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Colisão de direitos fundamentais

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Agenda 07/06/2020 às 20:45

[1] Cumpre ainda destacar os princípios iluministas na Epistemologia Jurídica da Contemporaneidade. A celebração da dignidade do homem se externalizou nos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade que se explicitariam do texto da Declaração do Homem e do Cidadão (1789), que se tornaram com o passar do tempo em autonomia, solidariedade e isonomia em face da lei. Igualmente o materialismo tido como reflexo do impulso progressista do Iluminismo, incentivou o acúmulo de riquezas e bens, provocando conflitos de natureza social e econômica com a crescente ascensão da classe burguesa; favorecendo o surgimento, mais tarde, de doutrinas políticas e filosóficas, que interpretariam tais relações sob o viés da luta de classes (Marx e Engels). Miguel Reale examinou as espécies de princípios científicos como possuidores de três naturezas: omnivalentes, plurivalentes e univalentes. Os primeiros são válidos para todos os saberes; os segundos são princípios que valem para vários saberes e os univalentes apenas pertencem a uma área do conhecimento. Observa-se que alguns princípios iluministas se fazem presentes em todas as ciências ocidentais, a exemplo da “secularização” e da “centralidade”; outros, no entanto, marcam mais as ciências humanas e sociais, como a “dignidade” e a “autonomia” e, por fim, há princípios que se aplicam mais notadamente ao saber jurídico, como a “segurança” e a “supremacia normativa”.

Descobrindo-se, encontrando-se, desvendando-se assim o homem moderno não mais se vê como mera projeção do “kosmos”, mas procura desenvolver a sua capacidade de conhecer para controlar a natureza, e o mundo que o rodeia, no qual se encontram os seus semelhantes. Com o objetivo de superação de obstáculos científicos o período foi marcado por intenso progresso dos saberes e da compreensão da vida secular.  (In: COLUCCI, Maria da Glória da Silva. Princípios Iluministas na Epistemologia Jurídica da Contemporaneidade. Disponível em: http://www.cidp.pt/revistas/rjlb/2018/4/2018_04_1451_1475.pdf Acesso em 25.4.2020).

[2] Foi, contudo, na filosofia iluminista de Immanuel Kant (1724-1804), inspirada na antropologia de Rousseau (1712-1778), que o processo de secularização da noção de dignidade consolidou-se de vez por todas, abandonando definitivamente, no âmbito filosófico, quaisquer vestes sacrais. Kant é, de fato, o ponto arquimediano da moderna concepção laicizada da dignidade da pessoa humana, fundada na doutrina da autofinalidade (Selbstzweck). (In: PARENTE, Analice Franco Gomes; REBOUÇAS, Marcus Vinícius Parente. A Construção Histórica do Conceito de Dignidade da Pessoa Humana. Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=b27c40f1f7fb35fc Acesso em 15.04.2020).

[3] In: A dignidade da pessoa humana na Constituição Federal de 1988 e sua aplicação pelo Supremo Tribunal Federal. Disponível em:https://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/observatorio/article/view/915/614 Acesso em

25.4.2020.

[4] Foi a Lei Fundamental alemã de 1949 que marcou a transição da dignidade humana como valor filosófico-teológico para textos juridicamente vinculativos. O conceito de dignidade humana evoluiu ao longo de dois séculos e meio de história da filosofia, angariando variadas configurações nas mais diversas correntes filosóficas e, findou por ser transformado em preceito constitucional supremo em reação aos horrores e violações graves ocorridas particularmente na Segunda Guerra Mundial.

Na Constituição de Weimar consta à menção à dignidade humana, em seu artigo 151, III que dispunha in litteris: "a disciplina da atividade econômica deve corresponder aos princípios da justiça, com vista a assegurar uma existência humana digna para todos. Nesses limites assegurar-se-á a liberdade econômica aos indivíduos”. Esse dispositivo serviu de paradigma para as Constituições estaduais alemãs pós 1945 e 1989.

[5] Há direitos fundamentais, porém, limites, pois em uma democracia não há direitos absolutos. A dificuldade residente exatamente em dar aplicação ao direito à saúde, extraindo na norma constitucional sua eficácia jurídica sem ultrapassar os limites que lhes são impostos. Esses limites são basicamente três, que se interagem e se completam: a reserva de consistência, a reserva do possível e o princípio da proporcionalidade.

