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Imposto sobre transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos (ITCMD):

aspectos polêmicos, especialmente do ponto de vista prático

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Agenda 13/05/2006 às 00:00

4.Isenção

            4.1.Breves comentários ao artigo 6º, I, a, da Lei 10.705/00

            O artigo 6º, I, "a", da Lei nº 10.705, isenta do imposto causa mortis a transmissão "de imóvel de residência, urbano ou rural, cujo valor não ultrapassar 5.000 Unidades Fiscais do Estado de São Paulo – UFESPs e os familiares beneficiados nele residam e não tenham outro imóvel".

            Também este dispositivo tem criado alguma polêmica porque são freqüentes os casos em que um ou mais familiares beneficiados não residem no imóvel transmitido. Caso típico, que escapa, em tese, do alcance da isenção, é o da viúva cujos filhos casaram-se, constituíram suas famílias e, portanto, não residem mais com a mãe.

            Como visto, a lei exige (a) que o valor do imóvel não ultrapasse 5.000 UFESPs; (b) que os familiares beneficiados nele residam e (c) que não tenham outro imóvel.

            Portanto, se interpretado literalmente e aplicado com igual rigor pelos Tribunais, o dispositivo terá sua eficácia social bastante reduzida.

            Ao tratarem do assunto, EUCLIDES DE OLIVEIRA e SEBASTIÃO AMORIM sustentam que, por esta exegese literal, poder-se-ia chegar ao absurdo de excluir a isenção do imposto ou de aplicá-la somente aos herdeiros residentes no imóvel transmitido.

            Por isso, defendem a "prevalência de uma interpretação mais ampla e de acordo com a mens legis, que se direciona em aliviar a carga tributária dos sucessores em atendimento à natureza residencial do imóvel deixado à família do falecido, bastando que seja ocupado por qualquer um dos familiares que estejam na ordem da sucessão hereditária." [09] E concluem:

            "Outro aspecto duvidoso no texto da nova lei diz com o requisito de os sucessores não possuírem outro imóvel. E se, havendo dois ou mais herdeiros, um deles não possuir mas os outros forem titulares de outro imóvel? A isenção caberia, com certeza, para o herdeiro sem outro bem, mas poderia ser negada com relação aos demais. Seria preciso que a lei explicitasse, nesse caso, a forma de cobrança proporcional do tributo. Como não o fez, entende-se que a isenção subsiste, bastando que um dos familiares beneficiados, residentes no imóvel, não tenha outro bem dessa natureza."

            Respeitada a solução proposta, fundada na orientação interpretativa teleológica (a lei deve atender aos fins sociais a que se destina), observa-se que o Código Tributário Nacional aponta para caminho diverso ao estabelecer, em seu artigo 111, II, que a legislação tributária relativa a outorga de isenção deve ser interpretada literalmente.

            Portanto, propomos solução intermediária, que concilie, tanto quanto possível, esse dois valores. Na hipótese de que se trata, não será imprescindível que todos os herdeiros residam no imóvel transmitido. De fato, seria demais. Porém, é razoável a exigência de que aqueles que nele não habitarem não sejam proprietários de bem imóvel e, da mesma forma, aqueles que residirem no imóvel, não possuam outro.

            Caso um dos herdeiros beneficiados seja proprietário de imóvel e os outros não, pode-se até admitir a cobrança proporcional do imposto, excluídos da base de cálculo os quinhões dos herdeiros contemplados pela isenção. Esta solução, embora não conste expressamente da lei, parece-nos mais consentânea com a interpretação da norma tributária.

            Ainda a respeito do dispositivo acima mencionado, outra tormentosa questão tem sido colocada, qual seja, se se aplica a isenção nele prevista na hipótese de transmissão da nua propriedade ou parte ideal de determinado bem imóvel e considerando que o valor transmitido não ultrapasse o limite de 5.000 UFESPs, embora o valor venal do imóvel seja superior a esse patamar.

