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Do direito de arrependimento na aquisição de unidade imobiliária em incorporação imobiliária e em loteamento urbano

Agenda 10/06/2020 às 19:35

Críticas ao direito de arrependimento na aquisição de unidade imobiliária em incorporação imobiliária e loteamento urbano previsto na Lei Federal nº 13.786/2018 .

A Lei Federal nº 13.786, de 27 de dezembro de 2018, publicada no Diário Oficial da União de 28/12/2018, veio suprir algumas omissões na legislação aplicável às incorporações imobiliárias e loteamentos urbanos.

Dentre as mudanças e complementações, o presente artigo analisará, apenas, o direito de arrependimento, remanescendo comentários sobre demais alterações para artigos ulteriores.

Em relação às incorporações imobiliárias, o direito de arrependimento, previsto na Lei Federal nº 4.591 de 16 de dezembro de 1964, em seu art. 35-A, inciso VIII, e §1º, introduzido pela Lei Federal nº 13.786/2018, prevê a obrigação do incorporador de informar ao adquirente a possibilidade do exercício do direito de arrependimento previsto no art. 49 da Lei Federal nº 8.078 de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor) nos contrato de compra e venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de unidade autônoma firmados em estandes de venda, e fora da sede do incorporador ou do estabelecimento comercial, sob pena de, em não constando tal informação e não tendo sido sanada no prazo de trinta dias, caracterizar-se justa causa para rescisão do contrato pelo adquirente.

Nada obstante já houvesse obrigação por força do Código de Defesa do Consumidor, a iniciativa do legislador, neste caso, vem reforçar a aplicação da lei consumerista.

Ainda, o art. 67-A, §§ 10 a 12, da Lei 4.591/1964, introduzidos pela Lei 13.786/2018, prescrevem a possibilidade de o adquirente receber todos os valores antecipados, inclusive a comissão de corretagem, desde que exercido o direito de arrependimento no prazo de sete dias, cabendo, entretanto, ao adquirente demonstrar o exercício tempestivo do direito sob pena de transcorrido o prazo sem o exercício do direito referido tornar-se irretratável o contrato.

No que concerne aos loteamentos urbanos, a Lei Federal nº 6.766 de 18 de dezembro de 1979, em seu artigo 26-A, inciso VII, introduzido pela Lei Federal 13.786/2018, prescreve a obrigação do loteador de informar ao adquirente a possibilidade do exercício do direito de arrependimento, previsto no art. 49 da Lei Federal nº 8.078 de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), nos contratos de compra e venda, cessão ou promessa de cessão de loteamento firmados em estandes de venda, e fora da sede do loteador ou do estabelecimento comercial, sob pena de, em não constando tal informação e não tendo sido sanada no prazo de trinta dias, caracterizar-se justa causa para rescisão do contrato pelo adquirente.

A nova lei, entretanto, ao contrário das alterações produzidas na Lei 4.591/1964, não incluiu na Lei 6.766/1979 a possibilidade de o adquirente receber todos os valores antecipados(inclusive a comissão de corretagem), nem a forma de exercício do direito de arrependimento, bem como a irretratabilidade do contrato no caso de não exercício do direito de arrependimento no prazo de sete dias.

A Lei Federal nº 13.786/2018, que introduziu os dispositivos descritos acima, dispôs prazo comum de 7 dias previsto no Código de Defesa do Consumidor, no que, infelizmente, agiu mal o legislador vez que poderia conferir, nestes tipos de contrato, um prazo maior para o exercício do direito de arrependimento.

Em alguns países da Europa, como a Espanha, o prazo para o exercício do direito de arrependimento nos contratos de relação de consumo realizados fora do estabelecimento comercial é de 14 dias (artigo 104 da Ley General para la Defensa de los Consumidores), na França, o prazo varia entre 7 e 14 dias conforme o tipo de contrato (artigos L 121-20 e L 121-20-12 do Code de la Consomation).