O princípio da reserva do possível regula a possibilidade e a extensão da atuação estatal no que se refere à efetivação de alguns direitos sociais e fundamentais, tais como o direito à saúde, condicionando a prestação do Estado à existência de recursos públicos disponíveis. Tal conceito de reserva do possível é uma construção da doutrina alemã que dispõe, basicamente, que os direitos já previstos só podem ser garantidos q quando há recursos públicos.".

[6] A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – que equipara os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade – acolhe a lição alemã, como atestam vários precedentes:

A exigência de razoabilidade qualifica-se como parâmetro de aferição da constitucionalidade material dos atos estatais. - A exigência de razoabilidade – que visa a inibir e a neutralizar eventuais abusos do Poder Público, notadamente no desempenho de suas funções normativas – atua, enquanto categoria fundamental de limitação dos excessos emanados do Estado, como verdadeiro parâmetro de aferição da constitucionalidade material dos atos estatais (STF, Pleno, ADIn-MC nº 2.667/DF, Relator Ministro Celso de Mello, DJ de 12/3/2004.

[7] Carl Schmitt (1888-1985) foi jurista, filósofo, político e professor universitário alemão. Considerado como um dos mais significativos e controversos especialistas em direito constitucional e internacional da Europa do século XX. A sua carreira foi manchada pela sua proximidade com o regime nazista.

O seu pensamento fora influenciado pela teologia católica, da violência, bem como da materialização dos direitos. Considerado um "jurista maldito" principalmente em razão de seu engajamento na causa nacional-socialista e foi adversário da democracia liberal, chegando ser alcunhado por um de seus críticos, como o coveiro do liberalismo e Cassandra de Plettenberg do direito público, mas também é considerado como um clássico do pensamento político.

 

[8] Vide o link: https://www.jornaljurid.com.br/colunas/gisele-leite/a-derradeira-licao-de-zygmunt-bauman

[9] Historicamente os direitos fundamentais auxiliam a compreensão do Estado d Direito e da própria democracia, no pensamento de Ferrajoli. Durante longo tempo, debateram-se as bases ideológicas dos direitos fundamentais e, para Norberto Bobbio, porém, os direitos humanos são o produto não da natureza, mas sim, da civilização humana, sendo uma construção jurídico-social e filosófica criada para preservar elementos vistais para harmonização entre indivíduos e Estado e, até, entre os próprios indivíduos.

Porém, há juristas, que entendem que só se criaram os direitos fundamentais com a positivação destes nas primeiras Constituições. Tal positivação é produto de dialética constante entre o progressivo desenvolvimento de técnicas de seu reconhecimento na esfera do direito positivo e, da gradativa afirmação, no terreno ideológico, das ideias da liberdade e dignidade humana.".

[10] Os direitos fundamentais de primeira dimensão têm como princípios cardeais consagrados pela Revolução Francesa, a saber: liberdade, igualdade e fraternidade. Já os de segunda dimensão, conforme ensina Pedro Lenza privilegiam os direitos sociais, culturais e econômicos, correspondendo aos direitos da igualdade.

Os de terceira dimensão são os relacionados à fraternidade, a solidariedade e, surgiram para tentar atenuar as diferenças entre os países desenvolvidos e os subdesenvolvidos, por meio da colaboração dos países ricos com os países pobres.

[11] Pérez Luño apud Sarlet define os direitos fundamentais como (...) um conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, concretizam as exigências da dignidade, da liberdade e da igualdade humanas, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos seja no nível nacional ou internacional. Na condição de instituto, os direitos fundamentais possuem dois sentidos, a saber: o formal e o material, tais quais firmados na Constituição em sentido formal ou na Constituição em sentido material.

Além desses, existem os sentidos objetivo e subjetivo para os direitos fundamentais. Objetivamente, os direitos fundamentais podem ser pensados como estrutura que produz efeitos jurídicos e reforça a imposição dos direitos individuais. Subjetivamente, os direitos fundamentais manifestam as faculdades, a proteção e as garantias institucionais de defesa.

