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Colisão de direitos fundamentais

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Agenda 07/06/2020 às 20:45

A colisão de direitos fundamentais é constante pauta na Suprema Corte brasileira e no mundo. Evidentemente, ocorre de forma mais aparente do que real. Entre a necessidade de isolamento social para conter a pandemia de coronavírus e o direito de ir e vir,

Palavras-Chave: Direito Constitucional. Garantias Constitucionais. Direitos Fundamentais. Princípios Constitucionais. Cláusulas Pétreas.

 

 

Em certas e peculiares situações, dois ou mais interesses que correspondem aos bens jurídicos correspondentes e são protegidos pelos chamados direitos fundamentais efetivamente, por vezes, se opunham um em relação ao outro.

 

Entender a interrelação entre os direitos fundamentais significa compreender a teoria da colisão que fora construída como meio que justificasse e garantisse a máxima efetividade desta especial classe de direitos.

 

Significativos avanços da teoria da colisão trouxeram novo enfoque principalmente desde o pós-guerra. Primeiro importante conceito a ser compreendido é o direito fundamental.  Não há unanimidade entre os doutrinadores, mas existem pontos comuns[1] o que nos permite enunciar que são direitos subjetivos e suas garantias constitucionalmente previstos (ou em posição hierárquica equivalente) e cujo sujeito ativo é o indivíduo ou o grupo de indivíduos e cujo sujeito passivo poderá ser o Estado ou o indivíduo que tenham como objetivo a realização imediata da dignidade humana.

 

Leciona Daniel Sarmento em sua obra “Dignidade da Pessoa Humana”, precisamente no Capítulo 3, intitulado "O valor intrínseco da pessoa" que a palavra dignidade possui múltiplos usos, mesmo quando se refere aos seres humanos.

 

Ao longo de sua trajetória histórica, tem sido usada principalmente com três diferentes sentidos, a saber: dignidade como status superior de certas pessoas, pela sua posição social ou pela função que exercem; dignidade como virtude de alguns indivíduos, que agem e se portam de maneira altiva; e dignidade como o valor intrínseco, atribuído a cada pessoa humana.

 

Cumpre destacar que dignidade humana tida como elevado status de indivíduos, não tinha conotação universal, sendo mesmo atributo de poucos. Apesar das mudanças paradigmáticas relativas à compreensão sobre a pessoa humana e seus direitos, ocorridas desde o Iluminismo[2], a ideia da dignidade como status tem ainda hoje projeções relevantes, conscientes ou não, na cultura social, política e jurídica de muitas sociedades contemporâneas, especialmente nas que mantêm fortes traços desigualitários, como a brasileira.

 

Esta se mantém, por exemplo, em nossa linguagem comum, em que a dignidade é por vezes associada ao exercício de funções tidas como nobres. É nesse sentido que se alude à dignidade de certos cargos públicos.

 

Já no Direito contemporâneo o vocábulo "dignidade" tem sido usada em um terceiro sentido, geralmente associado aos direitos humanos. Sendo considerada como qualidade intrínseca de todos os seres humanos, independentemente de seu status e da conduta.

 

A dignidade, portanto, é ontológica, e não contingente. Em outras palavras, todos os indivíduos que pertencem à espécie humana possuem dignidade apenas por serem pessoas. Não se admitem restrições relativas a fatores como gênero, idade, cor, orientação sexual, nacionalidade, deficiência, capacidade intelectual ou qualquer outro.

 

E ninguém se despe da dignidade humana, ainda que cometa crimes gravíssimos, que pratique os atos mais abomináveis. (In: SARMENTO, Daniel. Dignidade da Pessoa Humana. Conteúdo, Trajetórias e Metodologia. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2016.).

 

Gilmar Mendes[3] define direitos fundamentais como sendo, a um só tempo direitos subjetivos e elementos fundamentais da ordem constitucional objetiva[4]. No que tange a dignidade humana esta deve ser compreendida não apenas sob o ângulo ético valorativo, mas sim, valorativo fático.
 

Dentro de uma ética mais positivada de Direito, o valor fático, relativamente menos maleável e mutável do que o valor de cariz subjetivo inato ao valor ético e, tende a estabilidade e uniformidade conceitual. A fornecedora do valor fático é a capacidade de autodeterminação, de se reger pelas próprias leis, decorrente de seu livre arbítrio e racionalidade.

 

Kant foi o primeiro a fornecer concretude jurídica ao conceito de dignidade humana com profundidade, afirmando que a ideia da dignidade de um ser racional, não obedece, a nenhuma outra lei que não seja ao mesmo tempo instituída por ele próprio.

 

A fórmula categórica de Kant apontada por Abbagnano é, in litteris: “Age tal forma que trates a humanidade tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre como também como fim e nunca unicamente como meio.

 

O que reforça o caráter da infungibilidade da dignidade humana e, é colocada acima de todo preço, com o qual não pode ser nem avaliada, sem que de algum modo se lese sua santidade.

 

A saúde está assegurada na Constituição Federal como um direito de todos. O artigo 196 dispõe que “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação”.

 

Vislumbra-se, neste momento, uma aparente colisão entre a manutenção irrestrita dessa liberdade individual frente aos direitos fundamentais à vida (CF, art. 5º, caput) e à saúde (CF, art. 6º, caput) de todos os cidadãos, bem como a possibilidade da potencialização de risco ao próprio Sistema Único de Saúde (SUS), de caráter universal.

 

Indiscutivelmente, nenhum direito fundamental é absoluto[5], como não o é o direito de ir e vir. Se por um lado esse direito deve ser exercido nos termos da lei, podendo ser restringido em decorrência de uma situação excepcional não previamente prevista na Constituição, por outro não pode ser esvaziado enquanto garantia constitucional, necessitando ser assegurado o núcleo essencial do próprio direito.

 

A supremacia do interesse público sobre o privado em algumas situações que ora vivemos encontra amparo e limites no regramento jurídico pátrio, e especialmente na Constituição Federal.

 

O que faz recordar sobre as principais características dos direitos fundamentais, a saber:

Relatividade, porque nenhum direito fundamental é absoluto, podendo ser relativizados, uma vez que dois ou mais direitos fundamentais podem entrar em conflito, e a solução de qual prevalecerá em relação ao outro ou outros dependerá na análise do caso concreto. Também porque nenhum direito fundamental pode ser usado para a prática de ilícito.

Desse modo, podem ser limitados, mas apenas na medida do necessário, nos termos da Constituição e respeitados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

 

Imprescritibilidade, direitos fundamentais são imprescritíveis, ou seja, não são perdidos pela passagem do tempo. A regra é geral, mas comporta exceção, a exemplo da perda do direito fundamental de propriedade, alcançado pela usucapião.

 

Inalienabilidade, porque não podem ser transferidos. Estão ligados ao titular do exercício, embora não sejam exclusivamente direitos subjetivos, pois interessam a todo o corpo social. A exceção se verifica no direito às propriedades material ou intelectual, que podem ser transferidas.

 

Indisponibilidade, em regra, porque dotados de eficácia objetiva. Existem alguns direitos fundamentais disponíveis, a exemplo do direito à privacidade. No entanto, não são renunciáveis para sempre, apenas temporariamente, e respeitado o princípio vetor da dignidade da pessoa humana[6].

