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Direito e democracia participativa

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Agenda 24/04/2006 às 00:00

"A pior democracia é preferível à melhor das Ditaduras"

Rui Barbosa (1849-1923) em Cartas de Inglaterra


Resumo

O propósito central deste artigo é o de apresentar os aspectos epistemológicos do termo "democracia" que darão sustentação à análise jus-sociológica desse termo. O artigo, para isso, descreve como o conceito de democracia nasceu e como as suas características principais se perpetuaram até á contemporaneidade. Além disso, demosntrar-se-á que o conceito de democracia participativa será o mais adequado para ser implementado em uma sociedade que preze pela justiça, pelo Estado de direito (État de droit) e pela liberdade. Na conclusão, atentar-se-á para o fato de que urge que se desenvolva o espírito democrático.

Palavras-chave: sociologia do direito, teoria do direito, democracia participativa, elitismo democrático, democracia brasileira


Abstract

The principal aim of this article is to present the epistemological aspects of the term "democracy", which will support the analysis of this term from the perspective of the sociology of law. In order to do this, the article describes how the concept of democracy was born and how its main characteristics have perpetuated until now. Moreover, it demonstrates that the concept of participative democracy will be the most appropriated to be implemented in a society in which concepts such as justice, State of right (État de droit), and liberty are desirable values. In conclusion, it focus attention on the fact that the democratic spirit has to be encouraged in contemporary world.

Key words: sociology of law, theory of law, participative democracy, democratic elitism, Brazilian democracy


I — Introdução

A análise de questões como a sobre a qual este artigo se debruça pode ser feita de um sem-número de formas. Tudo dependerá do enfoque que se adota: histórico, filosófico, jurídico, psicológico, sociológico, etimológico, etc. Ademais, nota-se que esse quase sem-número de possibilidades de focalização torna-se gradativamente mais complexo quando se sabe que tais perspectivas não configuram compartimentos estanques, mas, muito ao contrário, comunicam-se entre si com considerável veemência. Eis porque se faz mister que se esclareça desde logo como se manejará a questão central a ser abordada aqui, que é a da democracia participativa. Sendo assim, saiba-se que a análise será primeiramente filosófica — mais precisamente epistemológica — e, depois, jus-sociológica. Procurar-se-á, na verdade, estabelecer os fundamentos epistemológicos que darão sustentação à análise jus-sociológica, de forma que não há de se olvidar que imperativo será, sempre na medida da necessidade, usar-se também de recursos relativos a outras formas de entendimento, como, principalmente, a histórica e, em menor grau, as demais supramencionadas.

Diz-se, assim, que é exatamente por ser verdade que a análise predominantemente jus-sociológica é a mais adequada para o objeto em questão, qual seja — repete-se —, o da democracia participativa, que o propósito deste artigo é o de estabelecer os alicerces epistemológicos sobre os quais se possa construir os argumentos jus-sociológicos. O argumento central deste artigo é, assim, o desenvolvimento de uma epistemologia de um tema da jus-sociologia.

Resta saber, então, se o desenvolvimento de uma epistemologia não terá o condão de tentar melhorar a sociedade em termos práticos. Ora, deve-se notar que aqui não se pretende apenas efetuar uma abordagem do tipo que nasça no ambiente teórico e que lá mesmo pereça. Pelo contrário, tentar-se-á demonstrar que é, a despeito do feitio eminentemente teórico do artigo, essencial que se apliquem na prática os conceitos a serem defendidos de democracia participativa, mesmo que se saiba que tal aplicação deverá ser regida, sobremaneira, pelos argumentos sociológicos e jurídicos, mas não epistemológicos.

Resume-se, assim, o que se disse da seguinte forma: embora o fito central deste artigo seja o de analisar os termos epistemológicos concernentes à democracia participativa, o artigo tem forte tendência jus-sociológica, pois não é senão a jus-sociologia que por, meio da análise epistemológica, possibilitará o discorrimento sobre a democracia participativa. Além disso, é importante dizer que a roupagem do que aqui se argumentará é, antes mesmo de unicamente jurídica, também sociológica, no sentido de que apresenta caráter transformador e, por conseqüência, melhorador das relações sociais.

