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Crianças e adolescentes em situação de risco e suas relações com a instituição Conselho Tutelar

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Agenda 12/04/2006 às 00:00

4. A instituição conselho tutelar e o atendimento a crianças e adolescentes em situação de risco pessoal/social

4.1 Os Regimes de Atendimento

No capítulo anterior, buscou-se atingir os seguintes objetivos: apresentar a Instituição Conselho Tutelar descrevendo a sua competência à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente. Em seguida, elencaram-se as atribuições dos Conselhos Tutelares, consubstanciadas nas principais atividades a serem desenvolvidas e nos encaminhamentos que podem ser realizados visando à responsabilização dos pais/responsáveis e à aplicação das medidas de proteção à crianças e adolescentes, conforme determinado pelo ECA. Passa-se neste capítulo à análise das formas de atendimento especificamente previstas no artigo 90 do ECA.

As medidas de proteção e sócio-educativas determinadas tanto pelos Conselhos Tutelares como pelos Juízes da Infância e da Juventude requerem um sistema de atendimento constituído por redes locais de entidades de atendimento, que possam viabilizar as decisões por eles exaradas. Assim, por exemplo, uma denúncia de maus tratos a uma criança que chegue ao Conselho Tutelar, deverá ser investigada por seus agentes. Confirmada a Denúncia, os pais ou responsáveis deverão ser convocados para cumprirem seus deveres de assistir, criar e educar seu filho ou pupilo, mediante termo de responsabilidade. Caso os pais reiteradamente descumpram tais deveres, colocando o filho em situação de risco, deverá o Conselho Tutelar agir no interesse da criança em questão, tomando uma ou mais medidas protetivas, como o encaminhamento da criança a um abrigo para que cesse o risco a que estava exposta tal criança. Para tanto, contará com o apoio de uma rede local de atendimento, preparada para executar as ações que o caso concreto exigir.

Para esclarecer como deve funcionar tal atendimento, se faz necessário distinguir entidades de atendimento, programas de atendimento e regimes de atendimento.

Entidades de atendimento são pessoas jurídicas, governamentais ou não-governamentais, responsáveis pela implementação da política de atendimento elaborada pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), inspirado nos Princípios da Doutrina da Proteção Integral das Nações Unidas expressos na Convenção Internacional dos Direitos da Criança (anexo A), nos artigos 227 e 228 da Carta da República e no ECA. Estes são os parâmetros a serem seguidos pelas entidades de atendimentos à infância e juventude em todo o país.

Não obstante, os Conselhos Estaduais, podem adequar as normas gerais às peculiaridades regionais. Já os Conselhos Municipais, tem a tarefa de fazer cumprir as orientações das instâncias normativas superiores, orientando as referidas entidades governamentais e não-governamentais.

Com escopo de possibilitar o controle estatal de suas ações, deverão as entidades de atendimento proceder à inscrição de programas, através do encaminhamento de seu Regimento Interno, especificando os respectivos regimes de atendimento, aos Conselhos Municipais, que a seu turno, comunicarão aos Conselhos Tutelares e à autoridade judiciária competente. O sistema de atendimento assim constituído deve estar organizado de forma a conter entidades capazes de abarcar o elenco de regimes de atendimento previstos no artigo 90 do ECA, quais sejam:

I – orientação e apoio sócio-familiar;

II - apoio sócio-educativo;

III - colocação familiar;

IV – abrigo;

V – liberdade assistida;

VI – semi liberdade;

VII - internação.

Desse modo, poderão os Conselhos Tutelares e a autoridade judiciária, devidamente cientificados, fazerem os encaminhamentos necessários à implementação de suas decisões.

De acordo com o pedagogo Antonio Carlos Gomes da Costa 34 para que as medidas aplicáveis às crianças e adolescentes se tornem efetivas, se faz necessário um sistema de atendimento estruturado formado por redes locais de entidades de atendimento (governamentais e não-governamentais) cuja função é respaldar a atuação dos Conselhos Tutelares e da Justiça da Infância e Juventude. As entidades se responsabilizam pelo(s) regime(s) de atendimento por elas praticado(s) na implementação das medidas protetivas ou sócio-educativas estabelecidas no ECA e determinadas no caso concreto pela autoridade competente.