[12] De acordo com o artigo 23 da Lei Fundamental, os Municípios têm competência administrativa para defender o meio ambiente e combater a poluição. Contudo, os Municípios não estão arrolados entre as pessoas jurídicas de direito público interno dotadas de competência para legislar sobre meio ambiente. 

No entanto, seria incorreto e insensato dizer-se que os Municípios não têm competência legislativa em matéria ambiental, visto que teriam que abrir mão de sua autonomia constitucional paras cumprir os próprios mandamentos constitucionais”.

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O entendimento acima foi acolhido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como demonstra a seguinte decisão relatada pelo Ministro Celso de Mello (BRASIL,2013d): “Essa mesma compreensão do tema é também perfilhada por autorizado magistério doutrinário........... como se depreende da expressiva lição de Paulo de Bessa Antunes (...): ‘O artigo 30 da Constituição Federal atribui aos Municípios competência para legislar sobre: assuntos de interesse local; suplementar a legislação federal e estadual no que couber; promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observadas a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual. Parece claro, na minha análise, que o meio ambiente está incluído no conjunto de atribuições legislativas e administrativas municipais e, em realidade, os Municípios formam um elo fundamental na complexa cadeia de proteção ambiental.

A importância dos Municípios é evidente por si mesma, pois as populações e as autoridades locais reúnem amplas condições de bem conhecer os problemas e mazelas ambientais de cada localidade, sendo certo que são as primeiras a localizar e identificar o problema. É através dos Municípios que se pode implementar o princípio ecológico de agir localmente, pensar globalmente. Na verdade, entender que os Municípios não têm competência ambiental específica é fazer uma interpretação puramente literal da Constituição Federal.’”

[13] Colisão de Direitos Fundamentais  Vencidos os Ministros Cezar Peluso, relator, Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes, que referendavam a decisão que deferira a liminar, sob o entendimento de que a restrição imposta com o fim de salvaguardar o direito à honra e à imagem do impetrante não prejudicara o direito à informação - já que não se impedira a presença da imprensa no recinto, mas tão-somente o uso de câmeras que possibilitassem a gravação da imagem do impetrante -, ressaltando, ainda, que a singularidade da situação, decorrente, inclusive, do fato de que a liminar fora descumprida, evidenciaria a necessidade de proteção do direito à honra e à imagem do impetrante de eventual abuso de exposição na mídia, cuja eficácia não seria possível, senão de forma preventiva.

O Min. Cezar Peluso, ao proferir seu voto, também entendeu aplicáveis à espécie as disposições contidas no art. 792, § 1º, do CPP, combinado com o art. 6º da Lei 1.579/52, que dispõe sobre as comissões parlamentares de inquérito. MS 24832 MC/DF, rel. Min. Cezar Peluso, 18.3.2004. (MS-24832).

[14] Essa lei, que é nomeada de “lei de colisão”, é um dos fundamentos da teoria de Robert Alexy. Ela reflete a natureza dos princípios como mandamentos de otimização já vistos: em primeiro lugar, a inexistência de relação absoluta de precedência, e, em segundo, sua referência a ações e situações que não são quantificáveis.

Num pequeno tópico da obra “Teoria dos Direitos Fundamentais”, de 1986, intitulado “A lei de colisão”, Alexy explica em breves e brilhantes palavras o que viria a ser o cerne de sua teoria referente à colisão de direitos fundamentais. A leitura mostra que o título não poderia ser mais sugestivo; o autor metodologicamente examina uma situação concreta e, a partir dela, sugere uma “fórmula” de resolução de conflitos constitucionais.

[15] Pode-se afirmar que a teoria defensora da diferença qualitativa, que dispensa a análise do conteúdo da norma para classificá-la como princípio ou regra, tornou-se dominante. Nesse sentido, entre outros aspectos, consolidaram-se na doutrina brasileira as lições de que as regras são mandamentos definitivos, aplicando-se na forma do tudo ou nada, enquanto os princípios são mandamentos de otimização, com comandos prima facie. E igualmente a de que as regras se aplicam por subsunção e os princípios, por ponderação.

