I. Introdução
O presente artigo enfrentará tormentoso tema, para alguns até tabu – a necessidade de adequar o controle externo tradicionalmente exercido sobre a Administração Pública à agilidade e inovação inerentes à atuação das empresas estatais.
Não se trata de afastar o controle externo sobre as empresas estatais. Trata-se de compreender a natureza das empresas estatais, a razão de sua existência e buscar compatibilizar tais premissas com a forma de exercício do controle externo, o qual não deve existir por existir. A existência e forma de aplicação do controle externo devem levar em consideração seus efeitos sobre a tomada de decisões dos gestores aos quais é dirigido, sempre buscando formas de aprimoramento a fim de capturar e internalizar adequadamente a complexidade existente na sociedade moderna.
Como veremos, o direito público se abriu a esta complexidade, internalizando mecanismos próprios do direito privado quando a Administração Pública passou a atuar empresarialmente, por meio de empresas estatais. Esta abertura do direito pode ser compreendida pelos órgãos de controle externo como a necessidade de utilização dos padrões de controle exercidos sobre as empresas privadas cuja forma de atuação o Estado quis mimetizar. Nesse viés, será apresentada a business judgement rule, ou regra da decisão empresarial, como forma de instrumentalizar o principio da deferência às decisões das empresas estatais, principio este positivado no artigo 90 da Lei nº 13.303/16, a chamada Lei das Estatais.
II. Empresas estatais – decisão por eficiência, agilidade e inovação propiciadas pelo direito privado
A sociedade moderna é um sistema extremamente complexo, devendo o direito, entendido como um sistema social, possuir mecanismos de abertura que lhe permitam lidar com tal complexidade, cada vez mais crescente. Quando a sociedade (por meio do poder legislativo) percebe que a forma tradicional de atuação da Administração Pública é incapaz de atender a determinado interesse público, há, historicamente, um processo de tomada de decisão (promulgação de leis) para permitir a flexibilização do direito público, em determinadas hipóteses.
À proporção que o Estado foi assumindo outros encargos nos campos social e econômico, sentiu-se necessidade de encontrar novas formas de gestão do serviço público e da atividade privada exercida pela Administração. De um lado, a ideia de especialização, com vistas à obtenção de melhores resultados, e que justificou e ainda justifica a existência de autarquias; de outro lado, e com o mesmo objetivo, a utilização de métodos de gestão privada, mais flexíveis e mais adaptáveis ao novo tipo de atividade assumida pelo Estado, em especial a de natureza comercial e industrial; em alguns países, como a Alemanha, isso foi feito com fins de socialização e, em outros, especialmente nos subdesenvolvidos, com vistas ao desenvolvimento econômico.[1]
Nesse processo de abertura do direito público às necessidades da sociedade moderna, compreendem-se as empresas estatais como pessoas jurídicas de direito privado instituídas por meio de decisão política (lei de criação) para atingir determinada finalidade, a qual não poderia ser atingida adequadamente pelos órgãos e entidades da Administração Pública Direta. Em outras palavras, sendo insuficiente a atuação estatal por meio do regime jurídico público, o interesse público pretendido apenas seria alcançado por meio do regime de direito privado. Nas palavras de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “foi precisamente o regime jurídico de direito privado que levou o poder público a adotar esse tipo de entidade, pois, sob esse regime, ela pode atuar com maior liberdade do que a Administração Pública Direta”.[2] No mesmo sentido, Celso Antonio Bandeira de Mello[3] e Luis Roberto Barroso[4].
Nas palavras de Cotrim Neto, o “valor peculiar” das empresas estatais reside na “liberdade de operação, na flexibilidade, na eficiência para os negócios, e na oportunidade para experimentações”, ou, conforme White, na possibilidade de “levantar fundos, maleabilidade nas despesas com a libertação dos controles orçamentários estatais, afastamento das normas e estatutos oficiais para a administração do pessoal, para a realização de contratos, o uso das propriedades, as práticas contábeis”. [5]
Sob esse viés, há uma abertura cognitiva do direito aos anseios sociais por meio de uma decisão política[6]. O direito público abre-se às possibilidades do direito privado. A decisão política pela atuação do Estado de forma mais ágil e a importância de sua formatação sob o viés empresarial é bem destacado por Carlos Ari Sundfeld e Rodrigo Paganini Souza[7]:
É evidente que a opção legislativa pela criação de entidades da Administração Indireta sob a forma de empresarial, desde o início, traduzia e traduz aspirações importantes. É opção, certamente, por uma criatura que observará um regime de contratação de bens, obras e serviços diferenciado daquele que observarão as demais entidades da Administração Indireta (o próprio texto constitucional em vigor, como visto, diz sobre esta diferenciação).
(...)