O elemento básico caracterizador da entidade de atendimento é o seu regime de atendimento. Define Antônio Carlos Gomes da Costa35 cada um dos regimes:

  1. Regime de orientação e apoio sócio-familiar. É o mais importante e o menos praticado dos regimes de atendimento do ECA. A orientação refere-se à ajuda não-material à família: informação, aconselhamento psicossocial, jurídico e econômico. Já o apoio refere-se à ajuda material: renda mínima, cesta básica, materiais de construção, vestuário, medicamento e outros. Vale ressaltar, que embora de difícil prática, seria ideal que seus resultados fossem suficientes no combate à violação dos direitos fundamentais da criança e do adolescente, tornando possível o seu desenvolvimento no seio da família. Logrando-se êxito nesse patamar de atendimento, não se chegaria à institucionalização (abrigo e internação) de crianças e adolescentes desassistidos pelos familiares.

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  2. Regime de apoio sócio-educativo. É o trabalho social e educativo dirigido a crianças e adolescentes fora dos regimes de institucionalização. Nesse sentido, tais programas governamentais e não-governamentais desenvolvidos na comunidade são um poderoso instrumento de garantia ao direito à convivência familiar, ao lado do apoio e orientação sócio-familiar. Cumpre destacar, o relevante papel de algumas empresas privadas em parceria com Prefeituras e os Conselhos Municipais visando ao desenvolvimento local, instrumentalizando a Responsabilidade Social e contribuindo para o crescimento do país.

  3. Regime de colocação familiar. A colocação em família substituta em regime de guarda, tutela ou adoção é uma forma de – quando exauridas todas as alternativas de manter a criança em sua família natural- assegurar à criança o direito à convivência familiar e comunitária. É uma alternativa ao abrigo.

  4. Regime de abrigo. O abrigo não é uma internação, não há privação de liberdade. Trata-se de uma medida de apoio residencial, afetivo e provisório até que a criança ou adolescente atendido possa retornar à sua própria família ou ser colocado em família substituta. Ressalte-se que o Estatuto estabelece um prazo de dois dias úteis para que os responsáveis pelos abrigos comuniquem à Justiça os casos de acolhimento de crianças e adolescentes em seus programas sem a prévia medida judicial, encaminhados pelos Conselhos Tutelares, pelas próprias famílias ou outros Órgãos.

  5. Regime de liberdade assistida. Este regime é voltado para o atendimento de adolescentes que cometeram ato infracional. Para seu adequado funcionamento faz-se necessário um conjunto de métodos e técnicas sócio-educativos nas áreas de aconselhamento, terapia, reabilitação, educação básica e profissional, bem como orientação e apoio sócio-familiar, quando necessário.

  1. Regime de semiliberdade. Também voltado para o atendimento de adolescente autor de ato infracional. É a última alternativa antes que se recorra à privação de liberdade. É a primeira alternativa, quando se pensa em progressão de regime para adolescente que se encontra internado.

  2. Regime de internação. É regime de privação de liberdade. Deve obedecer aos princípios da excepcionalidade e da brevidade, devendo ser aplicado em último caso. Fundamenta-se na necessidade de ação sócio-educativa, gerando a responsabilidade da entidade pela integridade física, psicológica e moral do adolescente e pelo seu desenvolvimento pessoal e social.

Em que pese ser o direito à convivência familiar e comunitária direito fundamental ao lado do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito e à liberdade, nem sempre é possível sua manutenção. Fatores como o desemprego, a dependência de drogas, entre outros, levam ao rompimento dos laços familiares.

O abrigamento em instituição é uma das medidas de proteção aos direitos das crianças e adolescentes estabelecidas no art. 101 do ECA e sua aplicação por decisão do Conselho Tutelar e por determinação judicial, implica na suspensão do poder familiar e o afastamento temporário do convívio com a família. Já a colocação em família substituta, através de adoção, implica na destituição do poder familiar, aplicável aos casos em que não há mais possibilidade de retorno à família de origem, de competência exclusiva do Juízo da Infância e Adolescência.

As entidades de atendimento que oferecem o regime de abrigo devem propiciar, durante a aplicação da medida, a manutenção do vínculo familiar e a convivência comunitária. Desse modo, deve incentivar o contato com familiares, organizando reuniões, encaminhando pais ou responsáveis para programas oficiais ou comunitários de apoio à família, bem como manter grupos de irmãos unidos, possibilitando a busca da reestruturação familiar, sempre que possível. Foi também intentada pelo legislador a convivência comunitária, evitando-se a alienação e a inadequação dos abrigados para a vida em sociedade. Contudo, os resultados práticos desta abordagem de proteção tem deixado muito a desejar, tendo em vista o grande número de crianças e adolescentes que acabam vivendo pelas ruas das grandes cidades, o que sinaliza a pouca atratividade que tais instituições exercem sobre os que delas necessitam. Vistos os regimes de atendimento que podem ser buscados no enfrentamento das questões referentes à infância e adolescência, passa-se a considerar as dificuldades encontradas pelos Conselhos Tutelares no desempenho de suas atribuições, enquanto órgão de mediação entre a demanda e a oferta desses atendimentos.