Tal teoria, porém, tem recebido diversas críticas no Brasil e no exterior, seja por fragilidades de alguns de seus pressupostos, seja pela forma como vem sendo recepcionada e aplicada pelos tribunais, sendo este último tipo delas o predominante no Brasil.

[16] Caso Lebach II / 1 BVerfGE 348/98 (1999): permitiu-se a veiculação de programa de televisão sobre fatos relacionados ao crime cometido por um indivíduo. 2) Lebach I / 35 BVerfGE 202 (1973): proibiu-se a transmissão em rede de televisão de documentário sobre cidadão preso, às vésperas de ser solto.

Considerou-se que a divulgação poderia comprometer a ressocialização do indivíduo e que, em razão do transcurso do tempo, não havia interesse público significativo em divulgar os fatos.  Decisão G 7/12-11 (2012): o Tribunal Constitucional da Áustria examinou a constitucionalidade de norma que permitia a manutenção do registro de dados de processo penal por até 60 anos.

[17] Outro tipo de colisão que pode existir é entre os direitos fundamentais e os bens jurídicos constitucionais, ou seja, os direitos fundamentais de um titular e os bens jurídicos de uma comunidade, sendo este caso de colisão bastante corriqueiro.

Pode-se exemplificar esse tipo de colisão com os direitos à liberdade de opinião e de comunicação ou a liberdade de expressão artística, contidos no art. 5º, IX da Constituição Federal do Brasil e o direito à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem, também contidos no artigo supracitado. Para que esse conflito possa ser resolvido faz-se necessário estabelecer uma hierarquia entre tais direitos, porém, essa deverá ser considerada de acordo com cada caso.

[18] Juridicamente, o significado de subsunção não dista muito do sentido dado pela língua portuguesa em geral. Firma-se na ideia básica de que subsumir é colocar algo em um contexto maior, pode-se afirmar que o significado mais elementar no âmbito do Direito para o ato de subsumir é o de constatar que determinado fato corresponde a uma norma jurídica. Enfim, subsumir é o ato de verificar que um evento ocorrido no mundo fenomênico guarda relação de identidade com a descrição abstrato de um fato na hipótese de uma norma jurídica atribuindo-se assim a qualidade de ser fato jurídico ao então mero evento concreto. Subsumir é enquadrar podem ser considerados como verbos sinônimos em termos jurídicos.

A Ciência do Direito tem atribuído ao conceito de subsunção jurídica tem significado mais amplo do que ser um simples ato de enquadramento de fatos às normas jurídicas feito pelo intérprete ou pelo julgador.

A subsunção é indicada como a própria aplicação do direito pelo julgador, identificando-se com o conceito de silogismo jurídico. O ato de enquadrar determinado fato concreto à descrição fática abstrata prevista no antecedente de uma ou mais normas jurídicas, assim, releva-se ser apenas uma das etapas indispensáveis da subsunção jurídica. É técnica de aplicação do direito através da qual o julgador deve estabelecer a premissa maior consistente na norma jurídica aplicável, identificar a premissa menor consistente no caso concreto colocado em exame e, impor aos agentes envolvidos o resultado oriundo da conclusão logicamente obtida no relacionamento de duas premissas anteriores.

[19] O paradigma neoconstitucional é lastreado numa nova modalidade de interpretação do direito, irradiando seus benéficos efeitos sobre os mais variados ramos jurídicos, em relação ao Direito Penal, seus efeitos pouco foram sentidos, principalmente nos graus inferiores de jurisdição. Conforme aludiu Luís Roberto Barroso in litteris: " A repercussão do direito constitucional sobre a disciplina legal dos crimes e das penas é ampla, direta e imediata, embora não tenha sido explorada de maneira abrangente e sistemática pela doutrina especializada.

A Constituição tem impacto sobre a validade e interpretação das normas de direito penal, bem como sobre a produção legislativa na matéria. Em primeiro lugar, pela previsão de um amplo catálogo de garantias, inserido no art. 5º. Além disso, o texto constitucional impõe ao legislador o dever de criminalizar determinadas condutas, assim como impede a criminalização de outras. Adicione-se a circunstância de que algumas tipificações previamente existentes são questionáveis à luz dos novos valores constitucionais ou da transformação dos costumes (...)”. In: JÚNIOR, Carlos Miguel Villar de Souza. Neoconstitucionalismo penal: aportes sobre o processo de constitucionalização e "expansão" do direito penal. ANIMA: Revista Eletrônica do Curso de Direito º7, p.268-287.Faculdades OPET. Curitiba. Ano III, nº 7., p. 268-287, jan./jun. 2012, ISSN: 2175-7119. Visando colmatar essa lacuna, assoma claro dever da doutrina especializada em se debruçar sobre os possíveis efeitos do neoconstitucionalismo nas searas do direito penal e direito processual penal.

