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O Preceito de Progressividade das Medidas Cautelares e a Prática da Decretação de Prisões Provisórias Sem Prévio e Consistente Juízo de Proporcionalidade

Agenda 24/05/2020 às 16:18

Poderão os juízes, ainda, prosseguir afastando as medidas cautelares diversas da prisão para decretar a custódia preventiva com a simples afirmação genérica de que aquelas medidas são insuficientes para o acautelamento colimado pela norma processual?

Há muito que se invoca, sem sucesso, o Estado ou Situação Jurídica de Inocência (CR, art. 5º, LVII), o Princípio do Devido Processo Legal, em sua vertente substancial (CR, art. 5º, LIV), o seu consectário Princípio da Homogeneidade das medida cautelares e a excepcionalidade e subsidiariedade (ultima ratio) da prisão provisória (CR, art. 5º, LXVI), para frear o encarceramento em massa levado a efeito por julgadores dominados por uma entranhada cultura inquisitória, que persiste, apesar dos sucessivos e sobrepostos esforços legislativos para espantar esse fantasma do sistema de justiça penal brasileiro. Uma esperança de significativa mudança de cenário se avizinha com recentes julgados do Superior Tribunal de Justiça que, lastreados no que, propriamente, denominou de “Preceito de Progressividade das Medidas Cautelares”, tem concedido diversas ordens de habeas corpus nos últimos meses (e.g.: HC 554001-SP, HC 485937-RJ; HC 543533-PR).

É inegável que, sendo legal a prisão em flagrante, o que faz superadas todas as hipóteses de relaxamento, e evidenciado o periculum libertatis, a reclamar cautela que afaste a possibilidade de imediata, plena e irrestrita restituição da liberdade ao custodiado, ou seja, a simples “concessão de liberdade provisória”, a legislação estabelece uma gradação que vai das diversas espécies de restrição à liberdade previstas no art. 319 do CPP até a privação total da liberdade, com a imposição de prisão preventiva (CPP, art. 312).

Mas, de todo modo, seja para a imposição de medidas cautelares diversas da prisão, seja para a sujeição do custodiado à medida cautelar extrema da prisão preventiva, é imprescindível que hajam elementos concretos que façam presentes, no caso submetido a análise, os chamados fundamentos de cautelaridade, sejam os clássicos fundamentos da prisão preventiva, previstos na parte inicial do art. 312 do CPP (garantia da ordem pública, da ordem econômica, conveniência da instrução processual e asseguramento da aplicação da lei penal), sejam os fundamentos enumerados no art. 282, I, do CPP (necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e evitação da prática de infrações penais).

E, nesse passo, convém verificar que há uma quase perfeita correspondência entre esses fundamentos: (i) “assegurar a aplicação da lei penal” em nada de substancial pode se distinguir de “necessidade para a aplicação da lei penal”; (ii) “conveniência da instrução processual” em nada de substancial se distingue da “necessidade para a instrução criminal”; e (iii), segundo a jurisprudência consolidada dos tribunais superiores, “a garantia da ordem pública”, se resume a duas hipóteses “risco concreto de reiteração delitiva em crimes graves” e “gravidade do crime in concreto”, uma delas coincidente, em linhas gerais, com o fundamento de “evitar a prática de infrações penais”, previsto no 282, I, do CPP.

A distinção fica por conta, no que diz respeito à garantia da ordem pública, à hipótese de ocorrência de crime de tal gravidade in concreto (e.g., por seu modus operandi) que, dado o intenso risco de séria afetação da ordem pública, exija o encarceramento provisório do custodiado como única forma suficiente para impedir ou fazer cessar essa afetação, com todos os problemas que a indeterminação de conceitos e consequente margem a subjetivismos incontrastáveis pode oportunizar.

No mais, todos os fundamentos cautelares da prisão preventiva se identificam com fundamentos cautelares das medidas diversas da prisão. A exceção fica por conta da amplitude maior de um dos fundamentos cautelares das medidas alternativas, que contempla “a necessidade para a investigação”.

Dito de outro modo, o único fundamento cautelar que se aplica à prisão preventiva e não às medidas alternativas é, no bojo da “garantia da ordem pública”, a hipótese jurisprudencial de “gravidade in concreto” do crime em apuração. No mais, a distinção fica por conta da maior amplitude do fundamento “necessidade da investigação”, que não se aplica à prisão preventiva, mas somente às medidas alternativas.

Logo, ao menos na generalidade dos coincidentes fundamentos cautelares (“garantia da ordem pública”, no viés jurisprudencial do “risco de reiteração em crimes graves”, “necessidade para a instrução criminal” e “necessidade para a aplicação da lei penal”), tanto a prisão como as medidas alternativas a ela exigem a presença de uma dessas hipóteses legais para a sua aplicação.

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É dizer: a mesma garantia da ordem pública que autoriza a prisão autoriza, igualmente, as medidas alternativas; a mesma necessidade para a instrução processual que autoriza o encarceramento, autoriza, também, as alternativas; e a mesma necessidade para a aplicação da lei penal que autoriza a segregação autoriza as medidas cautelares diversas.

É para fazer, no ponto, a distinção quanto à medida proporcional, ou seja, quanto à medida necessária, adequada e proporcional em sentido estrito, que ganha importância o Preceito da Progressividade das Medidas Cautelares, previsto no art. 282, §§ 4º e 6º, do CPP.

O referido § 4º dispõe que: No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva, nos termos do parágrafo único do art. 312 deste Código.

O § 6º, por sua vez, determina que: A prisão preventiva somente será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar, observado o art. 319 deste Código, e o não cabimento da substituição por outra medida cautelar deverá ser justificado de forma fundamentada nos elementos presentes do caso concreto, de forma individualizada.  

 Logo, se avalia, em primeiro lugar, de forma individualizada e fundamentada em elementos presentes no caso concreto, a necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito e, pois, a suficiência, das medidas cautelares diversas da prisão.

Desse modo, com a devida observância do Preceito da Progressividade das Medidas Cautelares, somente com o afastamento de cada uma das medidas previstas no art. 319 do CPP, de forma individualizada, i.e., com a devida fundamentação amparada em elementos concretos que demonstrem a efetiva insuficiência de uma a uma dessas medidas alternativas, é que se poderá lançar mão da prisão preventiva com os fundamentos de cautelaridade previstos, em comum, no art. 282, inciso I, e no art. 312, parte inicial, ambos do CPP.

O Superior Tribunal de Justiça já deu sérias mostras de que não admitirá mais a simples invocação de um dos fundamento de cautelaridade previstos nos dispositivos supra, ainda que amparados em elementos concretos que justifiquem essa invocação, seguidos da corriqueira e genérica afirmação de que as medidas cautelares diversas da prisão são insuficientes para garantir a ordem pública, assegurar a instrução ou a aplicação da lei penal. Doravante, o julgador deverá, para além de invocar um fundamento cautelar presente no caso concreto, antes de optar pela medida cautelar extrema, realizar séria ponderação, calcada no Princípio da Proporcionalidade, para afastar, uma a uma, as medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP.

Sobre o autor
Odonias França de Oliveira

DEFENSOR PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO, GRADUADO PELA UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MATO GROSSO - UNEMAT, COM ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO PÚBLICO PELA REDE LFG

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