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Crianças e adolescentes em situação de risco e suas relações com a instituição Conselho Tutelar

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12/04/2006 às 00:00

Resumo:


  • Os Conselhos Tutelares são órgãos autônomos e permanentes encarregados de assegurar o cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, conforme estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

  • As principais atribuições dos Conselhos Tutelares incluem atender crianças e adolescentes em situação de risco, aconselhar pais ou responsáveis, promover a execução de suas decisões e encaminhar casos à autoridade judiciária ou ao Ministério Público quando necessário.

  • Apesar da legislação avançada, há uma lacuna entre as normas e a prática, com desafios como a falta de recursos, infraestrutura e desarticulação entre entidades, o que dificulta a efetiva proteção e atendimento à população infantojuvenil em risco.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O presente estudo abordará a questão do menor em situação de risco pessoal/social, levando em conta sua condição de seres em desenvolvimento e o contexto sociocultural ao qual pertinem, em suas relações com a instituição Conselho Tutelar.

Resumo: Trata-se de pesquisa monográfica cujo objeto de estudo é a questão da criança e do adolescente em situação de risco pessoal/social em suas relações com os Conselhos Tutelares instituídos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. O trabalho é dividido em quatro capítulos. O primeiro capítulo versa sobre o ordenamento jurídico brasileiro no que pertine à infância e adolescência. O segundo capítulo se ocupa em conceituar infância e adolescência nos aspectos cronológico e desenvolvimentista à luz da teoria de Jean Piaget, além de tecer comentários quanto à criação da identidade em situação de risco e as suas implicações legais. O terceiro capítulo apresenta a instituição Conselho Tutelar descrevendo sua competência e atribuições, de acordo com o ECA. O quarto capítulo situa a atuação dos Conselhos Tutelares na aplicação das medidas protetivas previstas no Estatuto analisando as formas de atendimento e seu papel na rede de atendimento à criança e ao adolescente, buscando cotejar a atuação prática com a legislação vigente, consignando, ainda, um rápido panorama do perfil dos abrigados no país. Finalmente, são apontadas algumas conclusões que apresentaram relevância durante o desenvolvimento do estudo.

Sumário: Introdução; 1. A criança, o adolescente e o Direito: o ordenamento jurídico brasileiro e a proteção integral à criança e ao adolescente; 1.1. A convenção internacional sobre os direitos da criança; 1.2. A Constituição Federal de 88 e as implicações sociais decorrentes da tutela integral; 1.3. O Estatuto da Criança e do Adolescente: a evolução da legislação pátria; 2. Infância e adolescência: conceito de desenvolvimento e a criação da identidade em situação de risco; 2.1. Os aspectos cronológico e o desenvolvimentista. 2.2. A adolescência desassistida e a criação da identidade; 2.3. Crianças e adolescentes em situação de risco e a lei; 3. A instituição conselho tutelar; 3.1. A criação dos conselhos tutelares; 3.2. Competência do conselho tutelar. 3.3. Atribuições do conselho tutelar; 4. A instituição conselho tutelar e o atendimento à criança e ao adolescente em situação de risco. 4.1. Os regimes de atendimento; 4.2. Dificuldades na atuação dos conselhos tutelares. 4.3. Considerações sobre a situação dos abrigados no país. Conclusões. Referências


INTRODUÇÃO

O presente estudo abordará a questão de crianças e adolescentes em situação de risco pessoal/social, levando em conta sua condição de seres em desenvolvimento e o contexto sociocultural ao qual pertinem, em suas relações com a Instituição Conselho Tutelar.

Os Conselhos Tutelares foram criados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/90, que regulamentou o artigo 227 da Carta da República de 881. Sua competência e atribuições estão inclusas no Título V do ECA.

Verifica-se que as questões referentes à infância e à juventude gozam de caráter prioritário assegurado pela Constituição Federal de 1988, objetivando o constituinte originário à proteção integral, no sentido de proteger seus tutelados da ameaça ou violação de direitos fundamentais, indistintamente de classe social.

No âmbito internacional, a Convenção dos Direitos da Criança de 1989, ratificada pelo Brasil em 24/09/1990, no seu art. 2º, 1, reza que os Estados-partes respeitarão os direitos ali previstos e assegurarão a toda criança sujeita a sua jurisdição, sem discriminação de qualquer tipo, independentemente de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra, origem nacional, étnica, política ou social, posição econômica, impedimentos físicos, nascimento ou qualquer outra condição da criança, de seus pais ou de seus representantes legais. Incluídos neste manto de proteção devem encontrar-se as pessoas menores de 18 anos, salvo se atingirem a maioridade antes desta idade.

