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UMA APLICAÇÃO DO ARTIGO 59 DO CÓDIGO PENAL

Agenda 19/08/2020 às 09:57

O ARTIGO DISCUTE SOBRE A APLICAÇÃO DO ARTIGO 59 DO CP DIANTE DE RECENTE DECISÃO DO STJ.

UMA APLICAÇÃO DO ARTIGO 59 DO CÓDIGO PENAL  

Rogério Tadeu Romano  

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), adotando posição que já era seguida pela Quinta Turma, decidiu que, na hipótese de homicídio cometido contra pessoa entre 14 e 18 anos, a pena pode ser aumentada em razão da pouca idade da vítima. 

Segundo o relator do processo, ministro Sebastião Reis Júnior, o caso foi levado à seção por causa de divergência entre as turmas de direito penal do STJ: para a Quinta Turma, a idade da vítima adolescente pode ser usada para fundamentar a avaliação negativa das consequências do crime (artigo 59 do Código Penal) e, assim, aumentar a pena-base do homicídio; a Sexta Turma entendia que esse fundamento não era válido. 

O relator afirmou que, em princípio, o homicídio contra adolescente ou criança é tão reprovável quanto aquele cometido contra um adulto, pois ambos vulneram o objeto tutelado pela norma jurídica – a vida. 

"Não há como ignorar, no entanto, o fato de que o homicídio perpetrado conta a vítima jovem ceifa uma vida repleta de possibilidades e perspectivas, que não guardam identidade ou semelhança com aquelas verificadas na vida adulta", fundamentou o ministro ao defender a idoneidade do agravamento da pena-base com base na idade da vítima. 

Na matéria o STJ assim já se pronunciou:  

HABEAS CORPUS IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO A RECURSO PRÓPRIO. NÃO CONHECIMENTO DO WRIT. HOMICÍDIO QUALIFICADO. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. CULPABILIDADE. VALORAÇÃO NEGATIVA DA PERSONALIDADE E CONDUTA SOCIAL. ELEMENTOS CONCRETOS DEVIDAMENTE INDICADOS PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. CONSEQUÊNCIAS DO DELITO. VÍTIMA JOVEM. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. MESMA FUNDAMENTAÇÃO PARA VALORAR NEGATIVAMENTE AS CIRCUNSTÂNCIAS DO DELITO. BIS IN IDEM CONFIGURADO. MOTIVOS. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. DECOTE DOS REFERIDOS VETORES. REDUÇÃO DA PENA-BASE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. - O Superior Tribunal de Justiça, seguindo o entendimento firmado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, não tem admitido a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso próprio, prestigiando o sistema recursal ao tempo que preserva a importância e a utilidade do writ, visto permitir a concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. - A dosimetria da pena insere-se dentro de um juízo de discricionariedade do julgador, atrelado às particularidades fáticas do caso concreto e subjetivas do agente, somente passível de revisão por esta Corte no caso de inobservância dos parâmetros legais ou de flagrante desproporcionalidade. - Na hipótese, a culpabilidade foi valorada negativamente pelos vários disparos de arma de fogo desferidos contra a vítima, o que imprimiu ao delito maior grau de reprovabilidade. Nos termos da jurisprudência assente nesta Corte, tal fundamento é idôneo, pois remonta às particularidades do caso concreto, isto é, ao modo especialmente grave como agiu o paciente, nada havendo de abstrato ou genérico na mencionada fundamentação. Precedentes. - Quanto ao desvalor da personalidade do agente, o entendimento deste Tribunal firmou-se no sentido de que o magistrado deve utilizar-se de elementos concretos inseridos nos autos, justificantes da exasperação da pena-base cominada, sendo prescindível a realização de laudo pericial para tal constatação (AgRg no REsp 1406058/RS, Rel. Ministro JORGE^MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 19/04/2018, DJe 27/04/2018). - Quanto às consequências do crime, esta Corte entende que a idade da vítima é fundamento que justificam o aumento da pena-base. Precedentes. - Contudo, impossível utilizar apenas este fundamento para considerar desabonadoras as circunstâncias e as consequências do delito, sob pena de indevido bis in idem, em razão do que mantenho o desvalor apenas das consequências. - Os motivos, por sua vez, foram tidos por desfavoráveis, porquanto não foram devidamente esclarecidos. Ora, somente é possível valorar negativamente alguma circunstância judicial quando há elementos concretos que o autorizem. No caso, a pena do acusado foi exasperada, quanto à referida circunstância, sem a indicação de elementos concretos para tanto. Por conseguinte, de rigor o decote do aumento efetuado. - Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para reduzir a pena aplicada ao paciente para 15 anos e 4 meses de reclusão, mantidos os demais termos da condenação. (HC n. 429.419/ES, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 26/10/2018 – grifo nosso).  

