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A CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

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Agenda 19/08/2020 às 11:00

O objetivo deste artigo é analisar a previsão legal acerca do instituto da consignação em pagamento no ordenamento jurídico brasileiro, mediante análise conjunta da doutrina e da jurisprudência dos Tribunais Superiores.

1. INTRODUÇÃO

O ordenamento civil prevê formas de extinção das obrigações, dentre elas, a consignação em pagamento, que será objeto do presente trabalho de estudo científico.

A consignação em pagamento é prevista no art. 355 do Código Civil de 2002[1]. As hipóteses previstas no referido artigo para fins de cabimento da consignação em pagamento são: a recusa do credor em receber ou dar quitação; a impossibilidade do credor de receber, porque é incapaz, desconhecido, declarado ausente ou residir em lugar incerto ou de acesso difícil ou perigoso; a dúvida a respeito de quem deva legitimamente receber; e a existência de litígio sobre o objeto do pagamento.

O Código de Processo Civil vigente de 2015[2] trata de dois tipos diferentes de procedimento nas ações de consignação em pagamento. O primeiro tipo refere-se a uma situação, na qual se sabe quem o credor, contudo, não se mostra possível realizar o pagamento, tendo em vista o devedor não aceita receber ou dar quitação; ou não vai buscar o pagamento; ou está em local inacessível ou desconhecido. O segundo tipo refere-se a uma situação, na qual há dúvida sobre o destinatário do pagamento.

Destaca-se ainda a situação na qual o devedor se encontra em mora, ou seja, em atraso com o pagamento, mas procura o credor para quitar o débito. Ao credor é cabível a recusa de receber o pagamento em atraso e neste caso o devedor poderá consignar o pagamento judicial ou extrajudicialmente. Contudo, se o devedor oferecer ao credor o valor total da dívida, acrescido de encargos, como juros, correção monetária e eventual multa contratual, não se mostra possível ao credor recusar o pagamento, salvo em duas hipóteses: se o pagamento não for mais útil ao credor e quando o credor já tiver ajuizado ação de cobrança em face do devedor, em decorrência da mora no pagamento do débito.

Aborda-se neste estudo a possibilidade de declaração na ação de consignação em pagamento de nulidade de cláusula contratual, o que demonstra a capacidade de discussão de cláusula contratual e do valor do débito.

A consignação em pagamento pode ser realizada tanto extrajudicialmente como judicialmente e neste trabalho de estudo científico, abordaremos uma análise aprofundada do tema, com base nos entendimentos da doutrina e jurisprudência.

Este estudo analisará o instituto da consignação em pagamento sob o foco do objeto, da competência, da legitimidade e do procedimento legal previsto no ordenamento jurídico, levando-se em consideração os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais pátrios.

 

2. DESENVOLVIMENTO

 

2.1. Consignação extrajudicial

 

A consignação extrajudicial é uma modalidade alternativa de solução do conflito que exclui a participação do Poder Judiciário. Trata-se de uma opção do devedor, que mesmo preenchendo os requisitos legais, poderá optar pela ação judicial, sendo esta obrigatória apenas na hipótese de consignação de prestação proveniente de compromisso de compra e venda de lote urbano, conforme dispõe o art. 33 da Lei n° 6.766/1979.

Os requisitos para a realização da consignação extrajudicial são os seguintes: a prestação deve ser pecuniária, mediante consignação de dinheiro, conforme dispõe o artigo 539, §1º, do CPC de 2015 vigente); a existência de estabelecimento bancário oficial ou particular no local do pagamento; a existência de endereço do credor; e, por fim, que o credor seja conhecido, certo, capaz e solvente.

O artigo 539 do Novo Código de Processo Civil prevê que o devedor ou um terceiro pode se dirigir a uma instituição financeira e fazer a consignação, mediante a abertura de conta bancária, através da qual o credor receberá o depósito posteriormente.

Ato seguinte, a instituição financeira emitirá notificação ao credor sobre o numerário depositado em seu favor. Caso o credor aceite o valor depositado, o mesmo poderá realizar o saque, momento em que se tornar titular daquele numerário.