Em países da América Latina, como a Argentina (artigo 34 da Ley de Defensa del Consumidor) e Chile (artigo 3º da Ley de Protección de los Derechos de los Consumidores) o prazo é de 10 dias.

Nada obstante alguns juristas entenderem que o prazo determinado na lei brasileira é razoável, não concordo quanto ao prazo determinado ao adquirente consumidor pelas razões expostas adiante.

Considerando-se a complexidade do negócio que envolve bens imóveis, cuja aquisição é feita, na maioria das vezes, através de financiamento imobiliário, é visível, diante das circunstâncias, a exiguidade do prazo.

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Vários fatores dificultam uma análise acurada das condições contratuais nos contratos de aquisição de unidades imobiliárias, no prazo legal, e, portanto, escusam um prazo maior para o exercício do direito de arrependimento.

Ao realizar um negócio para aquisição de uma unidade imobiliária para moradia própria e da família, muitas vezes, a pessoa é influenciada por circunstâncias que podem levá-las a incidir em erro.

Não se pode ignorar a influência de fator emocional, financeiro e até intelectual na celebração de contratos que envolvem bens imóveis.

É fato que a ânsia pela aquisição da casa própria, em que muitas vezes o adquirente é influenciado pela necessidade de se livrar do aluguel, isso sem falar na pressão do marketing de vendas, entre outros fatores, por exemplo, pode levar o consumidor a efetuar negócio que, após análise mais acurada, não corresponde às expectativas criadas.

Isso sem falar que, em um país com crises econômicas constantes, a insegurança do consumidor quanto à capacidade financeira para, futuramente, garantir o adimplemento contratual é inegável.

Ademais, há que se questionar o nível de instrução do brasileiro médio para análise de contratos cuja compreensão envolve termos técnicos desde jurídicos até de matemática financeira em tempo tão curto.

Deveras, existem cláusulas dos contratos de alienação de imóveis de incorporações imobiliárias e loteamentos que não são de fácil compreensão da maior parte dos brasileiros, diante dos termos técnicos, mormente, quando tais negócios envolvem financiamento para a aquisição do bem.

Como desprezar o fato de 51% da população brasileira adulta do Brasil possuir no máximo o ensino fundamental, 3,9%, o ensino médio incompleto, 26,3%, o ensino médio completo e, apenas, 15,3% da população adulta possuir o ensino superior completo, conforme pesquisa realizada pelo IBGE concernente ao ano de 20161, além do país ter, há anos, um dos piores desempenhos em compreensão de textos e matemática entre 70 países, consoante resultados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), programa que tem como objetivo a produção de indicadores da qualidade da educação dos países participantes, incluindo-se o último resultado publicado em dezembro de 2016, no qual o Brasil ficou, novamente, entre os últimos colocados com um dos piores desempenhos e bem abaixo da média2

Ainda, segundo avaliação do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos que mede o nível educacional de jovens de 15 anos) de 2015 (publicada em 2016), bem como avaliações anteriores, países como França, Espanha, Argentina e Chile, cuja legislação consumerista concede prazo maior para o exercício do direito de arrependimento, tiveram desempenho muito melhor do que o Brasil em compreensão de textos, reiterando-se a diferença em relação à matemática.

Considerando-se todos os fatores já explicitados, além do desempenho deficiente do Brasil quanto à educação, especificamente capacidade de leitura e conhecimento de matemática, e uma concessão por países com desempenho muito maior em educação de prazo maior do que o concedido por nossa legislação para o consumidor refletir e exercer direito de arrependimento nos contratos realizados fora do estabelecimento, há que se perquirir a razoabilidade dos prazos prescritos na Lei Federal nº 13.786 de 27 de dezembro de 2018.

Fatos como esse deveriam ter sido considerados pelo legislador ao fixar o prazo para o exercício do direito de arrependimento na nova lei, vez que, deveras, não atende à necessidade do consumidor brasileiro.

