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A tendência do ordenamento jurídico brasileiro para estimular a superação consensual de conflitos pela autocomposição

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Este artigo trata da tendência do ordenamento jurídico brasileiro para estimular a superação consensual de conflitos pela autocomposição.

Coautora: Samantha Mendes Longo. Sócia do Wald, Antunes, Vita, Longo e Blattner Advogados. Negotiation and Leadership Program at Harvard University. LLM. em Direito Empresarial pelo IBMEC/RJ. Membro do Grupo de Trabalho de recuperação judicial criado pelo Conselho Nacional de Justiça. Membro do Comitê Gestor de Conciliação do Conselho Nacional de Justiça. Secretária das Comissões de Recuperação Judicial e de Mediação do Conselho Federal da OAB. Diretora do IBAJUD. Professora da EMERJ, da ESAJ e da FGV (convidada).

O presente ensaio pretende apresentar as orientações normativas contidas no ordenamento jurídico brasileiro para a superação consensual de conflitos. Serão apontadas as principais diretrizes jurídicas sobre a resolução consensual de controvérsias, acompanhadas do posicionamento da doutrina sobre o tema.

Conflitos sociais e meios de superação

Já afirmamos em outra ocasião[1] que os conflitos são fenômenos presentes em todos os agrupamentos humanos. Para alguns sociólogos, inclusive, o conflito representa uma das diversas formas de interação entre os membros dos grupos sociais[2].

Ao Estado compete manter a paz social. A pacificação da sociedade é frequentemente garantida pela aplicação do direito aos casos concretos, através do exercício da atividade jurisdicional. Embora a jurisdição seja um meio heterocompositivo tradicionalmente utilizado para a resolução de conflitos no plano social, o Estado deve sempre estimular a autocomposiçao, ou seja, a superação consensual de controvérsias pelos próprios sujeitos envolvidos.

O estímulo à autocomposiçao é uma tendência evidente do ordenamento jurídico brasileiro. A pacificação social pelo entendimento das próprias partes foi tradicionalmente estimulada no Brasil.

Nesse sentido, desde a Constituição Política do Império do Brasil, de 1824, já se estimulava a superação consensual de controvérsias. O art. 161 da referida Constituição previa que, “sem se fazer constar que se tem intentado o meio da reconciliação, não se começará Processo algum.” Essa orientação denotava o evidente estímulo às práticas conciliatórias, considerando que a tentativa de solução amigável da controvérsia, ainda que frustrada, seria uma condição necessária para acesso à atividade jurisdicional.

A previsão constitucional do mencionado artigo 161 foi regulamentada pela Lei nº 15, de outubro de 1827, principalmente pelo art. 5º, §1º. Este artigo estabelecia que ao juiz de Paz competiria: “Conciliar as partes, que pretendem demandar, por todos os meios pacíficos, que estiverem ao seu alcance: mandando lavrar termo do resultado, que assignará com as partes e Escrivão. Para a conciliação não se admitirá procurador, salvo por impedimento da parte, provado tal, que a impossibilite de comparecer pessoalmente e sendo outrossim o procurador munido de poderes ilimitados.”

Outras normas posteriores também prestigiaram a autocomposição e reafirmaram sua importância no contexto dos conflitos sociais.

O Regulamento nº 737/1850, por exemplo, nos artigos 23 e seguintes, tratou detalhadamente da conciliação. Segundo a redação do revogado art. 23, “Nenhuma causa comercial será proposta em Juízo contencioso, sem que previamente se tenha tentado o meio da conciliação, ou por ato judicial, ou por comparecimento voluntário das partes.”

No Código Comercial de 1850 também havia previsão de realização da conciliação, inclusive no art. 846, que tratava da reunião de credores e da concordata.[3]

“Art. 846 - Na segunda reunião dos credores, apresentados os pareceres da Comissão e Curador fiscal, e não se oferecendo dúvida sobre a admissão dos créditos constantes da lista, e havidos por verificados para o fim tão somente de habilitar o credor para poder votar e ser votado, o Juiz comissário proporá à deliberação da reunião o projeto de concordata, se o falido o tiver apresentado. Porém se houver contestação sobre algum crédito, e não podendo o Juiz comissário conciliar as partes, se louvarão estas no mesmo ato em dois Juízes árbitros; os quais remeterão ao mesmo Juiz o seu parecer, dentro de cinco dias. Se os dois árbitros se não conformarem, o Juiz comissário dará vencimento com o seu voto àquela parte que lhe parecer, para o fim sobredito somente, e desta decisão arbitral não haverá recurso algum.”