Ademais, a opção tem o deliberado intento de despublicização, porque, afinal, afirmar que certas entidades se sujeitam ao regime jurídico próprio das empresas privadas (como fez originalmente o art. 173 da CF de 1998 e ainda faz após a alteração sofrida na década de 1990) não é algo vazio de significado, mas expressão firme e eloquente de um intento muito importante. Não é indiferente a criação de uma empresa estatal ou de uma autarquia para a realização de determinado cometimento público. Claramente, a opção pela empresa é uma opção inequívoca pelo modus operandi empresarial, radicalmente oposto ao paradigma burocrático de atuação estatal típico das autarquias. Quando o legislador decide pela constituição de empresa, cometendo-lhe determinadas atividades, isto significa que ele está fazendo uma opção pela atuação ágil, expedita, comprometida com resultados, do organismo governamental em questão. Ele quer, por certo, que a nova entidade tenha compromisso com a legalidade, mas também quer o compromisso com resultados (não lhe interessa o exímio cumprimento de formalidades se feito à custa de pífios resultados). Ele quer que os quadros da nova entidade sejam esforçados e empenhados, mas quer também que o esforço seja eficaz (não lhe basta o esforço, por si só). Ele quer que haja flexibilidade na ação da nova entidade, mas também quer que a flexibilidade seja tal, que suas adaptações institucionais se realizem a tempo e hora, junto ao surgimento das demandas do mercado ou mesmo em antecipação a elas (não lhe satisfaz a adaptação a destempo). Em suma, a opção do legislador pela criação de entidade sob o figurino empresarial é claramente uma opção pelo seu modus operandi – ágil, flexível e especialmente comprometido com resultados –, o que resulta na necessidade de derrogação do regime publicístico a que se sujeitará a criatura.
Para a compreensão do papel das empresas estatais, nesse cenário de complexidade social, o direito deve estar cognitivamente aberto às necessidades de atuação destas entidades em seu meio próprio – o mercado privado. Especificamente, deve haver internalização de formas de atuação privada na esfera pública por meio de decisões acerca da atuação que a sociedade entende necessária do Estado no mercado (decisão esta consubstanciada na lei de criação da empresa estatal).
Esta internalização de informações de um sistema em outro é balizada por espécies de filtros entre os sistemas, denominados de acoplamentos estruturais. O principal acoplamento existente entre o sistema jurídico e o sistema político é a Constituição, a qual baliza o universo das decisões políticas passíveis de ingressarem no direito e, em última instância, a forma de atuação das empresas estatais. Especial destaque neste papel ganha o artigo 173 da Constituição Federal, o qual foi recentemente regulamentado pela Lei nº 13.303/2016.
Como afirma Sérgio Henrique Abranches, em clássico artigo, “a divisão de áreas de atividades entre empresa estatal e empresa privada é eminentemente política; às vezes, no entanto, a ênfase que se dá no Brasil ao caráter necessariamente suplementar da ação estatal e à questão dos célebres espaços vazios encobre a natureza política desse processo, com argumentos que criam a impressão de que há critérios técnicos para proceder-se a tal divisão de áreas. Assim, parece que só é complementar a atividade estatal destinada a suprir deficiências de infraestrutura ou insumos estratégicos. Na verdade, a complementaridade da intervenção estatal na produção define-se histórica e politicamente”.
A Constituição de 1988, como constituição compromissória, positivou tanto as preocupações liberais do mercado como as preocupações do bem-estar social. Cabe, em primeiro plano, ao legislador infraconstitucional, intérprete primeiro da Constituição e ponderador preferencial dos seus valores, definir as atividades econômicas em que a atuação do Estado será possível com base no art. 173, da CF.[8]
A agilidade, eficiência e inovação pretendida pelo Estado ao instituir uma empresa estatal, no entanto, pode ser inviabilizada caso não seja permitido aos gestores das estatais assumirem os riscos inerentes à tomada de decisão empresarial. Na prática, a permissão de assumir riscos empresariais pode ser retirada caso se exija aos gestores das estatais – em substituição (ou pior, em acréscimo) aos mecanismos de governança e compliance do direito privado –, o mesmo formalismo do controle de legalidade que incide para a Administração Pública Direta. A dificuldade em comprovar a legalidade (sob o viés tradicional do direito público) de decisões inovadoras e o medo de sanções ou de revisão de decisões a qualquer momento pelos órgãos de controle externo engessa a atuação empresarial das estatais e “capturadas pelo direito público”[9] as aproximam da forma de atuação dos demais órgãos e entidades da Administração Direta.
A obrigação de paridade de regime imposta pelo art. 173 para a exploração de atividade econômica pelo Estado em concorrência com a iniciativa privada não se volta apenas aos bônus, ou seja, para evitar que as estatais sejam privilegiadas em relação às suas concorrentes privadas, mas também aos ônus, impedindo que o Estado, além do que já decorra da Constituição, imponha um regime jurídico mais oneroso às estatais.[10]
A criação de uma sociedade de economia mista revela uma decisão política (lei de criação da empresa estatal) sobre a forma de atuação que a sociedade entende necessária pelo Estado para determinado caso concreto. O direito público, em especial seus ramos administrativo e constitucional, deve abrir-se às possibilidades (e necessidades) da sociedade moderna, orientando a atuação do Estado para a promoção do bem-estar social.
