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Da relação entre juízes e advogados:

a necessidade de impedir o corporativismo

Agenda 04/06/2006 às 00:00

Sumário: 1. Introdução. 2. Necessidade de coibir o corporativismo. 3. A necessidade do contempt of court.


INTRODUÇÃO

A ciência jurídica, notadamente quando analisada sob o aspecto processual, é, necessariamente, agonística. Um forte fator psicológico move as partes para que elas obtenham uma "vitória" no curso do processo, transformando-o em verdadeiro campo de batalha, ou, quando as partes são menos belicosas, em um grande tabuleiro de xadrez. O melhor enxadrista, sob este prisma, certamente levará grande vantagem.

Se as relações, sob o ponto de vista psicológico, são extremadas, não menos exageros ocorrem na relação entre juízes e advogados. Com o advento da Carta Política de 1988, a nossa classe ecoa vozes no sentido de afirmar ser o advogado a peça mais importante neste tabuleiro, ao passo que os demais intérpretes seriam meros peões a atingir o rei.

Não é verdade! O texto constitucional, em seu art. 133, ao afirmar ser o advogado indispensável à administração da Justiça, ao invés de atribuir um poder de grande peso ao advogado, trouxe-lhe, sim, encargos de responsabilidade. E esta responsabilidade pode ser traduzida em uma simples palavra: -ÉTICA.

Os movimentos de fins do século XX e início deste, nas reformas sucessivas que o Código de Processo Civil enfrenta, vêm buscando mitigar este sofrimento, que, em muitas das vezes, é causado pelos advogados e juízes, e em menor dose, pelas partes.

As partes, analisando o processo como um tabuleiro de xadrez – figura metafórica adotada por Calamandrei -, são peças movidas pelos advogados, pelo juiz e pelo procedimento, como um todo. Muitas vezes as partes não têm idéia do que seja um embargo, um recurso especial ou mesmo o que significa uma contestação, fazendo-se imaginar que todo o seu processo está perdido, porque foi contestado.

Nesta relação, muitas vezes tortuosa, há necessidade de um melhor entrosamento entre juízes e advogados – e, quando necessária sua intervenção, do órgão do Ministério Público -, com o fim de alcançar o fim do processo, que é o de distribuir justiça.

As vaidades, por sua vez, neste processo psicológico, somente fazem com que as demandas se arrastem, indefinidamente, até a finalização do feito.

As novas normas inseridas no CPC, ainda que, em parte, recortadas pelo forte corporativismo - e, por que não dizer, pelo medo? -, têm o condão de transformar o processo civil em meio hábil e efetivo para que a entrega da tutela jurisdicional seja prestada.

Infelizmente, não conseguimos, ainda, inserir o contempt of court em nossa legislação, como ocorre nos países anglo-saxônicos.

Antes, porém, de analisar a necessidade de regras mais rígidas, sem corporativismos excessivos, é importante destacar que o modelo anglo-saxônico está longe de ser perfeito e projetos de reforma não faltam, como alerta o Professor José Carlos Barbosa Moreira. O que vimos em filmes e seriados importados, certamente, não condiz com a realidade de uma pesquisa mais apurada e consistente. O trial, quando se alcança, é raridade. Contudo, em uma média simpática, o trial é conseguido após cinco anos de litígio. E, por esta razão, os meios alternativos de solução de conflitos vêm sendo cada vez mais utilizados nos países da common law.


NECESSIDADE DE COIBIR O CORPORATIVISMO

Não se pode confundir prerrogativa com abuso. E prerrogativa, aqui, seja para os juízes, seja para os advogados. É importante entendermos as prerrogativas e os poderes de condução do processo como meios hábeis de atingir o fim social do processo. Jamais com abuso, ou utilização do manto da prerrogativa, como forma nada ética de conduzir o feito.

Contra os juízes, ou melhor, contra a função do Estado em distribuir justiça, há uma enormidade de recursos que podem ser utilizados. Neste aspecto enfrenta-se, também, o fator psicológico, porque a parte admite uma escala hierárquica que começa no advogado e finda no Ministro do Supremo Tribunal Federal.

