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O consórcio intermunicipal de saúde e a contratação de agentes comunitários de saúde (ACS)

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Agenda 01/04/2006 às 00:00

Ao empregarmos o consórcio público de direito público na seleção e contratação de ACS, será cumprido o art. 2º da EC n.º 51/06, pois a contratação será efetuada por entidade integrante do município.

Sumário:1. Considerações Preliminares. 2. Da evolução fática e jurídica do Agente Comunitário de Saúde. 2.1. Da regulação em nível infralegal. 2.2. Das formas de relação dos municípios com os ACS. 2.2.1. Da terceirização da contratação. 2.2.2. Da contratação em regime especial. 2.2.3. Do concurso público – cargo efetivo ou emprego público. 2.2.4. Da legalização da atividade de Agente Comunitário de Saúde. 2.2.5. Da transformação da atividade de ACS em profissão. 2.2.6. Da regulamentação da profissão de ACS no âmbito previdenciário 2.7. Da Emenda Constitucional n.º 51, de 14 de fevereiro de 2006. 2.2.7.1. Da dispensa de submissão a novo processo seletivo público. 2.2.7.1.1. Da controvérsia sobre a diferença entre concurso público e processo seletivo público. 3. Das competências do consórcio público. 3.1. Do fundamento constitucional do consórcio público. 3.2. Da abordagem infraconstitucional dos consórcios públicos. 3.3. Da possibilidade de previsão no protocolo de intenções. 3.4. Da possibilidade de cedência de pessoal ao consórcio de saúde. 3.5. Da possibilidade de adaptação dos contratos de consórcios para executarem o PACS. 3.6. Da possibilidade da celebração de convênio do consórcio de saúde com a União para fins de repasse de recursos do PACS. 4. Conclusões.


1.Considerações Preliminares

O consórcio intermunicipal de saúde é a espécie mais antiga de consórcio público existente em nosso país. A autorização para sua criação integra nosso ordenamento jurídico desde 15 de setembro de 1990, portanto há mais de quinze anos, data em que foi promulgada a Lei n.º 8.080 – Lei Orgânica da Saúde – que fundamentalmente dispôs sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e funcionamento dos serviços correspondentes em todo o território nacional, evidenciando-se, assim, tratar-se de norma nacional [01], tendo-se em vista o seu caráter cogente a todos os entes federativos face à temática tratada.

Vale lembrar que a Lei n.º 8.080/90, ao instituir o Sistema Único de Saúde (SUS), definiu-o em seu art. 4º como sendo "o conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público" e que,além de atribuir a execução das ações e serviços de saúde aos órgãos e entidades acima elencados, o normativo previu ainda, a participação da iniciativa privada em caráter complementar [02], estabelecendo, assim, a possibilidade de as ações e serviços de saúde, que constituem o SUS, serem realizadas tanto por personalidades jurídicas de direito público quanto pelas de direito privado.

Também é importante referir que o art. 10 da Lei Orgânica da Saúde foi a primeira norma infraconstitucional brasileira a tratar sobre o tema consórcio público, ao disciplinar que "os municípios poderão constituir consórcios para desenvolver em conjunto as ações e os serviços de saúde que lhes correspondam" (grifo nosso),estimulando a gestão associada de serviços públicos na área da saúde há mais de década e meia atrás.

Portanto, esta constatação histórica assegura à área da Saúde, a condição de pioneira na criação e utilização do conceito de consórcio público no Brasil, motivo pelo qual, os mais recentes dados do IBGE sobre gestão municipal brasileira, colhidos em 2002 [03] e publicados em 2005, revelam que, dos 5.560 municípios brasileiros existentes em 2002, 2.169 participavam de consórcios intermunicipais de saúde, significando dizer que 39,01% das municipalidades brasileiras integravam, naquela oportunidade, um consórcio de saúde.

Trata-se de percentual revelador da grande aceitabilidade e utilidade do instituto no Brasil, pelo menos, na área da saúde pública, permitindo estimar que os demais setores de prestação de serviços públicos brasileiros também farão grande uso dessa ferramenta em futuro breve.