O exercício do direito de punir consubstancia-se num dos mais agressivos e poderosos mecanismos de controle social. A subtração da liberdade do indivíduo e sua fundamentação encontram guarida em vários dispositivos de índole constitucional. Boa parte do pensamento jusfilosófico desacredita das potencialidades das penas privativas de liberdade hodiernamente previstas na legislação prática. Acerca da evidente necessidade de interpretação constitucional dos tipos penais vigentes, calha trazer a colação a abalizada doutrina de Luís Pietro SANCHÍS: “(...) o exercício do ius puniendi não representa um espaço isento ao controle de constitucionalidade através do juízo de ponderação, e ocorre por duas razões: porque toda a pena deve considerar-se como uma afeição de direitos fundamentais, e toda afeição desta classe detém uma carga de justificação; e porque o próprio tipo penal, na medida em que seja ou possa conceber-se como um limite ao exercício de direitos, constitui também uma forma de afeição dos mesmos e por idênticas razões tem de adequar-se a essa exigência de justificação.

De maneira que a conexão entre direito penal e direitos fundamentais é dupla: em virtude da pena e em virtude da conduta tipificada que limita e circunscreve a esfera do legítimo exercício dos direitos”.

[20] Respondendo já a uma crítica quanto às decisões sobre colisões envolvendo direitos fundamentais, podemos dizer que o Supremo Tribunal Federal somente decide casos de colisão de direitos fundamentais porque a Constituição vincula a proteção desses direitos à sua competência. Se não houvesse essa vinculação explícita, as colisões seriam não um problema jurídico, mas apenas um problema moral ou político. A defesa do núcleo essencial dos direitos fundamentais é uma tarefa dirigida apenas ao legislador e ao aplicador, juiz, ou abrange todos os intérpretes da Constituição?

Em primeiro lugar, a noção do núcleo essencial dos direitos fundamentais costuma ser definida a partir da Constituição alemã de 1949, primeiro texto constitucional a prever essa proteção, a que se seguiram diversas outras, como as Constituições de Portugal de 1976, da Espanha de 1978. Mais recentemente, a Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia (Convenção de Niza 2000) e a Constituição Europeia.

[21] Virgílio Silva apud Canotilho para explicar os limites dos direitos fundamentais. Para este doutrinador, “limites imanentes” representam o produto do sopesamento entre direitos colidentes, não como limites revelados pelo intérprete. De acordo com Canotilho, “[...] os chamados ‘limites imanentes’ são o resultado de uma ponderação de princípios jurídico-constitucionais conducente ao afastamento definitivo, num caso concreto, de uma dimensão que, prima facie, cabia no âmbito prospectivo de um direito, liberdade ou garantia”.

Canotilho se refere a limites ou restrições constitucionais. Sarlet leciona a respeito dos limites aos direitos fundamentais. De acordo com ele, há 3 tipos de limitações aos direitos fundamentais: o primeiro sucede quando a própria constituição limita o exercício do direito fundamental; no segundo, a constituição  autoriza a limitação, mas ela deve ser implementada pelo legislador; o último tipo prevê limites implicitamente autorizados (ou limites implícitos) que não estão previstos explicitamente na constituição, mas advêm do sistema constitucional, mormente quando há colisões entre direitos fundamentais. Sarlet continua explicando que atualmente existe consenso que a própria limitação aos direitos fundamentais também se subordina a limites. Ele assim se expressa: “II – Limites dos limites.