Dada as diretrizes principais de como se deve colocar o argumento a ser aqui desenvolvido na malha teórico-prática que o conhecimento humano cria, vê-se que este artigo se divide em seis seções. A seção I é esta introdução. A seção II trata da análise do termo "democracia" e se subdivide em duas subseções. A subseção II.1 analisa o referido termo por meio do argumento predominantemente histórico, enquanto a subseção II.2, por intermédio do predominantemente filosófico. A seção III se triparte nas subseções que tratam das democracias direta e indireta e, posteriormente, já na subseção III.3, do problema da representatividade. A seção IV discorrerá mais especificamente sobre a democracia participativa no Brasil. A seção V, a conclusão, de forma bastante breve e sucinta, tratará do argumento principal deste artigo. A seção VI é a bibliografia, que de nenhuma forma tem o condão de ser exaustiva ou mesmo representativa do vasto e — registre-se — competente acervo que há sobre a questão da democracia no Brasil.


II — Do termo "democracia"

Oferecer, com propriedade, uma definição categórica e concludente ao termo "democracia" nunca constituiu tarefa de estreita envergadura, pois, como se sabe, muitos significados têm sido oferecidos a tal termo no transcorrer da história do pensamento humano (Hook, 1987, p.63).

De uma perspectiva jurídica, não podemos deixar de considerar que a democracia é termo constituinte da própria República, tal como reza a Constituição vigente, segundo a qual, "A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito (...)" (CF, art. 1°). De um ponto de vista predominantemente político, embora, é claro, também constitucional, pode-se afirmar que um conceito adequado de democracia é o que diz que ela "é aquela forma de exercício da função governativa em que a vontade soberana do povo decide, direta ou indiretamente, todas as questões do governo, de tal sorte que o povo seja sempre o titular e o objeto, a saber, o sujeito ativo e o sujeito passivo de todo poder legítimo" (Bonavides, 1996, p. 17). É, em outras palavras, a vontade do Estado, segundo a qual "Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente (...)" (CF, art. 1º, parágrafo único). Verifica-se nas supracitadas definições, assim, um ponto nevrálgico ao debate, que é o de dividir o modo de efetivação do poder popular nas formas direta e indireta.

A pergunta que imediatamente se faz é concernente ao que seria democracia direta e indireta e como tais modalidades se efetivam na sociedade, se é que se efetivam realmente. Para que se possa chegar com o embasamento teórico adequado à análise das formas de democracia direta e indireta, contudo, deve-se atentar para a maneira pela qual o próprio termo "democracia" nasce na história do pensamento humano e para a forma pela qual as características desse termo são mantidas desde a Antigüidade até os dias atuais.

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Sendo assim, saiba-se que, na sua origem, o conceito de democracia encontra definição razoavelmente pacífica na especificação do regime do demos, "[n]ome pelo qual eram designadas as divisões territoriais administrativas na Grécia antiga" (Azevedo, 1999, p.146), de forma que, "[p]or extensão, tal palavra, originada de demokratia, [ou, no grego, δημοχρατία,] passou a significar poder popular, governo do povo" (Azevedo, 1999, p. 145). Como a tal conclusão facilmente se chega, nota-se que os conceitos de "poder popular" e de "governo do povo" não eram exatamente os que se fazem presentes na contemporaneidade, de forma que se diz que não é senão pela dificuldade de se conceituar o que seria poder popular e, por conseqüência, de se delimitar o governo do povo, que o conceito de democracia tem sofrido os mais diversos significados durante a história.

Há, contudo, uma linha condutora que une através da dimensão temporal o os vários conceitos de democracia, de sorte que, como em favor de que se advogará, o entendimento dessa linha favorecerá sobremaneira a defesa de uma forma particular de democracia no exercício governamental presente na hodierna realidade brasileira. Tal defesa, reitera-se, embora já se tenha deixado claro, tem fins não apenas teóricos, mas também práticos, ou seja, tem fins concernentes à tentativa de melhoramento da sociedade — intuito esse que deve ser o fim maior do direito —, de aprimoramento das relações de poder entre os cidadãos. É, portanto, uma análise que tange a prática e o exercício pleno democrático no mundo real, factual, ou seja, que diz respeito à experiência simples e cotidiana de cada um dos cidadãos.