            Em atentado à lógica, a Fazenda do Estado de São Paulo vem defendendo que, em tais hipóteses, deve-se considerar o valor total do imóvel para fins de reconhecimento da isenção, não o valor correspondente à parte ideal ou à nua-propriedade. [10]

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            Esse raciocínio, data venia equivocado, não leva em consideração o valor efetivamente transmitido para fins de reconhecimento da isenção e, por isso mesmo, já foi afastado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que decidiu:

            "Não existem elementos para definição a respeito da isenção prevista no art. 6º da Lei Estadual 10.705/00 com a redação da Lei Estadual 10.992/01 – Dizendo esse dispositivo que a isenção é sobre a transmissão e sendo a transmissão apenas da "metade" do bem do "de cujus", não há de se considerar a totalidade do imóvel para nada". (Agravo de instrumento nº 322852/4/0, Relator Silvio Marques Neto).

            4.2.Reconhecimento da isenção

            A Lei 10.705/01 prevê procedimento no âmbito administrativo para arbitramento da base de cálculo do ITCMD na hipótese de não concordância da Fazenda com o valor declarado ou atribuído ao bem ou direito do espólio (artigo 11).

            Referido procedimento é tratado, em nosso Estado, pelo chamado Regulamento do Imposto de transmissão causa mortis, aprovado pelo Decreto nº 46.655/02 (artigos 18 e seguintes). Também prevê a lei que eventual isenção será reconhecida pela Secretaria da Fazenda nos autos do procedimento administrativo instaurado (art. 8º do Regulamento).

            A previsão do reconhecimento administrativo da isenção não afasta, obviamente, a possibilidade de o fazer o juiz com fundamento no que dispõe o art. 1.013, § 2º, do Código de Processo Civil. Portanto, deixando a Fazenda de reconhecer isenção de que o contribuinte se julga legítimo beneficiário, poderá este requerer ao órgão jurisdicional que a declare, até mesmo como corolário do princípio da inafastabilidade da jurisdição (Constituição Federal: artigo 5º, XXXV).

            Esse vem sendo o posicionamento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça [11], que chegou a admitir, inclusive, o reconhecimento da isenção pelo fato de o herdeiro ser beneficiário da assistência judiciária gratuita (STJ, 2ª Turma, REsp. nº 238.161/SP, Rel. Ministra Eliana Calmon, DJ de 09 de outubro de 2000, p. 133).

            Respeitada a posição daquela Corte, parece-nos que, no caso específico acima citado, foi-se além daquilo que ao Judiciário era permitido reconhecer. Vejamos o porquê.

            O acórdão proferido no mencionado Recurso Especial (nº 238.161/SP) está assim ementado:

            "Cabe ao juiz do inventário, à vista da situação dos herdeiros, miseráveis na forma da lei, por isto ao apanágio da Justiça Gratuita, declará-los isentos do pagamento do imposto de transmissão causa mortis. 2. Providência que independe de burocrático requerimento na esfera administrativa para o reconhecimento judicial".

            Na fundamentação de seu voto, a i. Relatora, Ministra Eliana Calmon considerou vulnerado o artigo 179 do Código Tributário Nacional, onde se lê: "A isenção, quando não concedida em caráter geral, é efetivada, em cada caso, por despacho da autoridade administrativa, em requerimento com o qual o interessado faça prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei ou contrato para sua concessão."

            Contudo, não se tratava, na espécie, de isenção de caráter geral, de modo que seu reconhecimento deveria ser feito necessariamente perante a autoridade administrativa competente.

            A propósito, é nesse sentido que havia julgado o Tribunal local, com a seguinte ementa:

            "Inventário – imposto causa mortis – concessão de Justiça Gratuita não isenta o beneficiário do seu pagamento – Salvo isenção de caráter geral, que pode ser reconhecida pelo Magistrado, que não é a hipótese dos autos, apenas a autoridade administrativa é que pode concedê-la no caso particular do agravante".


5.Prazo para recolhimento do imposto: o polêmico artigo 17 da Lei 10.705/00

            Estabelece a Lei 10.705/00, em seu artigo 17, caput, que o imposto de transmissão causa mortis deve ser pago no prazo de até 30 (trinta) dias após a decisão homologatória do cálculo ou do despacho que determinar seu pagamento.

            O parágrafo 1º, in fine, do mesmo dispositivo, estabelece, por sua vez, que o prazo de recolhimento do imposto não poderá ser superior a 180 (cento e oitenta) dias da abertura da sucessão, sob pena de sujeitar-se o débito à taxa de juros prevista no artigo 20, acrescido das penalidades cabíveis, ressalvado, por motivo justo, o caso de dilação desse prazo pela autoridade judicial.