III. Controle externo e seus efeitos, uma análise necessária
A análise do controle externo das decisões empresariais dos gestores de empresas estatais deve levar em consideração a (i) competência institucional do controlador – ou seja, sua expertise empresarial (ou ausência de) que o legitime[11] a avaliar mérito das decisões gerenciais, considerando, inclusive, o viés do tempo[12]; (ii) o beneficio do risco empresarial, cuja própria possibilidade de assunção é uma das razões de criação das estatais (como visto acima); e (iii) a atratividade do cargo de administrador de empresa estatal para pessoas qualificadas, atratividade esta que vai sendo reduzida na medida em que se aumenta o risco de responsabilização[13]. Não se olvide nesse panorama o custo que as empresas estatais arcam em decorrência dos controles externos a que estão submetidas e que não são aplicáveis a seus concorrentes privados.
Além do problema do comprometimento da autonomia decisória e negocial, decorrente do receio de futuras penalizações, engessando pelo medo a agilidade da estatal, outro problema decorrente da sujeição dessas empresas ao controle externo clássico diz respeito ao inexorável aumento dos seus custos.
A esse respeito, Odete Medauar adverte que o acréscimo de exigências e o excesso de fiscalização sobre essas entidades importam em maiores gastos e, consequentemente, perda de competitividade.
Não se coaduna inclusive com o novo ambiente empresarial público (cf. Capítulo seguinte), que a estatal esteja sujeita a procedimentos de fiscalização custosos e demorados no que toca, inclusive, às suas atividades estratégicas, enquanto suas concorrentes a nada disso se sujeitam.
Ademais, se a finalidade principal do controle exercido pelo TCU é a garantia da economicidade das atuações dos agentes públicos, no caso principalmente das atividades estratégicas das estatais, esse controle pode levar justamente ao inverso: custos não suportados pelas empresas concorrentes e dispêndios para remunerar riscos e despesas inerentes a esses controles. [14]
Tradicionalmente, o controle realizado sobre a Administração Pública parte da premissa, positivada no artigo 113[15] da Lei 8.666/93, de ser o gestor público o responsável por demonstrar a legalidade e a regularidade de seus atos. Com esta inversão do ônus da prova, caso os órgãos de controle considerem não ter havido tal demonstração, o gestor fica sujeito a pesadas sanções.
A premissa do controle externo que força o gestor a se preocupar mais em como irá comprovar a legalidade de sua decisão do que no próprio mérito da decisão é reconhecidamente responsável por ter incentivado o padrão atual de tomada de decisões conservadoras. A implementação de novos mecanismos previstos em leis ou a adoção de condutas inovadoras é quase sempre postergada até que se saiba qual o entendimento dos órgãos de controle externo sobre como deve ser a prática. Este padrão, espécie de temor reverencial para com os órgãos de controle, nem sempre é compatível com a tomada de decisões empresariais necessárias às empresas estatais, tomada de decisão esta que exige agilidade e assunção consciente de riscos, na busca de eficiências e retornos econômicos.
O problema é antigo. Já na década de 1970 se apontava a necessidade enfrentar o problema do controle nas empresas estatais, evitando o engessamento de sua atuação e cerceamento de possíveis decisões empresariais por parte dos administradores.
Como se percebe, é essencial evitar toda e qualquer rigidez, pois isso levaria à negação da própria razão de ser das empresas públicas.
A extensão do controle politico, portanto, não deve chegar ao ponto de extinguir a liberdade de atuação e a capacidade de iniciativa. Vale lembrar o exemplo das autarquias, que apareceram acenando com uma milagrosa capacidade de atuação mas que, pouco a pouco, foram sendo cerceadas e hoje em dia diferem muito pouco dos órgãos da administração direta.
Em conferência que pronunciou em Bogotá́, Colômbia, em julho de 1978, como parte do programa de um seminário sobre o panorama do direito administrativo na América Latina, patrocinado pelo IIDAL - Instituto Internacional de Derecho Administrativo Latino, e cujo texto lamentavelmente ainda não foi publicado, Sérgio Ferraz, após demonstrar a proliferação de meios e sistemas de controle sobre as empresas públicas no Brasil apresenta uma importante conclusão: "Há controles excessivos entre nós, e o risco da autarquização dessas entidades, com sua consequente destruição, não é gratuita suposição. Bem ao contrário, o que a vida administrativa brasileira registra é uma crescente timidez do administradores dessas entidades, receosos dessa pluralidade de controles e da gravidade das sanções que o controle publico pode impor. Cremos que se impõe ao legislador brasileiro meditação a respeito. Toda essa multiplicidade de controles derivou-se da desconfiança reciproca, mútua, que os escalões administrativos sentem. Em decorrência, a lei, que visa a regulação harmônica das condutas, passa a ser dirigida precipuamente para as eventuais patologias e deformações". [16]
Passados 30 anos dos alertas feitos por Adilson Abreu Dallari e Sérgio Ferraz, a questão permanece atual. A doutrina continua a se debruçar sobre tema tão instigante, que coloca de um lado da balança o necessário controle externo sobre a Administração Pública e, do outro, a necessidade de atuação ágil e flexível por parte das empresas estatais.