Vale aqui, portanto, repisar o que se disse e livrar de quaisquer obscuridades a idéia de que a motivação que abarca o projeto de elaborar uma democracia mais condizente com o que se argumentará consiste no intuito de fortalecer a cidadania e a justiça entre os espécimes humanos, indistintamente. Ora, não se pode esquecer o que significou para o Brasil e para o mundo ocidental os momentos de exceção em que não se vislumbrava um só quê democrático, pois,

[s]em democracia, todas as formas de status quo que alojam, conservam e perpetuam situações de privilégio, desigualdade e discriminação tendem à imutabilidade, eternizando as mais graves injustiças sociais ou fazendo do homem, para sempre, um ente rebaixado à ignomínia da menoridade política, da ausência e do silêncio, sem voz para o protesto e sem arma para o combate; objeto e não sujeito da vontade que governa; súdito e não cidadão" (Bonavides, 1996, p. 19-20).

Sabe-se, assim, que a ausência de democracia é detestável para os que almejam a justiça, mesmo para os que a almejam em suas formas mais rudimentares. Diante disso, contudo, impõe-se que se discorra cada vez mais pormenorizadamente sobre o que seria em si a democracia que se deseja. O rigor teórico é essencial para que não se caia no que, para alguns, é o sempre confortável posicionamento de se defender interesses unicamente privados e dizer que tais são manifestações democráticas.

Deve-se, isso sim, discorrer a respeito dos alicerces sobre os quais se defenderá uma forma de democracia que seja mais justa e humanitária, pois, "antes de qualquer exame da presente crise brasileira, faz-se mister [...] fixar o quadro teórico onde se insere o conceito de democracia e onde se possa, aliás, colher os elementos elucidativos de sua índole, essência e valor, sem o conhecimento dos quais não é possível fundamentar a legitimidade mesma do poder democrático" (Bonavides, 1996, p. 18).

Com o propósito, portanto, de erigir um ambiente teórico onde se possa desenvolver os termos que sustentarão a idéia de democracia — que, como se disse, deve ter conseqüências também práticas —, diz-se que um método razoavelmente eficaz para que se estabeleçam os critérios a partir dos quais se possa conceituar o termo "democracia" na contemporaneidade é o de se remontar às primeiras abordagens que se fizeram de tal termo na história do pensamento humano e, depois, tentar-se vislumbrar a forma em que tais abordagens desembocaram na atualidade.

II.1 — Da origem histórica da democracia

Entre as visões que na Antigüidade se tiveram da democracia, sobressaem-se as que fazem parte, primeiramente, da idéia de formas de governo elaborada por Heródoto de Halicarnasso (480-425 a.C., aproximadamente) no Livro III de sua História ou Investigações — em grego, ‘Ιστοριωυ λόγοι — e posteriormente sistematizada no Séc. IV a.C. por Platão (428-347 a.C., aproximadamente), em sua obra O Político — em grego, Πολιτικός —; por Aristóteles (384-322 a.C., aproximadamente), principalmente nos Livros III e IV de sua obra A Política — em grego, Πολιτικά —; e por Políbio (viveu no Séc. II a.C.) no Livro VI de sua História (ver Bobbio, 2001).

Dado que o exame pormenorizado das obras dos supramencionados antigos não faz parte do escopo deste artigo, deve-se logo agora dar a cada um deles o devido crédito e, posteriormente, atentar para o fato de que o que vale aqui dizer é que a divisão que se efetuou triparte o conceito de forma de governo nos conceitos de governo de um só, de poucos e de todos (ver Bobbio, 2001). Logo depois, aparecem os termos "monarquia", "aristocracia" e "democracia" que se relacionam a cada tipo de forma de governo, respectivamente.

O interessante a notar é que essa tripartição se duplica, tornando-se, assim, uma divisão sêxtupla das formas de governo. Para que se obtenha as seis formas, basta que a cada uma das três formas clássicas, quais sejam, monarquia, aristocracia e democracia, acrescentem-se os juízos de valor "boa" e "má". Assim, têm-se as formas monarquia boa, monarquia má, aristocracia boa, aristocracia má, democracia boa e democracia má. O aparecimento do juízo de valor para reproduzir a mesma forma de governo em sua contraparte negativa desemboca, depois, em outras denominações. Dessa forma, a monarquia má passa a ser entendida como tirania; a aristocracia má, como oligarquia; e, por fim, a democracia má, como oclocracia.