Atualmente  é unânime que os direitos fundamentais estão sujeitos a limites (dessas três espécies), mas a limitação dos direitos fundamentais também está sujeita a limites. Não se pode limitar um direito fundamental de qualquer jeito. Fala-se em limites dos limites. Quando se limita um direito, deve-se observar certos critérios que servem para limitar a limitação. É claro que os limites dos limites vão depender de cada sistema constitucional. Cada sistema constitucional acaba criando os seus critérios, não havendo uma uniformidade disso no direito comparado, embora haja alguma uniformidade. Varia conforme o tipo de limite que estiver sendo aplicado.

[22] Jurista alemão, especialista em Direito Constitucional. As obras de Häberle receberam traduções em 18 línguas e seu 70º aniversário foi celebrado com a publicação de um Festschrift. Peter Häberle recebeu títulos de doutorado honoris causa das seguintes universidades: Universidade Aristóteles de Tessalônica, 1994; Universidade de Granada, 2000; Pontifícia Universidade Católica do Peru, 2003; Universidade de Brasília, 2005; Universidade de Lisboa, 2007; Universidade Estatal de Tbilisi, 2009; Universidade de Buenos Aires, 2009. No Brasil, o pensamento de Häberle encontrou eco na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e na legislação sobre o instituto do amicus curiae, enquanto na doutrina é adotada por muitos a formulação da "sociedade aberta de intérpretes da constituição", segundo a qual "o círculo de intérpretes da lei fundamental deve ser alargado para abarcar não apenas as autoridades públicas e as partes formais nos processos de controle de constitucionalidade, mas todos os cidadãos e grupos sociais que, de uma forma ou de outra, vivenciam a realidade constitucional".

[23] Com base em tal diferença, é possível se atingir o sopesamento, como meio para solucionar colisões entre direitos fundamentais, e a regra da proporcionalidade. Para tal Teoria, as restrições, seja qual for sua natureza, não influenciam o conteúdo do direito; embora possam restringir o exercício deste, no caso concreto. Caso haja colisão entre princípios, um deles tem de ceder em favor do outro sem serem afetadas sua extensão prima facie nem sua validade.

 

[24] Klaus Günther faz uma diferenciação entre discurso de fundamentação e aplicação de normas, por meio da ética discursiva. O processo de justificação se vincula à validade da norma, e se expressaria pela universalidade do princípio moral, entendido por Günther como um sentido recíproco -universal de imparcialidade: “com o princípio (U), a validade de normas dependerá de que as consequências e os efeitos colaterais da sua observância, sob circunstâncias inalteradas para os interesses de cada um individualmente, sejam aceitas por todos os implicados conjuntamente.

Esse princípio moral somente poderá ser aplicado como regra de argumentação em discursos, nos quais a potencial generalização dos interesses se expressa na aceitabilidade das razões, apresentadas por participantes de direitos iguais. (...)

O critério de validade de uma norma com a pressuposição da sua observância geral.  A aceitabilidade das razões apresentadas pelos participantes do discurso está, portanto, sob a resolutiva condição de que também a norma será efetivamente observada por todos”.

[25] Sabe-se que a Resolução CFM 1.021/80 impõe ao médico transfundir sangue no paciente adulto Testemunha de Jeová, mesmo sem o seu consentimento, em caso de risco de morte. Foi criada a lenda de que esta Resolução é “lei” e que esta “lei” determina o dever de transfundir em caso de risco de morte do paciente.

[26] Zweites Deutsches Fernsehen (português: Segunda emissora alemã de televisão, abreviado ZDF) é uma emissora de televisão pública alemã. É uma emissora independente e uma das maiores emissoras públicas de televisão da Europa, com aproximadamente 3 600 empregados. Sua sede é na cidade de Mogúncia, capital do estado Renânia-Palatinado.

[27] Refere-se à morte de Aída Jacob Curi, de dezoito anos ocorrido em 14.7.1958 no bairro de Copacabana. Aída foi levada à força por Ronaldo Castro e Cássio Murilo ao topo do Edifício Rio Nobre, na Avenida Atlântica, onde os dois rapazes foram ajudados pelo porteiro Antônio Sousa a abusar sexualmente da jovem. De acordo com a perícia ela foi submetida a pelo menos trinta minutos de tortura e luta intensa contra os três agressores, até vir a desmaiar.