Mas o certo é que a nós, artífices do Direito, não interessa esta escala hierárquica – inexiste, aliás, por força de lei. Interessa-nos, sim, que a condução do processo seja realizada de forma efetiva.

Minha leitura, contudo, no que diz respeito à efetividade do processo, resume-se na necessidade de coibir o corporativismo. Não repugnando os institutos processuais – e muito pelo contrário -, mas alavancando a necessidade da ética e do total despojamento vaidoso, que, necessariamente, conduz ao corporativismo.

Uma metáfora interessante acerca do corporativismo de fins do século XX vem do Dr. Miguel Ayuso, em sua obra Depois do Leviatã [01]?, traduzindo esta erva daninha em feudos. São os feudos da Idade Média, agora, com o termo corporativismo.

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As associações de classes – sejam dos advogados, juízes, promotores etc. - devem estar preocupadas com o sucesso da relação processual e não com os litígios pessoais. Parece, contudo, ser este um discurso desprovido de lógica, mas a premissa é verdadeira e, em assim sendo, a conclusão é a verdade.

Neste silogismo temos os advogados litigando com os juízes e contra os próprios advogados. A melhor estratégia do xadrez é pensada para poder sair da sala de audiência e vangloriar-se de seu intento – muitas vezes nada ético.

A academia, neste ponto, é importante para todos os operadores do Direito. Parafraseando Montesquieu, não é preciso ler. É importante fazer pensar. E os formadores de opinião devem estar preocupados com estas relações subliminares, que fogem ao objetivo maior do processo. Os "litígios" entre os advogados e juízes e mesmo entre estes e aquele, não conduzem à teoria finalística do processo. Conduzem, sim, a uma necessidade cada vez maior de ver quem detém maior poder.

Um exemplo claro que está ocorrendo no Estado do Rio de Janeiro: a AMAERJ [02], que lançou em seu sitio na Internet [03], o canal cidadão, onde juízes prestam esclarecimentos acerca de aspectos legais. Trata-se de um canal não consultivo, mas de aproximação entre o juiz e a sociedade. Não foram poupados gritos e esperneios!

Se reclamamos haver um distanciamento do magistrado, quando este se propõe a estar perto da população, também reclamamos. Os magistrados, por sua vez, insatisfeitos com os reclamos dos advogados e da quantidade – muitas vezes desproporcional – de mandados de segurança impetrados, acabam por litigar contra estes.

Há, sim, em nossa cultura jurídica, uma necessidade de litígio entre advogados e juízes. Triste!

As relações entre juízes e advogados devem ser lastreadas pela máxima da dignidade e da ética. Aquele profissional que é ético, não teme as sanções. Mas, uma classe inteira pode temer uma pequena norma. Pode, até, traduzir em grande risco livros com títulos A Responsabilidade Civil do Juiz, A Responsabilidade Civil do Advogado...

Se existe ética e urbanidade, o pensamento firme de que o processo encerra, muito mais do que teorias acadêmicas, um forte fator social, não temos o que temer.

E a necessidade de títulos? Eu sou Dr. Fulano, boa tarde. Sobre este aspecto, muito oportuno o artigo [04] do juiz federal Marcelo Dolzany, de Belo Horizonte. Ele apresenta, de forma clara e concisa, o afastamento dos menos privilegiados, quando um "sr. feudal do século XXI", sem qualquer intitulação acadêmica, reforça a necessidade de ser chamado de Dr [05]. A vaidade deveria ser extinta de nosso meio. Contudo, acredito ser uma utopia. Mas, ainda que utópico seja o pensamento, quanto mais escrevermos, quanto mais opiniões estivermos dispostos a formar, esta utopia pode ser transformada em uma bela realidade – distribuição de justiça!


A NECESSIDADE DO "CONTEMPT OF COURT"

Nesta introdução à necessidade da implantação definitiva do contempt of court em nosso país, em sua integralidade, quero prestar homenagem a algumas pessoas importantes neste processo democrático do processo civil. São pessoas que desempenham papéis importantes, sim, mas que por suas postura éticas e, acima de tudo, humanitárias, não deixam que esta "importância" lhes cegue.