Comparando essa tendência pendular de aplicação nas estatais do regime de direito público ao processo de diminuição da flexibilidade e eficiência que sucedera também com as autarquias, Alfredo de Almeida Paiva há muito já advertia que, “à medida que tais sociedades se afastem das normas e da técnica das empresas privadas, despindo-se de suas características de independência de ação e consequente liberdade administrativa, deixarão de ser os instrumentos simples, flexíveis e eficientes e correrão, por conseguinte, o risco de falharem às suas finalidades. Torna-se, por isso mesmo, indispensável não se repita com tais tipos de sociedades o que ocorreu com as entidades autárquicas, que, segundo Oscar Saraiva, envelheceram precocemente: ‘surgidas’, diz êle, ‘em maior número no quinquênio de 1937 a 1942, trazendo em si condições de independência de ação e liberdade administrativa que as tornavam instrumentos flexíveis e eficientes de ação, logo a seguir, as influências centralizadoras de padronização, uniformização e controle as alcançaram, tornando em muitos casos sua administração quase tão rígida quanto a do próprio Estado, e fazendo desaparecer as razões de conveniência que originaram sua instituição’. As sociedades de economia mista e as chamadas empresas públicas evidentemente haverão de subsistir como instrumentos jurídicos a serviço do Estado moderno, no seu mister e empenho de atender aos interesses gerais da coletividade, mas isto realmente só será possível na medida em que se mantiverem fiéis às suas características de empresa privada, de forma a não permitir sua transformação em simples órgãos da administração pública descentralizada”.[17]
Cabe ao sistema jurídico, internalizando a complexidade da sociedade que levou à necessidade do Estado atuar por meio das empresas estatais, abrir-se operativamente e viabilizar a utilização de institutos do direito privado pelo direito público. Os órgãos de controle externo devem perceber a decisão adotada pelo Estado pela atuação empresarial como primeiro passo para sair da dicotomia existente entre o controle do direito público versus a liberdade do direito privado. Uma solução para isto parece estar na própria Lei n° 13.303/16.
A fiscalização, os deveres e o controle sobre a empresa estatal devem ser os mesmos ou equivalentes aos incidentes às empresas privadas. Em outras palavras, na atuação empresarial de uma empresa estatal, é o regramento do direito privado que deve prevalecer, conforme autorizam os artigos 5º e 16 da Lei das Estatais. Note-se que a incidência do direito privado às estatais não as desobriga de atuarem segundo os princípios da Administração Pública, em especial os insculpidos no artigo 37 da Constituição.
Em uma interpretação sistemática da Lei nº 13.303/16, verifica-se que o diploma em questão traz, em sua primeira parte, regras de governança corporativa e, em sua segunda parte, regras de licitações e contratos. Nesse sentido, parece clara a intenção do legislador em assegurar a flexibilidade e agilidade de atuação das estatais na segunda parte da lei, ao tempo em que cria a obrigação de implementar mecanismos de governança, conformidade, controle interno e transparência típicos do direito privado em sua primeira parte. Ou seja, a primeira parte da lei foi elaborada com a intenção de assegurar a atuação ágil pretendida para as empresas estatais ao tempo em que se garantia a observância aos princípios da Administração Pública. Em outras palavras, a existência adequada de tais mecanismos e sua observância passam a gerar a presunção de legalidade da tomada de decisões empresariais pelo gestor. O controle externo não pode ignorar essa decisão legislativa.
Esses controles sobre as estatais devem, contudo, em um primeiro momento, ser objeto de aplicação estrita, no sentido de que não devem ser admitidos controles e óbices salvo os legítima e expressamente impostos pelo direito positivo (crivo da existência do controle), e, em um segundo momento, os controles existentes devem ser interpretados de maneira finalística e eficiente, considerando a natureza empresarial da atividade controlada (crivo sobre modo do controle ser exercido).
É imprescindível que essas empresas tenham, dentro desses lindes, liberdade negocial, liberdade para assumir riscos e realizar negócios. Sabino Cassese já há muito tem chamado a atenção para a incompatibilidade dos controles tradicionais da Administração Pública para as empresas do Estado:
De uma forma geral, o controle burocrático não tem funcionado. A principal causa da sua falha pode ser encontrada na inadequação dos controles burocráticos para organizações empresariais. O controle burocrático, de fato, é mais apropriado para atividades realizadas de acordo com critérios específicos definidos pela lei de forma prévia, onde tais controles servem para avaliar as alterações nas atividades de acordo com os critérios predeterminados; isso não funciona se aplicado a uma empresa que possui diferentes funções.