 

Em suma, as medidas vêm sendo tomadas por conta da pandemia do coronavírus sob o pálio da supremacia do interesse público sobre o particular, representado pela concretização do direito à vida e à saúde, corolários da dignidade da pessoa humana.

 

Diante de um estado de exceção sanitária, a pandemia é uma situação que admite a suspensão da aplicação da ordem jurídica, ou, pelo menos, de determinadas normas jurídicas.

 

A noção de estado de exceção fora desenvolvida por Carl Schmitt[7], em seu Teologia Política[8] e, recentemente retomada por Giorgio Agamben. Refere-se de conceito complexo situando-se em limítrofe entre a política e o direito e, que se relaciona com diversos institutos, de diferentes culturas jurídicas, como o estado de necessidade alemão (notstand), o decreti-leggi em italiano o état de siége francês e as martial laws e emergency powers da tradição anglo-saxônica. Vide em: AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. Tradução Iraci Poleti. 2ª ed. São Paulo: Boitempo, 2004.

 

Cumpre destacar ainda a diferença existente entre colisão e conflito entre direitos. Conflito é evento que comumente ocorre entre duas normas distintas que se resolve pela observância de preceitos como a lei maior derroga a lei menor, a lei posterior derroga a lei anterior e, a lei especial que derroga a lei geral.

 

A Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, ou melhor, Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Redação dada pela Lei 12.376/2010) em seu artigo 2º, in litteris:

Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.

  § 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

  § 2º A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.

  § 3º Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.

 

Já a colisão ocorrerá quando ocorre uma disputa na preponderância entre os objetos que pode resultar em: supremacia, maior ou menor, de um ou outro objeto; em equilíbrio entre os objetos, ou talvez até mesmo, a criação de um novo objeto.

 

Cogita-se propriamente em colisão de direitos fundamentais quando se identifica um embate decorrente do exercício de direitos individuais por diferentes titulares. A colisão pode decorrer, igualmente, de conflito entre direitos individuais do titular e bens jurídicos da comunidade.

 

Cumpre também discernir na temática de direitos fundamentais a diferença entre direitos humanos e direitos fundamentais. Ingo W. Sarlet confere ao aspecto espacial da norma o primeiro fator preponderante de distinção:  a expressão 'direitos fundamentais"[9] se aplica  para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera de direito constitucional[10] de determinado Estado, ao passo que a expressão "direitos humanos" guarda relação com os documentos legais de direito internacional.

 

A teoria da colisão foi criada no pós-guerra europeu, quando procurou justificar, em determinadas situações específicas, a preponderância de um direito fundamental sobre outro direito fundamental sem que houvesse o esvaziamento total do direito fundamental preterido, sendo mantido, por um chamado núcleo essencial.

 

A colisão geralmente in lato sensu consiste no choque de dois corpos. E, na colisão entre direitos fundamentais, pode-se afirmar que consiste no choque ente dois direitos, que se limitam. De toda forma, sempre haverá conflito quando o texto constitucional defender simultaneamente dois valores ou bens em contradição frontal e concreta.

 

Quando se tem um comportamento de um mesmo titular atendendo os fatos de inúmeros direitos fundamentais, ocorre o manifesto da concorrência de direitos fundamentais[11].

 

Na lição de Canotilho, a manifestação ocorre de duas formas, quando houver colisão. A primeira forma dá-se no cruzamento de direitos fundamentais, quando o titular tem o comportamento inserido em inúmeros direitos, liberdades e garantias. E, a outra forma, acontece em face de acúmulo de direitos fundamentais, quando um bem jurídico acarreta na acumulação de direitos incidente num sujeito só.

 

A liberdade de imprensa e informação são exemplos de garantias fundamentais que estão sintonizados um com o outro. Os conflitos entre os direitos declarados na Constituição podem ocorrer devido os direitos fundamentais não serem limitados e nem absolutos.

 

Neste sentido, por meio de ADIn nº 3.540[12] julgada no Supremo Tribunal Federal, quando foi questionada a constitucionalidade da utilização de Medida Provisória para a alteração do Código Florestal, no que tange ao seu artigo 4º, as áreas de preservação permanente. E, no voto do relator Ministro Celso de Mello afirmou que uma colisão entre Direitos Fundamentais não configura em esvaziamento de seus conteúdos[13].

 

Apontou o Ministro Celso de Mello para superação dos antagonismos existentes entre princípios que permitam ao Poder Público em função de determinado contexto e sob uma perspectiva axiológica concreta, qual deva ser o direito a preponderar no caso, considerada situação de conflito ocorrente, desde que, no entanto na delicada questão de colisão de direitos fundamentais dentre os quais avulta, por sua significativa importância,  direito à preservação do meio ambiente.

 

É certo que a incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais, nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, principalmente porque a atividade econômica considerada a disciplina constitucional que a rege e está subordinada dentre outros princípios gerais àquele que privilegia a defesa do meio ambiente (art. 170, VI da CF/1988) que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, artificial (espaço urbano) e meio ambiente laboral.

 

O núcleo essencial da teoria da colisão protege os postulados que Alexy[14] formulou a partir das construções de Dworkin designada de teoria qualitativa de distinção de normas[15].

 

Ainda dentro da obra “Teoria dos Direitos Fundamentais”, no tópico subsequente ao analisado acima, de nome “Resultados de sopesamentos como normas de direito fundamental atribuídas”, Alexy faz uso de outro caso concreto para se fazer ainda mais claro no que se refere à “lei de colisão”.

 

Eis que o doutrinador “testa” o enunciado da lei, tomando por base um caso julgado pelo Tribunal Constitucional Federal Alemão. Torna-se bem lúcido, nesse ponto, a discriminação de três etapas fundamentais no processo de solução de conflitos entre direitos fundamentais, as quais serão vistas em consonância com a análise do andamento do caso concreto Lebach, como é conhecido.

 

O referido caso, por tratar da contraposição entre um direito da personalidade e o direito à liberdade de informar ganha especial destaque neste trabalho.

 

Em debate a seguinte situação: a emissora de televisão ZDF planejava exibir um documentário que contava a história de um crime, no qual quatro soldados alemães tiveram suas armas roubadas e foram mortos enquanto dormiam, perto da cidade de Lebach.

 

Um dos cúmplices desse crime, que na época estava prestes a ser libertado da prisão, entendia que, uma vez que o documentário fosse transmitido, sua ressocialização estaria ameaçada. A decisão do Tribunal Constitucional Alemão proibiu a exibição e se deu em três etapas.

 

Na primeira delas, constatou-se a real e efetiva existência da situação de tensão, marcada pelo conflito entre dois direitos fundamentais protegidos pela Constituição, despossuídos ambos de prioridade per si. É verificada também, nessa mesma etapa, a contradição clara entre os dois princípios destacados, e a impossibilidade de consideração incondicionada.

 

No caso em questão, isoladamente considerados, P1 (direito da personalidade) levaria à proibição, enquanto P2 (direito à liberdade de informar) levaria à permissão de exibição do documentário.

 

Configurado o choque, passa-se à segunda etapa verificada por Alexy, qual seja a determinação de uma precedência geral entre os dois princípios isolados. E a essa altura, merece especial atenção a exposição que Alexy se propõe a fazer porque acresce um fato novo, só aqui visualizado com clareza.

 

Esta relação de precedência geral é interessante porque só estabelece uma precedência geral ou básica [...] A condição de precedência e, com isso, o tipo de regra correspondente à lei de colisão segundo a proposição de preferência inclui, pois, uma cláusula ceteris paribus que permite estabelecer exceções.