Apenas para fins de comparação, com intuito de demonstrar o alto grau de aceitação do instituto na área da saúde, a segunda e terceira espécies de consórcio mais utilizadas pelas municipalidades brasileiras são, respectivamente, os consórcios voltados para as questões ambientais (743 municípios) e de turismo (348 comunas) de acordo com as aludidas estatísticas do IBGE [04].

Portanto, neste cenário revelador do indiscutível destaque dos consórcios intermunicipais de saúde na implementação e aprimoramento da política nacional de saúde, é que examinaremos a viabilidade jurídica de contratação dos agentes comunitários de saúde pelos ditos consórcios, tema objeto do presente trabalho.

Evidente que a resposta que ofereceremos a tal indagação no desenlace deste ensaio, face à complexidade da matéria, que traz consigo o enfrentamento de normas constitucionais que parecem conflitar entre si, como veremos adiante, deverá ser produto de acurado exercício hermenêutico, fundado em consistente interpretação tópico-sistemática. Nesse sentido, pela pertinência ao tema, aproveitamos as palavras de JUAREZ FREITAS:

"interpretar uma norma é interpretar o sistema inteiro, pois qualquer exegese comete, direta ou obliquamente, uma aplicação da totalidade do Direito, para além de sua dimensão textual" [05].

Também é relevante destacar que a solução jurídica ofertada neste ensaio configura apenas uma das tantas possíveis a que se pode chegar através do emprego da hermenêutica jurídica. Contudo, nosso trabalho foi norteado pela intenção de encontrar dentre o rol das possíveis, consoante a utilização da interpretação tópico-sistemática, a que melhor atende ao conceito de justiça no caso concreto, razão maior do Direito.


2.Da evolução fática e jurídica do Agente Comunitário de Saúde

Contudo, antes de nos determos no exame do questionamento acima formulado, convém identificarmos os aspectos fáticos e jurídicos relevantes existentes em nosso ordenamento pátrio sobre os agentes Comunitários de Saúde (ACS), através de sucinta retrospectiva histórica sobre o assunto.

2.1.Da regulação em nível infralegal

Em 15 de dezembro de 1997, o então Ministro de Estado da Saúde, CARLOS CESAR DE ALBUQUERQUE, editou a Portaria n.º 1.886/97 [06] que teve por finalidade aprovar as normas e diretrizes do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e do Programa de Saúde da Família (PSF). Este normativo, e em especial o seu Anexo I, foi a pedra angular na criação da atividade de ACS.

Segundo o referido regramento infralegal, o estímulo ao emprego de ACS nas ações de saúde configurava estratégia com vistas a possibilitar a efetiva reorientação do modelo assistencial adotado, até então, pela política nacional de saúde [07], ficando estabelecida a responsabilidade do Ministério da Saúde na regulamentação do cadastramento dos ACS e enfermeiros instrutores no SIA/SUS [08].

Ainda, de acordo com a aludida portaria, coube aos municípios as atribuições de "recrutar os agentes comunitários de saúde através de processo seletivo, segundo as normas e diretrizes básicas do programa"(grifo nosso) [09] e "contratar e remunerar os ACS e o(s) enfermeiro(s) instrutor(es)/supervisor(es)" [10].

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Ademais, naquela oportunidade, as diretrizes operacionais do PACS estabeleciam os seguintes requisitos para a seleção e contratação dos ACS [11]: a) ser morador da área onde exercerá suas atividades há pelo menos dois anos; b) saber ler e escrever; c) ser maior de dezoito anos; e d) ter disponibilidade de tempo integral para o exercício de suas atividades.

As atribuições dos ACS, em termos gerais, consubstanciavam-se na implementação de ações de "prevenção de doenças e promoção da saúde, através de visitas domiciliares e de ações educativas individuais e coletivas nos domicílios e na Comunidade, sob supervisão e acompanhamento do enfermeiro Instrutor-Supervisor lotado na unidade básica de saúde da sua referência" [12].