A divisão sêxtupla, feita dos três pares de opostos qualitativos — uma boa, outra má —, enseja uma análise fundamental para o que este artigo pretende abordar. Já se viu que a primeira pergunta a ser feita é a de quem governa. Caso o governo seja de um só, será monárquico ou tirânico; caso seja de poucos, será aristocrático ou oligárquico; caso seja de todos, será democrático ou oclocrático. Como este último vocábulo, introduzido por Políbio, não desfruta da familiaridade dos demais termos, deve-se, em breve palavras, esclarecer que oclocracia, "de oclos, [...] significa multidão, massa, plebe, e corresponde bem ao nosso ‘governo de massa’ ou ‘das massas’, quando o termo ‘massa’ (que é bivalente) é empregado [com o] significado pejorativo que lhe é dado pelos escritores reacionários (em expressões como ‘a rebelião das massas’, sociedade de massa’, etc.)" (Bobbio, 2001, p. 67).

Dessa forma, recapitulando o que foi dito, mas agora em compêndio, tem-se que os antigos elaboraram uma divisão sêxtupla das formas de governo. Dessa divisão, a partir de agora, subtrair-se-ão as de caráter não democrático, pois além de não representarem análise concernente ao escopo deste artigo, não são contempladas pela ordem político-jurídica vigente no Brasil, já que, de uma perspectiva formal, sabe-se que se tem o governo de todos, pois é do povo que todo o poder emana (CF, art. 1º, parágrafo único), como anteriormente já se expôs.

Resta saber, contudo, quando é que uma democracia poderia, nos dias atuais, ser considerada boa ou má, ou seja, usando-se da denominação empregada por Políbio, resta saber quando a forma de governo atual pode ser considerada realmente democrática ou apenas oclocrática. Para que se elaborem os critérios a partir dos quais se julgarão as formas democráticas de governo, todavia, faz-se mister que se teçam algumas considerações sobre a idéia de se uma determinada forma de governo pode ser considerada boa ou má. Na análise das referidas considerações, encontrar-se-ão parte dos aspectos epistemológicos de que se falou anteriormente neste artigo.

II.2 — Da possibilidade de ser "boa" ou de ser "má"

Da perspectiva jus-sociológica, não faz muito sentido analisar a possibilidade, diga-se, ontológica, de um termo poder sofrer a atribuição de um adjetivo qualquer. Mas, como se sabe, a abordagem ontológica é anterior à jus-sociológica, de sorte que primeiramente se tem de saber se é possível, independentemente da análise político-econômica de valor, uma determinada forma de governo ser considerada boa ou má.

O fato é que bem se poderia, neste ponto, simplesmente aceitar que é universalmente consensual a idéia de que é possível se atribuírem os juízos de valor "boa" ou "má" à forma de governo exercida, mas, ao contrário, diz-se que se deve pelo menos alertar para o fato de que há outros fatores envolvidos no ato de julgar uma forma de governo, pois, como se pode notar, o próprio julgador é não apenas parte da causa, mas também — e muito principalmente — efeito do que está julgando.

Em outras palavras, a aceitação da própria possibilidade de atribuição de valores a uma determinada forma de governo já pressupõe comprometimentos filosóficos que devem ser pormenorizados. O que se diz é que, apenas em função da idéia de que determinadas formas de governo podem ser boas ou más, como em favor de que Aristóteles se posiciona na Política, é que se pode atribuir valor a tais formas de governo — o critério aristotélico para atribuir o conceito "boa" ou "má" à forma de governo é baseado na oposição entre os interesses público e privado —; de outra maneira, as formas de governo serão todas ou aprioristicamente boas ou aprioristicamente más, de sorte que não faria sentido uma análise valorativa das mesmas.

À parte o posicionamento segundo o qual se diz que formas de governo podem ser boas ou más, dependendo da contingência, há, repete-se, as posições de que ou elas são necessariamente boas ou são necessariamente más. A primeira postura "implica uma filosofia relativista e historicista segundo a qual todas as formas de governo são apropriadas à situação histórica concreta que as produziram [sic] (e não poderiam produzir uma outra, diferente)" (Bobbio, 2001, p. 34), de forma que não poderiam jamais ser consideradas más. A segunda postura, por seu turno, é compatível com o posicionamento de Platão e implica a idéia de que elas são todas más porque "representam uma corrupção da única forma boa, que é ideal" (Bobbio, 2001, p. 35).

