3. VALORIZAÇÃO DO DEPOIMENTO DA CRIANÇA
3.1 CREDIBILIDADE DO DEPOIMENTO DA CRIANÇA
Uma das maiores dificuldades do judiciário e do depoimento especial é retratar que o depoimento da criança ou adolescente vitima de abuso tem credibilidade, que a mesma está falando a verdade, mesmo que exista o ditado popular de que a “criança não mente”, também se verifica como a mesma é facilmente maleável para falar mentiras, uma vez que a criança está em desenvolvimento.
A influência no depoimento de crianças é visto com uma frequência maior no polo cível em casos de separação dos pais, onde ocorre a alienação da criança para moldar um depoimento a fim de que se consiga um desfecho que satisfaça a pessoa que à alienou.
O depoimento da vítima tem valor probatório relativo, em regra, devendo ser aceito com reservas, entretanto em alguns crimes o depoimento é a única prova existente como nos crimes considerados as escondidas onde só o abusador e a vítima se encontram, sem presença de outras testemunhas e mais rara ainda é a possibilidade de realizar o exame de corpo de delito, uma vez que alguns casos só são denunciados anos ou vários meses depois do ocorrido.
Se o depoimento da vítima for prestado sem fantasias, com convicção, coerente e apresente traços emocionais fortes que retratem o trauma decorrente da violência, como é o caso de muitas vítimas chorarem em audiências demonstrando assim o drama sentimental sofrido, o seu depoimento pode ser suficiente para a condenação do réu.
A mentira pode ocorrer devidos a diversos motivos, tais como; na tentativa de impedir outras formas de maus tratos físicos ou psicológicos que o menor esteja enfrentando em casa ou ainda em casos em que a vítima ciente do poder de sua palavra e de em muitos casos não conseguir outros meios de prova acaba agindo de má-fé denunciando um estupro, colocando a culpa em alguém que não é realmente culpado, sendo exemplos adolescentes que agem de má fé para justificar a perda de virgindade ou quando não aceitam o relacionamento de sua mãe com outra pessoa (padrasto). Podem ocorrer também mentiras sobre relatos de abuso sexual em casos de coação ao menor.
Este pode vir a ser obrigado, através de graves ameaças, a acusar falsamente terceiro inocente, atribuindo-lhe um crime para desvirtuar a acusação do verdadeiro agressor.
Entre tantos casos possíveis, é difícil para o juiz criminal distinguir entre acusações verdadeiras e falsas.
A alternativa é, então, inquirir a vítima infantil com a técnica necessária para tentar evitar o falso testemunho e consequente falta de confiabilidade nos relatos prestados.11 Claudia, segundo a autora é possível inquirir a vítima a fim de conseguir identificar se o depoimento é falacioso.
Uma vítima de violência sexual fica marcada, com marcas profundas em seu consciente e sentimentos, confiança abalada e demonstra traços inquestionáveis do abuso sofrido, certo é que existem crianças que bloqueiam o ocorrido e tecnicamente esquecem o que houve, mas com o profissional certo e qualificado é possível identificar o relato e verificar se é de fato verdadeiro.
O depoimento é a prova e o relato principal em inúmeros processos, no crime de abuso sexual é de extrema importância pois apenas a vítima passou por aquilo, sendo considerado um absurdo em algumas vezes a denúncia ser considerada uma mentira, nenhum relato sobre quando um adulto é roubado com uso de arma de fogo é considerado mentira pelo ouvinte, diferente da denúncia de um abuso relatado por uma criança que sempre gera a dúvida, é mais fácil acreditar em um adulto do que em um adolescente ou criança? sendo que os adultos mentem de forma desenfreada e em alguns casos agem de forma fria.
A criança é um ser desenvolvimento, de fato, entretanto se mostra cada vez mais forte na sociedade o quanto as crianças estão ficando “maduras” antes do tempo, as crianças hoje entendem mais as coisas que antigamente, bem como possuem mais acesso a internet, crianças de sete anos de hoje, possuem um desenvolvimento maior que uma criança da mesma idade em 1996, por exemplo.