Ainda, a Lei Federal nº 13.786/2018, que alterou a Lei 4.591/1964 (art. 35-A, inciso VIII) e a Lei 6.766/1979 (artigo 26-A, inciso VII), ao reiterar redação do art. 49 do Código de Defesa do Consumidor, determinou a aplicação do direito de arrependimento apenas aos contratos celebrados fora do estabelecimento comercial.

Criticando tal restrição, o jurista Flávio Tartuce, entende que “Se a alienação do imóvel ocorrer dentro da sede do incorporador, não há o direito de arrependimento, pois a presunção do legislador foi a de que, na sede, o adquirente não estaria vulnerável a técnicas de marketing capazes de conduzi-lo a precipitações. Ao nosso sentir, pecou o legislador aí, pois, diante da grande expressão econômica do contrato e das pesadas punições a que o adquirente está exposto, o direito de arrependimento deverá ser exercido ainda que a venda ocorresse dentro da sede do incorporador. Seja como for, a lei é expressa e deve ser respeitada. Todavia, se a venda ocorrer na sede do incorporador e o adquirente for considerado consumidor, entendemos que deverá ser garantido o direito de arrependimento no prazo de 7 dias, sob pena de estimularmos os incorporadores a, astutamente, passarem a atrair os consumidores para assinarem o contrato na sua sede, e não nos estandes de vendas.” 3

Na Espanha, a Ley General para la Defensa de los Consumidores, artigo 71, prevê o direito de arrependimento, nos contratos celebrados no próprio estabelecimento do fornecedor de produtos e serviços, nos casos previstos em lei ou disposições regulamentárias, no prazo mínimo de 14 dias, assim como no Chile, segundo art. 3º bis, da Ley de Protección de los Derechos de los Consumidores.

Não bastasse o prazo exíguo, o consumidor adquirente, nos termos do §§ 11 e 12 do art. 67-A da Lei 4.591/1964, é obrigado a comunicar por escrito ao incorporador, através de carta registrada com aviso de recebimento, no mesmo prazo de 7 dias, o exercício do direito de arrependimento sob pena de irretratabilidade do contrato (que já era previsível no art. 32 da Lei 4.591/1964).

Ademais, o legislador, mesmo diante das diversas formas de comunicação, inclusive reconhecidas pelo direito, impôs ao adquirente, ora consumidor, o exercício do direito de arrependimento apenas através de carta registrada.

Tal imposição é absurda vez que impõe ao consumidor, diante das limitações já aduzidas, além de exercer a análise no prazo de sete dias, providenciar, no mesmo prazo, através dos correios, a notificação do incorporador.

A legislação consumerista espanhola (art. 70 da Ley General para la Defensa de los Consumidores), bem como de outros países, reconhece outros meios de comunicação do referido direito.

Criticando o dispositivo, o i. jurista citado, sobre a exigência de comunicação por escrito através de carta registrada, expõe que “ Apesar de o § 11 do art. 67-A da Lei nº 4.591/64 estabelecer a carta registrada com aviso de recebimento como canal de comunicação para o adquirente expressar o direito de arrependimento, uma interpretação teológica do dispositivo permite que qualquer outro meio que garanta a ciência do alienante possa ser admitido, como ligação à central de atendimento ao cliente ou endereço eletrônico de e-mail disponibilizado pelo incorporador. Entendemos que sequer há necessidade de pacto expresso no contrato para tanto, pois o que importa é a ciência, pelo incorporador, da vontade inequívoca do adquirente em exercer o direito de arrependimento. A propósito, o sempre brilhante Professor de Direito Civil da UFPB Rodrigo Toscano Brito defendeu que as partes podem pactuar outro meio, mas, em nenhum momento, esse genial civilista considera, como indispensável, um pacto expresso para adotar outro meio de comunicação.” 4

Perdeu o legislador a chance de fazer constar na nova lei, pelas razões já expostas, a obrigação do fornecedor, no caso incorporador, entregar formulário para que o consumidor adquirente da unidade imobiliária possa exercer o direito de arrependimento no prazo determinado, além de disponibilizar formas diversas para a comunicação do exercício do direito de arrependimento, a exemplo de Espanha (art. 70 da Ley General para la Defensa de los Consumidores).