Para encobrir o crime os agressores atiraram a jovem do terraço no décimo segundo andar do prédio tentando simular um suicídio. Aída faleceu em função da queda. Houve três julgamentos. Ao final Ronaldo Castro foi inocentado da acusação de homicídio, e sendo condenado apenas por atentado violento ao pudor e tentativa de estupro. Sua pena foi de oito anos e nove meses.

O porteiro, Antônio Sousa, também inocentado da acusação de homicídio, mas condenado pelas outras, desapareceu. Nada mais se soube dele. Já Cássio Murilo, menor de idade na época do crime, foi condenado pelo homicídio de Aída e encaminhado ao Sistema de Assistência ao Menor (SAM), de onde saiu direto para prestar o serviço militar.

[28] Segundo Salomão da Quarta Turma do STJ, a tese do direito ao esquecimento, levantada pelos autores, ganha força na doutrina brasileira e estrangeira. Inclusive, recentemente foi aprovado o Enunciado 531 na VI Jornada de Direito Civil, segundo o qual, a tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento.

[29] Ocorreu em 23 de julho de 1993, próximo a Igreja da Candelária, localizada no Centro da cidade do Rio de Janeiro. Neste crime, oito jovens foram assassinados. E, o caso é listado pelo Portal Brasil ONLINE (BOL, 2015) e pela Revista Superinteressante (2015) ao lado de outros crimes que mais chocaram o Brasil. Posteriormente, nas investigações, descobriu-se que os autores dos disparos eram milicianos.

Como resultado, seis menores e dois maiores morreram e várias crianças e adolescentes ficaram feridos. Segundo estudos realizados por associações ligadas à organização Anistia Internacional, quarenta e quatro das setenta pessoas que dormiam nas ruas daquela região perderam a vida de forma violenta. Todas as vítimas eram pobres e negras.

No decorrer do processo, foram indiciadas sete pessoas no total: o ex-Policial Militar Marcus Vinícius Emmanuel Borges, os Policiais Militares Cláudio dos Santos e Marcelo Cortes, o serralheiro Jurandir Gomes França, Nelson Oliveira dos Santos, Marco Aurélio Dias de Alcântara e Arlindo Afonso Lisboa Júnior. Cláudio, Marcelo e Jurandir foram inocentados no processo. Arlindo ainda não foi julgado pela chacina, tendo sido condenado a dois anos por ter em seu poder uma das armas do crime. Os outros três, que já foram condenados, permanecem em liberdade, beneficiadas por indulto ou em liberdade condicional.

[30] A partir da premissa de que os direitos fundamentais são representados por normas de caráter principiológico, e que esses, eventualmente, colidem é preciso analisar exatamente como são entendidos os princípios dentro do direito constitucional contemporâneo, pois conforme leciona Paulo Bonavides "sem aprofundar a investigação acerca da função dos princípios nos ordenamentos jurídicos não é possível compreender a natureza, a essência e os rumos do constitucionalismos contemporâneo".

[31] Bonavides leciona que atualmente já existe os direitos fundamentais de quarta dimensão, em face da globalização política na esfera da normatividade jurídica introduz os direitos da quarta geração, que, aliás, correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado Social. São direitos de quarta geração o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar- -se no plano de todas as relações de convivência.”

[32] Durante a quarentena, somente podem permanecer abertos, sob determinadas condições, os “serviços públicos e atividades econômicas essenciais”, pois são “indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, assim considerados aqueles que, se não atendidos, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.” Na esfera judicial, “igrejas e lotéricas” foram consideradas atividades “não essenciais” pelo judiciário federal carioca e, portanto, precisaram ser fechadas, e o judiciário goiano manteve a proibição do serviço público de transporte interestadual de passageiros, alegando a necessidade de preservar a saúde de sua popular.

Para recordar, na esfera federal, o termo foi introduzido pela Medida Provisória (MP) 926, de 2020, e regulado em maiores detalhes através do Decreto nº 10.282, publicado no mesmo dia da MP.

O Decreto definiu como serviços públicos e atividades essenciais “aqueles indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, assim considerados aqueles que, se não atendidos, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população9” e indicou, em caráter exemplificativo, um rol de 35 serviços e atividades. Vide: Art. 3º, §1º, caput do Decreto nº 10.282, de 20 de março de 2020. Vide ainda: http://www4.planalto.gov.br/legislacao/imagens/servicos-essenciais-covid-19 .