Para Gaspar Ariño Ortiz a falta de êxito das empresas públicas espanholas decorre, em grande parte, do fato de que “não se tem conseguido liberar as empresas do asfixiante controle e dependência estatal (isto é, dar-lhe a liberdade de que gozam as privadas)”. Por fim, o autor acredita que “a empresa pública tal como a conhecemos hoje, nesse molde que mescla o direito e procedimentos públicos e privados, está facilmente condenada ao fracasso [...]”.[18]
O problema do controle externo sobre as decisões empresariais existe, é de longa data e pode impedir a efetiva atuação das empresas estatais na forma para a qual foram criadas – atuação da Administração Pública de forma eficiente, ágil e inovadora. Dado o amplo leque de possibilidades de decisão que o direito privado permite, o problema do controle da decisão empresarial de empresas estatais se assemelha, de certa forma, ao problema do controle de decisões discricionárias, o qual vem sendo enfrentando por meio do principio da deferência.
A toda evidência, não existe solução única para tais excessos no controle das decisões discricionárias. Mas há alguns caminhos que permitem atenuar tais usurpações de competência. Dentre eles, está o denominado princípio da deferência, ao estabelecer que decisões proferidas por autoridades detentoras de competência especifica – sobretudo de ordem técnica – precisam ser respeitadas pelos demais órgãos e entidades estatais (em especial o Poder Judiciário, o Ministério Público e as Cortes de Contas).
Lastreado nos princípios da separação dos poderes e da legalidade, o princípio da deferência não significa nem tolerância nem condescendência para com a ilegalidade. Mas impõe o devido respeito às decisões discricionárias proferidas por agentes administrativos aos quais foi atribuída essa competência privativa. Os órgãos de controle externo podem controlar o devido processo legal e a consistência da motivação nas decisões discricionárias, mas não podem se imiscuir no núcleo duro daquela competência. Precisam respeitá-la e garantir aos administradores públicos a segurança jurídica de suas decisões. [19]
Assegurar a deferência às decisões empresariais das empresas estatais parece ser o núcleo central do problema do controle de tais decisões. E esta preocupação foi positivada pelo legislador no artigo 90 da Lei nº 13.303/2016: “As ações e deliberações do órgão ou ente de controle não podem implicar interferência na gestão das empresas públicas e das sociedades de economia mista a ele submetidas nem ingerência no exercício de suas competências ou na definição de políticas públicas”.
IV. Principio da deferência e a business judgement rule
Não há dúvidas acerca da importância e legitimidade da fiscalização das empresas estatais. A existência de controles externos certamente trouxe aperfeiçoamentos à governança das empresas estatais e possivelmente identificou e até impediu despesas e contratações pouco republicanas. No entanto, da forma como é exercido atualmente, não impediu os recentes atos, amplamente divulgados, envolvendo empresas estatais e que, inclusive, geraram grande repercussão e vontade política que culminaram na aprovação da Lei nº 13.303/16. Também é conhecido, como visto acima, o medo que a fiscalização tradicional gera nos administradores, trazendo insegurança jurídica à tomada de decisão que busque inovação e agilidade comparáveis à do mercado.
Os impactos econômicos do controle externo se tornam ainda mais relevantes quando se trata de empresas estatais que atuam no mercado. Ignorar tais impactos vai de encontro à própria razão de existir das empresas estatais. O dilema existente entre a necessidade de controle externo, de um lado, e a necessidade de permitir a agilidade para ombrear as empresas privadas que com as estatais competem é refletido na própria Lei das Estatais.
O art. 87, caput, in fine, do Estatuto das Estatais estabelece, em norma ainda a ser bem perquirida e debatida, o que parece ser uma presunção de legitimidade às avessas dos atos das empresas estatais quando diante do controle interno ou dos tribunais de contas (não perante outros órgãos de controle como o Poder Judiciário). Em vez de dispor que os órgãos de controle deverão provar a ilegitimidade das despesas das estatais, estabelece que as estatais é que ficam responsáveis “pela demonstração da legalidade e da regularidade da despesa e da execução”.
Essa verdadeira presunção de ilegitimidade em muito pode prejudicar as empresas estatais, sobretudo as que atuarem em mercados competitivos, nas quais seus concorrentes nem estão sujeitos a esses controles. Por essa razão esse dispositivo deve ser interpretado com parcimônia, caso a caso, combinado inclusive com o art. 90 do Estatuto das Estatais e com o próprio mandamento constitucional do art. 173 da CF.
Com efeito, em aparente contraposição ao referido art. 87, caput, in fine, o art. 90 do Estatuto estabelece um verdadeiro Princípio da Deferência expresso em favor dos atos de gestão das estatais diante de qualquer “órgão ou ente de controle”, que não pode se imiscuir “no exercício de suas competências ou na definição de políticas públicas”. [20]
Em razão do principio da deferência, cuja motivação intrínseca se identifica no teor do artigo 90 da Lei nº 13.303/2016, não só se devem afastar as regras e interpretações de direito público provenientes do controle feito sobre as estatais no marco legal anterior, a Lei 8.666/93, mas também se deve implementar controles adequados à natureza das empresas estatais e que não interfiram em sua gestão e tomada de decisão empresarial. Não se quer aqui dizer que as estatais estariam livres do controle externo, mas que este controle deve ser aperfeiçoado para levar em consideração a natureza das empresas estatais. Nesse viés, a business judgement rule, ou regra de decisão negocial, se apresenta como instituto adequado e necessário a permear o controle externo das decisões tomadas pelos administradores de empresas estatais.
