Introdução
Empresa que simula sua existência desde a sua inscrição ou após determinado período de atividade emite Nota Fiscal, mas outra empresa, que está oculta, fornece as mercadorias discriminadas na Nota. Ocorre uma “simulação relativa”, por meio da qual a adquirente apropria-se de crédito espúrio de ICMS, igual ao valor de imposto destacado no documento, ora denominado de inidôneo.
A real vendedora, como é óbvio, não declara a operação de circulação de mercadorias à Fazenda do Estado e, portanto, não recolhe o ICMS. Embora a suposta vendedora também não declare a operação à Fazenda do Estado, esta não tem como dela exigir o ICMS, pois, se nunca existiu ou não mais existia à época das operações, ela não promoveu circulação de mercadorias (não houve evento jurídico tributário). Ex-sócios dessa empresa, geralmente não localizados nos endereços declarados, são “testas de ferro” ou “laranjas”.
Quando tem ciência da simulação, a adquirente é “partícipe”: é dela que o fisco deve exigir o ICMS apropriado indevidamente e a multa por creditamento indevido do imposto. A vantagem é adquirir as mercadorias por preço menor, sem parte do custo do ICMS não declarado; outra parte desse custo é dividida entre a suposta vendedora e a real fornecedora das mercadorias.
Quando não tem ciência da simulação, a adquirente é de “boa-fé”. Pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) há boa-fé quando: a Nota Fiscal foi emitida antes de declarada a inidoneidade dos documentos emitidos pela empresa; a adquirente procurou certificar-se previamente da existência da empresa e comprova o pagamento do preço das mercadorias em favor desta.
Assim como a autoridade policial só pode investigar um crime depois de ele ser praticado – a cogitação do crime, fase interna do iter criminis, não é punível –, a autoridade administrativa só pode diligenciar estabelecimento de empresa que simulava sua existência:
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na época em que a Nota Fiscal era em papel: depois de valores de ICMS destacados em documentos de emissão atribuída à empresa serem apropriados por uma ou mais supostas adquirentes, sem que o total daqueles valores fossem declarados em Guia de Informação e Apuração do ICMS (GIA), de modo que o ICMS correspondente não fosse recolhido;
após a implantação da Nota Fiscal Eletrônica (NF-e): total de compras no período muito aquém do total de vendas, mas sem o correspondente aumento no recolhimento do ICMS; porte e estrutura da empresa incompatíveis com os valores movimentados em Notas Fiscais Eletrônicas; não-recolhimento de valores do ICMS devidos no período ou recolhimentos de valores irrisórios quando cotejados com os respectivos totais de vendas.
Como decidir quando a Nota Fiscal é emitida antes de declarada a inidoneidade e a adquirente apresenta prova de pagamento da operação em favor da vendedora, mas há prova robusta de que a empresa simulava sua existência na data da operação? Embora seja indício de boa-fé da adquirente, comprovante de pagamento demonstra apenas que esta transferiu dinheiro para a conta corrente da emitente do documento, mas não que houve entre ambas o negócio jurídico representado no documento. Posto isso, o órgão julgador, administrativo ou judicial, do Auto de Infração e Imposição de Multa (AIIM) deve examinar provas e valorá-las, para se convencer ou não de que a operação de circulação de mercadorias ocorreu. O STJ, porém, não reexamina provas.
Se a adquirente demonstra que agiu de boa-fé, mas o fisco está convencido de que a emitente do documento simulava sua existência, pode o fisco ainda solicitar ao banco onde a emitente tem ou tinha conta corrente informações sobre a movimentação dessa conta, a fim de tentar descobrir a beneficiária do pagamento feito pela adquirente. Se a beneficiária vender as mercadorias discriminadas no documento inidôneo e não demonstrar ao fisco que negócio jurídico teve com a suposta vendedora, será ela a real vendedora, de quem o fisco deverá exigir o ICMS que deixou de declarar, bem como a multa por falta de emissão de documento fiscal em operação de circulação de mercadorias.