4.2 Dificuldades na atuação dos Conselhos Tutelares

Para tecer considerações acerca das dificuldades encontradas pelos Conselhos Tutelares no desempenho das suas atribuições é necessário promover uma abordagem prática que retrate o dia a dia da instituição. Em visita ao Conselho Tutelar Zona Sul do Município do Rio de Janeiro, ouviu-se dos próprios conselheiros os principais empecilhos ao trabalho da instituição. Esse Conselho atende a toda a zona sul, incluindo-se a Rocinha e Vidigal, embora na prática, saia desse circuito porque para lá confluem crianças e adolescentes de outras áreas. O dimensionamento das dificuldades práticas encontradas nas ações pode ser vislumbrado por entrevista realizada em novembro de 2005 com os Conselheiros do Conselho Tutelar da Zona Sul, como se segue:

1) Quais os agentes responsáveis pela abordagem de crianças e adolescentes que se encontram nas ruas em situação de risco pessoal/social?

R.:Os educadores são os agentes da Secretaria de Assistência Social da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro que recolhem crianças e adolescentes em situação de rua e trazem para o Conselho.

2) Na hipótese de não serem localizados pais ou responsáveis dessas c & a como agem os Conselhos Tutelares?

R.: Em primeiro lugar, eles são entrevistados pelo conselheiro que anota seus dados em uma ficha, providenciando o contato com a família, com vistas a reinserção familiar de crianças e adolescentes. Funciona ao lado do Conselho uma Central de Triagem, na qual podem ser alimentados e tomam banho, enquanto será providenciado um abrigo para pernoite. Se não lograrem êxito na procura de pais ou responsáveis, serão encaminhados aos abrigos. Este atendimento é dado aos que tem até 17 anos e 11 meses.

3)Há abrigos suficientes para atender a essa demanda? Quem mantém os abrigos?

R.: Não são suficientes, pois a procura é muito grande. Às vezes os próprios adolescentes procuram se abrigar, quando, por exemplo, estão sendo perseguidos na comunidade de origem, por terem praticado algum delito, como roubo. Os abrigos são mantidos pela Prefeitura (foi mostrada uma listagem com 12 entidades).

4)Caso a própria família tome a iniciativa de procurar os Conselhos Tutelares como se fará o seu atendimento?

R.: São atendidos no Conselho Tutelar os mais diversos casos, como por exemplo, quando os pais, já não conseguem mais tomar conta de seus filhos (porque eles estão roubando e correndo risco de vida na comunidade ou porque não tem tempo ou outras condições para cuidar deles) e pedem para que eles sejam abrigados.

5) Além dos educadores, dos pais ou responsáveis, crianças e adolescentes são trazidas ao Conselho por outros meios?

R.:Sim. São encaminhados casos de escolas, delegacias, denúncias de vizinhos, etc.

6) Que medidas serão tomadas no caso de falta de recursos dos pais para o encaminhamento de c & a a estabelecimento oficial de ensino fundamental?

R.: O Conselho procura as escolas e requisita vaga para a criança ou adolescente, através da 2ª CRE, embora nem sempre haja vaga.

7) E para outros tipos de encaminhamentos como, por exemplo, médico ou psicológico?

R.: As pessoas procuram o Conselho e de lá são encaminhadas aos atendimentos necessários, levando uma requisição.

8) Como é realizado o acompanhamento dos encaminhamentos efetivados pelos Conselhos Tutelares?

R.: O conselho visita os locais, sempre que possível para verificar se os atendimentos encaminhados estão sendo realizados. Porém, a Prefeitura só disponibilizou um carro e um motorista, o que dificulta as idas aos abrigos e hospitais. As visitas a residências dos familiares em favelas também não podem ser feitas, por falta de segurança.

9) Qual a formação dos profissionais envolvidos no atendimento a c & a nos Conselhos Tutelares?