Por último, um cuidado a ser tomado pelo Tribunal é de que as empresas estatais, em regra, atuam em ambiente concorrencial na exploração de atividade econômica e, em razão disso, possuem um natural risco envolvido na gestão dos negócios. Sobre isso explica FURTADO (2012, p. 181-182).
A particularidade a ser considerada no exercício desse controle é o regime jurídico dessas entidades, inclusive quanto ao fato de que algumas delas atuam em mercados extremamente competitivos. O instrumental que deve se utilizar o TCU, ou mesmo o Poder Judiciário, quando examine os atos praticados pelos dirigentes de empresas estatais é o Direito Privado. Deve-se dar maior consideração a aspectos de economicidade do que de pura e simples legalidade. Não que os gestores dessas empresas não tenham de observar, em especial, os princípios da Administração Publica; mas se deve ter em conta que algumas medidas a serem adotadas pelos gestores são atos mercantis e sob essa ótica deve ser a sua avaliação, de legitimidade ou ilegitimidade.
Trata-se, grosso modo, de analisar a conduta dos administradores à luz da business judgement rule, adotada pelo Direito Norte-americano e que vem crescentemente sendo aplicada no ordenamento jurídico brasileiro. SILVA (2007, p.1) explica que a business judgement rule compõe-se de “princípios aplicáveis à tomada de decisão dos administradores com razoabilidade e devidamente informados, que não lhes permitem a responsabilização no caso de a decisão se tornar, de certo modo, desastrosa (...)”. Vale dizer, entende-se o alcance da discricionariedade do administrador na tomada de decisão referente aos negócios da companhia.
Diante da dificuldade na definição do conceito de antieconomicidade, a aplicação da business judgement rule impõe-se como um parâmetro necessário quando da avaliação da responsabilidade do administrador, notadamente no âmbito das empresas estatais. [21]
A business judgement rule é a presunção de que os diretores e conselheiros de uma empresa tomam suas decisões de maneira diligente, de boa fé e no interesse de sua companhia, uma vez que é interesse pessoal destes atores que as melhores decisões sejam tomadas para o sucesso e o crescimento da atividade empresarial. Para Alexandre Couto Silva, a business judgement rule “tem dois componentes: exclusão de responsabilidade do administrador que foi diligente; e isenção de intervenção judicial em decisões ou julgamentos do negócio tomado por administradores”.[22] Ou seja, trata-se de um padrão[23] utilizado para o controle de atos gestão empresarial que visa assegurar a competência dos administradores para a decisão da conveniência e oportunidade de seus atos. Em consequência, incentiva-se pessoas capazes a assumirem cargos de gestão sabendo que não serão responsabilizadas caso assumam riscos empresariais e tomem decisões inovadoras, desde que o façam de forma diligente, desinteressada e em beneficio da companhia.
Em sua formulação mais influente, consagrada pela decisão da Suprema Corte de Delaware no caso Aronson vs. Lewis, a business judgment rule cria a presunção juris tantum de que “ao tomar uma decisão empresarial, os membros do board of directors de uma sociedade anônima agiram de maneira informada, de boa-fé́ e na crença sincera de que a sua ação atendia ao melhor interesse da companhia”. A fim de afastar esta presunção e viabilizar a ação de responsabilidade, incumbiria ao demandante demonstrar a violação aos deveres fiduciários de diligencia (duty of care) e lealdade (duty of loyalty). Caso a presunção oriunda da business judgment rule não seja afastada, os administradores apenas poderão ser responsabilizados mediante prova de que a decisão em questão envolve manifesto desperdício dos recursos da sociedade (waste of corporate assets) e é desprovida de qualquer base racional – requisitos estes extremamente rigorosos e de difícil caracterização no caso concreto.[24]
Em artigo específico sobre o tema da responsabilidade dos gestores de empresas estatais, André Saddy discorre acerca das vantagens de utilização da regra da business judgement rule no controle externo das estatais nos seguintes termos:
Segundo tal regra, o controlador deve analisar a racionalidade e a razoabilidade do processo decisório, mas deveria se abster de sindicar o mérito da decisão. O seu objetivo é proceder a uma limitação à responsabilidade dos administradores, possibilitando-lhes exercer a administração da companhia com relativa autonomia, independência e segurança, consequentemente, encorajando-lhes a tomar decisões arriscadas, muitas vezes, economicamente interessantes para a sociedade (SILVA, 2007, p. 141).
