Primeiro, quem são os sujeitos da obrigação alimentar?
Inicio o estudo trazendo à baila o disposto nos seguintes artigos do nosso Código Civil, que versam sobre o tema:
Art. 1.696. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.
Art. 1.697. Na falta dos ascendentes cabe a obrigação aos descendentes, guardada a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos como unilaterais.
Assim, constata-se que a obrigação decorre do conceito de família e do dever de sustento entre os parentes, e para melhor compreensão dos dispositivos legais supracitados, buscamos nas palavras de Gomes (2001, p.493), a seguinte lição:
A relação obrigacional de alimentos trava-se entre pessoas ligadas pelo vinculo familiar, na ordem estabelecida na lei. De um lado, o credor de alimentos, chamando alimentando, isto é, a pessoa que recebe a prestação alimentar, ou pode exigi-la. Do outro, o devedor, denominado, por abreviação, obrigado, que está adstrito no cumprimento da obrigação, devendo satisfazer prestações periódicas.
Na determinação dos sujeitos, ativo e passivo, da relação, cumpre indicar as pessoas que têm potencialmente em situação, entendido que quem pode ser credor também pode ser devedor, conforme as circunstâncias, em razão da reciprocidade que caracteriza o instituto nessa faixa. Os alimentos são devidos:
1º) pelos pais;
2º) pelos outros ascendentes;
3º) pelos descendentes;
4º) pelos irmãos;
5º) pelo cônjuge.
Nosso ordenamento jurídico se preocupou em separar os sujeitos da obrigação alimentar por categorias. A primeira trata dos ascendentes em grau imediato, quais seja, os pais. Na falta destes, a obrigação se estende aos outros ascendentes, isto é, aos avós, paternos e maternos, e assim sucessivamente. Eles pertencem à segunda categoria, os avós. Na falta de ascendentes, recai a obrigação aos descendentes, que compõem a terceira categoria, respeitando a ordem de sucessão. Dentro dessa categoria, os primeiros a serem acionados são os filhos; depois os netos, e assim sucessivamente. Na ausência de descendentes, incumbe aos irmãos, germanos ou unilaterais, que são a quarta categoria. GOMES (2001, p. 436).
Sobre o tema, contempla Venosa (2009, p. 362-363):
Nos alimentos derivados do parentesco, como demonstra o artigo 1.696, o direito à prestação é recíproco entre pais e filhos, extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta dos outros. Notemos que, existindo vários parentes do mesmo grau, em condições de alimentar, não existe solidariedade entre eles. A obrigação é divisível, podendo cada um concorrer, na medida de suas possibilidades, com parte do valor devido e adequado ao alimentando. Na falta dos ascendentes, caberá a obrigação aos descendentes, guardada a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos, como unilaterais (artigo 1.687). A falta de parente alimentante deve ser entendida não somente como inexistência, mas também, ausência de capacidade econômica dele para alimentar.
Conforme observamos do retro citado, a obrigação alimentar em decorrência do parentesco é recíproco entre ascendentes e descendentes, recaindo a obrigação ao mais próximo dentre as categorias de parentes apresentadas, e por assim ser, a seguir, veremos a possibilidade dos avós serem sujeitos passivos da obrigação alimentar.
OS AVÓS COMO SUJEITOS PASSIVOS DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR
Em quais possibilidades os avós podem ser sujeitos passivos da obrigação alimentar devida aos netos?
Para o nobre doutrinador Cahali (2009, p. 466), “Os sujeitos da relação jurídico-alimentar, portanto, não se colocam apenas na condição de pai e filho; estabelece-se, do mesmo modo, uma obrigação por alimentos entre filhos, genitores, avós e ascendentes em grau ulterior [...]”.
Continuando com Cahali (2009, p. 467), o professor ensina que:
O legislador não se limita à designação dos parentes que se vinculam à obrigação alimentar, mas determina do mesmo modo a ordem sucessiva do chamamento à responsabilidade, preferindo os mais próximos em grau, e só fazendo recair a obrigação nos mais remotos à falta ou impossibilidade daqueles de prestá-los: o conceito é, pois, o de que existia uma estreita ligação entre obrigado e alimentando, pelo que aqui não se considera a família no seu mais amplo significado, mas como o núcleo circunscrito de parentes próximos e quais aqueles que estão ligados pelas mesmas intimas e comuns relações patrimoniais.