 

É o que, de fato, verifica-se no caso Lebach[16]. O Tribunal reconhece a preferência geral do direito à liberdade de informação frente os direitos à personalidade do criminoso; não obstante, na terceira etapa do julgamento – que consiste justamente na tomada de decisão por parte do colegiado de juízes – o Tribunal Federal Alemão deu provimento à ação do detento, e impediu a vinculação do documentário pela rede de televisão.

 

Cumpre ressaltar, ab initio, a distinção entre princípios e regras. Alexy entende que princípios são mandamentos de otimização, tendo, pois, aplicação prima facie ao caso concreto.

 

Isto significa afirmar que o princípio de direito deve ser aplicado na máxima medida possível. As regras possuem caráter definitivo, posto que tenha seu conteúdo pré-determinado em fazer ou não-fazer, invariável. Esta função desta flexibilidade dos princípios e rigidez das regras, duas situações se delineiam: para aplicação de regras deverá haver perfeita subsunção ao caso concreto.

 

Ou uma regra é aplicada ou não o é, sendo o resultado a supremacia absoluta tão somente de uma das regras; nos princípios, atendendo à sua aplicação prima facie, a colisão será solucionada pelo julgador, observadas as condições do caso concreto.

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Assim um princípio será aplicado mais precipuamente do que outro em função de uma condição específica. Em verdade, o cerne da teoria da otimização de Alexy é justamente a aplicação com o mínimo de conflito entre os princípios, otimizando, assim, seu uso, o que mostra uma tendência de reconhecimento de que os conflitos são contraproducentes ao Direito.

 

Para a caracterização da colisão que é uma situação excepcional e Ferrajoli pondera que entre Direitos Fundamentais deve existir uma máxima compatibilidade entre si. Mas, se admite colisões em raras exceções, como por exemplo, liberdade de associação e do direito de greve, a liberdade de expressão diante o direito à privacidade, o direito de privacidade, o direito à identidade e reconhecimento de paternidade a livre iniciativa em face do desenvolvimento sustentável.

 

O que caracteriza o Direito é a fronteira harmônica apesar de que as relações humanas sejam naturalmente conflituosas e colidentes. Cabe a jurisdição aplicar melhor os direitos fundamentais aplicáveis ao caso concreto com o fito de dirimir a situação social conflituosa. Se um direito é, ao mesmo tempo, limitado pelo seu sucessor e limitador de seu antecessor, não há colisão.

 

Os direitos subjetivos e obrigações em si não tem ânimo colidente, pois congregam um mesmo objeto e servem um mesmo sujeito. Os interesses sociais que o Direito se destina resolver, de outra sorte, são colidentes e conflituosos.

 

Cabe ao Direito solucionar, em situação fática individual, qual interesse é assistido por um direito subjetivo e qual interesse não o é. Ocorre, assim, a subsunção de um direito fundamental ao caso concreto.

 

Diante dessa premissa, questiona-se por meio da teoria da colisão efetivamente haveria manutenção de um núcleo essencial do direito fundamental. Apesar de o contrário ser afirmado pelos defensores da teoria da colisão, no caso concreto e individual, haverá sim, o pleno esvaziamento de um direito fundamental, em detrimento de outro direito fundamental[17].

 

Noutras palavras, em caso concreto, individual julgado, um direito fundamental é plenamente reconhecido àquela situação. Em resumo, a colisão será sempre de interesses.

 

É correto afirmar que esse tipo de colisão envolve um direito fundamental de um titular e bens coletivos, constitucionalmente protegidos. Ressalta-se que a solução para esse tipo de conflito é baseada no princípio da proporcionalidade, visto que este funciona como uma garantia de que o indivíduo não sofrerá abuso de poder estatal, servindo de apoio, ainda, para o juiz quando o mesmo se ver à frente de casos difíceis.

 

Segundo Canotilho existem duas formas para conceituar esse tipo de conflito, sendo a primeira a ocorrência entre vários titulares de direitos fundamentais e a segunda entre direitos fundamentais e bens jurídicos da comunidade e do Estado.

 

Ao se cogitar em colisão de direitos fundamentais e bens jurídicos constitucionais tem-se a colisão em sentido impróprio, cabe  destacar, com base em Canotilho, que bem jurídico constitucional não é qualquer bem que o legislador declara como bem da comunidade, mas sim, àqueles bens que a que foram constitucionalmente conferido o caráter de bens da comunidade.

 

Num pensamento positivista clássico, seria irrelevante um maior estudo da teoria qualitativa de distinção de normas, uma vez que todo o ordenamento jurídico deve ser analisado conjuntamente. O que irá determinar a existência de certo direito para um caso concreto é a subsunção, fato que, não exclui a aplicação prima facie das normas do Direito.

 

Ademais, será necessário um processo muito complexo para identificação de um princípio ou de uma regra, processo que é passível de subjetivismos.

 

Em sua dimensão ampla, o direito deve ser observado segundo uma dicotomia abstrata e concreta. No direito em abstrato não há colisão entre direitos uma vez que há uma limitação harmônica internormas e, por conseguinte, interdireitos.
 

Tal limitação harmônica decorre do fato de que todos as normas objetivam, mediata ou imediatamente, um vínculo objetivo, a realização da dignidade humana.

 

De sorte que o direito concreto é determinado pelo fenômeno da subsunção, em que a norma determina um direito por conta da existência de um fato e, não somente pela aplicação prima facie.

 

É tarefa do julgador constatar, para o caso concreto em litígio, fazendo uso da subsunção, quem efetivamente detém o direito e que detém direito apenas um interesse pessoal contrário ao direito (e função de não ter ocorrido a subsunção).

 

Novamente, percebe-se pelo fenômeno binário que é a subsunção[18] que igualmente não haverá a colisão de direitos. Naturalmente, direito em abstrato e direito em concreto não são colidentes por serem espécies distintas situados em planos separados.

 

Por outro lado, o direito em concreto deverá ser aplicado por meio da constatação da posição geográfica do fato controvertido no plano do feixe hipotético de raias paralelas, cada qual representando um direito em abstrato.

 

A controvérsia, cinge-se ao direito abstrato. Caberá ao julgador a constatação de quem é detentor do direito no caso concreto e quem sustenta apenas um simples interesse.

 

Para tal constatação, caberá ao julgador a observância dos exatos limites do direito abstrato que então definirão uma perfeita subsunção com o caso concreto.

 

Cabe a jurisdição prover a aplicação extensiva da Constituição relativa à sua interpretação conforme, já aduziu Canotilho como meio de forçar o intérprete a considerar a Constituição em sua globalidade e procurar harmonizar os espaços de tensão.

 

No fundo, os próprios direitos fundamentais possuem prevalências sobre as demais normas jurídicas posto que assim definiu a Constituição vigente.

 

Para a constatação do direito, conforme o positivismo, o julgador não irá se valer de axiologia, mas sim, de análise sistemática e meticulosa do ordenamento jurídico decidindo com a discricionariedade autorizada e limitada para definir quem seja o detentor do direito subjetivo através da análise do conjunto normativo.

 

Apesar da tendência neoconstitucionalista[19] que não assume a definição dos direitos fundamentais a partir do texto constitucional e, sim, através da leitura da jurisprudência do tribunal constitucional e, se definem em função da interpretação.