A Doutrina da Proteção Integral criada pela Convenção Internacional dos Direitos da Criança deve reger o atendimento à criança e ao adolescente, requerendo um conjunto articulado de ações por parte do Estado e da sociedade que vão desde a concepção de Políticas Sociais até a realização de Programas locais de atendimento implementados por entidades governamentais ou não governamentais. Tendo em vista que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos no Brasil de hoje e que não estão eles, por si sós, capacitados para exigir que se concretizem tais direitos, os problemas relativos à criança e ao adolescente devem ser priorizados pelo governo e pela sociedade.

A partir da vigência da Constituição atual, o abandono de crianças e adolescentes à própria sorte pelos pais/ responsáveis, pela sociedade e pelo Estado é considerado violação aos direitos e garantias constitucionais.

Embora seja a legislação brasileira no que pertine à criança e ao adolescente reconhecidamente uma das melhores do mundo, cada vez mais tem-se crianças em situação de risco pessoal/social vagando pelas ruas. Isso provavelmente deve-se ao fato de que a legislação é abstrata e o problema da criança e o adolescente sem atenção familiar/comunitária é concreto, havendo uma distância entre o que deveria ser e o que de fato é, que só pode ser transposta pela vontade política de toda a sociedade.

Nesse passo, cabem algumas considerações a respeito do contexto sócio-cultural em que se encontram crianças e adolescentes que, em sua grande maioria, desassistidos pelos familiares, necessitam da intervenção do Estado na proteção de seus direitos fundamentais. Crianças e adolescentes em "situação de rua" representam o resultado de um processo de exclusão social a que está submetida grande parte da população brasileira. As desigualdades sócio-econômicas formam bolsões de pobreza em torno dos centros produtivos como a cidade do Rio de Janeiro. Esta conscientização deve embasar as atitudes e até mesmo a formação profissional de empreendedores tanto quanto dos agentes que se dedicam ao atendimento às crianças e aos adolescentes em situação de risco, compensando-se a redução dos meios para seu desenvolvimento digno, sob pena de entregarmos a tutela dessas crianças ao desespero e ao crime e sermos nós mesmos suas vítimas.

Diante do exposto, nossa preocupação volta-se para como poderia ser melhorada a atuação dos Conselhos Tutelares com base no instituído pela Política de Atendimento do ECA.

As questões referentes à crianças e adolescentes em situação de risco pessoal/social tem dado origem a muitos estudos e pesquisas à medida que aumenta a preocupação social acerca do tema, que se mostra atual e relevante tanto em nossa cidade como em todo o país. Sinalizam a preocupação corrente na sociedade com o rumo que tem tomado o trato dessas questões pelos diretamente envolvidos e por todos os seus membros, visando analisar criticamente alternativas de atuação institucional, apontar caminhos para a diminuição das desigualdades sócio-educativas, o que poderá levar a uma melhoria na qualidade de vida desses meninos e meninas, diminuindo os casos de morte violenta ligados, em sua maioria, ao tráfico de drogas, o que geraria, no futuro, resposta menos trágica nas estatísticas e mais humana na convivência social dos que habitam este país.

O presente estudo restringir-se-á às medidas de proteção insertas no Título II, artigos 98 a 102 do ECA, procurando-se analisar a competência, a aplicabilidade e as espécies de medidas elencadas no artigo 101, I a VII, do ECA, levadas a efeito pelos Conselhos Tutelares.

Algumas questões foram consideradas relevantes para o entendimento do problema vislumbrado no âmbito do funcionamento do serviço assistencial prestado à população de menores que dele necessitam: 1) em que consistem as medidas de proteção aplicáveis pelo Conselho Tutelar? 2) Como se dá a responsabilização dos pais/responsáveis? 3) Que ações são desenvolvidas e quais os encaminhamentos e controles previstos na legislação vigente?

Pretende-se, por outro lado, observar a efetividade dessas medidas no dia a dia dos Conselhos Tutelares, tendo em vista suas atribuições elencadas no artigo 136 do ECA, que serão analisadas no decorrer deste estudo, sendo objeto de consideração posterior. Contudo, desde já, infere-se que tal atuação depende do enfrentamento de vários fatores, como problemas de origem econômica, falta de vontade política das administrações municipais e de infra-estrutura das entidades prestadoras dos serviços necessários ao implemento da Política de Proteção Integral da criança e do adolescente.