Podemos verificar, que os avós podem ser sujeitos passivos da obrigação alimentar devida aos netos, pois o artigo 1.696 do nosso Código Civil de 2002 é bastante claro.
Em primeiro lugar deve-se buscar o genitor, após comprovada a impossibilidade deste, se recorre ao ascendente mais próximo, que neste caso são os avós, tanto paternos como maternos.
Essa obrigação de prestar alimentos aos netos, ela é principal, solidária ou subsidiaria?
Veremos a seguir.
A nossa Constituição Federal, dispõe o seguinte: “Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.
Observamos que nosso texto maior é bastante claro: os pais têm o dever de assistir os filhos e ampará-los.
Desta forma, a obrigação principal é devida pelos pais, e somente comprovada a impossibilidade destes, ou insuficiência, serão chamados os avós.
Bem leciona Cahali (2009, p. 468 apud Aniceto Aliende): “Mais precisamente, para que os filhos possam reclamar alimentos dos avós, necessário é que faltem os pais. Ou pela absoluta, que resulta da morte ou ausência. Ou pela impossibilidade de cumprir a obrigação, que se equipara à falta”.
Completando, Rizzardo (2008, p. 757) afirma que “Não se faculta ao filho procurar diretamente junto ao avô os alimentos, se tem capacidade econômica o pai, embora aquele seja pessoa mais afortunada”.
Nessa esteira, continua Cahali (2009, p. 468):
Estabelecida a hierarquia dos devedores de alimentos, não se pode pretender, singelamente, que ao mais próximos excluam os mais remotos (tal como acontece na vocação hereditária), mas de dispõe apenas que os mais remotos só serão obrigados quando inutilmente se recorreu aos que precedem.
Verificamos que o simples fato de não cumprir pelo pai a obrigação alimentar devida ao filho, não enseja a propositura da ação contra o avô. A ação primeiramente deve ser dirigida contra o pai, e, na impossibilidade dele do pagamento de alimentos, serão chamados os avós. Caso a ação seja proposta contra ambos, e o pai obtenha meios para o sustento do filho, os avós serão afastados do pólo passivo da demanda, como parte ilegítima. CAHALI (2009, p. 470).
Podemos perceber que a obrigação alimentar principal é devida aos pais de proverem o sustento de sua prole, não pode o alimentando recorrer aos avós, tendo seu genitor recursos de garantir-lhe sua sobrevivência.
Esclarecido este ponto, a seguinte pergunta é: A obrigação alimentar devida pelos avós tem caráter subsidiário e complementar?
Para melhor elucidar, o conceito da palavra “subsidiário”, por Marques (2004 apud Rodolfo Pamplona e Pablo Stolze): “Vale lembrar que a expressão “subsidiária” se refere a tudo que vem “em esforço de...” ou “em substituição de...”, ou seja, não sendo possível executar o efetivo devedor – sujeito passivo direto da relação jurídica obrigacional – devem ser executados os demais responsáveis da dívida contraída”.
Assim esclarecido, damos continuidade.
Sobre este tema o STJ editou a Súmula 596 que diz: “A obrigação alimentar dos avós tem natureza complementar e subsidiária, somente se configurando no caso de impossibilidade total ou parcial de seu cumprimento pelos pais. (Súmula 596, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 08/11/2017, DJe 20/11/2017). (grifo nosso).
Podemos verificar que esta obrigação alimentar movida contra os avós, é uma obrigação subsidiária e complementar, pois os avós só responderão por este encargo alimentar, na falta dos pais, ou na insuficiência destes.