            Como se constata, há casos em que a homologação do cálculo pelo juiz ocorre após os 180 dias previstos no parágrafo primeiro. Resta saber, portanto, como harmonizar tais prazos.

            O problema, que não é recente, merece ser enfrentado de forma a não prejudicar o contribuinte que tenha agido com diligência. Assim, esgotado o prazo de 180 dias e não realizado o cálculo do imposto por motivos que lhe são alheios, há que se lhe conceder a dilação de prazo prevista no parágrafo 1º, in fine, com o acolhimento do justo motivo lá previsto.

            Poder-se-ia indagar quais hipóteses configurariam o denominado justo motivo. São inúmeras. Exemplificativamente: greve dos servidores do Judiciário, desaparecimento dos autos, descumprimento de prazos pelo juiz ou por seus auxiliares (Escrivão, Contadoria etc.), desídia dos mesmos no cumprimento dos atos processuais, entre tantas outras razões, velhas conhecidas daqueles que militam na área.

            Além disso, a interpretação do dispositivo há de ser feita à luz da Súmula 114 do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual "O imposto de transmissão ‘causa mortis’ não é exigível antes da homologação do cálculo". Com isso, sendo a homologação conditio sine qua non para a exigibilidade do crédito tributário pelo Fisco, não faz sentido que, antes de implementada tal condição, passem a incidir juros e multa.

            É certo que, em nosso Estado, a discussão parece contemporizada após o advento das inovações introduzidas pelo Decreto nº 46.655/02 (artigo 21, II), que aprovou o "Regulamento do Imposto sobre transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos", e pela Portaria nº 15/03 do Conselho de Administração Tributária (CAT), que disciplina o cumprimento das chamadas "obrigações acessórias" ao procedimento de recolhimento do ITCMD.

            Referidas normas instituíram o procedimento administrativo para apuração e recolhimento do imposto de transmissão, de tal forma que o inventariante, tão logo nomeado, deverá apresentar ao órgão fazendário as informações necessárias ao arbitramento da base de cálculo do imposto, estando autorizado a realizar o recolhimento imediatamente, mediante emissão de guia na internet. A atual sistemática reduz o problema relacionado ao cumprimento do mencionado prazo de 180 dias.


6.Recolhimento do imposto e expedição de alvarás

            O Código de Processo Civil, em seu artigo 1.031, § 2º, estabelece que a expedição de alvarás para alienação de bens do espólio está sujeita "à comprovação, verificada pela Fazenda Pública, do pagamento de todos os tributos."

            Contudo, são comuns as hipóteses em que os beneficiários da herança não dispõem de recursos para arcar com o custo do imposto de transmissão.

            Com o passar do tempo, as dívidas fiscais vão aumentando por conta da atualização do valor do imposto causa mortis e do vencimento periódico de outros tributos, que passam a onerar exponencialmente o patrimônio (como o IPTU, no caso de imóvel; e o IPVA, quando se trata de veículo automotor). A herança, que parecia ser solução, torna-se um enorme problema.

            Em situações dessa ordem, nas quais ficar demonstrada nos autos a falta de disponibilidade de recursos para pagamento do imposto, é de se admitir, sempre com a necessária cautela, a venda de determinado bem antes do recolhimento. Obviamente, o magistrado deverá sempre exigir a prestação de contas (Código de Processo Civil: artigo 991, VII) e o concomitante pagamento do ITCMD, tão logo efetivada a transferência e pago o preço.

            No julgamento do agravo de instrumento nº 118.277-4, sendo Relator o então Desembargador Antonio Cezar Peluso, decidiu a 2ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que o comando do referido dispositivo legal (CPC: artigo 1.031, § 2º) não é absoluto [12], havendo casos em que se poderá autorizar a alienação de bens antes do pagamento do ITCMD.

            Ressalte-se, porém, que o recolhimento deve ser feito sempre antes da sentença de partilha (Código de Processo Civil: artigo 1.026), de forma que a admissão da quitação quando do registro do formal configura mera (e rara) liberalidade, cuja inobservância não viola direito [13].


7.À guisa de conclusão

            Foge de nosso objetivo e alcance esgotar todas as questões que o tema tem suscitado. Também não nos propusemos a desenvolver um estudo de bases teóricas jurídico-tributárias.