Em síntese, os objetivos do presente estudo são os seguintes: Verificar a competência dos Conselhos Tutelares com relação à responsabilização dos pais/responsáveis e ao atendimento das crianças e adolescentes em situação de risco pessoal /social. Descrever as atividades dos Conselhos Tutelares e os encaminhamentos previstos no ECA para a aplicação das medidas de proteção à criança e adolescente, bem como as atinentes aos pais ou responsáveis. Apontar dificuldades encontradas pelos agentes dos Conselhos Tutelares no desempenho de suas funções, analisando criticamente sua atuação dentro do contexto assistencial atual.


1. A Criança, O Adolescente e o Direito: O Ordenamento Jurídico Brasileiro e a Proteção Integral à Criança e ao Adolescente

1.1 A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança

O objetivo deste primeiro capítulo é situar as questões referentes à infância e adolescência no contexto jurídico atual. Para tanto, mostra-se indispensável uma visão do ordenamento jurídico pátrio em cotejo com os acordos internacionais sobre o tema. Relevante, também, uma breve recomposição dos caminhos pelos quais a legislação infraconstitucional trilhou até chegar ao Estatuto da Criança e do Adolescente, que regulamentou o artigo 227 da CRFB de 1988.

No âmbito internacional, a Convenção dos Direitos da Criança (anexo A) aprovada em 20/11/89 e ratificada pelo Brasil em 24/09/1990 é o mais completo tratado internacional sobre os direitos da criança, colocando a proteção dos seus interesses em posição de absoluta prioridade na formulação de Políticas Sociais e destinação de recursos públicos e derivados da cooperação internacional (art. 4º).

O documento ao fazer referência à criança, o fez em sentido amplo, incluindo os seres humanos menores de 18 anos, salvo os que atingirem a maioridade antes desta idade (art. 1º).

A Convenção teve como principais antecedentes a Declaração de Genebra sobre os Direitos da Criança (1924) e a Declaração sobre os Direitos da Criança (1959).

Verifica-se em seu teor a adoção de uma política não discriminatória em relação à condição da criança. O art. 2º. 1, dispõe que os Estados partes respeitarão os direitos ali previstos e assegurarão a toda criança sujeita a sua jurisdição, sem discriminação de qualquer tipo, independentemente de raça, cor, sexo, língua, religião, origem nacional, étnica, política ou social, posição econômica, impedimentos físicos, nascimento ou qualquer outra condição da criança, de seus pais ou de seus representantes legais.

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Ressalte-se que se impõe um compromisso de proteção especial do Estado em razão da condição de pessoa em desenvolvimento, aliada à valorização do vínculo familiar como facilitador natural de tal desenvolvimento.

As medidas institucionais em conformidade com os padrões estabelecidos pelas autoridades competentes deverão levar em consideração os interesses da criança (art. 3º, 18. 2 e 3 e 19. 2).

Prevista também a responsabilização dos pais, tutores e responsáveis legais na forma de Direitos e Deveres elencados nos arts. 3º e 18.1. Tal tratamento coaduna-se perfeitamente com o ordenamento jurídico interno vigente.

É certo que a adesão do país a este Tratado internacional, bem como aos demais de cunho humanitário, deveu-se ao momento político interno que inspirou a elaboração da CF/88.

O constituinte originário, inspirado nos ideais de valorização da cidadania e de respeito à dignidade humana, teceu o manto da Tutela Integral aos direitos fundamentais a que fazem jus todas as crianças e adolescentes brasileiros independentemente da classe social a que pertençam.

1.2. A Constituição Federal de 88 e as implicações sociais decorrentes da Tutela Integral

Verifica-se que as questões referentes à infância e à juventude gozam de caráter prioritário emanado da Constituição Federal de 1988, objetivando o constituinte à proteção integral, no sentido de assegurar aos seus tutelados a garantia dos direitos fundamentais, indistintamente de classe social.

O propósito do constituinte originário foi incumbir tanto a família, como a sociedade e o Estado da relevante tarefa de assegurar os direitos da criança e do adolescente, tendo em vista a sua condição de pessoa em desenvolvimento.

