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Direito e democracia participativa

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Agenda 24/04/2006 às 00:00

IV — Da democracia participativa

Uma análise competente da origem, método e dificuldades da democracia participativa é, com grande propriedade, elaborada por Lyra (2000a). Resta aqui, portanto, o discorrimento, em resumo, sobre o que referido autor expõe no que concerne à origem da experiência e do exercício da democracia participativa brasileira. Elaborar-se-á, assim, o que Lyra (2000a, p. 27) chama de fontes geradoras da democracia participativa no Brasil.

IV.1 — Da experiência brasileira

A democracia participativa no Brasil tem tomado gradativamente mais espaço nos processos de decisão nas instituições públicas, pois, em tais, cada vez mais se pode observar a importância da opinião das bases no direcionamento das políticas gerais de um determinado município, universidade ou empresa pública. Lyra (2000a) dispôs argumentos suficientemente apropriados para tratar da análise dos aspectos sociológicos condizentes ao tipo de democracia ora abordado, de forma que se deve aqui localizar na história brasileira o nascimento da democracia participativa. Tal tarefa, como se sabe, não é sinônima de curto fôlego, pois difícil é saber quando um determinado conceito adentra a estrutura ideológica de um país, inda mais quando esse é estruturado, socialmente falando, de forma tão rica e complexa quanto o é o Brasil.

Pode-se, entretanto, apresentar algumas possibilidades de saídas. Primeiramente, diz-se que, como a carta magna vigente, assim como alguns dos diplomas infraconstitucionais, apresentam dispositivos concernentes — direta ou indiretamente — à democracia participativa, imperioso é afirmar que o conceito deve ter surgido no Brasil nos movimentos que deram força à formulação dessa nova constituição, cujo maior caráter, como se diz muita vez, é o da expressão democrática. Ora, sendo assim, resta analisar quais foram os movimentos em prol da redemocratização do Brasil que tiveram, em suas organizações, maior semelhança com as diretrizes da democracia participativa e que tiveram abrangência territorial suficiente para poder reivindicar para si o ônus de ter sido a certidão de nascimento da democracia participativa no Brasil. Lyra, debruçando-se sobre o tema, identifica a semelhança entre os moldes organizacionais da democracia participativa e dos movimentos operários dos anos setenta. Na palavras do referido autor, a democratização participativa no Brasil nasce pelo contágio com as "categorias mais politizadas de trabalhadores, na esfera pública e privada" (Lyra, 2000a, p. 27) do tipo de organização dos operários do ABC, que poderia ser descrita pela "participação direta das bases no processo decisório" (Lyra, 2000a, p. 27) nas greves realizadas no período de ditadura.

Resta saber, desta feita, se tais movimentos teriam o condão de serem representativos de uma tendência que passa gradativamente a ser de todo o Brasil. Em resposta a isso, diz-se que a

extensão das greves de 1979 mostrou que a afirmativa dos setores conservadores de que São Bernardo constituía um mundo à parte em grande medida não era verdadeira. O que se passava em São Bernardo tinha repercussão no resto do país. Não há dúvidas porém de que o sindicalismo do ABC nasceu e cresceu com marcas próprias. As mais importantes são a maior independência com relação ao Estado, o elevado índice de organização [...] e a afirmação de seus líderes fora da influência da esquerda tradicional, ou seja, o PCB (Fausto, 2001, p. 500).

Desta feita, conclui-se que, na pior das hipóteses, em que caso se considere que o tipo de organização participativa dos sindicatos não teve o condão de priorizar no Brasil a democracia nos termos da que se entende por participativa, mister, pelo menos, é admitir que tal tipo de organização sindical teve importância essencial e nevrálgica na propagação desse tipo de organização democrática no seio da política brasileira.


V — Conclusão

No que concerne a esta compendiosa conclusão, diz-se que o artigo demonstrou que, da perspectiva epistemológica, é possível se atribuir juízo de valor às formas de governo, mas que os critérios subjacentes à referida atribuição devem ser discutidos pela abordagem sociológica do tema. Além disso, viu-se que das formas democráticas, a única que parece responder mais satisfatoriamente às demandas históricas e sociais do clamor por democracia é a modalidade da democracia participativa, de sorte que, apenas por meio do melhoramento dessa forma de governar é que se poderá gradativamente se garantirem justiça e liberdade para um determinado povo, sob o mando de seu Estado.

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Eis por que, do ponto de vista estritamente sociológico, deve-se deixar claro que a democracia participativa deve ser entendida como um caminho de efetivação plena do próprio ideal democrático. Não é, pois, um meio de implementação de um sistema anticapitalista, pró-socialista ou algo que os valha. Isso é, simplesmente, dizer que a "participação é uma prática de aprofundamento da democracia e como tal poderá ou não concorrer para abalar o capitalismo. Dependendo da correlação de forças existentes, a luta pela democracia participativa aprimorará um regime de capitalismo democrático, ou favorecerá a sua superação" (Lyra, 2000b, p. 24).