O caso foi analisado no REsp 1851435.  

Com o devido respeito, já existe a agravante genérica do art. 61, II, h, do CP que poderia se aplicar ao caso.  Se entender como criança aquela que, segundo a legislação específica, vai até 12 anos, pois daí para frente vira adolescente, penso que esse seria o limite do julgador, pois o legislador quando quis fazer da idade vetor de atenuante ou agravante o fez expressamente.

Determina o artigo 59 do CP: 

Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) 

I - as penas aplicáveis dentre as cominadas; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) 

II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) 

III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) 

IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) 

 As circunstâncias judiciais são o primeiro momento, dentro do sistema trifásico, para cômputo da pena. 

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Nos termos do dispositivo, o juiz deve levar em conta, de um lado, a “culpabilidade”, os “antecedentes”, a “conduta social”, e a “personalidade do agente”, e, de outro, as “circunstâncias” e “consequências do crime”, bem como o “comportamento da vítima”.

Necessário que o magistrado faça a necessária motivação para a fixação da dosimetria:

"O Supremo Tribunal decidiu que ‘a necessidade de fundamentação dos pronunciamentos judiciais (inciso IX do art. 93 da Constituição Federal) tem na fixação da pena um dos seus momentos culminantes. Trata-se de garantia constitucional que junge o magistrado a coordenadas objetivas de imparcialidade e propicia às partes conhecer os motivos que levaram o julgador a decidir neste ou naquele sentido’. A própria legalidade da pena está vinculada ‘ao motivado exame judicial das circunstâncias do delito’, o qual deve representar ‘um exercício racional de fundamentação e ponderação dos efeitos éticos e sociais da sanção, embasado nas peculiaridades do caso concreto, e no senso de realidade do órgão sentenciante’. (HC nº 102.278/RN, Relator o Ministro Ayres Brito. j. 19/10/2010)

Daí a necessidade do maior rigor na motivação da pena imposta, evitando arbitrariedades ou mesmo a prevalência de componentes de acentuada carga subjetiva.”

Diante desses elementos, que reproduzem a biografia moral do condenado de um lado, e as particularidades que envolvem o fato criminoso de outro, o juiz deve escolher a modalidade e a quantidade da sanção cabível, segundo o que lhe parecer necessário e suficiente para atender os fins da pena.  

Culpabilidade quer dizer juízo de reprovação, deve levar o julgador a atentar para as circunstâncias pessoais e fáticas, no contexto em que se realizou a ação, conduzindo-o a uma análise de consciência ou do potencial do conhecimento do ilícito e, em especial, a exigibilidade de conduta diversa, como parâmetros do justo grau de censura atribuível ao autor do crime. Deve, pois, o juiz buscar a medida da justa reprovação, em uma diagnose embebida de significado valorativo, como ensinou Miguel Reale Jr.(Novos Rumos do Sistema Criminal, pág. 31).  

Refiro-me, outrossim, além da conduta social, da personalidade, aos motivos e ainda os antecedentes.

Os motivos do crime realçam a necessidade de efetuar-se um perfil psíquico do delinquente e da causação do crime para uma correta imposição da pena. O crime deve ser punido em razão dos motivos, que podem até levar a uma substancial alteração da pena, aproximando-a do mínimo quando derivam de sentimento de nobreza moral ou elevando-o quando indicam um substrato antissocial.  