[33] Ensina Barroso que a novidade na moderna fase do Direito Constitucional não é, em verdade, a existência de princípios no texto constitucional, o que há de singular na dogmática jurídica nessa fase histórica atual é o reconhecimento de sua normatividade e consequente força normativa imediata.

Atualmente os princípios são o centro do Direito Constitucional e conquistaram status de norma jurídica, superando a crença que teriam apenas uma dimensão puramente axiológica, ética, sem eficácia jurídica ou aplicabilidade direta e imediata".

[34] A Mauricio de Sousa Produções informou, em nota: “Não autorizamos o uso de nossos personagens nessa postagem. A Mauricio de Sousa Produções tem uma relação de muitos anos de amizade e admiração com o povo da China”.

[35] Infelizmente existe o mito da democracia racial, e a afirmação falsa de que não existe racismo. A discriminação racial é uma violação que fere os princípios constitucionais de igualdade e dignidade da pessoa humana. Segundo o Portal Brasil (2018), os afrodescendentes constituem 51,1% da população brasileira; em 2009, 6,9% das pessoas informaram ser pretas e 44,2% de autodeclararam pardas, o que representa 51,1% dos brasileiros. Números significativos ao levarmos em conta o fato de que as pessoas estão se declarando negras ou pardas, mesmo com uma imagem tão estereotipada do negro nos livros didáticos, na mídia tradicional ou nas redes sociais.

[36] A discriminação racial constitui crime, se preencher os requisitos previstos no Artigo 240º do Código Penal, tipifica e pune o crime de discriminação racial, religiosa ou sexual, nos restantes casos de ocorrência de práticas discriminatórias em que não estejam preenchidos os requisitos ali previstos.

A Lei Caó define a punição para "os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional". Entre esses crimes, estão impedir o acesso de uma pessoa devidamente habilitada a um cargo público ou negar emprego na iniciativa privada, que podem render penas de dois a cinco anos de reclusão.

[37] Na República, qualquer pessoa que exerça, de alguma forma, uma parcela de poder, estará sempre sujeita a ser responsabilizada: poder e responsabilidade são inseparáveis não existe imunidade.

O Presidente da República é um cidadão, como qualquer outro, que recebeu, do povo, um mandato. Assim, como qualquer cidadão, pode ser responsabilizado pelos ilícitos que cometer, porém, por ser titular de mandato popular, desfruta de condições especiais no tocante à apuração e o julgamento do eventual ilícito, na forma da legislação que disciplina cada específica infração. In: DALLARI, Adilson Abreu. Presidente da República: ilícitos e respectivas sanções.  Disponível em: http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/adilson-abreu-dallari/presidente-da-republica-ilicitos-e-respectivas-sancoes Acesso em 01.5.2020.

[38] "Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão, porque o Senhor não terá por inocente o que tomar o seu nome em vão". Êxodo. Cap.20, Versículo 7. O terceiro mandamento ensina que as pessoas não podem tomar algo sagrado e usá-lo de forma indevida (“em vão”). Afinal, isso seria um enorme desrespeito. Assim as pessoas não podem se referir diretamente a Deus o em exclamações, piadas, em promessas mentirosas ou mesmo maldições.

[39] Conselho Nacional dos Direitos Humanos aprovou em 11.12.2019 aprovou por maioria uma recomendação para o governo atual para adequar-se imediatamente ao Programa Nacional de Direitos Humanos em suas atividades, práticas administrativas e declarações públicas. Aliás, contabilizou que a gestão Bolsonaro já violou trinta e seis vezes o Programa de direitos humanos, afirmou o Conselho.

Sobre a autora
Gisele Leite

Gisele Leite, professora universitária há quatro décadas. Mestre e Doutora em Direito. Mestre em Filosofia. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Possui 29 obras jurídicas publicadas. Articulista e colunista dos sites e das revistas jurídicas como Jurid, Portal Investidura, Lex Magister, Revista Síntese, Revista Jures, JusBrasil e Jus.com.br, Editora Plenum e Ucho.Info.

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