À Professora Ada Pellegrini Grinover, defensora aguerrida do princípio anglo-saxônico em nosso país. Ao Ministro Sálvio Figueiredo Teixeira que, juntamente com o Professor Athos Gusmão de Carneiro, vem, incansavelmente, lutando – não no sentido agonístico, mas no de efetivos trabalhadores intelectuais – por nosso processo civil. Aos corajosos Professores Luiz Wambier e Tereza Arruda Alvim Wambier, que traduziram, em sua última obra sobre as novas reformas, o incansável trabalho da Comissão. Ao Professor Cândido Rangel Dinamarco, por suas lições sempre oportunas acerca da deformalização do processo. A todos os membros do Instituto Brasileiro de Direito Processual.

Não poderia deixar de registrar a importância destes Professores, até mesmo porque, em se tratando de contempt of court, as nossas vozes são da Professora Ada e do Ministro Sálvio.

É importante, sim, a cópia deste instituto anglo-saxão em nosso Direito. Acredito ser muito mais importante o resultado do que uma forma. E assim afirmo porque muitos criticam a ingerência de normas da common law em nosso ordenamento. Contudo, devemos traduzir para o processo pátrio o que é bom, corrigir o que é ruim e simplesmente não copiar o que jamais seria aplicado.

Se o juiz não é dotado de poder – ou, se tímido for – a efetividade do processo cai por água. Não se pode confundir, contudo, poder com abuso. Em qualquer sociedade, em qualquer ramificação do conhecimento humano, poderá haver abusos. Não que seja regra.

Se há abusos, possuímos todos os meios legais para coibi-los, através de recursos processuais e até mesmo dos expedientes regimentais dos Tribunais. Mas, se contra o juiz temos todo um procedimento dentro do próprio sistema processual – e chamo a atenção para o art. 133 do CPC -, por que não estes expedientes serem encaminhados à conduta do advogado?

O abuso do direito de litigar deve ser coibido, mas, como diria a Professora Ada, o que tivemos no Brasil foi paixão e morte do contempt of court. Por que não punir o advogado por litigância de má-fé, se nosso sistema processual é todo calcado na boa fé e na ética?

Por que o medo de estar inserido no Código de Processo Civil uma pena, até mesmo de natureza penal, a exemplo dos países anglo-saxônicos?

Acredito que para fazer pensar, já que o assunto vem sendo debatido por experientes professores, finalizo com uma pergunta:

- Por que o medo de adotarmos uma medida tão salutar quanto a do contempt of court, contra toda forma de corporativismo?


Notas

01 AYUSO, Miguel – Depois do Leviatã? – Hugin Editores – Portugal - 1999

02 Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro

03 http://www.amaerj.org.br

04 Obtido por meio eletrônico - http://conjur.uol.com.br/view.cfm?id=13642&ad=b

05 Em troca de mensagens com o juiz federal, entendo oportuno destacar nosso diálogo:

- Mensagem enviada: Ilustrado Juiz Marcelo Dolzany da Costa,

não pude deixar de ler vosso artigo no Consultor Jurídico e dele deleitar-me. Quase envio este e-mail como o famoso Exmo. Sr. Dr. Sem dúvida, o Sr. é um daqueles raros juristas que valorizam nossa Cultura e a academia. Louvável iniciativa e corajoso o texto. Com admiração, José Carlos de A. Almeida Filho – advogado.

A resposta: Prezado José Carlos:

Obrigado por seu encorajamento. Nossas elites, especialmente as econômicas e intelectuais, se sentem cada vez menos comprometidas com este País porque têm o seu próprio, com idioma e moeda bem diferentes daquela onde vivem os miseráveis. É preciso simplificar a linguagem para que se justifique o que é Judiciário num país de trabalho escravo, corrupção, nepotismo e ganância. Talvez o uso abusivo e indiscriminado do "doutor" revele uma nostalgia da última monarquia tropical do mundo ou a pura inspiração do samba ''O Pequeno Burguês'', do Martinho da Vila. Com o abraço de Marcelo Dolzany, BH.

Sobre o autor
José Carlos de Araújo Almeida Filho

advogado no Rio de Janeiro, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA FILHO, José Carlos Araújo. Da relação entre juízes e advogados:: a necessidade de impedir o corporativismo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1068, 4 jun. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8438. Acesso em: 23 dez. 2024.

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