É relativo a questão de considerar a criança menor incapaz sem analisar o contexto ao qual ela está inserida, sua maturidade e caráter já identificados mais cedo nas crianças de hoje.
3.2 POSSIBILIDADE DO USO DO DEPOIMENTO DA CRIANÇA OU ADOLESCENTE (VÍTIMA) PARA CONDENAÇÃO.
Segundo entendimento do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, em julgado de 201412, a palavra da vitima pode ser usada como forma de justificar uma condenação, ressaltando apenas que se deve redobrar a prudência quando se trata de crianças e onde o depoimento é a única prova, conforme julgado abaixo12:
PENAL E PROCESSUAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. PROVA SATISFATÓRIA DA MATERIALIDADE E AUTORIA. VALOR PROBANTE DO DEPOIMENTO INFANTIL. CONFIGURAÇÃO DE CONTINUIDADE DELITIVA. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA.
1 Réu condenado por infringir o artigo 217-A do Código Penal , depois de praticar atos libidinosos contra duas meninas com três e dois anos de idade, manipulando as suas genitálias para satisfação da própria lascívia (...)
2 A palavra da vítima nos crimes contra a liberdade sexual sempre foi reputada com elevado valor, embora se recomende redobrar a prudência quando se trata de infantes, ante as suas condições peculiares, com personalidade e caráter ainda em formação, época em que é mais facilmente sugestionável, além de sujeita a fantasias. Deve ser acatada quando se apresenta lógica, consistente e conta com um mínimo de amparo em outros elementos de convicção.(...)
4 Apelação parcialmente provida.
(destaques não contavam no texto original)
Outro julgado no qual se revela o uso do depoimento da vitima como base para a condenação é o do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul13:
APELAÇÃO-CRIME. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. ACUSADO PADRASTO DA VÍTIMA.
1. ÉDITO ABSOLUTÓRIO. REFORMA. Acervo dos autos suficiente à condenação do réu, firmado nas narrativas da vítima, criança de apenas 8 anos de idade, constantes em exame psicológico e, na fase judicial, colhido através do sistema de depoimento sem dano (...) Relevância da palavra da vítima, em razão da natureza do delito em comento, geralmente praticado às escondidas, sem testemunhas.(...) Psicóloga que, no laudo produzido, atestou a credibilidade do relato da criança, sem qualquer indicativo de indução ou manipulação por parte de terceiros, bem como a existência de sentimentos compatíveis com abuso sexual medo, vergonha e sofrimento psíquico. (...) Caso este diferente dos conhecidos em tela, uma vez que a criança realizou dois depoimentos, cujo primeiro resultou de absolvição devido a contradições no depoimento da criança, mesmo a psicóloga tendo identificado os sentimentos compatíveis com o abuso como o medo, vergonha e sofrimento psicológico, posteriormente quatro anos depois a menina reeditou a versão anterior em pretório, motivo que poderia ser mantida a absolvição, entretanto a psicóloga, que em seu laudo atestou credibilidade ao relato da criança, verificou os mesmos sentimentos de constrangimento com relação ao ato realizado e sua tristeza.
Existem outros julgados dos tribunais que julgaram aceitáveis e deram credibilidade ao fato narrado pelas crianças e adolescentes, sendo impossíveis de não levar em consideração os sentimentos que a criança deixa transparecer.
O depoimento especial e sua forma de realização trouxe mais credibilidade a palavra da criança por sua forma de capacitar o profissional e assim conseguir um depoimento sem indícios de mentiras, um depoimento com mais cautela, onde se respeita e ganha a confiança da criança, para somente assim conseguir que a mesma fale, mostre ou desenhe pelo que passou sem medo de ser julgada pelo profissional e muitas vezes por terem ganhado a sua confiança ela conta tudo sem mentir.