No entanto, caso o credor não apresente manifestação no prazo legal de 10 (dez) dias, mantendo-se assim inerte perante a instituição financeira, o devedor ficará livre da sua obrigação, sendo possível o levantamento do valor em discussão pelo devedor.

De acordo com Daniel Amorim Assumpção Neves[3], são quatro as possíveis reações do credor no referido prazo de dez dias: (a) comparecer à agência bancária e levantar o valor, ato que extingue a obrigação; (b) comparecer à agência bancária e levantar o valor fazendo ressalvas quanto à sua exatidão, quando poderá cobrar por vias próprias a diferença; (c) silenciar, entendendo-se que nesse caso houve aceitação tácita, de forma que a obrigação será reconhecida como extinta, ficando o valor depositado à espera do levantamento do credor; (d) recusar o depósito sem qualquer motivação, hipótese em que o depositante poderá levantar o dinheiro ou utilizar o depósito já feito para ingressar com a ação consignatória no prazo de um mês, instruindo a petição inicial com a prova do depósito e da recusa (art. 539, § 3º do Novo Código de Processo Civil).

 

2.2. Consignação judicial

 

A consignação judicial é uma modalidade de solução do conflito que inclui a participação do Poder Judiciário. Cumpre esclarecer que o direito de ação ou de petição é um direito fundamental de acesso a todos previsto no artigo 5°, XXXIV, alínea “a” da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[4].

Trata-se a consignação judicial de uma opção do devedor, que tem o prazo de um mês para ajuizar a ação de consignação em pagamento perante o juízo competente no Poder Judiciário. Transcorrido esse prazo, a propositura da demanda continua possível, desde que o devedor realize a consignação do valor principal acrescido dos juros e devidas correções, que contarão da data de vencimento da obrigação.

A competência, a legitimidade, o objeto e o procedimento da consignação em pagamento serão abordados nos próximos capítulos.

 

2.3. Competência

 

A competência para a ação de consignação em pagamento é, em regra, a do foro do lugar do pagamento, conforme artigo 540, caput, do Novo CPC, sendo exceção a competência do foro do domicílio do réu, previsto no artigo 46 do mesmo diploma legal. Eis o entendimento exposto pelo doutrinador Humberto Theodoro Júnior[5].

Tratando-se de dívida de natureza quesível, o foro competente é o do domicílio do autor (devedor), e de dívida de natureza portável, o foro competente é o do local do domicílio do réu (credor).

O Código de Processo Civil de 1973 previa em seu artigo 891 que, sendo a coisa devida, o devedor poderia requerer a consignação em pagamento no foro/local em que o objeto se encontrava. Parte da doutrina pátria entendia tratar-se de simples repetição do estabelecido no caput do dispositivo legal[6], e, por outro lado, outra parcela entendia tratar-se de regra a ser aplicada quando existisse imprecisão quanto ao lugar do cumprimento da obrigação ou quando se estipulasse que o cumprimento devesse ocorrer no local em que se achava a coisa ao tempo do vencimento da obrigação[7]. Havia ainda uma terceira parcela doutrinária que entendia aplicável a regra em razão da natureza da prestação ou quando ocorresse dificuldade de se cumprir a obrigação no local do domicílio do autor ou do réu (dívida portable e quérable), como na hipótese de um rebanho apascentado em local diverso do lugar de cumprimento da obrigação.

O Novo CPC não seguiu a regra do parágrafo único do art. 891 do CPC/1973, consagrando o entendimento doutrinário acerca da inutilidade por reproduzir a regra geral. A omissão, no entanto, não é capaz de afastar a regra em razão do art. 341 do CC.

Nesse sentido, o Enunciado 59 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC)[8] prevê que:

“Em ação de consignação e pagamento, quando a coisa devida for corpo que deva ser entregue no lugar em que está, poderá o devedor requerer a consignação no foro que ela se encontra. A supressão do parágrafo único do art. 891 do Código de Processo Civil de 1973 é inócua, tendo em vista o art. 341 do Código Civil”.

As regras disponibilizadas no artigo 540 do Novo CPC referem-se à competência territorial relativa. Descumprida a referida regra, ao réu cabe alegar a incompetência por meio da exceção de incompetência. Parte da doutrina pátria preconizada por Antônio Carlos Marcato e Humberto Theodoro Júnior, entende que, apesar de relativa, o foro indicado pelo dispositivo legal se sobrepõe àquele indicado por eventual cláusula de eleição de foro[9].