A família é reconhecidamente a célula da sociedade e é bom que se diga que com o advento da Constituição de 88, buscando atender aos anseios da sociedade, estendeu-se o entendimento em relação a ela. Nos ensinamentos de José Afonso da Silva2, a Carta Política vigente não mais restringe a família à comunidade natural composta de pais e filhos, incluindo-se a formada por qualquer dos pais e seus descendentes e ainda, a resultante da união estável entre homem e mulher. Abrangidos pela proteção da Constituição encontram-se os filhos havidos ou não do casamento, bem como os adotados, para os quais são proibidas quaisquer designações discriminatórias. Ademais, em qualquer desses casos, os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e mulher.

Definiu-se, desse modo, quem deve prover, preferencialmente, a assistência às crianças e adolescentes, devendo tal assistência ser suprida, em caso de necessidade, pela sociedade e pelo Estado.

Nesse caso, Programas Assistenciais específicos devem propiciar os meios para o devido atendimento, visando ao satisfatório desenvolvimento físico, mental, intelectual e moral da criança e do adolescente.

Considerou o constituinte originário que as desigualdades sócio-econômico-culturais a que estão sujeitos os componentes da nação brasileira, mereciam a mediação da sociedade e do Estado para a obtenção da melhoria da qualidade de vida da população e, conseqüentemente, das crianças e adolescentes, mitigando o efeitos cruéis da má distribuição de renda.

O entendimento de Rogério Greco3, corrobora a compreensão das causas da marginalização social no âmbito do Direito. Segundo o autor, alguém que pratique determinado fato típico penal movido pela falta de oportunidade de emprego para sua manutenção permite a aplicação de uma atenuante genérica, diminuindo a reprimenda relativa à infração por ele cometida. Trata-se de uma divisão de responsabilidade entre o agente e a sociedade.

Ainda segundo Rogério Greco4, encontra-se, na doutrina dos teóricos Zaffaroni e Pierangeli, a figura da co-culpabilidade, que implica em dizer que a própria sociedade deve arcar com o peso das causas sociais na atribuição da culpabilidade do agente.

A legislação referente à infância e adolescência, evoluiu paralelamente às transformações sócio-políticas ocorridas ao longo da história do país, como será examinado no item a seguir.

1.3. O Estatuto da Criança e do Adolescente: a evolução da Legislação Pátria

Como esclarece o pedagogo Roberto da Silva5, a legislação pertinente à criança e ao adolescente, desde o início do século XX, era bipartida, voltando-se, de um lado exclusivamente para as crianças e adolescentes inseridos em suas respectivas famílias (Código Civil) e de outro dirigida àqueles que não se enquadrassem nesse padrão (Código de Menores), configurando-se um sistema dual. Para estes últimos aplicava-se a chamada Doutrina do Direito de crianças e adolescentes.

Assim, sob a égide do Código de Menores de 1927 6, o descumprimento das obrigações estipuladas aos pais, por motivo de incapacidade, ausência, prisão por mais de dois anos, mendicância, exercício de atividades proibidas ou impossibilidade econômica para suprir as necessidades de sua prole, bem como a conduta anti-social por parte da criança, acarretava a transferência da tutela dos pais para o juiz.

Nessas condições, os menores eram taxados de "expostos" (se menores de 7 anos), "abandonados" (os menores de 18 anos), "vadios" (os encontrados pelas ruas), "mendigos"(os que pediam esmolas ou vendiam coisas nas ruas) e "libertinos" (os que freqüentassem prostíbulos).

O atendimento a essa população era centralizado na figura do Juiz, que tinha competência para devolver a criança aos pais, colocá-la sob a guarda de outra família, determinar-lhe a internação até os dezoito anos de idade ou tomar qualquer outra medida que entendesse necessária (art. 55).

O artigo 68 do Código de 27 estabeleceu a diferenciação por idade quanto aos menores "delinqüentes" e determinou a sua separação dos adultos condenados. Com a promulgação do Código Penal Brasileiro, em 1940, consagrou-se a inimputabilidade criminal para o menor de 18 anos. Os jovens de 18 a 21 anos estavam sujeitos ao recolhimento a colônias correcionais. Havia, também, a figura da "liberdade vigiada" pela qual os delinqüentes maiores de 16 anos poderiam, sob a responsabilidade dos familiares ou tutores, ser regenerados mediante a reparação do dano causado e a apresentação mensal em juízo.