1 Conceito de documento inidôneo
Documento inidôneo é o que representa operação de circulação de mercadorias ou prestação de serviços que de fato não ocorreu: a real vendedora das mercadorias ou prestadora dos serviços não é a indicada no documento ou não houve absolutamente circulação de mercadorias ou prestação de serviços.
Há, na realidade, uma “simulação”, que se caracteriza “pelo intencional desacordo entre a vontade interna e a declarada, no sentido de criar, aparentemente, um ato jurídico que, de fato, não existe, ou então oculta, sob determinada aparência, o ato realmente querido” (MONTEIRO, 1994, p. 207).
Na maioria dos casos, o documento inidôneo é utilizado para ocultar a real operação de circulação de mercadorias ou prestação de serviços havida (“negócio jurídico dissimulado”), por meio de declaração de operação ou prestação aparente, representada no documento (“negócio jurídico simulado”).
Quando mercadorias são vendidas ou serviços são prestados por empresa diversa da que emitiu o documento, temos a “simulação relativa”: a vendedora ou prestadora declarada é “testa de ferro” ou “presta-nome”. A infração praticada pela adquirente é por creditamento de imposto, decorrente de entrada de mercadoria no estabelecimento ou de aquisição de sua propriedade ou, ainda, de serviço tomado, acompanhado de documento que não atende às condições previstas no item 3 do § 1º do art. 36. da Lei 6.374/1989,1 com multa aplicada de 35% (trinta e cinco por cento) do valor indicado no documento como o da operação ou prestação (alínea “c” do inc. II do art. 85. da lei).
Quando o documento representa negócio jurídico que nenhum dos contratantes nele indicados realizou, temos a “simulação absoluta”. Não ocorreu circulação de mercadorias nem prestação de serviços. A infração praticada pelo adquirente é por creditamento de imposto, decorrente de escrituração de documento que não atende às condições previstas no item 3 do § 1º do art. 36. da Lei 6.374/1989 e que não corresponde a entrada de mercadoria no estabelecimento ou a aquisição de sua propriedade ou, ainda, a serviço tomado.2
De acordo com o Código Civil, “é nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma”.3
A “simulação relativa” pode ser:
trilateral, quando dela participam a emitente do documento inidôneo, a real vendedora das mercadorias ou prestadora de serviços e a adquirente daquelas ou tomadora destes;
bilateral, quando dela participam a emitente do documento inidôneo e a real vendedora das mercadorias ou prestadora de serviços.
A “simulação absoluta” somente pode ser bilateral, dela participando a emitente do documento inidôneo e a suposta adquirente de mercadorias ou tomadora de serviços (a contribuinte que se apropria do crédito espúrio).
2. Da falsidade da Nota Fiscal
A Nota Fiscal Eletrônica (NF-e) só pode ter “falsidade ideológica”: o documento é autêntico porque autorizado pela Secretaria da Fazenda, mas é falso o nome da vendedora de mercadorias ou prestadora de serviços nele indicado, ou não houve o negócio jurídico representado no documento.
De fato, “a Autorização de Uso da NF-e concedida pela Secretaria da Fazenda não implica a validação das informações contidas na NF-e” (item 1 do § 1° do art. 10. da Portaria CAT 162/2008).4 Além disso, “ainda que formalmente regular, não será considerado documento fiscal idôneo a NF-e que tiver sido emitida ou utilizada com dolo, fraude, simulação ou erro que implique, mesmo que a terceiro, o não-pagamento do imposto ou qualquer outra vantagem indevida” (§ 2° do art. 10).