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Outra parte da doutrina, preconizada por Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Alexandre Câmara, discorda daquele entendimento, sob o argumento de que na competência relativa a vontade das partes deve prevalecer sobre a previsão legal, não havendo razão plausível para o afastamento do foro indicado em cláusula de eleição de foro válida[10]. Eis também o entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, que desconsidera cláusula abusiva em contrato de adesão[11].

 

2.4. Legitimidade

Neste capítulo, destacam-se os legitimados da ação de consignação em pagamento.

Os legitimados ativos da referida demanda judicial são: o devedor ou seus sucessores e os terceiros estranhos à relação jurídica de direito material obrigacional.

Na hipótese de terceiro juridicamente interessado ocorre o instituto denominado sub-rogação, tendo em vista que o terceiro, diante da extinção da obrigação por consignação, assume os direitos e ações do credor satisfeito frente ao devedor.

Por outro lado, na hipótese de terceiro não interessado, não ocorre o instituto da sub-rogação, entendendo-se que a consignação é uma mera liberalidade do terceiro em favor do devedor[12].

O legitimado passivo da ação de consignação judicial é o credor, podendo este ser conhecido e certo ou desconhecido e incerto. Quando for desconhecido e incerto, o credor, ora réu na demanda judicial, será citado por edital. Havendo dúvida a respeito de quem seja o credor, caberá a formação de litisconsórcio passivo entre os pretensos credores, tratando-se de espécie de litisconsórcio necessário.

Ressalta-se o entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça pátria que preconiza a ilegitimidade passiva da administradora do imóvel no caso de consignação de aluguéis, porque, nesse caso, não haveria hipótese de legitimação extraordinária, já que não prevista expressamente em lei e tampouco decorrente do sistema. Confira-se a ementa do julgado:

CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. CONDOMÍNIO. AÇÃO PROPOSTA CONTRA A EMPRESA ADMINISTRADORA. ILEGITIMIDADE DE PARTE PASSIVA.A administradora do condomínio não tem legitimidade para figurar no pólo passivo da relação processual em ação de consignação em pagamento concernente a cotas condominiais. Recurso especial não conhecido.[13]

Por outro lado, entende a doutrina minoritária, liderada por Fabrício Furtado[14], pela legitimidade extraordinária da administradora do imóvel no caso de consignação de aluguéis de um imóvel.

 

2.5. Objeto

 

            A ação de consignação em pagamento tem como objetivo permitir a extinção de uma obrigação quando o devedor não obtém êxito em efetivar o pagamento, em razão da resistência do credor em recebê-lo ou da existência de um impedimento alheio à sua vontade.

            Cumpre esclarecer que o requerimento judicial da parte requerente possui natureza meramente declaratória, indicando a correção e suficiência do depósito realizado, sendo objeto de controvérsia na demanda judicial a correção monetária e encargos referentes ao depósito.

            Em tese, trata-se de demanda simples, na qual as partes discutem se o depósito inicial foi apto a extinguir a obrigação existente entre as partes. Eis o entendimento da doutrina majoritária pátria, preconizada por Daniel Amorim Assumpção Neves[15].

            Por outro lado, a doutrina minoritária pátria entende que a ação de consignação em pagamento é uma execução forçada às avessas, de forma que determinadas exigências formais presentes na demanda executiva também deverão ser realizadas na demanda consignatória. Afirma essa corrente doutrinária que os requisitos da certeza e a liquidez da obrigação são necessárias para o ajuizamento da ação consignatória. Na hipótese do título jurídico, que fundamenta a ação de consignação em pagamento, não indicar uma obrigação líquida e certa, a referida ação não logrará êxito. Humberto Theodoro Júnior entende que pode ocorrer discussão em torno da obrigação, mas o cabimento da ação consignatória exige liquidez e a certeza da obrigação[16].

            Adotando-se essa corrente doutrinária, entende-se ser inadmissível o ajuizamento de ação de consignação em pagamento para fins de depósito de prestações oriundas de inadimplemento contratual ou da anulação de negócio jurídico, especialmente quando o devedor entende ser devedor de valor menor do que o valor apontado contratualmente.