 

Reitera-se conforme já afirmou o positivismo que há campos coincidentes entre Direito e Ética, porém, apesar de comuns, cada campo deve se sustentar em sua própria ciência.

 

Segundo a Teoria da Colisão de direitos Fundamentais[20] haveria um exame de preponderância entre um Direito Fundamental colidente com outro Direito Fundamental e, ainda assim, só haveria uma única resposta correta.

 

O direito fundamental mais relevante à luz daquela situação fática em detrimento de outro direito fundamental (considerado perdedor). O que nos faz concluir que ocorre a subsunção de norma de Direito Fundamental em detrimento de outra, o chamado núcleo essencial seria o Direito Fundamental in abstracto seria, em verdade, a subsunção da norma de direito fundamental no caso concreto revelando os limites[21] do direito fundamental in concreto.

 

A diferença entre a teoria da colisão com a teoria da não colisão reside na utilização de valores subjetivos por parte do julgador, ao passo que noutra se utilizaria a exegese normativa e, secundariamente, valores fáticos.

 

Volta-se a reconhecer e afirmar a que se “as decisões a respeito de vários princípios foram deixadas a cargo dos juízes” que agindo dentro da legalidade, muito embora se corra o risco os juízes fizerem escolhas erradas, o que ocorreria mercê da discricionariedade outorgada pela liberdade interpretativa dos princípios.

 

Robert Alexy, tratando do problema da colisão, afirma que “o procedimento para solução de colisões de princípios é a ponderação.”

 

Para Vieira de Andrade, a questão do conflito de direitos ou valores depende de “um juízo de ponderação, no qual se tenta, em face de situações, formas ou modos de exercício específicos (especiais) dos direitos, encontrar e justificar a solução mais conforme ao conjunto dos valores constitucionais (à ordem constitucional).”

 

No direito norte americano a técnica da ponderação é chamada comumente de “balancing ad hoc”, em contraposição ao “definition balancing”, “que implicaria a aplicação da norma preferida.”  Embora também seja denominada de “balance test”. 

 

Convém chamar a atenção, seguindo Peter Häberle, que há que se evitar um possível equívoco na compreensão da ponderação de bens. É que, ao entender a ponderação de bens como um parâmetro para a determinação dos limites admissíveis dos direitos fundamentais, não significa que os diversos direitos fundamentais estão numa relação de subordinação hierárquica ou de subordinação de uns com os outros.

 

A ideia que se defende é que os direitos estão numa relação de coordenação, uns com os outros, condicionando-se reciprocamente. Dessa maneira, se compreende os diversos princípios portadores de valores tão importantes para a ordem constitucional, como por exemplo, princípios da dignidade da pessoa humana, em face de restrições à liberdade individual. Se compreende, assim, que são ambos valores legítimos, possuindo ambos, iguais importância, por isso, se condicionam reciprocamente

 

Com razão, afirma Daniel Sarmento que afirmar que a ponderação não possua margem de discricionariedade maior do que a tradicional subsunção, seria então, negar o óbvio.

 

É igualmente evidente que as situações de conflitos entre os direitos fundamentais ou princípios jurídico-constitucionais, demandam o exercício da ponderação dos diversos bens ou valores envolvidos.

 

E, por outro lado, a ponderação, tal como se tem formulado, não conduz a extremo subjetivismo ao ponto de transformar o ato de aplicar o direito resolvendo as colisões entre direitos fundamentais ou princípios constitucionais, expressos ou não numa atividade de criação do direito ex nihilo.

 

A ponderação igualmente não é método desprovido de substância, ou que conduza o intérprete a alcançar qualquer resultado que deliberadamente deseje. É escorreita a afirmação que a ponderação seja o método apropriado para resolver a colisão entre princípios constitucionais não seja aceita de forma unânime pela doutrina.

 

Porém, é inegável a sua funcionalidade dentro do constitucionalismo moderno, apesar das críticas, e seja na identificação do núcleo essencial dos direitos fundamentais (Häberle[22]), seja na identificação do princípio constitucional que deva prevalecer no caso de conflito ou colisão.

 

A principal crítica à ponderação está na discricionariedade judicial que configuraria um atentado ao dogma da separação de poderes. E, não é uma crítica dirigida somente à ponderação, como método de solução de controvérsias envolvendo princípios constitucionais, da legitimidade democrática do controle de constitucionalidade das leis, muito embora reconheça sua importância.

 

O princípio da proporcionalidade é subdividido, geralmente, em três subprincípios: adequação, necessidade proporcionalidade em sentido estrito. O princípio da proporcionalidade deve ser aplicado nessa ordem, pois, “pode-se dizer que tais sub-regras se relacionam de forma subsidiária entre si.”

 

Uma medida estatal seria considerada conforme ao princípio da adequação quando o seu emprego faz com que o “objetivo legítimo pretendido seja alcançado ou pelo menos fomentado.”

 

Quanto à necessidade, se diz que um ato estatal é necessário, quando a realização do objetivo pretendido não possa ser promovida, “com a mesma intensidade, por meio de outro ato que limite, em menor medida, o direito fundamental atingido”.

 

Finalmente, uma medida estatal limitadora de direito fundamental será legítima quando obedecer, além dos subprincípios da adequação e da necessidade, o princípio da proporcionalidade em sentido estrito, que consiste “em um sopesamento[23] entre a intensidade da restrição ao direito fundamental atingido e a importância da realização do direito fundamental  que com ele colide que fundamenta a adoção da medida restritiva.”

 

Analisando as diferentes maneiras que o STF aplica o princípio da proporcionalidade nas decisões que profere – em ambos os tipos de controle de constitucionalidade –, pode-se concluir que não há uma identidade entre a doutrina teórica do princípio da proporcionalidade e a sua aplicação. Oriundo, como se sabe, do direito alemão, tem sido cada vez mais estudado pela doutrina brasileira. Sua acolhida entre nós bem demonstra a importância para o Direito Constitucional brasileiro.

 

Uma questão relevante de expressivo interesse para a aplicação do princípio da proporcionalidade diz respeito ao seu fundamento validade, onde se encontra localizada a base na qual se apoia o aplicador do Direito para invocar a sua aplicação.

 

Para uns, ele se encontra no princípio que define o Estado de Direito, outros entendem que se encontra nos direitos fundamentais, mais precisamente no princípio da dignidade da pessoa humana, além de entendimentos que o consagram no princípio da unidade da constituição, ou a “conjugação de todos esses fundamentos.”

 

Também há a possibilidade de ser colocada à disposição do legislador a opção de relativizar a garantia dos direitos fundamentais na parte não essencial, ou esfera não protegida do direito fundamental. Dessa forma, permanece o perigo do esvaziamento substancial do conteúdo dos direitos fundamentais alterando, assim, sua posição no ordenamento jurídico.

 

A primeira questão que surge é a concepção de princípio jurídico que ora se comenta, pois, se for a axiologicamente neutra de Robert Alexy, como por exemplo, a proporcionalidade seria uma regra e não um princípio, ou, ainda, a relação meio-fim, “sem cujo delineamento a proporcionalidade não pode ser racionalmente concebível.”