2.2.Das formas de relação dos municípios com os ACS

E com tais normas e diretrizes fixadas pela Portaria MS n.º 1.886/97, há quase nove anos atrás, deu-se início ao Programa de Agentes Comunitários de Saúde em todo o território nacional. Contudo, como é natural acontecer na implementação de qualquer projeto, logo surgiram os primeiros problemas de operacionalização do dito programa. Um deles dizia respeito à ausência de normatização, no âmbito do PACS, sobre a forma de contratação do Agente Comunitário de Saúde. É que diante da inexistência de diretrizes específicas nesse sentido, que possibilitassem a padronização da forma de contratação dos ACS, logo surgiram os mais variados modos de solução jurídica do impasse em nível local.

2.2.1.Da terceirização da contratação

Alguns municípios optaram pela terceirização da contratação, através da firmatura de convênios com organizações sociais (OS) ou organizações sociais de interesse público (OSCIP) ou, ainda, com cooperativas que se encarregariam de contratar diretamente os ACS. Nesta modalidade de solução, surgiu o problema do vínculo laboral indireto, responsabilizando subsidiariamente os Executivos Municipais quanto aos encargos trabalhistas e previdenciários eventualmente não pagos pelas prestadoras de serviço contratadas, conforme destacado no inciso IV do Enunciado 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) [13].

2.2.2.Da contratação em regime especial

Outras municipalidades entenderam por realizar uma contratação de pessoal, em regime especial [14], através da contratação por tempo determinado, sem contudo, regular quaisquer direitos que deveriam ser previstos por força dos direitos e garantias constitucionais. Esta situação trouxe evidente prejuízo, em termos de direitos trabalhistas e previdenciários, ao pessoal contratado, sob tal espécie de ajuste, para o desempenho das atividades de ACS.

2.2.3.Do concurso público – cargo efetivo ou emprego público

Ainda, como forma de solucionar a questão, houve comunas que, numa abordagem mais ortodoxa, decidiram pela criação de cargos efetivos (regime estatutário) ou empregos públicos (regime celetista) para a realização das atividades de ACS.

Assim, alguns municípios decidiram realizar concurso público para provimento de seus cargos efetivos de ACS, sob regime estatutário. Dessa forma, abriram mão da relação contratual (mais flexível) para estabelecerem uma relação institucional (menos flexível) com os agentes comunitários de saúde. A linha de ação adotada por esses Executivos Municipais trouxe-lhes a grave desvantagem de sujeitarem-se à possibilidade de superveniência do fenômeno jurídico da estabilidade do servidor no cargo de ACS, tendo-se em vista que tal situação enseja sérios problemas de alocação e despesa de pessoal na eventualidade do encerramento ou suspensão do PACS no âmbito municipal.

Por sua vez, outros municípios preferiram adotar, no enfrentamento da questão, o emprego público, também mediante a devida e necessária realizaçãode concurso público, que a nosso sentir, parece ser a forma mais adequada para se realizar a contratação dos ACS, face a duas relevantes características dessa forma de contratação de pessoal:

a)inexistência de estabilidade do agente comunitário, viabilizando a extinção da relação de trabalho a qualquer momento, desde que satisfeitas as obrigações trabalhistas e previdenciárias. Assim, no caso de encerramento ou suspensão do PACS, o poder público contratante não terá problemas para dispensar os ACS; e

b)asseguração, aos ACS, de todos os direitos trabalhistas e previdenciários inerentes a um contrato de trabalho regido pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), implicando maior consistência jurídica na contratação realizada diante dos direitos constitucionalmente assegurados aos trabalhadores. Esta previsão contratual de direitos trabalhistas e previdenciários diminuirá, em muito, as probabilidades de prejuízos financeiros aos cofres públicos decorrentes de ações trabalhistas movidas por ACS contratados ao arrepio de tais direitos.

Todavia, diante desse amplo leque de formas de contratação de ACS, surgiu natural insegurança dos Executivos Municipais, quanto à eleição da forma jurídica mais adequada de seleção de pessoal para o desempenho das atividades de ACS. De seu turno, os agentes comunitários, que foram contratados sem as garantias trabalhistas e previdenciárias a que faziam jus, perceberam a necessidade de se movimentarem em busca da definição de tais regras, sob pena de serem injustamente prejudicados na relação firmada com o poder público.