            No entanto, na praxe forense aceita-se o cabimento da ação de consignação em pagamento com a demonstração do requisito da liquidez da obrigação de forma unilateral pelo próprio devedor, ainda que contrária ao disciplinado contratualmente.

            É frequente o ajuizamento de ação consignatória, na qual se realiza o depósito de valor inferior ao apontado no contrato celebrado entre as partes, mediante a utilização de argumento referente à nulidade contratual. Tem-se, por exemplo, contratos com parcelas sucessivas, nos quais os devedores ignoram as prestações periódicas de valor fixo, não realizam os pagamentos e ajuízam a ação consignatória alegando a nulidade contratual, mediante a elaboração de cálculos unilateralmente.

            A mencionada postura por parte do devedor vem sendo incentivada por decisões judiciais, sendo pacífico o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de permitir a revisão incidental de cláusulas contratuais no âmbito da demanda de consignação em pagamento. Confira-se as ementas dos julgados desta Corte:

 

Direito civil e processual civil. Contrato de financiamento imobiliário. Carteira hipotecária. Juros remuneratórios. Capitalização mensal de juros. Taxa referencial. Incidência. CDC. Incidência. Compensação. Prequestionamento. Ausência. Ação de consignação em pagamento. Revisão de cláusulas contratuais. Possibilidade.

- Em contrato de financiamento imobiliário firmado sob o regime da carteira hipotecária, não incide a limitação de juros remuneratórios prevista na Lei de Usura.

- É vedada a capitalização mensal de juros em contrato de financiamento imobiliário.

- Em regra, admite-se a incidência da taxa referencial como critério de atualização do saldo devedor em contrato de financiamento imobiliário.

- É de consumo a relação jurídica estabelecida entre o agente financiador e o mutuário adquirente do imóvel.

- É inadmissível o recurso especial na parte que em não houve o prequestionamento do direito tido por violado.

- na ação de consignação em pagamento, é possível ampla discussão sobre o débito e o seu valor, inclusive com a interpretação da validade e alcance das cláusulas contratuais. Precedentes.

- Recurso especial a que se dá parcial provimento.[17]

 

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. DISCUSSÃO SOBRE O VALOR DO DÉBITO. REVISÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. POSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DE OUTRA AÇÃO DISCUTINDO O QUANTUM. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA.

1. É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que pode ser discutido, em sede de ação consignatória, o valor do débito, mesmo que isso implique na revisão de cláusulas contratuais.

2. A matéria referente à existência de outro processo no qual se discute o valor da dívida não foi objeto de decisão pelo Tribunal de origem, ressentindo-se o recurso da falta de prequestionamento.

3. Agravo regimental improvido.[18]

 

            Em suma, mostra-se possível a realização da consignação em pagamento na forma de dinheiro, consistente na obrigação de pagar quantia certa, e a consignação de coisa/objeto, consistente na obrigação de entregar coisa certa.

Cabe ao devedor respeitar a natureza jurídica da obrigação, não sendo viável a consignação de dinheiro em quantia correspondente a uma obrigação de entregar coisa. Também cabe ao devedor cumprir com os deveres próprios de sua relação jurídica, tais como o dever de boa-fé contratual, lealdade e adimplência. Cumpre esclarecer, por fim, que somente a consignação de coisa/objeto é apta a liberar o credor de sua obrigação[19].

 

2.6. Procedimento

 

            Com relação ao procedimento da ação de consignação em pagamento, verifica-se que o mesmo é um ato processual solene, que requer o preenchimento de requisitos para o seu cabimento, devendo, portanto, o autor da demanda preencher os requisitos formais previstos nos artigos 319 e 320 do Novo Código de Processo Civil de 2015[20].

            Em se tratando da hipótese de consignação extrajudicial frustrada em razão da recusa do credor em receber, destacam-se os documentos indispensáveis à propositura da demanda previstos no artigo 320 do Novo CPC, quais sejam, a prova do depósito e a prova da recusa. De acordo com a doutrina pátria, preconizada por Antônio Carlos Marcato[21] a ausência dos referidos documentos não enseja a extinção do processo sem a resolução do mérito, tendo em vista que ainda é oportunizado ao autor realizar a emenda da petição inicial, nos termos do artigo 321 do Novo Código de Processo Civil de 2015.