 

Para Humberto Ávila leciona que não se trata sequer de um princípio, mas de um postulado normativo-aplicativo, e não podendo ser deduzido ou induzido de um ou mais textos normativos, “antes resulta, por implicação lógica, da estrutura lógica, da estrutura das próprias normas jurídicas estabelecidas pela Constituição brasileira e da própria atributividade do Direito, que estabelece proporções entre bens jurídicos exteriores e divisíveis. Cabe concluir: a tentativa de extraí-lo do texto constitucional será frustrada.

 

A maior debilidade da aplicação do princípio da proporcionalidade, no controle de constitucionalidade envolvendo atos normativos restritivos ou disciplinadores de direitos fundamentais, talvez seja a contraposição que realiza entre as opções legislativas e suas finalidades, em relação aos direitos fundamentais.

 

Na verificação da constitucionalidade da medida restritiva é inevitável a confrontação da finalidade da limitação do direito constitucional e a medida adotada pela lei objeto de questionamento. Para muitos doutrinadores parece haver invasão às atribuições do Poder Legislativo, legitimado a realizar essas opções políticas de conformação, restrição ou disciplina dos direitos fundamentais.

 

A crítica mais relevante, no entanto, relaciona-se ao problema da relativização dos direitos e garantias protegidos constitucionalmente. Formulações doutrinárias como o utilitarismo confrontam de tal maneira esses valores que é difícil defendê-los com a mesma intensidade.

 

De fato, considerações como o bem-estar da coletividade, o estado social, as leis penais, a saúde pública, são argumentos utilizados para restringir os direitos humanos, mesmo garantidos constitucionalmente[24].

 

Isto revela que há uma grande preocupação por parte da teoria da colisão no sentido de se julgar adequadamente dentro da liberdade conferida pela concepção pós-positiva de princípios.

 

Sob outro enfoque, o principal temor dos aplicadores da teoria da coalisão, justificadamente, é a perda do núcleo essencial com o consequente esvaziamento dos direitos fundamentais pelos quais muito se lutou até o momento.

 

Na prática, diante do caso concreto e individual apesar de se afirmar que não houve o esvaziamento, os efeitos sensíveis apontam para outra direção.

 

Segundo a teoria da colisão, o direito fundamental não seria enfraquecido por meio do exame de preponderância. Segundo a teoria da não colisão, o núcleo essencial do Direito Fundamental para mantido, uma vez que o Direito Fundamental in abstracto não é passível de especulação, julgamento ou controvérsia. Afinal, todos têm direito fundamental a tudo, a definição dos limites no aspecto in concreto ocorrerá através da subsunção.

 

Noutras palavras, pode-se considerar que, pela teoria da não-coalisão, o Direito Fundamental in abstracto não é passível de especulação, julgamento ou controvérsia. Afinal, todos têm direito fundamental a tudo, e a definição dos limites no aspecto in concreto ocorrerá através da subsunção.

 

Noutras palavras, pode-se considerar que, pela Teoria da não-colisão, o Direito Fundamental não seria desgastado por decisões judiciais que reconhecem dois direitos fundamentais ao caso concreto e individual, porém, pretere um em relação ao outro.

 

Pela Teoria da não-coalisão, é o Direito Fundamental estaria sempre em seu tônus potencial máximo, uma vez que não seria desgastado por um exame de importância feito pelo Judiciário, sendo aplicável ao caso individual apenas um Direito Fundamental in concreto e mantendo-se preservados todos os direitos fundamentais in abstracto.

 

Toda esta pontificação busca os efeitos da aplicação nos Direitos Fundamentais. Quando se admite, em termos práticos e próprios à realidade brasileira.

 

Supondo ser a proteção ambiental um direito fundamental, ter-se-á uma nova geração de direitos absolutamente colidentes ou limitadores, já que é da natureza dos direitos fundamentais efetivamente tolher, no todo ou em parte, certas liberdades e, além de certos direitos fundamentais consagrados pela história do Direito.

 

Na ADIn 1969 do STF manifestou, por meio do voto do relator anuído pelos demais ministros pelo reconhecimento de colisão entre o Direito Fundamental à saúde e o direito fundamental de reunião. A referida ADIn objetivava declarar inconstitucional decreto do poder Executivo do Distrito Federal que proibia manifestações públicas com carros de som na Praça dos Três Poderes, Esplanada dos Ministérios e praça dos Buritis e adjacências.

 

Foi reconhecido, no entanto, que tais lugares eram próprios para estas manifestações, ao contrário, por exemplo, das proximidades de hospitais em que o direito à manifestação e o direito da reunião seria colidente com o direito à saúde e à recuperação de enfermos.

 

Segundo o relator Ministro Lewandowski: “Ora, certo que uma manifestação sonora nas imediações de um hospital afetaria à tranquilidade necessária a esse tipo de ambiente, podendo, até mesmo causar prejuízos irreparáveis aos pacientes (...) (STF, ADIn 1969/DF, Rel. Min. R. Lewandowski, 28.6.2007).

 

A teoria da colisão explica que tal situação que determina a preponderância do Direito Fundamental à saúde em relação ao Direito fundamental de manifestação e de reunião. Não obstante a construção doutrinária no sentido de não haver esvaziamento do núcleo essencial do Direito Fundamental, efetivamente houve tal esvaziamento. Ora, caso se decrete que não pode o direito de manifestação pública interferir no direito à saúde, por força de conclusão, se afirma naquela determinada situação individual não se goza daquele aludido Direito Fundamental.

 

A teoria da não colisão explicaria a mesma situação por meio de exame de subsunção. Todos têm Direito Fundamental in abstracto a tudo, o que não seria objeto da problemática. Porém, no caso individual, se estabeleceu os exatos limites do direito de manifestação, ou seja, se definiu que naquela particular situação, não há o direito de manifestação sendo reconhecido somente o Direito Fundamental in concreto à saúde.

 

Assim pela teoria da colisão apesar de reconhecido o direito fundamental “perdedor”, este não seria plicado por uma preponderância do Direito Fundamental do “ganhador”.

 

Portanto, pela tese da não colisão não haveria desgaste do direito de manifestação posto que o direito fundamental in abstracto de manifestação seria mantido intacto, inviolado e pleno em sua potencialidade. Apenas sendo estabelecida a limitação para um caso específico.

 

Exemplificando outra colisão há o direito à integridade física e o direito de conhecimento das origens, outro caso é o direito à liberdade de crença e a busca processual da verdade (que resulta na condução coercitiva do suposto pai ao exame de DNA (Vide STF HC 71 3737/RS, Rel. Min. Francisco Resek, Relator p/acórdão Min. Marco Aurélio, j. 10.11.1994).

 

Explicando mais amiúde a problemática o Ministro Moreira Alves bem poderá: “(...) estamos diante de dois valores, um disponível e outro que a Constituição Federal resguarda, e que é o da inviolabilidade da intimidade.” (STF HC 71.373/RS).

 

Tal situação restou demonstrada pelo acórdão da Corte Constitucional Alemã (2 BvR 75/71) em ação penal que objetivava impor multa a testemunha que, por motivos religiosos, se recusou a prestar juramente ainda que não secular.  O reclamante é protegido pelo direito fundamental da liberdade de crença...

 

O direito fundamental à intimidade de inviolabilidade de correspondência e direito fundamental à segurança (vide HC 70.814-5).