Não afasta-se a possibilidade do juiz cometer um erro condenando alguém com base em declarações falsas, entretanto pior seria que alguns juízes e profissionais continuassem não aderindo ao depoimento especial a fim de se conseguir o melhor interesse da criança evitando a revitimização e a tratando como pessoas valorando suas palavras e atitudes.
O abuso é real e atinge inúmeras crianças e adolescentes no mundo todo, sem contar as pessoas adultas, entretanto, observa-se um crescimento significativo nos casos em que deram credibilidade a vitima e ao seu depoimento, sendo a única prova em um processo e sem dúvidas a mais importante.
3.2 A CRIANÇA SABE QUE PODE TER AUXILIO DA JUSTIÇA?
Verifica-se no país uma escassez de entendimento de crianças e adolescentes sobre o poder judiciário ou sobre as leis que os protege, a mesma acaba aprendendo coisas avulsas como o fato de existir conselho tutelar por que a filha da vizinha foi levada para lá, ou a coleguinha da escola, sabe ainda que existe ladroes e policiais, mas a criança sabe que pode procurar a justiça? Ela sabe que pode ser protegida por ela? A criança ou adolescente tem confiança ou medo do judiciário? Segundo Catarina Ribeiro, para a criança a lei é “uma coisa que é para fazer... é preciso respeitar para não ser castigado”, já o juiz é visto como “uma pessoa que manda os ladrões para a prisão”.
É importante não somente que a criança e adolescente saibam que podem e devem procurar a justiça em casos de violência, mas também em qualquer assunto que envolva qualquer órgão administrativo e judicial, incluindo o Poder Judiciário, a Defensoria Pública e o Ministério Público, conforme prevê o artigo 141 do ECA:
Art. 141. É garantido o acesso de toda criança ou adolescente à Defensoria Pública, ao Ministério Público e ao Poder Judiciário, por qualquer de seus órgãos.
Desta forma é de extrema importância que o Poder Judiciário, a Defensoria Pública e o Ministério Público busquem formas de garantir esse acesso da criança de forma digna e condizente com sua idade e entendimento, copiando se necessário às salas de depoimento especial da lei 13.431/2017, capacitando seus servidores, divulgando esse direito a criança, ou qualquer outra medida que julgarem necessária para o conforto e segurança da criança que venha a procurara-los.
A necessidade de mudanças em aulas desde o pré-escolar ate o ensino médio é visível, é de extrema importância que a criança cresça sabendo que pode procurar a justiça para denuncias e apoio e que a mesma serve para organizar e garantir a proteção dos direitos de todos e não apenas para punir, além de contar as historias de princesas por que não uma princesa que precisou da justiça e encontrou auxilio, é necessário que nos contos de criança o judiciário seja o príncipe encantado que protege dos dragões, uma vez estabelecida à confiança a diminuição de danos para a criança que sofre de abuso sexual é maior.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desenvolvimento do presente trabalho possibilitou o reconhecimento de como o depoimento especial é importante para a oitiva de vitimas de abuso sexual, bem como entender a forma como o procedimento é realizado, tratando sempre a criança e adolescente com humanidade e explicando em qual cenário estão envolvidas, a criança faz parte e entende o processo com o método apresentado.
O envolvimento da criança no processo sempre foi uma questão de extrema complexidade, entretanto, não se pode mais ignorar que o sistema judiciário deve se adequar para que seja possível abranger mais áreas do direito, a criança é peça importante em outras áreas, como a cível, por exemplo, onde o depoimento especial seria de grande ajuda em processos de guarda, podendo evitar uma alienação parental.
A partir do apresentado foi possível verificar como a nova lei é benéfica para evitar o processo de revitimização, uma vez que a criança comparece apenas uma vez no judiciário.
Bem como a antecipação do depoimento se mostra como crucial para evitar que a criança sofra mais, mais importante ainda é que o procedimento traz mais proteção à criança por ter seu depoimento colhido em uma sala reservada sem ter nenhum contato com o seu abusador ou com pessoas desconhecidas presentes em uma sala de audiência comum.