            Em se tratando da hipótese de consignação judicial, verifica-se que não existe nenhuma especialidade na petição inicial, não sendo apenas essencial a inclusão de pedido expresso de depósito no prazo de 5 (cinco) cinco dias. Eis o entendimento do doutrinador Humberto Theodoro Junior[22].

            Ato seguinte, o magistrado competente realizará uma análise da regularidade formal da petição inicial e determinará a intimação da parte autora para que realize o depósito no prazo mencionado de 5 (cinco) dias, dependendo a citação do réu da efetiva realização desse ato pelo autor.

            Em caso de omissão da parte autora em efetuar o depósito, ocorre a extinção do processo sem a resolução do mérito. No entanto, o entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de admissibilidade do depósito após os cinco dias previstos pelo art. 542, I, do Novo Código de Processo Civil de 2015. Confira-se a ementa do julgado:

 

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. CAUSA DE PEDIR. FATOS PRINCIPAIS E FATOS SECUNDÁRIOS. NÃO CONTESTAÇÃO DE TODOS OS FATOS SECUNDÁRIOS. PROVA INDIRETA DO FATO PRINCIPAL. DEPÓSITO EXTEMPORÂNEO. APROVEITAMENTO. AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. NÃO COMPARECIMENTO. PENA DE CONFESSO.

REQUISITOS. ART. 20, § 4°, DO CPC. FIXAÇÃO DOS HONORÁRIOS EM PERCENTUAL. POSSIBILIDADE. CPC, ARTS. 2°, 128, 267, INCISO IV, 302, 333, INCISOS I E II, 343, § 2.°, 460, 893, INCISO I E 896, INCISO III. - Os fatos que são essenciais para configurar o objeto do processo e que constituem a causa de pedir são exclusivamente aqueles que têm o condão de delimitar a pretensão; isto é, aqueles que são carregados de efeito pelo ordenamento jurídico. Os fatos essenciais (também denominados de fato jurígeno ou principal) são particularizados por determinados acontecimentos produzidos pela dinâmica social (fatos simples ou secundários), dos quais é possível extrair uma consequência jurídica. - A prova dos fatos secundários prova indiretamente os fatos principais. Assim, se o autor alega que o fato principal decorre de 2 (dois) fatos secundários - ambos suficientes por si sós para a demonstração da ocorrência daquele - e o réu contesta apenas um desses fatos secundários, o fato principal resta provado por força da aplicação do art. 302 do CPC quanto ao fato secundário que não foi impugnado especificamente pelo réu. É pressuposto para a aplicação da pena de confesso, prevista no § 2.° do art. 343, do CPC, que a parte seja previamente intimada para prestar depoimento pessoal e advertida do risco de aplicação da pena. - Nas causas sem condenação, não viola o art. 20, § 4°, do CPC, a fixação dos honorários advocatícios em percentual sobre o valor da causa ou sobre algum valor determinado envolvido na demanda; como, por exemplo, o valor das prestações depositadas até a data da sentença na ação consignatória. Recurso especial não conhecido.[23]

 

            Percebe-se que após a efetivação da citação do réu, ocorrerá concomitantemente a sua intimação para fins de levantamento do valor ou da coisa consignada ou, ainda, para que, querendo, ofereça contestação, nos termos do artigo 542, II, do Novo Código de Processo Civil de 2015. O réu, no prazo de 15 (quinze) dias, tem as seguintes alternativas: responder, por meio de contestação, exceções e apresentar reconvenção; tornar-se revel; e requerer o levantamento da quantia depositada.

            Ressalta-se que, na hipótese do réu comparecer em juízo e declarar que aceita a consignação realizada pela parte autora, mediante a efetivação do levantamento do valor ou da coisa consignada, o mesmo acaba reconhecendo juridicamente o pedido do autor, o que enseja a prolação pelo magistrado de sentença com resolução do mérito, nos termos do art. 487, III, “a” do Novo Código de Processo Civil de 2015, devendo o réu responder pelas verbas de sucumbência. Destaca-se ainda neste tópico que a referida sentença terá como objeto principal a declaração de extinção da obrigação e como objeto acessório a condenação do réu ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios.