Por sua vez, o destinatário, ao receber a NF-e, deve verificar a validade da assinatura digital, a autenticidade do arquivo digital da NF-e (alínea “a” do inc. I do art. 30. da Portaria CAT 162/2008) e “a concessão da Autorização de Uso da NF-e, mediante consulta eletrônica à Secretaria da Fazenda” (alínea “b” do inc. I). Deve também “manifestar-se sobre sua participação na operação acobertada pela NF-e emitida para o seu CNPJ, ...” (inc. II do art. 30), confirmando a operação (alínea “a” do inc. II), informando que ela não foi realizada (alínea “b”) ou que a desconhece (alínea “c”). Na simulação relativa, o cumprimento de tais deveres não exime a responsabilidade do destinatário pela validade do crédito de ICMS a ele transferido: demonstra apenas que houve tratativas (ou supostas tratativas) comerciais entre ele e a emitente, mas não assegura que as mercadorias discriminadas na NF-e de fato saíram do estabelecimento da segunda.
Nota Fiscal em papel, porém, pode também apresentar “falsidade material”, quando o impresso utilizado imita impresso fiscal verdadeiro, autorizado pela Secretaria da Fazenda. O número da inscrição estadual grafado no falso impresso pode ser: inconsistente;5 consistente, mas com razão social que não corresponde ao número. Gráfica ou empresa emitente informada no falso impresso pode existir, mas não ser coautora do crime de falsidade e sim vítima.
3. O crédito indevido do ICMS
Tendo ocorrido ou não operação de circulação de mercadorias ou prestação de serviços, o valor de ICMS que foi destacado no documento inidôneo e a seguir apropriado pela adquirente das mercadorias ou tomadora de serviços não tem “lastro”: a emitente do documento não declara o débito de ICMS da (suposta) operação ou prestação em Guia de Informação e Apuração do ICMS – GIA. O crédito de ICMS do documento inidôneo é como um “cheque sem provisão de fundos” em favor da adquirente das mercadorias ou tomadora de serviços, sacado contra a Fazenda Pública do Estado.
Há, porém, uma diferença fundamental: quando cheque sem fundos é sacado contra banco, ao verificar a falta ou insuficiência de fundos, o “caixa” recusa-se a pagar o dinheiro a quem foi retirá-lo ou o banco sacado devolve o cheque ao banco em que ele foi depositado para compensação; em contrapartida, quando valor de ICMS destacado em documento inidôneo é apropriado pela adquirente das mercadorias ou tomadora de serviços indicada no documento, o crédito espúrio é por esta utilizado na compensação de débitos de ICMS do mês em que ocorreu a entrada das mercadorias ou o recebimento dos serviços, ou em que teria ocorrido a suposta entrada das mercadorias ou o suposto recebimento dos serviços (no caso de simulação absoluta). Não tem a Fazenda como saber da inidoneidade de documentos emitidos por suposta vendedora de mercadorias ou prestadora de serviços antes de os primeiros valores de ICMS destacados nesses documentos serem apropriados. Eis o principal problema da não-cumulatividade: o crédito espúrio do imposto e o tempo que a autoridade administrativa leva para detectá-lo. Quanto menor o tempo para detecção desses créditos, menor o prejuízo aos cofres públicos.
Apropriado o crédito espúrio de ICMS, ou a Fazenda não suspeita da inidoneidade do documento e o contribuinte que o apropriou não é autuado, ou suspeita e, comprovando-a, efetua o estorno do crédito e aplica sanção ao contribuinte infrator, o que equivale a exigir em AIIM o valor do crédito e a multa por creditamento indevido.
Lavrado o auto de infração, na maioria das vezes a acusação de creditamento indevido é contestada pela autuada, sob a alegação de que o dever de fiscalizar é da Fazenda do Estado e não dela, de que não tem “poder de polícia” para fiscalizar com quem negocia e de que agiu de boa-fé. Proteção a direitos de terceiro de boa-fé é prevista no § 2° do art. 167. do Código Civil, que dispõe sejam ressalvados “os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado”. Na emissão de documento inidôneo e subsequente apropriação de crédito espúrio de ICMS, porém, só a adquirente de mercadorias ou tomadora de serviços (que é um dos contraentes), pode estar de boa-fé, se ignorava simulação perpetrada pela emitente do documento inidôneo e a real vendedora de mercadorias ou prestadora de serviços.
