, palestrante e instrutor em Gestão Pública, Governança, Gestão de Riscos e Auditoria Governamental.

Informações sobre o texto

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