Seguindo a mesma perspectiva, o preâmbulo da Constituição Federal de 1988 prevê que o Estado brasileiro está fundamentado e comprometido, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica de controvérsias.  A solução pacífica de conflitos é, portanto, também objetivo da Constituição Federal de 1988.

Após a entrada em vigor da Constituição de 1988 foram legalmente reconhecidos inúmeros instrumentos para a Resolução Apropriada de Conflitos (RAC’s), como a mediação[4], a conciliação[5] e a arbitragem.

Merecem destaque a Lei nº 13.140/2015 (Lei da Mediação), a Lei nº 9.307/96[6] (Lei da Arbitragem) e a Lei nº 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais).

Além desses diplomas, a Lei nº 11.101/2005, ao tratar da recuperação extrajudicial, também indicou no art. 161 que o devedor que preencher os requisitos específicos poderá propor e negociar com credores um plano de recuperação extrajudicial. A negociação dos empresários e credores, nesse ponto, é uma alternativa para a superação consensual do conflito.

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A autocomposição ainda é contemplada em inúmeros artigos do atual Código de Processo Civil.

i) O §2º, do art. 3º, do Código de Processo Civil, prevê que o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos. Já o §3º, do art. 3º, do CPC, estipula que a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial;

ii) A mediação e a conciliação estão tratadas detalhadamente nos artigos 165 e seguintes do Código de Processo Civil;

iii) Os artigos 334 e 695, do Código de Processo Civil, determinam que seja tentada a autocomposição antes do oferecimento de resposta pelo requerido;

iv) A solução consensual é especialmente estimulada e disciplinada nos artigos 693 e seguintes do Código de Processo Civil, que cuidam das ações de família;

v) O artigo 515 do Código de Processo Civil admite homologação judicial de acordo extrajudicial de qualquer natureza;

vi) A transação realizada no bojo do processo pode versar de matéria estranha ao objeto litigioso da demanda, conforme previsto no art. 515, § 2º, do Código de Processo Civil;

vii) O artigo 725, inciso VIII, prevê que a homologação de acordo extrajudicial será processada segundo o procedimento de jurisdição voluntária;

viii) A sentença homologatória de autocomposição judicial ou extrajudicial, de qualquer natureza, será título executivo judicial, nos termos do art. 515, incisos I e II, do Código de Processo Civil;

ix) Finalmente, o art. 190 do Código de Processo Civil permite a realização de acordos processuais, independentemente de tipicidade.

Esses são alguns dos dispositivos do Código de Processo Civil que prestigiam e incentivam a superação consensual de controvérsias.

No plano infralegal, a Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça cuidou da Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário. A referida resolução determinou a criação pelos Tribunais de Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Disputas (NUPEMECs) e de Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs). Esses centros devem ser unidades do Poder Judiciário destinadas à realização ou gestão de sessões e audiências de conciliação e mediação, desenvolvidas por conciliadores e mediadores, além do atendimento e orientação dos jurisdicionados.

Da mesma forma, a recente Recomendação nº 58/2019 do Conselho Nacional de Justiça sugere que todos os magistrados responsáveis pelo processamento e julgamento dos processos de recuperação empresarial e falências, de varas especializadas ou não, promovam, sempre que possível, nos termos da Lei nº 13.105/2015 e da Lei nº 13.140/2015, o uso da mediação, como forma da auxiliar a resolução de todo e qualquer conflito entre o empresário/sociedade, em recuperação ou falidos, e seus credores, fornecedores, sócios, acionistas e terceiros interessados no processo.

Conclusão

Pelo exposto, é evidente que o ordenamento jurídico brasileiro tem acentuada tendência à pacificação consensual dos conflitos.

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Sobre os autores
Antonio Evangelista de Souza Netto

Juiz de Direito de Entrância Final do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Pós-doutor em Direito pela Universidade de Salamanca - Espanha. Pós-doutor em Direito pela Universitá degli Studi di Messina - Itália. Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2014). Mestre em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2008). Coordenador do Núcleo de EAD da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná - EMAP. Professor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados - ENFAM. Professor da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo - EMES. Professor da Escola da Magistratura do TJ/PR - EMAP.

Samantha Mendes Longo

Coautora: Samantha Mendes Longo. Sócia do Wald, Antunes, Vita, Longo e Blattner Advogados. Negotiation and Leadership Program at Harvard University. LLM. em Direito Empresarial pelo IBMEC/RJ. Membro do Grupo de Trabalho de recuperação judicial criado pelo Conselho Nacional de Justiça. Membro do Comitê Gestor de Conciliação do Conselho Nacional de Justiça. Secretária das Comissões de Recuperação Judicial e de Mediação do Conselho Federal da OAB. Diretora do IBAJUD. Professora da EMERJ, da ESAJ e da FGV (convidada).

Informações sobre o texto

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