Em países como Espanha e França, que possuem prazo maior, como já informado acima, a legislação obriga o fornecedor a disponibilizar um formulário para o exercício do direito de arrependimento.

Em contraposição ao prazo exíguo de 7 dias concedido ao consumidor brasileiro, adquirente da unidade imobiliária, ao incorporador é reconhecido direito de arrependimento do empreendimento de incorporação, podendo exercê-lo no prazo de até 180 dias consoante art. 34 da Lei nº 4.591/1964.

É claro que o empreendimento de incorporação imobiliária envolve risco para a atividade empresarial, mas o incorporador é amplamente assessorado por profissionais para a realização do empreendimento, isso sem falar da capacidade financeira elevada de muitas das incorporadoras, ao contrário do consumidor, que, geralmente, não tem qualquer assessoramento profissional para a análise do contrato de aquisição de unidade imobiliária que, no caso, é realizado fora do estabelecimento comercial, em estandes de venda, dispondo de prazo exíguo de sete dias, após a realização do negócio, para analisar o contrato e, não concordando com as suas cláusulas, ainda exercer o direito de arrependimento, nas condições determinadas pelo § 11, sob pena de irretratabilidade do negócio consoante § 12 do art. 67-A da Lei 4.591/196 com a consequente perda de parte dos valores antecipados e da comissão de corretagem.

Isso sem falar que o incorporador conta com o patrimônio de afetação previsto na Lei nº 4.591/1964, procedimento no qual todo o patrimônio do empreendimento fica vinculado ao cumprimento de obrigações do próprio empreendimento e não se submete a dívidas diversas, estranhas ao empreendimento de incorporação imobiliária, o que configura uma proteção aos riscos do negócio.

Quanto aos loteamentos, nada obstante, a omissão da lei, é possível, por analogia, a aplicação dos dispositivos sobre o direito de arrependimento citados acima aos contratos de compra e venda, cessão ou promessa de cessão de loteamento firmados em estandes de venda e fora da sede do loteador ou do estabelecimento comercial, valendo, consequentemente, todas as críticas e suas razões expostas concernentes ao direito de arrependimento nos casos de incorporação para os casos de loteamento.

A respeito, o jurista Flávio Tartuce assevera que “...como o modus operandi da venda de lotes é similar ao de venda de imóveis em regime de incorporação, é imperioso aplicar, por analogia, o direito de arrependimento aos casos de loteamento.” 5

Infelizmente, pelas razões já aduzidas, perdeu o legislador a oportunidade de reconhecer tais direitos e, mormente, o consumidor de tê-los reconhecidos em lei.


Notas

1 Informação disponível em https://www.oecd.org/pisa/PISA-2015-Brazil-PRT.pdf

2 Disponível em https://genjuridico.com.br/2019/01/10/a-recente-lei-do-distrato-lei-no-13-786-2018-0-novo-cenario-juridico-dos-contratos-de-aquisicao-de-imoveis-em-regime-de-incorporacao-imobiliaria-ou-de-loteamento-part-1/

3 Informação disponível em https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/18992-pnad-continua-2016-51-da-populacao-com-25-anos-ou-mais-do-brasil-possuiam-no-maximo-o-ensino-fundamental-completo

4 Disponível em https://genjuridico.com.br/2019/01/10/a-recente-lei-do-distrato-lei-no-13-786-2018-0-novo-cenario-juridico-dos-contratos-de-aquisicao-de-imoveis-em-regime-de-incorporacao-imobiliaria-ou-de-loteamento-part-1/

5 https://genjuridico.com.br/2019/01/10/a-recente-lei-do-distrato-lei-no-13-786-2018-0-novo-cenario-juridico-dos-contratos-de-aquisicao-de-imoveis-em-regime-de-incorporacao-imobiliaria-ou-de-loteamento-part-1/

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