A atividade econômica seria seriamente prejudicada se o controlador, seja este qual for, passasse o tempo todo julgando as ações dos administradores ex-post. É muito fácil apontar que uma decisão foi errada olhando pelo retrovisor do tempo. Mas a essência do mundo dos negócios é aceitar riscos. É aplicar o conjunto de informações e crenças que se apresentam em um determinado momento para decidir sobre fatos que gerarão efeitos sobre o futuro da companhia, futuro sobre o qual ninguém tem o controle. É o mercado quem deve corrigir erros reiterados de julgamento da administração, quando tomados de boa-fé e no que era percebido pela administração da companhia como o melhor para esta. Cabe aos participantes do mercado e aos acionistas removerem administradores, reduzirem sua remuneração e mesmo castigarem o preço das ações de uma companhia por decisões, tomadas de boa-fé e no interesse da companhia, mas que se apresentaram errôneas ex-post.[25]
A forma de implementação da regra da business judgement rule às empresas estatais não pode se afastar da forma como é aplicada às empresas privadas – garantindo que não sejam privilegiadas com controles simplificados nem que sejam prejudicadas, tornando-se seu controle muito mais oneroso do que os controles impostos às empresas privadas. Nesse passo, nos parece que um bom parâmetro para balizar como deve ser aplicada a business judgement rule às empresas estatais é a forma como a Comissão de Valores Mobiliários a compreende e aplica. Com essa intenção, ganha relevo o voto do Conselheiro Pedro Oliva Marcilio de Sousa, acompanhado por unanimidade, nos autos do PAS CVM nº RJ 2005/1443, citado em praticamente todas as obras que abordam o tema.
29. Na ausência de decisões prévias ou de reflexões sobre o assunto no Brasil, a jurisprudência norte-americana pode servir como um bom subsídio, especialmente porque lá se procura extrair conceitos e regras a partir de casos concretos. Os casos de lá são muito parecidos com os daqui. O desfecho, no entanto, é diferente, muito mais em razão dos atores envolvidos (acionistas, Poder Judiciário e órgão regulador) do que das regras aplicáveis.
30. O dever de diligência já foi objeto de várias decisões judiciais. Nelas, o Poder Judiciário americano tem-se recusado a entrar no mérito das decisões da administração. Muitos dos fundamentos para essa não interferência referem-se à própria capacidade de o Poder Judiciário substituir a administração, outros relacionam-se com a possibilidade de se julgar a decisão administrativa ex post, pois (i) uma tal revisão leva em conta mais informações do que as que estavam à disposição da administração ao tempo da tomada da decisão, e (ii) uma decisão negocial não pode ser analisada fora do contexto em que se insere, o que deixaria de considerar que o administrador, muitas vezes em virtude da escassez de tempo, precisa escolher quais serão as questões revistas e quais não serão analisadas.
31. Para evitar os efeitos prejudiciais da revisão judicial, o Poder Judiciário americano criou a chamada "regra da decisão negocial" (business judgement rule), segundo a qual, desde que alguns cuidados sejam observados, o Poder Judiciário não irá rever o mérito da decisão negocial em razão do dever de diligência. A proteção especial garantida pela regra da decisão negocial também tem por intenção encorajar os administradores a servir à companhia, garantindo-lhes um tratamento justo, que limita a possibilidade de revisão judicial de decisões negociais privadas (e que possa impor responsabilidade aos administradores), uma vez que a possibilidade de revisão ex post pelo Poder Judiciário aumenta significativamente o risco a que o administrador fica exposto, podendo fazer com que ele deixe de tomar decisões mais arriscadas, inovadoras e criativas (que podem trazer muitos benefícios para a companhia), apenas para evitar o risco de revisão judicial posterior. Em razão da regra da decisão negocial, o Poder Judiciário americano preocupa-se apenas com o processo que levou à decisão e não com o seu mérito. Para utilizar a regra da decisão negocial, o administrador deve seguir os seguintes princípios:
(i) Decisão informada: A decisão informada é aquela na qual os administradores basearam-se nas informações razoavelmente necessárias para tomá-la. Podem os administradores, nesses casos, utilizar, como informações, análises e memorandos dos diretores e outros funcionário, bem como de terceiros contratados. Não é necessária a contratação de um banco de investimento para a avaliação de uma operação;
(ii) Decisão refletida: A decisão refletida é aquela tomada depois da análise das diferentes alternativas ou possíveis conseqüências ou, ainda, em cotejo com a documentação que fundamenta o negócio. Mesmo que deixe de analisar um negócio, a decisão negocial que a ele levou pode ser considerada refletida, caso, informadamente, tenha o administrador decidido não analisar esse negócio; e
(iii) Decisão desinteressada: A decisão desinteressada é aquela que não resulta em benefício pecuniário ao administrador. Esse conceito vem sendo expandido para incluir benefícios que não sejam diretos para o administrador ou para instituições e empresas ligadas a ele. Quando o administrador tem interesse na decisão, aplicam-se os standards do dever de lealdade (duty of loyalty).[26]
Uma decisão informada e refletida nada mais é que uma decisão tomada cumprindo o dever de diligência. E uma decisão desinteressada decorre do dever de lealdade e atuação sem conflito de interesses. Ou seja, os princípios elencados pela Comissão de Valores Mobiliários que devem incidir sobre uma decisão para permitir a incidência da business judgement rule implicam em um processo decisório tomado de acordo com os deveres que os administradores de sociedades por ações devem seguir. Em outras palavras, o instituto, embora proveniente da doutrina norte-americana, encontra respaldo no ordenamento jurídico brasileiro. Os elementos da decisão empresarial, tomada diligentemente, são compatíveis com as obrigações fiduciárias dos administradores (deveres de lealdade e diligência, sem atuar com conflito de interesses) estabelecidas na Lei nº 6.404/76 (art. 153 e seguintes).