A adoção de crianças e adolescentes, por família legalmente constituída e julgada moralmente capaz, que preenchesse alguns requisitos dispostos na legislação, fazia cessar jurisdição do juiz de menores.

Ainda de acordo com Roberto da Silva7, em 1979, a Doutrina da Situação Irregular, substituiu a Doutrina do Direito de crianças e adolescentes. Sob a orientação do regime militar e da OEA, a opção política frente a problemática das crianças e adolescentes se limitava a atuação estatal a partir do momento em que se configurasse sua situação irregular. À essa época, distinguia-se o menor infrator do abandonado, porém caracterizando a ambos como em situação irregular.

Criou-se, então, a Fundação Nacional do Bem-Estar do de crianças e adolescentes - FUNABEM, em dezembro de 19648, e as FEBENS estaduais, tratando-se o problema de crianças e adolescentes em situação irregular de maneira centralizada pela Política Nacional do Bem-Estar de crianças e adolescentes, forjada na Doutrina da Segurança Nacional.

Ressalte-se que os Princípios da Declaração de Genebra sobre os Direitos da Criança, de 1924 e a Declaração dos Direitos da Criança de 1959, não tiveram nenhuma repercussão interna na elaboração da legislação de crianças e adolescentes.

A explosão demográfica, a migração, o subemprego, e até a falta de religião e de respeito à Pátria eram, entre outros, considerados os fatores sociais ensejadores do problema de crianças e adolescentes, não obstante ser a carência econômica das famílias o principal fator subjacente ao abandono de crianças à própria sorte.

A solução estaria no sistema de internação nas chamadas instituições totais. Partindo-se da premissa de que tais instituições resolveriam o problema, adotou-se o estilo militar.

Porém, a experiência provou que a estratégia do confinamento não resolveria o problema, verificando-se, ao longo do tempo, precisamente, o incremento da marginalização e de rebeliões de menores confinados em tais instituições. Considerando-se, teoricamente, uma comunidade de rígidos padrões sociais, para a qual o sofrimento impingido a uma determinada classe, pudesse ser interpretado de forma natural, resultando em uma espécie de conformismo entre os seus integrantes e conseqüente obediência ao funcionamento comunitário, estar-se-ia diante de uma realidade para a qual a repressão talvez resultasse em diminuição de índices de criminalidade.

Na prática, atualmente, tal conformismo não tem sido observado com muita freqüência, como veiculado nos noticiários. O filósofo Félix Guattari 9 assevera que o conservantismo subjetivo não é imputável apenas ao reforço da repressão social, diz respeito a outras espécies de criação da subjetividade que envolvem o conjunto dos atores sociais como, por exemplo, a mídia.

Deduz-se daí, que em comunidades menos rígidas do ponto de vista de padrões de comportamento social, onde se preconize uma suposta igualdade de oportunidades para os cidadãos, enquanto a corrupção é noticiada diariamente pelos veículos de comunicação, prolifera-se o sentimento de injustiça gerado pela má distribuição de riquezas que privilegia uns em detrimento de muitos.

Segundo de Roberto da Silva10, o grande movimento pela democratização do país, ocorrido na segunda metade da década de 80, colocou em voga as questões relativas aos Direitos Humanos, propiciando as condições para a adoção da Doutrina da Proteção Integral pelo legislador constituinte, reconhecida internacionalmente desde a aprovação da Declaração de Genebra sobre os direitos da Criança em 1924.

Em 1990 foi ratificada pelo Brasil a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, aprovada em 1989, em consonância com a Política interna da Proteção Integral advinda da Constituição Federal de 1988.

A proteção integral à criança e ao adolescente, insculpida na CF/88, consubstanciou-se na Lei 8.069, de 13 de julho de 1990.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, que regulamentou o artigo 227 da Constituição Federal de 88, ao contrário da legislação antecedente, procurou garantir os direitos fundamentais aos seus tutelados sem qualquer discriminação de origem ou condição social. Assim, foram elaboradas normas referentes aos direitos à vida, à saúde, à liberdade, ao respeito, à dignidade, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, à profissionalização e à proteção ao trabalho.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) confere especialidade ao tratamento legislativo da matéria pelo fato de tratar-se de pessoas em desenvolvimento. O legislador dá ênfase à convivência familiar originária ou em colocação da criança em família substituta, mediante adoção. Contudo, sem descartar a possibilidade de institucionalização quando absolutamente necessário, a critério do Juízo competente.