 

O relator Ministro Celso de Mello enfrentou a problemática de colisão entre direito à inviolabilidade de correspondência e o direito coletivo à segurança. “A Lei de Execução Penal, ao elencar os direitos dos presos reconhece-lhes a faculdade manter contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita (artigo 41, XV). Esse direito, contudo, poderá ser validamente restringido pela administração penitenciária, consoante prescreve a própria Lei 7.210/84 (artigo 41, parágrafo único).

 

Razões de segurança pública, de disciplina penitenciária ou de preservação de ordem jurídica poderão justificar sempre excepcionalmente e, desde que respeitada a norma inscrita no artigo 41, parágrafo único, da Lei de Execução Penal, a interceptação telefônica remetida pelos sentenciados, eis que a cláusula tutelar da inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir a salvaguarda de práticas ilícitas (HC 70814/SP, Rel. Min. Celso de Mello, j.01.03.1994).

 

Outra suposta colisão, STA (Suspensão de Tutela Antecipada)389-AgR/MG, j. 03.12.2009. relator Ministro Gilmar Mendes que suspendeu a antecipação de tutela que determinava a realização de ENEM para alunos judeus em data diversa do sabbath guardado por estes religiosos. Salientou que tal medida já vem sendo aplicada, há algum tempo, no tocante aos adventistas do sétimo dia, grupo religioso que também possui como “dia de guardas” o sábado.

 

No mesmo sentido se manifestou o Tribunal de Justiça do Ceará, adventista que, por formação religiosa, não pode comparecer ao curso de formação militar no sábado (vide TJCE, processo 35952-52,.2010.8.06.0000, Desembargador Fernando Ximenes, publicado 13.7.2010).

 

Registre-se que há uma decisão do Tribunal Constitucional Alemão que viria corroborar com a letra inicial do Programa de Direitos Humanos, o sentido de impedir símbolos religiosos em repartições públicas. No processo julgado em 16.5.1995 (1BvR 1087/91) pais e alunos ingressaram em face do Estado da Baviera para que fosse declarada inconstitucional a lei que obrigava as escolas ostentar crucifixo. A procedência foi da, resolvendo esse conflito pelo princípio da concordância prática, o qual determina que nenhuma das posições jurídicas conflitantes será favorecida ou afirmada em sua plenitude, mas que todas elas, o quanto possível serão reciprocamente poupadas e compensadas. (cf. BVer f GE 28. 243(260s); 41.29(50); 52; 223;247;251).

 

Recentemente, no dia 24.4.2020 o STF concluiu o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 457 que questionou a Lei 1.516, aprovada pela Câmara Municipal de Novo Gama (Goiás) em 2015. A Suprema Corte reconheceu por unanimidade a inconstitucionalidade formal e material da lei que proibia materiais didáticos com conteúdo relativo à diversidade de gênero e sexualidade nas escolas e de conteúdos relacionados à ideologia de gênero em salas de aula. A ADPF foi proposta pela Procuradoria Geral da República (PGR) em 2017, é uma das 15 ações que tramitam no Supremo relacionadas ao movimento Escola Sem Partido.

 

Noutra oportunidade o Ministro Barroso afirmou ser inconstitucional que o município tome a iniciativa de legislar sobre diretrizes e bases da educação, matéria de competência privativa da União. E, por essa razão fundamentada, suspendeu os efeitos de lei de Londrina (PR) que proíbe a adoção de conteúdos relacionados às questões de gênero na rede municipal de ensino. (vide ADPF 600 ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação - CNTE e pela Associação nacional de Juristas pelos Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestir, Transexuais, Transgêneros e Intersexuais).

 

Também já se evidenciou a colisão do direito à saúde e à vida em confronto com o direito de liberdade religiosa. É o caso da transfusão de sangue para os adeptos ou seguidores de Testemunha de Jeová[25] (vide STJ, RHC 7785, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 05.11.1998).

 

Porém, em sentido contrário, já decidiu a Corte Constitucional Alemã em 19.10.1971 vide BvR 387/65: “Num Estado no qual a dignidade humana é o mais alto valor e, no qual a livre autodeterminação do indivíduo representa, ao mesmo tempo, um valor constitutivo da comunidade (política), a liberdade de crença garante ao indivíduo um certo espaço jurídico livre de intervenção estatal, no qual ele possa se orientar segundo o estilo de ida correspondente à sua convicção. Nesse sentido, a liberdade de crença é mais do que tolerância religiosa, ou seja, mais do que a mesma tolerância da confissão religiosa ou da convicção não religiosa.” (BVerf GE 12,1).

 

Esta inclui, por isso, não apenas a liberdade(interior) de ter ou não ter uma crença, mas igualmente a liberdade exterior de manifestar a crença, mas também professá-la e propaga-la (c. BVerGE 24, 235, 245). Faz parte dessa garantia ainda o direito do indivíduo de orientar todo seu comportamento segundo os ensinamentos de sua crença, agindo de acordo com sua íntima convicção religiosa. Eis que não são protegidas pela liberdade de crença apenas as convicções religiosas que se baseiem em dogmas de fé.

 

Além disso esta abrangem também as convicções religiosas que, em face de uma situação concreta da vida, exijam, ainda que não coercitivamente uma reação estritamente religiosa, que todavia é considerada como o melhor e o mais adequado meio para enfrentar uma circunstância da vida de maneira coerente com a com a atitude prescrita pela fé.

 

De outra sorte, o direito fundamental da liberdade de crença não poderia ter um pleno desdobramento. E, no caso concreto não pode ser imputado ao reclamante que ele tenha se omitido em persuadir sua esposa, em oposição à sua convicção religiosa, à renúncia desta mesma convicção religiosa (...).

 

Tratando especificamente do caso das Testemunhas de Jeová, o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso esclarece não haver qualquer crime cogitável na conduta do médico que respeita o paciente que recusa transfusão de sangue: “A manifestação da vontade deverá ser respeitada por força dos princípios constitucionais que incidem diretamente na hipótese.

 

Por tais fundamentos, seria impossível qualificar a conduta do médico como homicídio ou omissão de socorro, ou ainda enquadrá-la em qualquer outro tipo em tese cogitável”. In: BARROSO, Luís Roberto. Legitimidade da Recusa de Transfusão de Sangue por Testemunhas de Jeová. Dignidade Humana, Liberdade Religiosa e Escolhas Existenciais. Parecer jurídico. Rio de Janeiro, 5 de abril de 2010.

 

Finalmente, um dos mais famosos casos da Corte Constitucional Alemã foi o caso de soldados assassinados em Lebach. Um indivíduo teve participação acessória (nos preparativos) no latrocínio de soldados de um depósito de armas. Os dois principais acusados foram condenados à prisão perpétua.

 

O coadjuvante, a seis anos de reclusão. O Canal ZDF[26], as vésperas de soltar o coadjuvante do crime, se preparava para exibir documentário sobre o ocorrido. E, em 5.6.1973 a reclamação BvR 536/72 fora julgada procedente pelo Tribunal Constitucional proibindo a exibição do documentário.

 

Caso parecido, se deu no Brasil, com relação ao programa da TV Globo, chamado Linha Direta.

 

O juiz José Antonio Lavouras Haicki, da 8ª Vara Cível em 13.08.2005 impediu a exibição de uma reportagem pelo Linha Direta que expõe foragidos da Justiça. O material traria reconstituição dramática de crime ocorrido em abril de 2004 em Itacaré (BA. Na ocasião, os dois rapazes, ainda não julgados pela Justiça, eram acusados de estuprar e matar uma mulher.