Na “simulação relativa”, a real vendedora ou prestadora não declara, à Fazenda Pública do Estado, o valor do ICMS relativo à operação ou prestação (a dissimulada) para qual não emitiu documento fiscal. A simulação é exatamente para que a real operação de circulação de mercadorias ou prestação de serviços permaneça oculta.
Tanto na “simulação relativa” quanto na “simulação absoluta”, a suposta vendedora ou prestadora, que simulou sua existência desde a inscrição no Cadastro de Contribuintes do ICMS ou após determinado período de atividade, não declara geralmente, à Fazenda Pública do Estado, o débito de ICMS relativo à suposta operação ou prestação (a simulada), Algumas vezes, ela entrega Guias de Informação e Apuração do ICMS (GIAs) com valores de ICMS devidos irrisórios e recolhe esses valores, para aparentar que está em atividade.
Em diligência para demonstrar que a emitente dos documentos simulava sua existência, mesmo que o agente fiscal encontre ex-sócio-administrador da empresa emitente dos documentos, jamais deve dele exigir, como pessoalmente responsável por dissolução irregular da sociedade (art. 135, III, do CTN), valores de ICMS destacados nos documentos. É que o imposto incide sobre operação de circulação de mercadorias ou prestação de serviços e não sobre a emissão ou circulação de documentos. Por se tratar de crime cometido contra a ordem tributária, a competência para investigar a conduta de ex-sócio é da polícia e a para denunciá-lo à Justiça é do Ministério Público.6 Se a empresa emitente dos documentos estava inativa, jamais se deve lavrar AIIM contra ela, pois isso só servirá para confirmar que ela existia e, desse modo, dar legitimidade aos créditos espúrios que, à época, ela transferiu a outros contribuintes.
4. Da não-cumulatividade
Ao tratar da não-cumulatividade, o texto do artigo 36 da Lei 6.374/89 é preciso ao descrever os atributos do imposto que pode ser compensado: o crédito do ICMS. De acordo com o caput do artigo, o imposto devido em cada operação ou prestação pode ser compensado com o “anteriormente cobrado” pelo Estado de São Paulo, por outro Estado ou pelo Distrito Federal, relativo a mercadoria entrada ou a prestação de serviço recebida, acompanhada de “documento fiscal hábil”, emitido por contribuinte em “situação regular perante o fisco”.
“Imposto anteriormente cobrado” é a importância que resulta da aplicação da alíquota sobre a base de cálculo de operação ou prestação anterior sujeita à cobrança de tributo, destacada em “documento fiscal hábil” (cf. itens 1 e 2 do § 1º do art. 36).
“Documento fiscal hábil” é o que atende a todas as exigências da legislação pertinente, é emitido por contribuinte em “situação regular perante o fisco” e está acompanhado, quando exigido, de comprovante do recolhimento do imposto (item 3 do § 1º).
“Situação regular perante o fisco” é a do contribuinte que, à data da operação ou prestação, estava inscrito no cadastro de contribuintes, encontrava-se em atividade no local indicado, possibilitava a comprovação da autenticidade dos demais dados cadastrais apontados ao fisco e não estava enquadrado nas hipóteses previstas nos artigos 20 e 21 (item 4 do § 1º), examinadas no item seguinte deste artigo.
Desse modo, se à época da operação ou prestação que deu origem ao crédito do ICMS o emitente do documento encontrava-se “inativo” ou “simulava sua existência”, ele não estava em “situação regular perante o fisco”, de sorte que não é “hábil” o documento por ele emitido.