O ECA cuida, ainda, da prevenção da ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente, responsabilizando pais, responsáveis, a sociedade e até o poder público por fatos que coloquem em risco tais direitos.

No Título I encontram-se as disposições sobre a política do atendimento dos direitos da criança e do adolescente, que far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. O Título II determina as medidas de proteção que podem ser aplicadas sempre que os direitos da criança e do adolescente reconhecidos na Lei forem ameaçados ou violados, por ação ou omissão da sociedade ou do Estado, por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsáveis ou em razão da sua própria conduta. A prática de ato infracional, tratada no Título III, sujeita os menores de dezoito anos que tenham praticado conduta descrita como crime ou contravenção penal, às medidas sócio-educativas, elencadas no artigo 112 do ECA, a serem aplicadas pelas autoridades competentes, de acordo com a idade e a gravidade da infração, sendo assegurada a assistência judiciária gratuita, com apresentação do adolescente infrator ao representante do Ministério Público (art. 179, ECA), que poderá promover o arquivamento dos autos, conceder a remissão ou representar à autoridade judiciária para a aplicação de medida sócio-educativa cabível (art. 148, ECA). Note-se que o arquivamento e a remissão necessitam de homologação pela autoridade judiciária.

O ECA criou o Conselho Tutelar que é Órgão permanente e autônomo, não juridicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente (art. 131) e tem suas atribuições e competências elencadas no Título V.

A competência da Justiça da Infância e da Juventude compõe o Título VI, sendo as ações isentas de custas e emolumentos (art. 141, § 2º, ECA).

Está previsto, ainda, no Estatuto que o Poder Judiciário se incumbirá de criar a infra-estrutura necessária ao atendimento previsto na Lei, inclusive a manutenção de equipe interprofissional, destinada a assessorar a Justiça da Infância e da Juventude (art.150,ECA).

Há também medidas pertinentes aos pais e responsáveis, que vão desde encaminhamento a programas de proteção à família até a suspensão ou destituição do pátrio poder (Título IV).

De acordo com o artigo 208 do ECA, a violação de direitos individuais, difusos e coletivos previstos na Lei será objeto de ações de responsabilidade.

Os crimes e infrações administrativas praticados contra a criança e o adolescente estão dispostos no Título VII. Ressalte-se que tais crimes são de ação pública incondicionada, não sendo necessária apresentação de queixa. Não obstante seja a legislação brasileira no que pertine à criança e ao adolescente reconhecidamente uma das melhores do mundo, cada vez mais tem-se crianças em situação de risco pessoal/social vagando pelas ruas. Esta realidade, provavelmente, deve-se ao fato de que a legislação é abstrata e o problema da criança e o adolescente sem atenção familiar/comunitária é concreto, havendo uma distância entre o que deveria ser e o que efetivamente é, que só pode ser transposta pela vontade política de toda a sociedade, principalmente seus governantes e representantes, consubstanciada não só em programas, mas em atuações controladas pelos interessados e por qualquer um da sociedade, atendendo-se ao Princípio da Publicidade11 que deve nortear o Serviço Público.

Muitas são as dificuldades encontradas para a implementação da nova ordem jurídica instituída pelo ECA. Segundo o Desembargador Sérgio Cavalieri Filho12, no Brasil, lamentavelmente, acredita-se que ao editarem-se uma Lei os problemas ali abordados já estarão resolvidos, confundindo- se a Lei com a sua execução. Para ele, isso ocorreu quando entrou em vigor o Estatuto da Criança e do Adolescente. Por falta de recursos, instituições adequadas e gente competente, os menores continuam abandonados na rua, sem assistência, sem alimentação e sem educação.

Assim, examinadas nesse capítulo as linhas gerais do amparo legislativo à infância e adolescência no Brasil, passa-se no próximo capítulo à análise dos conceitos criança e adolescente e da criação da identidade em situação de risco, tendo em vista a relevância do assunto para aqueles profissionais que, de alguma forma, estejam envolvidos no atendimento aos desassistidos.

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Sobre a autora
Maria de Fátima Nunes Molaib

servidora pública no Rio de Janeiro (RJ), bacharel em Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOLAIB, Maria Fátima Nunes. Crianças e adolescentes em situação de risco e suas relações com a instituição Conselho Tutelar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1015, 12 abr. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8231. Acesso em: 22 dez. 2024.

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