 

O juiz concedeu liminar cerca de quatro horas antes do início do dito programa, que foi reeditado às pressas e, ainda, estipulou multa por desobediência de três milhões de reais. Segundo a Tv Globo foi a terceira vez que o material do programa Linha Direta foi vetado pela Justiça.

 

Já o mesmo programa, sofrera uma ação indenizatória em decorrência da exibição do nome e imagem de Aída Curi[27] (julgada improcedente), vítima de homicídio ocorrido nos anos cinquenta, que tem por objetivo abordar crimes marcantes na sociedade brasileira e informar aos telespectadores o resultado do julgamento dos processos.  A ação indenizatória fora ajuizada por Nelson Curi e outros (irmãos da vítima) em face de Globo Comunicação e Participações S.A. (vide Apelação Cível 0123305-77.2003.8.19.001). Não se configurou dano moral dos autores da indenizatória[28].

 

A Constituição Federal garante a livre expressão da atividade de comunicação independente de censura ou licença, franqueando a obrigação de indenizar apenas quando o uso da imagem ou informações é utilizada para denegrir ou atingir a honra da pessoa retratada, ou ainda, quando essa imagem/nome for utilizada para fins comerciais.

 

Outro processo sofrido pelo mesmo programa foi movido por Jurandir Gomes de França em que o autor, fora acusado de envolvimento na Chacina da Candelária[29] e, veio a ser absolvido pelo Tribunal do Júri por unanimidade. E, a posterior exibição do episódio, contra sua vontade expressa, reacendeu na comunidade onde vivia o autor o interesse e a desconfiança de todos. Deu-se o conflito de valores constitucionais, a saber: o direito de informar e o direito de ser esquecido derivado da dignidade da pessoa humana, prevista no artigo 1º, III da CFRB/1988.

 

Ressaltou-se também que o direito à informação, portanto, não pertence ao jornalista, mas ao cidadão, em defesa de quem existe a cláusula constitucional. (Vide Apelação Cível 2008.001.488662, Des. Relator Eduardo Gusmão Alves de Brito Neto) Deu-se a condenação ade cinquenta mil reais por danos morais sofridos pelo autor, corrigidos monetariamente, a partir da presente e acrescidos de juros de mora de um por cento ao mês, a partir da veiculação do programa.

 

Neste sentido ainda, na Segunda Vara de Fazenda Pública de Belém (Pará), houve a bem fundamentada decisão monocrática do juiz Dr. Marco Antônio Lobo Castelo Branco (TJPA, 2ª V. Fazenda Pública, Belém, processo nº. 2009.1.04843-2, j.18.11.2009). Com base na teoria não coalisão dos direitos fundamentais resolve a problemática que se dá pelo reconhecimento de uma ciência do Direito unipolar, ou seja, destinada a um único fim que é a realização da Dignidade Humana. Então os direitos fundamentais, correm e fluem paralela e harmonicamente para um único fim, situação em que cada Direito seria limitador e limitado por seu vizinho.

 

Diante a casuística apresentada, alguns pontos são relevantes: entre Direitos Fundamentais e direitos subjetivos simples, preponderam sempre os Direitos Fundamentais, em razão do conflito de norma de hierarquia superior; não haverá esvaziamento de um direito fundamental, haverá o reconhecimento ou não de um direito fundamento para o caso concreto e, que será aplicado em sua máxima potência ou não será aplicável conforme a situação fática.

 

Portanto, segundo a teoria da não-colisão a partir do conflito entre os interesses (reunião versus saúde) há os Direitos Fundamentais in abstracto de reunião à saúde; porém, somente há o direito fundamental in concreto à saúde, não se aplicando o direito à reunião.


A partir do conflito de interesses intimidade versus inviolabilidade de correspondência e manutenção de segurança pública; há os direitos fundamentais in abstracto à intimidade, a à inviolabilidade de correspondência e à segurança, porém só há o direito fundamental in concreto à segurança, não se aplicando os dois primeiros.

 

A partir do conflito entre os interesses religiosos versus própria saúde; há para o Tribunal Constitucional Alemão somente o direito fundamental in concreto à liberdade religiosa, já que para o STF só há o direito fundamental in concreto à saúde ou à vida.

 

E finalmente, a partir do conflito de interesses imagem versus liberdade de informação só há direito fundamental in concreto à imagem e à intimidade, não se aplicando o segundo Direito (segundo a Corte Constitucional Alemã) não se aplicando o segundo direito[30].

 

O STF no julgamento do Habeas Corpus 104.410, Rio Grande do Sul, em 06.3.2012 legitimou a noção de que o Estado se obriga não somente a observar os direitos de qualquer indivíduo em face das investidas do Poder Público (direito fundamental enquanto direito de proteção ou de defesa), mas também a garantir os direitos fundamentais contra agressão propiciada por terceiros.

 

Assim, atribuiu nova dimensão aos direitos fundamentais[31] e estabeleceu os princípios da proibição do excesso, para evitar que o Estado usurpe os direitos fundamentais do cidadão, e o princípio da proibição da proteção deficiente, que exige atuação rígida do Estado para evitar riscos aos seus cidadãos em geral e protegê-los de outros indivíduos de comportamento desviante. In: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Segunda Turma - Habeas Corpus 104.410. Rio Grande do Sul, 06/03/2012. Relator: Min. Gilmar Mendes.

 

A Organização Mundial de Saúde em 11.3.2020 declarou que há pandemia de coronavírus no mundo com a disseminação em mais de cem países no mundo, atingindo todos os continentes.

 

A Lei 13.970/2020 que teve rápida tramitação (em apenas 2 dias) e prevê mecanismos manejados pelas autoridades sanitárias com vistas conter o avanço da doença. Entre esses, consta a quarentena e o isolamento.

 

Também prevê a separação de pessoas já contaminadas e também de suas bagagens, meios de transporte, correspondência e, etc., de modo a evitar a propagação do vírus. A quarentena se refere às pessoas que ainda não contraíram o vírus, além da restrição de atividades.

 

O Ministério da Saúde brasileiro já decretou Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional, não havendo prazo definido para encerramento dessa emergência, apesar de que a Lei 13.979 prever em seu artigo primeiro que um ato do Ministro da Saúde disporá sobre a duração da situação de emergência de saúde pública.

 

Saliente-se que por mais que o cidadão alegue ter direito à individualidade e de ir e vir, nesse momento, o Estado tem o dever de prover e dar segurança à coletividade, portanto, pode impor limitações aos referidos direitos fundamentais.

 

No âmbito penal deve-se lembrar a previsão no Código Penal no artigo 132 que cogita de periclitação da vida e da saúde. A penalidade prevista é de três meses a um ano para quem exponha a vida ou a saúde de outro em perigo direto ou iminente. A nova lei prevê expressamente que as pessoas deverão sujeitar-se ao cumprimento das medidas previstas, de forma que o descumprimento destas acarretara a responsabilização, nos termos previstos em lei.

 

A determinação de isolamento social pode ser delimitada não apenas pelo Ministro da Saúde, mas igualmente por gestores locais, tais como governadores de Estado e prefeitos.

 

Igualmente a lei prevê a possibilidade de realização compulsória de exames, testes laboratoriais, coletas de amostras clínicas, vacinação, outras medidas profiláticas. E, tais medidas não precisam de prévio crivo do Ministério da Saúde.