Observou-se o quão importante é respeitar cada detalhe do procedimento para depoimento de crianças a fim de garantir que nenhum direito seja violado.
Necessária se faz a adaptação de pelo menos uma sala no tribunal destinada a esse procedimento, visto que deve ser acolhedora, bem como a capacitação de profissionais para realizarem o contato com a criança.
Vale ressaltar que a técnica apresenta inúmeras vantagens frente ao modo tradicional, principalmente ao evitar coações, medos e traumas na criança.
Observa-se uma qualidade na palavra da vitima uma vez que o procedimento faz com que a criança estabeleça um vínculo com quem irá ouvi-la, desta forma ela relata as verdades e coisas que provavelmente não falaria por falta de confiança em quem a estava ouvindo.
Importante se faz a realização de campanhas no judiciário brasileiro a fim de divulgar para as crianças que as mesmas podem procurar a justiça e que o juiz não serve apenas para mandar ladrões para a prisão.
Em escolas, igrejas e principalmente no ambiente familiar se faz necessário ensinar à criança desde cedo que certos atos são errados, que se pode confiar na justiça, a criança precisa ter um breve conhecimento dos assuntos considerados “pesados ou tristes”, a fim de evitar traumas e dores futuras.
Durante o desenvolvimento deste trabalhou observou-se o quanto é comum alguém da família abusar de uma criança, o quão triste é a criança entender apenas anos depois que tal ato era errado.
Portanto é sim de extrema importância que o método de depoimento especial seja realizado em todo o país e que as crianças passem a ser ensinadas, sendo respeitada a sua idade, do que pode vim a ser um abuso.
REFERÊNCIAS
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CEZAR, José Antônio Daltoé. RS terá 42 salas especiais para ouvir menores vítimas de abusos sexuais: 2016. G1 Rio Grande do Sul. Entrevista concedida a Rafaella Fraga. Disponível em: . Acesso em: 05 set. 2018.
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Notas
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Método inglês: circuito fechado de televisão, de gravação de videoimagem, com comunicação à sala da Assistência, a criança pode contar com um acompanhante. O CCTV é o sistema mais utilizado e evita o contato de crianças/adolescentes com o grande público nos tribunais, o que contribui para solucionar a dificuldade que estes indivíduos têm de testemunhar em sala aberta de tribunal. (SANTOS; GONÇALVES, 2009 p. 15)
A Câmara Gesell é um dispositivo criado pelo psicólogo norte-americano Arnold Gesell (1880-1961) para o estudo das etapas do desenvolvimento infantil. Constituída por duas salas divididas por um espelho unidirecional, que permite visualizar a partir de um lado o que acontece no outro, mas não vice-versa, a Câmara Gesell passou a gozar de reconhecimento constitucional no que concerne à tomada de depoimento de crianças/adolescentes vítimas/testemunhas de violência sexual. (SANTOS; GONÇALVES, 2009 p. 15)
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Rapport é um conceito da psicologia definido como a técnica usada para criar uma ligação de sintonia e empatia com outra pessoa.
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2011. Pagina 344.
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CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Depoimento especial: criança é ouvida uma só vez na Justiça do MS. Disponível em: . Acessado em 20 de set. de 2018.
Paragrafo retirado do trabalho de conclusão de curso “A violência sexual infantil intrafamiliar: a revitimização da criança e do adolescente vítimas de abuso” autora, Cláudia Balbinotti, 2009. Pagina 14.
BRASIL-Tribunal de Justiça do Distrito Federal. TJ-DF. Apelação Criminal APR 20110910030700 DF 0003036-71.2011.8.07.0009 (TJ-DF) Jurisprudência-Data de publicação: 11/09/2014. Disponível em: . Acessado em 10 set. de 2018.
BRASIL-Tribunal de Justiça do Rio Grande do sul-Apelação Crime ACR 70074995069 RS (TJ-RS) Jurisprudência Data de publicação: 14/08/2018. Disponível em: . Acessado em 10 set. de 2018.