2.2.4.Da legalização da atividade de Agente Comunitário de Saúde

Em nível legal, a figura do ACS surgiu pela primeira vez em nossa ordem jurídica através do Decreto n.º 3.189, de 04 de outubro de 1999, editado pelo Presidente de República, à época, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, cuja finalidade era a de fixar diretrizes para o exercício da atividade de agente comunitário de saúde.

O aludido normativo definiu que caberia ao ACS, "no âmbito do Programa de Agentes Comunitários de Saúde, desenvolver atividades de prevenção de doenças e promoção da saúde, por meio de ações educativas individuais e coletivas, nos domicílios e na comunidade, sob supervisão competente" [15], ratificando, em termos gerais, as disposições, nesse sentido, da Portaria MS n.º 1.886/97.

O referido decreto estabeleceu, ainda, que o ACS deveria "residir na própria comunidade, ter espírito de liderança e de solidariedade e preencher os requisitos mínimos estabelecidos pelo Ministério da Saúde" [16] e que seus serviços, na área do respectivo município, seriam remunerados, "com vínculo direto ou indireto com o Poder Público local, observadas as disposições fixadas em portaria do Ministério da Saúde" [17].

2.2.5.Da transformação da atividade de ACS em profissão

Em 10 de julho de 2002, o então Presidente da República, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, sancionou a Lei n.º 10.507, que transformou a atividade de ACS em profissão, definindo-lhe suas características [18] e estabelecendo-lhe os requisitos de seu exercício.

O aludido regramento definiu que o exercício da profissão de ACS dar-se-ia exclusivamente no "âmbito do Sistema Único de Saúde- SUS" [19] e que o agente comunitário deveria preencher os seguintes requisitos para o exercício da profissão: "I - residir na área da comunidade em que atuar; II - haver concluído com aproveitamento curso de qualificação básica para a formação de Agente Comunitário de Saúde; III - haver concluído o ensino fundamental" [20]. Portanto, percebe-se que a norma legal em apreço, derrogando os critérios fixados no Decreto n.º 3.189/99, estabeleceu novos requisitos para o exercício da profissão de ACS.

Por fim, a lei estabeleceu que o ACS "prestará os seus serviços ao gestor local do SUS, mediante vínculo direto ou indireto" [21], competindo ao Ministério da Saúde a regulamentação dos ditos serviços.

2.2.6.Da regulamentação da profissão de ACS no âmbito previdenciário

Diante da criação da profissão de Agente Comunitário de Saúde, a Diretoria Colegiada do Instituto Nacional de Seguridade Social (DC/INSS) expediu Instrução Normativa DC/INSS n.º 80, de 27 de agosto de 2002, para criar o inciso XIV do art. 7º da Instrução Normativa INSS/DC n.º 65, de 10 de maio de 2002 [22]. Referido inciso estabeleceu que o agente comunitário de saúde, com vínculo direto com o poder público local, deve filiar-se obrigatoriamente ao Regime Geral de Previdência Social, na condição de segurado empregado.

2.2.7.Da Emenda Constitucional n.º 51, de 14 de fevereiro de 2006

Como fruto, fundamentalmente, do engajamento de entidades representativas da categoria dos Agentes Comunitários de Saúde junto ao Congresso Nacional, surgiu a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n.º 07/2003, que tratou de disciplinar a importante questão da forma de contratação dos ACS. Aludida proposta ensejou a promulgação da Emenda Constitucional n.º 51, de 14 de fevereiro de 2006, que acrescentou os §§ 4º, 5º e 6º ao art. 198 da Constituição Federal.

Em síntese, a referida emenda definiu que a admissão de ACS será por meio de processo seletivo público, "de acordo com a natureza e complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para sua atuação" [23]. No que tange ao regime jurídico e regulamentação das atividades do ACS, a nova redação do artigo 198 da CF estabelece que lei federal disporá sobre tais assuntos [24].

A emenda também estabelece que "o servidor que exerça funções equivalentes às de agente comunitário de saúde...poderá perder o cargo em caso de descumprimento dos requisitos específicos, fixados em lei, para o seu exercício" [25]. Portanto, a partir de 14/02/06, os ACS que não preencherem os requisitos estabelecidos nos incisos I a III [26] do artigo 3º da Lei n.º 10.502/02, sujeitar-se-ão a perda do cargo.

