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ICMS. Lei Kandir.

Efeitos do não repasse

Agenda 04/04/2006 às 00:00

A Lei Kandir promoveu a exoneração do ICMS nas operações que destinem mercadorias para o exterior, bem como os serviços prestados a tomadores localizados no exterior. A EC nº 42/03 veio constitucionalizar essa exoneação tributária (art. 155, § 2º, X, a da CF).

Com isso, Estados e Municípios perderam parcela da arrecadação de seus impostos. Os Municípios foram duplamente prejudicados: pela exoneração direta do ISS e pela redução na partilha do produto de arrecadação do ICMS.

Como compensação dessas perdas, decorrentes da política econômica implementada pelo governo federal, a União ficou com a obrigação de ressarcir os Estados e Municípios mediante repasse de recursos financeiros, nos exercícios de 2003 a 2006, na proporção de 75% para os Estados e 25% para os Municípios. O art. 31 da LC nº 87/96 e seu anexo prevêem a forma desse ressarcimento autorizando a União a emitir títulos da dívida pública para inclusão de previsão de receitas necessárias na lei orçamentária anual.

Não vamos entrar no exame de mérito dessa política de exoneração tributária, fonte de permanente perturbação das receitas regulares das entidades políticas, regionais e locais. Particularmente, sempre entendemos que a melhor forma de os nossos produtos de serviços ganhar competitividade no mercado mundial globalizado é a adoção de uma política de diminuição da pressão tributária interna, principalmente da diminuição de tributos que oneram a mão-de-obra, além de modernização de instalações aeroportuárias e intensificação de transportes marítimos e ferroviários, substituindo gradativamente o transporte rodoviário através de estradas e rodovias cada vez mais esburacadas.

Esse tipo de redução de custos de produtos não seria passível de reação no exterior, mediante introdução de barreiras ou sobretaxas como acontece com a utilização do incentivo da Lei Kandir.

Em razão do não repasse de verbas pela União, os Estados não mais querem reconhecer o crédito do ICMS acumulado nas operações anteriores, prejudicando as empresas exportadoras, pegas de surpresa da noite para o dia. Sem esse repasse, argumentam, com razão, os Estados que não há como permitir o aproveitamento do crédito do ICMS, pois o ressarcimento da União veio como sucedâneo da perda de arrecadação do tributo estadual, em virtude da política econômica adotada pela União.

Por isso, essa omissão do governo federal gera conseqüências jurídicas graves.

Se o Presidente da República promove o desvio de verba consignada na Lei Orçamentária Anual a título de despesa com o repasse do ICMS, ele afronta diretamente o art. 85, VI da CF, incorrendo em crime de responsabilidade. Poderá vir a sofrer processo de impeachment na forma da Lei nº 1.079/50. Qualquer cidadão poderá formular a denúncia, cujo recebimento, entretanto, dependerá da Câmara dos Deputados, competente para a formulação da acusação. Esse desvio, caracteriza também ato de improbidade na forma do art. 11, I da Lei nº 8.429/92.

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Se o Presidente da República não cumprir o dever de ofício, consignando na Lei Orçamentária Anual a verba necessária ao cumprimento da obrigação legal de transferir recursos aos Estados e Municípios, ele estará incurso no art. 11, II da Lei nº 8.429/92, cuja pena implica perda do cargo e suspensão de direitos políticos de três a cinco anos, além da multa de até cem vezes o valor de sua remuneração. Qualquer pessoa poderá representar à autoridade administrativa competente para investigar a prática do ato de improbidade. Em se tratando de Presidente da República o investigado, a representação deverá ser formulada ao Ministério Público Federal que, se for o caso, deverá propor a ação de improbidade administrativa pelo rito ordinário. Em tese, a Advocacia-Geral de União também poderá propor essa ação ordinária.

Das duas alternativas, a mais prática é a da ação ordinária de improbidade administrativa, por desvio de verba ou por omissão, conforme o caso, hipótese em que a defesa do acusado ficará bastante limitada e a tramitação do processo judicial não depende de outro Poder a não ser o ajuizamento da petição inicial a cargo do órgão ministerial da União, ou, eventualmente, da Advocacia-Geral da União.

É preciso que a cidadania se faça presente, não mais permitindo que a lei orçamentária anual continue sendo desrespeitada, sem a responsabilização política, administrativa, civil e penal dos infratores, independentemente, do elevado cargo que exercem. A lei é para todos. É preciso mudar essa cultura de impunidade, de ignorar as lei orçamentária que, na verdade, representa a média da vontade popular no direcionamento das despesas, que têm como contrapartida as receitas compulsórias, retiradas dos contribuintes em geral.

Sem prejuízo das medidas contra agentes políticos faltosos, cabe aos contribuintes prejudicados o recurso a ação judicial contra o Estado (ação ordinária com tutela antecipatória, mandado de segurança individual ou coletivo), pois o princípio da não-cumulatividade do ICMS é uma garantia constitucional em nível de cláusula pétrea.

Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. ICMS. Lei Kandir.: Efeitos do não repasse. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1007, 4 abr. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8199. Acesso em: 26 nov. 2024.

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