II.2.1 — Do relativismo ou do historicismo

Embora o ato de render-se às garras da filosofia relativista, pelo conforto que a mesma oferece, sempre seja uma opção por demasiado convidativa, deve-se fugir de tal postura com todas as forças, pois o relativismo filosófico, em todos os seus âmbitos de atuação, toma corpo em argumentos contra os quais, não por força do conteúdo, mas da lógica, não se pode posicionar.

A impossibilidade de posicionamento contra os argumentos relativistas está presente na idéia de que quaisquer tentativas de mudanças da forma de governo de uma determinada sociedade, por mais radical e revolucionária que essa mudança pareça ser, não passa de uma nova adaptação à situação histórica que se apresenta. Dessa maneira, não há quaisquer mudanças que possam quebrar o estigma da adaptabilidade à nova situação histórica. Ora, forma de governo e situação histórica são atores que se modificam a si mesmos, de maneira que definir um a partir do outro é oferecer um argumento tautológico, que nada informa, pois — repete-se —, sempre que uma determinada forma de governo mudar, poder-se-á dizer que a situação histórica daquele momento é a adequada à nova forma de governo e vice-versa.

Desta feita, pensa-se ser prudente rejeitar-se o posicionamento relativista ou historicista, pois se considera que tal posicionamento elabora um argumento que apenas é capaz de descrever qualquer forma de governo como função de um momento histórico, independentemente de quais sejam a forma de governo e o momento histórico. Assim sendo, considera-se o posicionamento relativista desinformativo exatamente por elaborar necessariamente uma informação invariavelmente verdadeira, ou seja, que por necessidade conceitual — lingüística — nunca poderia ser falsa. Note-se que mesmo uma revolução em que se mude drasticamente a forma de governo pode ser justificada pela mudança do momento histórico que ela ocasionou, de forma que nunca haverá a possibilidade de se ter uma forma de governo que não seja em grande justificável pelo momento histórico em que está instaurada.

II.2.2 — Do platonismo

No que concerne ao ponto de vista platônico, qual seja, o de dizer que todas as formas de governo são necessariamente más, pois nada mais são senão representações imperfeitas da forma ideal — que é a única boa —, deve-se dizer que tal posicionamento advoga uma postura de forte base metafísica. Claramente, assim como ocorre com o relativismo filosófico, embora por razões diferentes, a crítica a postura platônica se torna demasiadamente inexeqüível.

Com efeito, pode-se argumentar que o fato de existirem vários sistemas metafísicos, que não apenas são divergentes, mas muitas vezes inconciliáveis, prova que eles todos, ao mesmo tempo, não podem ser verdadeiros, mesmo que possam, concomitantemente, ser falsos. Dessa maneira, como todos alegam ser o único verdadeiro, conclui-se, pela razão, que não se pode escolher entre um ou outro, a não ser por um comprometimento não racional. Comprometimentos dessa sorte não são interessantes no que dizem respeito ao estudo em questão, de maneira que se decide pela opção aristotélica — a mais simples e crível —, que é a de que formas de governo podem ser boas ou más, dependendo de vários fatores.

Desimportante é dizer, crê-se, que a opção pela postura aristotélica não é extensível à maneira pela qual Aristóteles consideraria uma forma boa ou má, mas apenas se resume no comprometimento com a idéia de que formas de governo podem, por contingência, sofrer juízo de valor. Saber os critério subjacentes a tal juízo de valor é tarefa eminentemente sociológica e, no caso da democracia participativa, já razoavelmente desenvolvida no Brasil (ver Lyra, 2000a; Lyra, 2000b).

Sobre o autor
Tassos Lycurgo

advogado em Natal (RN), professor adjunto da UFRN, pós-doutor pela UFPB, doutor pela UFRN, mestre em Filosofia Analítica pela Sussex University, bacharel em Direito pela URCA e em Filosofia pela UFRN, professor de Sistema Constitucional Brasileiro, Direito Autoral e Estética Filosófica da UFRN

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LYCURGO, Tassos. Direito e democracia participativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1027, 24 abr. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8266. Acesso em: 23 dez. 2024.

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