 

Também a exumação, a necropsia, cremação e manejo de cadáver também podem ser determinados pelas autoridades locais desde que autorizados pelo Ministro da Saúde, a exemplo da quarentena[32].

 

Diante desse contexto é salutar relembrar a lição de Canotilho que afirma que a vedação de retrocesso social é inconstitucional, para qualquer medida tomada que vier revogar os direitos sociais já regulamentados, sem a criação de outros meios alternativos capazes de compensar a anulação, a eventual supressão desses benefícios.

 

Isto é, uma vez que o Estado tenha cumprido, ainda que parcialmente, as tarefas constitucionais estabelecidas para realizar um direito social, passa-se não apenas a ter uma obrigação de fazer, por parte do Estado, mas também uma negativa que passa a ser a obrigação de não fazer qualquer ato que contrarie, diminua ou cesse a realização feita anteriormente.

 

Pode-se até entender que a noção de segurança jurídica ou proteção da confiança desdobra na proibição de retrocesso social e nada pode fazer contra as recessões e crises econômicas que representam reversibilidade fática da situação em que se tornou possível uma efetividade do direito fundamental, mas não permite que retroceda em relação aos direitos adquiridos[33].

 

Portanto, se o núcleo essencial dos direitos sociais for afetado por medidas legislativas, deve considerar-se constitucionalmente garantido e, apenas, se houver algum esquema alternativo ou compensatório é que poderá ser alterado.

 

Em um autêntico Estado Democrático de Direito não existe nenhum direito absoluto. O direito à vida, embora seja o mais fundamental de todos, também não é intocável. Existe como todos os demais direitos para realização de um valor, mas não é um fim em si mesmo.

 

O atual governo brasileiro parece ter especial apreço pelas manchetes jornalísticas. Desta vez, o Ministro da Educação, Abraham Weintraub será investigado por possível crime de racismo. E, a abertura de inquérito foi autorizada pelo Ministro Celso de Mello (STF), no dia 29.04.2020.

 

O motivo foi que em 04.04.2020 o referido Ministro realizou publicação zombando da forma de falar dos chineses. A Embaixada da China reagiu chamando-o de racista e exigindo pedido de desculpas. A postagem ministerial insinuava que a China poderia se beneficiar com a crise de coronavírus e usava a forma de falar do personagem Cebolinha, da Turma da Mônica[34], que troca a letra R pela L.

 

A abertura do inquérito foi acionada pela PGR (Procuradoria Geral da República) em 14 de abril do corrente ano e, na decisão do STF ficou determinado o afastamento do regime sigiloso do inquérito e que o ministro seja ouvido sem escolher hora e local. E, foi acolhido o pedido para determinar de qual aparelho foi feita a postagem. O ato do Ministro da Educação foi tipificado no artigo 2º da Lei 7.716/89 que dispõe sobre a “Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça[35], cor, etnia, religião ou procedência nacional”, com pena de reclusão de 1 a 3 anos e multa.

 

Sem dúvida, a liberdade de expressão representa um dos corolários do Estado Democrático de Direito, pois somente em ambiente no qual seja permitida a livre manifestação de ideias e opiniões, torna-se possível exercer a cidadania e participar das decisões políticas que certamente determinarão o curso e a evolução da sociedade humana.

 

Georg Jellinek apontou que na relação estabelecida entre o indivíduo e o próprio Estado, a liberdade de expressão apresenta status negativo, isto é, é espaço que o indivíduo tem livre agir perante oo Estado, podendo autodeterminar-se, sem a ingerência estatal. Constitui uma das facetas da liberdade de pensamento, sendo a outra constituída pela liberdade de consciência. Sendo de foro íntimo tanto quanto a liberdade de crença sendo considerada inviolável pelo vigente texto constitucional brasileiro.

 

Porém, a liberdade de expressão não pode ser utilizada como meio capaz de lesar a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. Nem para ofensas pessoais, falsa imputação de crimes, difamação, injúrias, tampouco pode ser utilizada para discriminação[36] de qualquer natureza, seja racial, social, de gênero, ou por orientação sexual.

 

O atual Presidente da República[37] agrava o quadro geral de violação de direitos humanos da população mais pobre do país ao promover campanha de desinformação, menosprezando a pandemia de coronavírus e, por fim violando o isolamento social. A violação de direitos humanos se agrava ainda mais quando o atual presidente da República parece estar mais empenhado em fazer com que esse sofrimento, que a pandemia já traz, seja ainda maior.

 

Comete abuso de autoridade com a consequência de violação do direito à dignidade humana de grande parte dos brasileiros, conforme critica Oscar Vilhena, professor da FGV e membro da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns.(In: https://www.redebrasilatual.com.br/politica/2020/03/bolsonaro-abuso-de-autoridade-campanha-desinformacao-que-viola-direitos-humanos/ ).

 

O comportamento presidencial agrava a crise sanitária, e se opõe a postura adotada pela maioria dos governadores que atuam dentro dos parâmetros recomendados pelas autoridades de saúde. De sorte, que é crucial que tanto os poderes Legislativo e Judiciário atuem para estabelecer a ordem e atravessarmos a pandemia com segurança e equilíbrio necessários.

 

Um grupo de entidades da sociedade civil, além de políticos e juristas protocolou no dia 17 de abril no corrente ano, na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA denúncia contra o Estado brasileiro por violação ao direito à informação clara, precisa e cientificamente embasada sobre as ações, articulações e políticas públicas eficientes de combate ao covid-19. Segundo a denúncia, as atividades do governo brasileiro, na figura central do Presidente Jair Messias Bolsonaro atingem e violam os direitos à saúde, à vida e, transformando em vítima todo o povo brasileiro.

 

A medida foi subscrita, entre outras entidades, pela Associação Juízes para a Democracia, Terra de Direitos e Justiça Global, o Coletivo Transforma Ministério Público, composto por promotores de Justiça de todo o país, o Coletivo Nacional de Advogados de Servidores Públicos (CNASP), as organizações, Intervozes, Grupo Tortura Nunca Mais, Coletivo Nacional de Advogados e Advogadas pela Democracia, Movimento Justiça e Direitos Humanos e Frente Nacional de Territórios Quilombolas do Estado do Rio Grande do Sul.

 

O comportamento pessoal do referido Presidente fora novamente agravado quando lhe foi perguntado sobre o total de mais de cinco mil mortos no país vitimados pelo coronavírus. A resposta simplesmente, foi: "E daí? Lamento". E, vilipêndio continuou: – “Eu sou Messias, mas não faço milagres".[38] O que também notabiliza um desrespeito à crença religiosa. Novamente, incorre em violações dos direitos humanos.

 

Novamente temos uma colidência de direitos fundamentais, o da livre expressão e o direito à saúde e à vida e ainda, à liberdade de crença religiosa. Onde novamente, a prevalência dos segundos direitos atende à dignidade da pessoa humana que é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil[39].

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Sobre a autora
Gisele Leite

Gisele Leite, professora universitária há quatro décadas. Mestre e Doutora em Direito. Mestre em Filosofia. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Possui 29 obras jurídicas publicadas. Articulista e colunista dos sites e das revistas jurídicas como Jurid, Portal Investidura, Lex Magister, Revista Síntese, Revista Jures, JusBrasil e Jus.com.br, Editora Plenum e Ucho.Info.

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