Conforme veremos, o julgado do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (SC, 2019):
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ALIMENTOS AJUIZADA PERANTE AVÓS PATERNOS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DA REQUERENTE. PRETENDIDA REFORMA DA SENTENÇA PARA IMPOR AOS AVÓS PATERNOS O ENCARGO ALIMENTAR AO ARGUMENTO DE INADIMPLÊNCIA DO GENITOR. INSUBSISTÊNCIA. OBRIGAÇÃO ALIMENTAR AVOENGA DE NATUREZA SUBSIDIÁRIA, QUE PRESSUPÕE A DEMONSTRAÇÃO DA IMPOSSIBILIDADE TOTAL OU PARCIAL DO CUMPRIMENTO POR AMBOS OS GENITORES. EXEGESE DOS ARTIGOS 1.696 E 1.698 DO CÓDIGO CIVIL E DA SÚMULA 596 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INADIMPLEMENTO DA PENSÃO ALIMENTÍCIA PELO GENITOR QUE, POR SI SÓ, NÃO JUSTIFICA A DEMANDA CONTRA OS AVÓS PATERNOS. AUSÊNCIA DE PROVA DA INSUFICIÊNCIA DOS RECURSOS DO PAI E DA MÃE PARA SUPRIR AS NECESSIDADES ATUAIS DA FILHA. EXCEPCIONALIDADE NÃO CARACTERIZADA. AVÓS PATERNOS, POR SUA VEZ, QUE COMPROVAM A SUA IMPOSSIBILIDADE FINANCEIRA PARA ARCAR COM OS ALIMENTOS PLEITEADOS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. HONORÁRIOS RECURSAIS. MAJORAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA, EX VI DO ARTIGO 85, § 11, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. SOBRESTADA, CONTUDO, A COBRANÇA POR SER A APELANTE BENEFICIÁRIA DA GRATUIDADE DE JUSTIÇA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 0301205-06.2017.8.24.0081, de Xaxim, rel. Des. Denise Volpato, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 15-10-2019).
Observamos no julgado acima que, o mero inadimplemento da pensão alimentícia devida pelo genitor, por si só, não justifica a obrigatoriedade do pagamento dos alimentos pelos avós.
Continuando a explanação sobre este assunto, a indagação é: essa obrigação alimentar é solidária?
Para melhor compreender o tema, o conceito de solidariedade segundo Nelson Nery e Nery (2008, p. 422 apud Soriano, Pareceres, vol. 2, p. 181) que diz:
Solidariedade consiste numa relação jurídica obrigacional, baseada na identidade ou na unidade de prestação, na qual cada credor e cada devedor tem direito e é obrigado in solidum, isto é, à prestação por inteiro, de sorte que, uma vez satisfeita esta, se extingue toda a dívida.
É de enorme importância conceituar a solidariedade na relação jurídica, pois os alimentos entre parentes não tem caráter solidário.
Dando continuidade, buscamos nas palavras de Cahali (2009, p. 134), que faz considerações relevantes sobre a interpretação literal do artigo 1.698 do Código Civil:
A dívida de alimentos era e continuará sendo uma obrigação não solidária, manteve-se a tradição do nosso direito sobre a questão, pois o CC/2002 não acena com nenhum enunciado que permita deduzir o estabelecimento da solidariedade passiva entre os co-devedores, mantida a regra geral do seu art. 265: “ A solidariedade não se presume; resulta de lei ou da vontade das partes”; antes, pelo contrário, referindo o art. 1.698 do atual Código que, sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas elas devem concorrer “na proporção dos respectivos recursos”, deduz-se, dessa proporcionalização, a existência de “obrigações conjuntas” o que inviabiliza o exercício da obrigação alimentar, sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, contra apenas uma delas, desde logo, visando o pagamento da totalidade do encargo remanescente, de que necessita.
Em outros termos, não se tratando de uma obrigação solidária, implica-se a regra fundamental do artigo 275 do Código Civil [...]. (grifo nosso).
Podemos perceber que a obrigação alimentar devida entre parentes não tem caráter solidário, pois não se pode cobrar a totalidade dos alimentos de uma pessoa só. A prestação alimentar será diluída entre os devedores, dentro de suas possibilidades financeiras. Havendo esta possibilidade a obrigação poderá ser suportada tanto pelos avós paternos quanto pelos maternos, por ser obrigação divisível.
Diante do exposto, observamos que a relação processual em que os avós paternos ou maternos se encontram na prestação alimentar devida aos netos, é um litisconsórcio passivo facultativo, pois estamos falando de uma relação não solidária, e sim subsidiária. Não podemos comparar a relação de prestação alimentar e dívidas alimentares com negócios jurídicos de outro jaez. Aqui, referímo-nos à relação de parentesco, que envolve sentimentos e institutos jurídicos que expõem claramente que a obrigação alimentar decorre da busca de amparar os semelhantes do mesmo grupo familiar.
REFERÊNCIAS
CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. 6ª. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
GOMES, Orlando. Direito de Família, 11. Ed. Rio de Janeiro: Revista Forense, 2001.
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado. 6. Ed. Revista dos Tribunais, 2008.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. São Paulo: Atlas, 2009.
Escrito por Scheila Ferrari D. Limongi, advogada, inscrita na OAB/SC nº 52.628.
E-mail: scheilafdlimongi@gmail.com
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