R.: Não há necessidade de formação específica. Os cinco conselheiros são escolhidos por voto facultativo. Antes, passam por uma prova sobre o ECA e para se candidatarem basta terem alguma experiência em trabalho assistencial. Eles contam com o auxílio de 3 Assistentes Sociais e 1 Psicóloga, além de 3 funcionários administrativos.

10) A que autoridades os Conselhos Tutelares se reportam?

R.: Ao Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente, CDCA. Porém, quem financia o Conselho é a Prefeitura.

11) Na sua opinião, as verbas liberadas para programas de atendimento a essa população são suficientes? Como são prestadas contas dessas utilizações orçamentárias?

R.: Não. É atribuição do Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente, CMDCA.

12) Como ocorre o encaminhamento de adolescente a quem se atribui a prática de ato infracional ao Conselho Tutelar?

R.: O adolescente infrator só passa pelo conselho quando encaminhados pelo juiz. A ocorrência é feita diretamente na Delegacia de Proteção da Criança e do Adolescente, DPCA.

13) Na sua opinião, como é vista pela população a atuação dos Conselhos Tutelares?

R.: Acho que tem boa aceitação.

14) Quantos atendimentos são realizados em média por mês?

R.: 240 (duzentos e quarenta) atendimentos.

15) O que falta para um melhor atendimento à população?

R.: Seriam necessários mais Conselhos, mais abrigos e mais pessoal, inclusive de segurança, que não há. Falta também infra-estrutura, como computadores, telefones, veículos para transporte, etc. Também dificulta o andamento do serviço o entrave burocrático.

As respostas a estas perguntas possibilitam um melhor entendimento da prática das ações implementadas e suas principais dificuldades, podendo embasar, se cotejadas com a legislação vigente, a algumas conclusões referentes à atuação da instituição no Município do Rio de Janeiro. Salta aos olhos a existência de uma lacuna considerável entre a legislação e a sua aplicação, sendo proveitoso remeter o leitor ao item 1.3 do capítulo 1 deste trabalho onde se discute a evolução da legislação brasileira pertinente às questões da infância e adolescência.

A próxima subseção busca retratar o perfil das crianças e adolescentes abrigados no país, sob a ótica de pesquisa de iniciativa governamental.

4.3 Considerações sobre a situação dos Abrigados no país

Pesquisa realizada no ano de 2003, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada-IPEA36, investigou 589 das 600 instituições de abrigos existentes no país, que na ocasião da coleta de dados abrigavam 19.373 crianças e adolescentes, chegou a conclusões bastante significativas do perfil dos abrigados sobres as quais vale a pena destacar-se alguns dados:

  1. Sexo, raça e tempo de abrigamento: os abrigados eram na sua maioria meninos(58,5%), afro-descendentes (63%) contando entre 7 e 15 anos de idade(61,3%).

  2. Situação familiar: a grande maioria mantém vínculo familiar (86,7%) e apenas 5,8 % estavam impedidos judicialmente de contato com os familiares, enquanto 4,6% eram órfãos e 6,7% tinham família desaparecida.

  3. Motivos de abrigamento: a pobreza mostrou-se o mais recorrente dos motivos (24,1%), seguida do abandono (18,8%), da violência doméstica (11,6%), da dependência química dos pais ou responsáveis (11,3%), da vivência nas ruas (7,0%) e da orfandade (5,2%).

  4. Possibilidade de adoção: apenas 10,7% estavam em condições de serem encaminhados para adoção.

  5. Tempo de abrigamento: encontravam-se nas instituições mais da metade dos abrigados(52,6%) por período superior a dois anos, sendo que 20,7% a mais de seis anos e 6,4 % a mais de dez anos.

Infere-se que os motivos de abrigamento são na maioria das vezes os mesmos da dificuldade de reestruturação familiar, quais sejam o desemprego, a moradia inadequada, a drogadição dos responsáveis, entre outros. Não sendo resolvidos os problemas familiares, não se possibilita para a maioria dos abrigados a reinserção familiar. Daí o fundamento para a tese de que o regime de atendimento de orientação e apoio sócio-familiar é o mais importante e basilar para o sistema de atendimento como um todo.

Sobre a autora
Maria de Fátima Nunes Molaib

servidora pública no Rio de Janeiro (RJ), bacharel em Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOLAIB, Maria Fátima Nunes. Crianças e adolescentes em situação de risco e suas relações com a instituição Conselho Tutelar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1015, 12 abr. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8231. Acesso em: 20 mai. 2024.

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