2.2.7.1.Da dispensa de submissão a novo processo seletivo público

A EC n.º 51/06 também alude à expressa dispensa de sujeição a novo processo seletivo público aos profissionais que, na data de promulgação da referida emenda e a qualquer título, estivessem desempenhando atividade de agente comunitário de saúde, na forma da lei, "desde que tenham sido contratados a partir de anterior processo de seleção pública conduzido por órgãos ou entes da administração direta ou indireta de Estado, Distrito Federal ou Município ou por outras instituições com a efetiva supervisão e autorização da administração direta dos entes da federação" [27] (grifo nosso).

De se ver que a aludida regra de dispensa da participação em processo seletivo público dos agentes comunitários de saúde que se encontravam no exercício de suas atividades põe fim à tormentosa questão relativa à correção/adequação ou não da forma encontrada pelo Município para realizar a contratação de seus ACS. Independentemente da forma aplicada no caso concreto, o único requisito exigido para a convalidação da contratação passou a ser a obediência ao princípio constitucional do concurso público, expresso no art. 37, inc. II da Constituição Federal [28].

2.2.7.2.Da controvérsia sobre o conceito e alcance da expressão "processo seletivo público"

Nesse passo, observa-se que para conferir maior celeridade nas suas atividades de seleção de pessoal, em especial na administração indireta, a administração pública brasileira criou um procedimento denominado de processo seletivo público, ao qual atribuiu características menos formais e mais céleres do que a forma convencional do concurso público previsto no artigo 37, inciso II da Constituição Federal. Até agora, encontra-se muito pouco sobre o assunto na doutrina consolidada, o que dificulta o exame da matéria, no sentido de se delimitar objetivamente o conceito e alcance da expressão processo seletivo público.

Em termos jurisprudenciais, o tema foi indiretamente suscitado no exame da questão, já de há muito superada, acerca da necessidade de realização de concurso público para contratação de pessoal no âmbito das entidades integrantes da administração indireta, que atuam sob o regime de direito privado (sociedade de economia mista e empresa pública).

Por exemplo, o Tribunal de Contas da União (TCU), em decisão prolatada pelo Ministro Relator LUCIANO BRANDÃO ALVES DE SOUZA no processo TC n.º 006.658/89-0, em Sessão de 15/05/1990 [29], assim se manifesta, verbis:

"As Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista, mesmo aquelas que visem a objetivos estritamente econômicos, em regime de competividade com a iniciativa privada, não poderão realizar contratações de pessoal, inclusive daquele vinculado ao setor operacional da atividade fim, sem o prévio certame público, a menos que Emenda à Constituição venha a estabelecer expressamente essa exceção, ou autorizar a adoção, por essas empresas, de métodos simplificados de seleção de pessoal, de modo a se evitar que a delonga no provimento de determinados cargos ou empregos implique em sérios prejuízos para as entidades, com reflexos negativos na atuação do próprio Estado."

Diante desse entendimento manifestado pelo TCU, parece ficar claro que a adoção de procedimentos seletivos diversos do concurso público constitucionalmente previsto, careceria de emenda constitucional nesse sentido, autorizadora de métodos simplificados de seleção de pessoal. Todavia, vale lembrar que o atual Texto Constitucional nada dispõe a respeito, levando-nos ao fundamental questionamento acerca da constitucionalidade da realização de processos seletivos públicos, mais simplificados que os concursos públicos.

Contudo, no âmbito da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), o voto do Ministro PAULO BROSSARD, no julgamento do Mandado de Segurança n.º 21.322-DF, datado de 03/12/92, a despeito da inexistência da aludida previsão constitucional, sinalizou que aquela Corte Suprema admite diferenciação entre concurso público e seleção pública ao asseverar que "o procedimento do concurso ou da seleção pública dos candidatos da administração pública indireta pode ser diverso da administração direta, mas não pode dele prescindir e nem deixar de ser pública".

O voto do Ministro BROSSARD parece indicar tratar-se o processo seletivo público de uma espécie do gênero concurso público, porém mais simplificado e célere, mas ainda obrigado a atender aos princípios constitucionais da publicidade, igualdade e impessoalidade norteadores dos concursos públicos.