A business judgment rule é uma construção do Judiciário norte-americano, sob o fundamento de que pessoas qualificadas não aceitariam ser administradores de sociedades caso a lei exigisse delas um grau de diligência superior àquele exigido do homem médio no exercício de suas funções.
O principal objetivo da business judgment rufe é proteger os conselheiros de administração e os diretores de responsabilidade pessoal pelas decisões tomadas de boa-fé́ no exercício de suas funções.
A regra do business judgment pressupõe a presença concomitante de seus elementos para assegurar a proteção dos administradores e de suas decisões da analise pelo Judiciário. A regra baseia-se em cinco elementos: (i) decisão do administrador ou julgamento do negócio; (ii) desinteresse e independência do administrador; (iii) dever de diligência; (iv) boa-fé́; e (v) inexistência de abuso de discricionariedade.
A decisão [empresarial] terá́ a presunção de que os administradores agiram de acordo com os elementos da regra.[27]
O artigo 90 da Lei nº 13.303/16 determina que o controle externo não pode interferir na gestão das estatais e o artigo 16 do mesmo diploma legal submete os gestores de empresas estatais às normas previstas para os administradores na Lei nº 6.404/76. Assim, tratando-se a business judgement rule de instituto que baliza o controle da atuação dos administradores de companhias abertas, parece ser adequado que a atividade empresarial de uma estatal também deva ser considerada em seu contexto negocial e submetida ao controle externo utilizando esse mesmo padrão, capaz de capturar a complexidade da atuação empresarial ao tempo que submete o gestor aos deveres fiduciários consolidados pelo direito privado.
V. Conclusão
Não se questiona a importância do controle externo sobre as empresas estatais. No entanto, uma análise adequada sobre o controle externo deve considerar que ele não existe em si próprio, devendo ser considerados seus efeitos na tomada de decisão. O problema é atual e incide no controle de toda a Administração Pública, seja ela Direta ou Indireta. Especificamente no caso de empresas estatais, o problema se agrava e se confunde com a própria razão de existência de tais entidades.
As empresas estatais são criadas justamente quando o Estado entende que o atendimento a determinado interesse público somente pode ser atendido por meio de uma atuação ágil e inovadora, típica dos particulares. Em outras palavras, busca-se mimetizar os mecanismos e institutos empresarias do direito privado.
Desta decisão de atuação eminentemente privada, formalizada nas respectivas leis de criação das empresas estatais, decorre a necessidade de que o controle sobre elas seja o mais próximo possível daqueles que existe nas melhores práticas das empresas privadas. Não se pode privilegiar as empresas estatais, com mecanismos maleáveis ou ineficazes, mas também não se pode agravar desnecessariamente sua situação, exigindo – em substituição (ou pior, em acréscimo) aos mecanismos de governança e compliance do direito privado –, o mesmo formalismo do controle de legalidade que incide para a Administração Pública Direta.
A Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016, conhecida como Lei das Estatais, positiva uma forma de superar a dicotomia existente entre o controle do direito público versus a liberdade do direito privado. Ao tempo em que o artigo 90 da Lei nº 13.303/16 determina não poder o controle externo interferir nas decisões empresariais das estatais, o artigo 16 do mesmo diploma legal submete os gestores de empresas estatais às normas previstas para os administradores na Lei nº 6.404/76. Em decorrência deste último artigo, passa a ser ainda mais claro que a tomada de decisão das empresas estatais se submete às obrigações fiduciárias dos administradores (deveres de lealdade e diligência, sem atuar com conflito de interesses) estabelecidas na Lei nº 6.404/76 (art. 153 e seguintes).
Nesse passo, submetidas às mesmas obrigações, o controle externo das decisões das empresas estatais deve se dar de forma análoga ao efetivado sobre as empresas privadas. Ganha relevo o instituto da business judgement rule, ou regra da decisão empresarial, instituto que gera presunção de legalidade às decisões tomadas de acordo com os deveres fiduciários dos administradores. Este padrão de controle permite tanto a exclusão de responsabilidade do gestor diligente, quanto a intervenção externa em decisões empresariais – garante-se a competência dos gestores acerca da conveniência e oportunidade de suas decisões, desde que o façam de forma diligente, desinteressada e em benefício da companhia. É o principio da deferência, previsto no artigo 90 da Lei nº 13.303/16, posto na prática.
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