Para provar que o estabelecimento estava inativo, que o emitente simulava sua existência ou que são falsos os dados cadastrais apresentados à Fazenda, o processo de apuração da inidoneidade dos documentos fiscais deve estar bem instruído, ou seja, com Relatório de Apuração objetivo, claro e preciso, acompanhado de provas da inatividade, da simulação, ou da falsidade.
5. A apuração de inidoneidade de documentos
A apuração de inidoneidade de documentos é procedimento realizado pelo fisco, com o fim de investigar:
inatividade do estabelecimento para o qual foi obtida a inscrição (art. 20, I, da Lei 6.374/1989);7
“simulação de existência do estabelecimento ou da empresa” (art. 21, I, da lei),8 que pode ocorrer desde a inscrição no Cadastro de Contribuintes do ICMS ou após período de atividade;
“simulação do quadro societário da empresa” (art. 21, II);
“inexistência de estabelecimento para o qual foi efetuada a inscrição ou indicação incorreta de sua localização” (art. 21, III);
“indicação de dados cadastrais falsos” (art. 21, IV).
A inatividade a que se refere o subitem ”1” poderá ser: “constatada”, se comprovada por meio da realização de diligência fiscal (item 1 do § 1° do art. 20); ou “presumida”, quando o contribuinte deixa de entregar informações econômico-fiscais (item 2 do § 1° do art. 20). Verificada a inatividade, a inscrição poderá ser cassada ou suspensa (caput do art. 20).
Há simulação de existência do estabelecimento quando a atividade relativa a seu objeto social, declarada pelo contribuinte, não foi ali efetivamente exercida (item 1 do § 1° do art. 21) ou não ocorreram as operações ou prestações de serviços declaradas nos registros contábeis (item 2 do § 1° do art. 21). Há simulação do quadro societário quando nele são indicadas pessoas interpostas (§ 2° do art. 21).
Verificadas as situações descritas nos subitens “2”, “3”, “4” e “5”, a inscrição no Cadastro de Contribuintes será nula a partir da data de sua concessão ou de sua alteração (caput do art. 21. da lei).
O procedimento realizado pelo fisco para apurar a inidoneidade dos documentos tem natureza inquisitória. Não há contraditório nem seria possível haver, uma vez que o contribuinte que apropriou crédito de ICMS destacado em documento declarado inidôneo somente é autuado depois de concluído o processo de apuração de inidoneidade. Para instruir os autos do processo de apuração de inidoneidade, o agente fiscal realiza diligências em que junta cópias de documentos, colhe declarações de ex-diretores, ex-sócios, ex-contador da empresa, locador do imóvel, vizinhos ou reduz a termo tais declarações,9 sem conhecer todos os contribuintes que se apropriaram ou ainda se apropriarão de créditos de ICMS cujos valores foram ou serão destacados em documentos emitidos em nome da empresa por ele investigada. No entanto, se a empresa já estava obrigada a emitir NF-e, pode o fisco apurar todos os documentos que ela emitiu a partir de determinada data, identificar as empresas para quem ela transferiu créditos indevidos de ICMS a partir dessa data e suspender a emissão de Notas Fiscais Eletrônicas por aquela empresa.
Por meio de:
diligência no endereço de estabelecimento da empresa emitente dos documentos;
diligências nos endereços de domicílios de ex-sócios da empresa emitente;
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localização do contador da empresa emitente dos documentos (que poderá informar: se a empresa apenas mudou o endereço de seu estabelecimento sem comunicar o fato ao fisco; ou novo endereço de ex-sócio);
declaração de vizinhos, de não terem notado movimentação de mercadorias no local do estabelecimento nem indícios de atividade empresarial;
declaração do proprietário do imóvel onde teria funcionado o estabelecimento da empresa emitente dos documentos, de que não locou o imóvel à empresa (foi apresentado contrato de locação falso) ou de que retomou a posse do imóvel antes de os documentos serem emitidos;
diligência na transportadora, para saber se de fato emitiu conhecimento de transporte relativo à operação comercial e se pode comprovar o recebimento do valor do frete, da empresa emitente do documento;10
constatação de que não houve “sucessão de empresas”, se no local do estabelecimento da suposta vendedora ou prestadora for encontrada outra empresa do mesmo ramo de atividade econômica que o da emitente dos documentos fiscais;
pode o fisco demonstrar que a emitente dos documentos inidôneos simulou sua existência desde a sua inscrição ou após determinado período de atividade.