Mais recentemente, em 12/05/04, abordando novamente a questão, agora no exame de Questão de Ordem em Ação Cautelar n.º 200-1-SP, na qual se discute se o processo seletivo público, a que se refere o art. 4º da Lei Municipal n.º 3.939/92, do Município de Jundiaí, satisfaz a exigência contida no art. 37, inciso II, da Magna Carta, o Ministro-relator CARLOS AYRES BRITO assim se manifesta, fls; 6/7:

"12. No caso, a questão de fundo gira em torno de equivalência, ou não, entre os institutos do concurso público e do processo seletivo, para se saber se o art. 4º da Lei municipal n.º 3.939/92, ao referir-se ao último, estaria em consonância com a norma do art. 37, inciso II, da Magna Carta, que condiciona a investidura em cargo ou emprego público à aprovação prévia do candidato ‘em concurso público de provas ou de provas e títulos’."

Contudo, o Recurso Extraordinário n.º 408.620, que apreciará o mérito da questão ainda pende de apreciação. Seu futuro acórdão poderá trazer um posicionamento definitivo da Suprema Corte acerca de um conceito objetivo de processo seletivo público e seu conseqüente emprego pela Administração Pública.

Enquanto isso, diante da ausência de manifestação do STF acerca do instituto, é prudente considerá-lo como mera variação terminológica do instituto concurso público (portanto, trata-se de concurso público), ainda que possa ser caracterizado por procedimento mais célere e simplificado [30], desde que isso não signifique qualquer violação ao mandamento constitucional insculpido no art. 37, inc. II, da Constituição Federal. A nosso sentir, o estabelecimento de conceito de processo seletivo público que seja dissonante das características do de concurso público estabelecido constitucionalmente, implicaria necessária emenda constitucional, como referido na decisão do Tribunal de Contas da União (TCU), datada de 15/05/1990, no processo TC n.º 006.658/89-0, já mencionada neste trabalho.

Assim, retomando o exame da EC n.º 51/06, todos os ajustes celebrados com ACS antes da referida emenda constitucional, desde que antecedidos de processo de seleção pública (repita-se por relevante), continuarão vigendo na forma acordada, sem a necessidade de submissão dos ACS contratados e em plena atividade ao processo seletivo público instituído a pela referida emenda, requisito indispensável à contratação de agentes comunitários de saúde a partir de 15 de fevereiro de 2006.

Portanto, a situação dos atuais ACS contratados através de processo de seleção pública em nada se altera, seguindo os ajustes celebrados antes de 15/02/06, seu rumo normal. Assim, por exemplo, os agentes contratados mediante celebração de contrato por tempo determinado, antecedido por processo de seleção pública, continuarão desempenhando normalmente suas atividades até a extinção do acordo por decurso do prazo contratual.

Diverso será o tratamento a ser dispensado aos ACS contratados sem anterior processo de seleção pública. Estes agentes, a contar de 15/02/06, a nosso sentir, deverão ser afastados de suas funções, sob pena de a permanência deles em atividade vir a constituir inconstitucionalidade a ser apreciada no âmbito do Tribunal de Contas, para fins de negativa de executoriedade dos atos considerados inconstitucionais pela fiscalização do Controle Externo, forte na Súmula 347 do STF [31].

Sobre o autor
Cleber Demetrio Oliveira da Silva

Sócio da Cleber Demetrio Advogados Associados, da RZO Consultoria e Diretor Executivo do Instituto de Desenvolvimento Regional Integrado Consorciado (IDRICON21), Especialista em Direito Empresarial pela PUCRS, Especialista em Gestão de Operações Societárias e Planejamento Tributário pelo INEJE, Mestre em Direito do Estado pela PUCRS, Professor de Ciência Política no curso de graduação da Faculdade de Direito IDC, de Direito Administrativo em curso de pós-graduação do IDC e Professor de Direito Administrativo e Direito Tributário em cursos de pós-graduação do UNIRITTER da rede Laureate International Universities.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Cleber Demetrio Oliveira. O consórcio intermunicipal de saúde e a contratação de agentes comunitários de saúde (ACS). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1004, 1 abr. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8182. Acesso em: 5 nov. 2024.

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