            Analisa-se ainda a hipótese da parte ré não contestar a demanda consignatória, ocasião em que ocorrerá revelia, devendo o magistrado competente para julgar a causa analisar, primeiramente, a ocorrência ou não dos seus efeitos da revelia, em especial a presunção de veracidade dos fatos alegados pela parte autora.

            No que tange à revelia na ação de consignação em pagamento, verifica-se que, ocorrendo a inércia do réu, são presumidos os fatos verdadeiros narrados pelo autor, cabendo ao juiz julgar antecipadamente o mérito, com fundamento do artigo 355, II, do Novo Código de Processo Civil de 2015. Percebe-se que tal presunção não é absoluta, sendo a mesma relativa, sendo cabível ao magistrado inclusive julgar improcedente a demanda, ou seja, contrariamente aos fatos narrados pelo autor. O êxito da demanda depende da demonstração de um conjunto probatório mínimo, capaz de convencer o magistrado a julgar pela procedência do pedido, sendo certo que ao juiz é aplicado o princípio da verdade real e do livre convencimento motivado, desde que de forma fundamentada, conforme art. 93, IX da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

            De acordo com o entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, a norma prevista no artigo 546, caput, do Novo Código de Processo Civil de 2015 deve ser interpretada de forma harmônica com o sistema processual. Confira-se a ementa do julgado:

 

Processual civil. Recurso especial. Ação de consignação em pagamento. Revelia. Procedência do pedido. Relativização.

- Na ação de consignação em pagamento, quando decretada a revelia, não será compulsória a procedência do pedido se os elementos probatórios constantes nos autos conduzirem à conclusão diversa ou não forem suficientes para formar o convencimento do juiz Recurso especial não conhecido.[24]

 

            Ato seguinte do procedimento, o magistrado determinará que o autor da ação de consignação em pagamento especifique as provas que pretende produzir para então ocorrer a instrução do processo, seguindo a demanda pelo procedimento comum.

            A doutrina pátria, conforme leciona Humberto Theodoro Júnior, afirma que é cabível a ocorrência da reconvenção, tendo em vista que, após o depósito realizado no início da demanda, antes da citação do réu, o rito a ser seguido é o comum[25].

            Frise-se que ao réu é cabível oferecer a contestação, conforme artigo 544 do Novo Código de Processo Civil de 2015, limitando-se as suas alegações às matérias de mérito. Para parte doutrina pátria, seguida por Antônio Carlos Marcato, a limitação mencionada é indevida, devendo o rol do dispositivo legal ser exemplificativo[26]. Por outro lado, outra parte da doutrina pátria, seguida por Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, entende que o rol da norma processual citada deve ser interpretado de forma exaustiva, tratando-se de uma ação com cognição limitada[27].

            Ressalta-se ainda que o réu da ação de consignação em pagamento poderá alegar que não houve recusa ou mora em receber a quantia ou coisa devida, em conformidade com o artigo 544, I, do Novo Código de Processo Civil de 2015, ocasião na qual caberá ao autor o ônus da prova, provando que tentou realizar o pagamento. Mediante o reconhecimento de que houve a recusa, poderá o réu apresentar nos autos a alegação de justeza de sua atitude, conforme dispõe o inciso II do referido dispositivo legal mencionado, indicando o réu a ausência dos requisitos do pagamento.

            Cumpre destacar ainda a possibilidade do réu alegar que o depósito em consignação foi efetivado no prazo ou no lugar do pagamento diverso do pactuado, conforme artigo 544, III, do Novo Código de Processo Civil de 2015, sendo nesse caso cabível a alegação de imprestabilidade da prestação. A alegação referente ao depósito não efetivado no lugar do pagamento poderá ser concretizada na contestação ou através da exceção de incompetência relativa, sendo possível a dupla alegação: (a) matéria de mérito indireta, que acolhida leva à improcedência do pedido do autor; (b) matéria de exceção de incompetência, que acolhida leva a remessa do processo ao juízo competente.