Da mesma forma que a instauração e a conclusão de inquérito policial irão ocorrer depois de o crime ter sido praticado, a apuração e a declaração da inidoneidade irão ocorrer evidentemente após o fisco suspeitar da inidoneidade de documentos emitidos por determinada empresa, cujos valores de ICMS neles destacados foram apropriados por empresa sob ação fiscal. Por essa razão, não há como a autoridade administrativa envidar esforços para que sejam observados o “princípio da publicidade” (caput do art. 37. da CF) e o “princípio da irretroatividade” ao impugnar créditos de ICMS destacados em documentos emitidos antes de declarada a inidoneidade. Com efeito, publicado ato declaratório de inidoneidade de documentos emitidos por determinada empresa, ele tem de retroagir para considerar indevidos créditos de ICMS destacados em documentos emitidos antes da data de publicação do ato.
Entendemos despicienda a publicação de ato declaratório de inidoneidade de documentos emitidos por empresa que simulava sua existência, para que contribuinte não alegue ter sido “surpreendido” com a impugnação de créditos de ICMS destacados em documentos emitidos por aquela empresa. Com efeito, em vez de consultar (por nome ou por inscrição estadual) se a empresa com quem irá negociar consta de lista de emitentes de documentos inidôneos, melhor é o contribuinte, relativamente a cada novo fornecedor, informar-se sobre a reputação deste, principalmente no caso de ele ser de outra praça e de a venda de mercadorias ser intermediada por representante comercial ou corretor. Afinal, essa é a providência que o “bom comerciante” deve tomar para assegurar que as mercadorias que adquiriu sejam entregues no prazo estipulado e estejam de acordo com a quantidade e a qualidade especificadas no pedido.
Além disso, o adquirente deve efetuar o pagamento em cheques nominais ou por meio de duplicatas pagas em banco, para poder demonstrar que agiu de boa-fé ao efetuar o negócio jurídico, caso o fisco impugne os créditos de ICMS.
Após 14/04/2010, quando foi julgado o REsp 1148444/MG em sede de recurso repetitivo (nos termos do art. 543-C do anterior Código de Processo Civil – CPC),11 demonstrada a boa-fé da adquirente das mercadorias ou da tomadora dos serviços, tem a Fazenda Pública do Estado de suportar créditos de ICMS correspondentes a valores destacados em documentos inidôneos, por ela apropriados em sua escrituração fiscal. Eis aqui a principal diferença entre a adquirente de mercadorias ou tomadora de serviços de boa-fé que se apropria de crédito espúrio de ICMS e o favorecido por cheque sem fundo: a primeira, de acordo com jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), mantém o crédito apropriado e a Fazenda do Estado arca com o prejuízo ou tenta ainda descobrir a verdadeira fornecedora de mercadorias ou prestadora de serviços para dela cobrar o imposto; o segundo tem de ajuizar ação de execução em face do emitente do cheque, para se ressarcir do prejuízo sofrido.
Valores de ICMS destacados em documentos inidôneos não são geralmente declarados à Fazenda Pública do Estado. Quando o são, há nas GIAs somas de créditos de ICMS, também ilegítimos, que fazem com que os valores de imposto devidos declarados sejam insignificantes. Mesmo que o estabelecimento emitente dos documentos tenha existido e, depois, cessado as atividades, não tem a Fazenda do Estado como executar valores de imposto eventualmente declarados, visto que a pessoa jurídica não mais existe e os ex-sócios são geralmente presta-nomes, sem patrimônio algum para ser expropriado.