Nesses termos, diz-se que mister é a implementação das ferramentas fortalecedoras da democracia participativa por dois motivos principais: primeiro, porque tais ferramentas são meios e não fins, ou seja, são mecanismos em favor da efetivação da vontade popular, independentemente de qual seja esta vontade; segundo, porque apenas através da implementação da democracia participativa é que se obterá a maneira de efetuar na prática uma necessidade teórica decorrente da elaboração das melhores respostas às perguntas que se fazem ao se analisar a melhor forma de governo a ser adotada no Brasil. As perguntas, que podem ser sintetizadas nas subseqüentes "quem governa?" e "para quem governa?" pedem, em outras palavras, respostas cuja efetivação somente se efetua na prática democrática participativa. Saber como melhor efetuar essa prática urge diante das vicissitudes do presente e é, assim, assunto imperioso nas abordagens sociológicas da realidade brasileira, que deve somar para que a realidade mundial se torne também mais democrática.

Ora, deve-se notar que o desenvolvimento de um sistema democrático no Brasil tem influência em todo o planeta. O ideal de democracia sociologicamente mais semelhante com o que se tem hoje apareceu, na história da humanidade, apenas no Séc. XIX, como conseqüência das revoluções americana e francesa do século anterior a esse. O séc. XX trouxe, com o fim da I Guerra Mundial, a falsa idéia da consolidação da democracia, pois "a tinta do documento de paz de Versalhes mal havia secado quando, na Itália, o governo fascista chegou ao poder e, na Alemanha, o partido nacional-socialista dava início a sua vitoriosa ofensiva" (Kelsen, 2000, p. 139).

Após a II Guerra Mundial, a vitória da diplomacia no período da Guerra Fria nunca apresentou uma sensação de respeito às vontades gerais, pressuposto da democracia. Com a queda do Comunismo, pensou-se que a supremacia consciente de um país diante do mundo traria a disseminação de um ideal que tanto os EUA pregavam, o da liberdade democrática. Os conflitos mais recentes, notadamente o da II Guerra do Golfo e, principalmente, a ascensão do terrorismo como meio plausível de utilização política por grupos radicais — iniciando-se com e a derrubada do World Trade Center em 11 de setembro de 2001 —, mostram que o mundo entra em uma nova era e que a recente guerra contra o Iraque e nada mais foi senão o primeiro momento de uma nova história, a qual, como se tem demonstrado, é recheada de limitações das liberdades individuais e, por conseqüência, de limitações à efetivação da democracia.

A constituição da República, das mais democráticas do mundo, expõe no campo teórico a possibilidade de efetivação por vários meios do ideal democrático e da participação efetiva da população nas tomadas de decisão da sociedade. Cabe ao Brasil e aos brasileiros, portanto, ratificarem a tradição pacífica e, efetivando os ditames constitucionais, implementarem neste país o regime da democracia progressivamente participativa, antes que o indivíduo singular não possa novamente expor as suas opiniões e dirigir o seu próprio destino.


VI — Referências e Bibliografia

AZEVEDO, Antonio Carlos do Amaral. (1999). Dicionário de Nomes, Termos e Conceitos Históricos. 3 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.

BACHRACH, Peter. (1967). The Theory of Democratic Elitism: A Critique. Boston: Little, Brown and Company.

BOBBIO, Norberto. (2001). A Teoria das Formas de Governo. Trad. por Sérgio Bath. Brasília: Universidade de Brasília.

BONAVIDES, Paulo.(1996). "A Democracia Direta, a Democracia do Terceiro Milênio". In: ______. A Constituição Aberta. 2 ed. São Paulo: Malheiros, p. 17-32.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília (DF): Senado. [Referenciado no texto por CF].

FAUSTO, Boris. (2001). História do Brasil. 9 ed. São Paulo: Edusp.

GENRO, Tarso. (2002). Crise da Democracia. Petrópolis: Vozes.

HOOK, Sidney. (1987). Paradoxes of Freedom. New York: Prometheus Books.

KELSEN, Hans. (2000). A Democracia. 2 ed. Trad. por I. C. Benedetti, J. L. Camargo, M. B. Cipolla e V. Barkow. São Paulo: Martins Fontes.

LYRA, Rubens Pinto. (2000a). "As Vicissitudes da Democracia Participativa no Brasil". In: ______. (org.). A Ouvidoria na Esfera Pública Brasileira. João Pessoa: UFPB, p. 27-48, 315 p.

______. (2000b). "Teorias ‘Clássicas’ sobre a Democracia Direta e a Experiência Brasileira". In: ______. (org.). A Ouvidoria na Esfera Pública Brasileira. João Pessoa: UFPB, p. 17-26, 315 p.

______. (2002). "Abordagens Históricas e Atuais da Relação entre Democracia Política, Direitos Sociais e Socialismo". In: ______. (org.). Direitos Humanos: Os Desafios do Século XXI. Brasília: Brasília Jurídica, p. 135-148, 256 p.

Sobre o autor
Tassos Lycurgo

advogado em Natal (RN), professor adjunto da UFRN, pós-doutor pela UFPB, doutor pela UFRN, mestre em Filosofia Analítica pela Sussex University, bacharel em Direito pela URCA e em Filosofia pela UFRN, professor de Sistema Constitucional Brasileiro, Direito Autoral e Estética Filosófica da UFRN

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LYCURGO, Tassos. Direito e democracia participativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1027, 24 abr. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8266. Acesso em: 5 nov. 2024.

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