            Após a citação do réu, a ação de consignação em pagamento segue o procedimento comum, seguindo-se, ao momento da apresentação da defesa pelo réu, o saneamento do processo, ou seja, a instrução probatória com a posterior prolação de sentença, sendo que esta se mostra recorrível através do recurso de apelação, a ser recebida no duplo efeito, conforme artigo 1.012, caput, do Novo Código de Processo Civil de 2015.

            Em regra, a natureza da sentença da demanda consignatória é meramente declaratória, tendo em vista que no acolhimento do pedido do autor haverá declaração e extinção da obrigação em razão da idoneidade e suficiência do depósito realizado; e na rejeição do pedido haverá a declaração de que o depósito realizado não é apto a extinguir a obrigação.

            De outro lado, de forma excepcional, a sentença poderá ter natureza condenatória, quando a parte ré alega insuficiência do depósito e a parte autora não realiza o complemento do depósito no prazo de 10 (dez) dias, caso em que o magistrado, analisando o conjunto dos fatos e das provas acostados aos autos, poderá condenar a parte autora a pagar a diferença de valores, conforme artigo 545, § 2º, do atual Código de Processo Civil. Eis o entendimento dos doutrinadores Alexandre Câmara, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart.[28].

            Ressalta-se que tais entendimentos doutrinários e conclusões não foram controvertidas na vigência do anterior Código de Processo Civil de 1973, tendo em vista que não havia a previsão acerca da natureza condenatória da ação de consignação em pagamento. O Novo Código de Processo Civil de 2015 resolveu de forma parcial a referida omissão, tendo em vista que o artigo 546 do novel diploma processual civil dispõe que, julgado procedente o pedido, o magistrado declarará extinta a obrigação e condenará o réu ao pagamento de custas e honorários advocatícios.

 

3. CONCLUSÃO

 

            Diante do exposto, concluiu-se que a consignação em pagamento é uma forma de extinção de uma obrigação jurídica, podendo ocorrer judicial ou extrajudicialmente.

            Houve uma análise das hipóteses de cabimento da referida consignação, destacando-se a recusa do credor em receber ou dar quitação; e a impossibilidade do credor de receber, em razão da incapacidade civil do credor, do desconhecimento de quem seja o credor, se este é declarado ausente ou se residir em lugar incerto ou de acesso difícil ou perigoso. A dúvida a respeito de quem deva legitimamente receber e a existência de litígio sobre o objeto do pagamento também são hipóteses da consignação.

            Abordou-se neste estudo o objeto, a competência, a legitimidade e o procedimento legal da consignação em pagamento no ordenamento jurídico, levando-se em consideração os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais pátrios.

            Constatou-se a possibilidade de declaração na ação de consignação em pagamento de nulidade de cláusula contratual, o que demonstra a capacidade de discussão de cláusula contratual e do valor do débito.

            Com relação à competência da ação consignatória, verificou-se que, em regra, a competência é a do foro do lugar do pagamento, sendo exceção a competência do foro do domicílio do réu. Já com relação aos legitimados ativos, constatou-se que os mesmos são o devedor ou seus sucessores e os terceiros estranhos à relação jurídica de direito material obrigacional. Na hipótese de terceiro juridicamente interessado ocorre a sub-rogação, tendo em vista que o terceiro, diante da extinção da obrigação por consignação, assume os direitos e ações do credor satisfeito frente ao devedor.

            Verificou-se, quanto ao objeto da ação de consignação em pagamento, que pode ocorrer a consignação de dinheiro, consistente na obrigação de pagar quantia certa, e a consignação de coisa/objeto, consistente na obrigação de entregar coisa certa.

            Acerca do procedimento da ação de consignação em pagamento, constatou-se que o mesmo é um ato processual solene, mediante a observação do preenchimento de requisitos formais para o seu cabimento, como a prova do depósito e a prova da recusa.

No que tange à revelia na ação de consignação em pagamento, verificou-se que, ocorrendo a inércia do réu, são presumidos os fatos verdadeiros narrados pelo autor.

Conclui-se, por fim, que o Código de Processo Civil de 2015 dispõe das normas acerca da consignação em pagamento de forma objetiva, cabendo uma análise mais subjetiva nos casos concretos, mediante análise da doutrina e jurisprudência pátrias.

4.         REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Código Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm.

 

BRASIL. Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm

 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.

 

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <www.stj.jus.br>.

 

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