Por sua vez, a referência às circunstâncias e consequências do crime é de caráter geral, incluindo-se nelas as de caráter objetivo ou subjetivo não inscritas em dispositivos específicos. As primeiras podem referir-se à duração do tempo do delito, que pode demonstrar maior determinação do crime; ao local do crime, indicador, por vezes, de maior periculosidade do agente; à atitude durante a conduta criminosa(insensibilidade e indiferença ou arrependimento).  

Em maio de 2010, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 444, afirmando que “é vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base”.

Observo que o Supremo Tribunal Federal já entendeu que:

 “O princípio constitucional da não-culpabilidade, inscrito no art. 5º, LVII, da Carta Política não permite que se formule, contra o réu, juízo negativo de maus antecedentes, fundado na mera instauração de inquéritos policiais em andamento, ou na existência de processos penais em curso, ou, até mesmo, na ocorrência de condenações criminais ainda sujeitas a recurso, revelando-se arbitrária a exacerbação da pena, quando apoiada em situações processuais indefinidas, pois somente títulos penais condenatórios, revestidos da autoridade da coisa julgada, podem legitimar tratamento jurídico desfavorável ao sentenciado.” Doutrina. Precedentes. (STF - 2ª Turma, HC 79966/SP, Rel. p/ Acórdão Min. Celso de Mello, j. 13.06.2000; in DJU de 29.08.2003, p. 34).

Mas, é necessário que se diga que o juiz não poderá valer-se dos mesmos fatos levados em consideração no exame das circunstâncias judiciais para decidir pela condenação, e, depois, com base neles, agravar a pena(STF, RT 785/526, HC 80.066/MG, j. 13 de junho de 2000, Informativo STF 193; HC 78.192 – 5/RJ, DJU 20 de outubro de 2000, pág. 2792; HC 76.665 – 3 /SP, DJU de 4 de setembro de 1998, pág. 4; HC 76.285 - ¨6, DJU de 19 de novembro de 1999, pág. 54).  

Em síntese sobre a matéria, André de Abreu Costa(Antecedentes não servem para condenar o reincidente) disse:

“Assim, nos antecedentes, apenas se podem incluir condenações definitivas que não sirvam para caracterizar a reincidência, seja porque não há condenação definitiva anterior seja porque já houve o efeito da caducidade quinquenal, conforme prevista no art. 64, do CP. Processos criminais em curso, boletins de ocorrência, termos circunstanciados de ocorrência, antecedentes infracionais, e coisas que equivalham a estas, não podem majorar a reprimenda penal do réu.

Já, por seu turno, no comportamento social, que é um conceito certamente eticizado, apenas se podem conter dados relativos à atuação do sujeito em seu ambiente social, não podendo, também, aí, encontrarem-se aqueles mesmos procedimentos criminais, conforme citado anteriormente.”

Dir-se-á, ao final, da importância para a vitimologia com relação a necessidade de análise do comportamento da vítima, que, na lição de Fabbrini Mirabete(Manual de Direito Penal, volume I, 7ª edição, pág. 279), por constituir-se em provocação ou estímulo à conduta criminosa.

Tais comportamentos da vítima, embora não justifiquem o crime, diminuem a censurabilidade da conduta do autor do ilícito, a implicar o abrandamento da pena.

Mas, é necessário que se diga que o juiz não poderá valer-se dos mesmos fatos levados em consideração no exame das circunstâncias judiciais para decidir pela condenação, e, depois, com base neles, agravar a pena(STF, RT 785/526, HC 80.066/MG, j. 13 de junho de 2000, Informativo STF 193; HC 78.192 – 5/RJ, DJU 20 de outubro de 2000, pág. 2792; HC 76.665 – 3 /SP, DJU de 4 de setembro de 1998, pág. 4; HC 76.285 - ¨6, DJU de 19 de novembro de 1999, pág. 54.  

Dir-se-á, ao final, da importância para a vitimologia com relação a necessidade de análise do comportamento da vítima, que, na lição de Fabbrini Mirabete(Manual de Direito Penal, volume I, 7ª edição, pág. 279), por constituir-se em provocação ou estímulo à conduta criminosa.

Tais comportamentos da vítima, embora não justifiquem o crime, diminuem a censurabilidade da conduta do autor do ilícito, a implicar o abrandamento da pena.

 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

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