            Esperamos, apenas, ter tratado de alguns pontos que, na prática forense, vêm se mostrando especialmente intrincados e desafiadores, gerando, no mais das vezes e à falta de maior compreensão dos órgãos fazendários, incidentes que só fazem arrastar o desfecho já moroso dos processos judiciais.


Referências bibliográficas

            AMORIM, Sebastião; OLIVEIRA, Euclides de. Inventários e partilhas. 18ª edição, São Paulo: Leud.

            FERNANDES, Regina Celi Pedrotti Vespero. Imposto sobre transmissão causa mortis e Doação – ITCMD. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

            LIMA, José Antonio Farah Lopes de. Imposto sobre transmissão causa mortis e doação: regra-matriz e aspectos controversos. Revista de Direito Tributário, São Paulo, nº 87, Malheiros.

            MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada. 4ª Edição. São Paulo: Atlas, 2004.

            NEGRÃO, Theotonio. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 36ª Edição, São Paulo: Saraiva, 2004.


Notas

            01

Embora as doações estejam também compreendidas na hipótese de incidência do tributo objeto de nosso estudo, não as abordaremos no presente trabalho.

            02

Imposto sobre transmissão causa mortis e doação: regra-matriz e aspectos controversos, in "Revista de Direito Tributário", nº 87, pág. 268.

            03

AMORIM, Sebastião et al. Inventários e partilhas, 18ª edição, São Paulo: Leud, pág. 399.

            04

Agravo de instrumento nº 243.199-1, Relator Benini Cabral, v.u., 22.03.95; Apelação cível nº 179505, Relator Silveira Paulilo, 15/09/92.

            05

Agravo de instrumento nº 229.766-1, Relator Gonzaga Franceschini, 09.08.94.

            06

A propósito, há previsão, na legislação do Estado de São Paulo, de desconto de 5% sobre o valor do tributo caso o pagamento seja feito no prazo de 90 dias da data óbito (artigo 17, § 2º, da Lei 10.705/01 c/c artigo 31, § 1º, item 2, do Regulamento do ITCMD, aprovado pelo Decreto nº 46.655/02).

            07

Confira-se, nesse sentido: "(...) o imposto causa mortis incide sobre o montante líquido da herança, sendo lícito abater do cálculo as despesas funerárias previstas no artigo 1.797 do Código Civil" (STF, 1ª Turma, Rel. Min. Octávio Gallotti, DJ de 7 de agosto de 1987, pág. 15.436).

            08

Ob. cit., pág. 421.

            09

Ob. cit., pág. 409.

            10

O valor da nua-propriedade correspondente a 2/3 do valor do bem, conforme artigo 9º, § 2º, "4", da Lei nº 10.705/01.

            11

Nesse sentido: REsp nº 114.461/RJ, 4ª Turma, v.u., Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, j. 09.06.1997; REsp nº 11.156/RJ, 1ª Turma, Relator Ministro Luiz Pereira, j. 15.10.1998; REsp nº 111.566/RJ, 1ª Turma, m..v., Rel. Ministro Luiz Pereira, j. 15.10.1998).

            12

"INVENTÁRIO - Alvará - Expedição antes do pagamento do imposto - Deferimento - Conveniência demonstrada - Patrimônio do espólio que garante o crédito fiscal - Provimento ao recurso - Inteligência do artigo 1.031, § 2º do Código de Processo Civil. O artigo 1.031, § 2º do Código de Processo Civil, não proíbe de maneira absoluta, expedição de alvará antes do pagamento do imposto de transmissão mortis causa, sobretudo quando esteja esse garantido por outros bens do espólio." (j. 21.12.99 - V.U.)

            13

RTJE 135/204, in "Código de Processo Civil e legislação processual em vigor", Thetônio Negrão, 31ª Edição, 2000, pág. 875.
Sobre o autor
Frederico Liserre Barruffini

Bacharel em Direito pela PUC/SP. Pós-graduado em Direito Civil. Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Autor de artigos nas áreas de Direito Civil, Direito de Família e Direito Processual Civil. Advogado em São Paulo (SP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARRUFFINI, Frederico Liserre. Imposto sobre transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos (ITCMD):: aspectos polêmicos, especialmente do ponto de vista prático. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1046, 13 mai. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8350. Acesso em: 23 dez. 2024.

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