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Da Hermenêutica para a compreensão da lei e do Direito

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Agenda 22/08/2020 às 18:21

[1]  O ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras colidentes. (ALEXY).

[2] Miguel Reale afirma que os princípios jurídicos são balizas que regem a atividade legislativa e que norteiam a atividade do intérprete, nos seguintes termos: Ao nosso ver, princípios gerais de direito são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão de ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas. In: REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

[3] São os motivos que inspiram o legislador na elaboração da lei, embora devam ser auscultados, não constituem elementos decisivos para a interpretação. Vide interpretação. Circunstâncias do momento em que se originou a lei utilizada na interpretação lógica.

[4] A Escola Sociológica do Direito tem uma postura mais radical, busca nos fatos sociais a fonte direta o direito aplicável ao caso, uma vez que entende que o ordenamento jurídico positivo é insuficiente para a solução dos litígios levados ao Judiciário. Como Geny, Eugen Enrlich afasta a interpretação do direito da aplicação de pensamento silogístico, ressaltando o caráter ficcional deste tipo de atividade. A partir dessa perspectiva, o direito passa a ser visto como fato social, inaugurando uma frente de pensamento jurídico que compreende o direito positivo apenas como uma tecnologia condicionada ao ramo da sociologia jurídica.

[5] Vige forte tendência atual brasileira em prol do protagonismo judicial na frenética busca de concretização de direitos. Decorre daí, uma equivocada recepção da Jurisprudência dos Valores, um movimento ocorrido na Alemanha do pós-segunda guerra. Essa metodologia serviu para equalizar a tensão produzida depois da outorga da Lei Fundamental. Houve considerável esforço do Tribunal Constitucional para legitimar uma Carta Magana que não tinha sido constituída por ampla participação do povo alemão. O que justifica a afirmação do jus que é distinto da lex, isto é, a invocação de argumentos que permitisse ao Tribunal alemão recorrer aos critérios decisórios que se encontravam fora da rígida estrutura da legalidade. Dessa forma, a referência aos valores aparece como mecanismo de abertura de uma legalidade estreita e muito fechada que possibilitaria o totalitarismo nazista.

[6] Apesar da jurisprudência dos valores em muito se aproximar de sua antecessora, a jurisprudência dos interesses, mas com esta não se confunde. De qualquer modo, essas metodologias se formam em torno do positivismo e são tropicalizados para o Brasil, através da doutrina que se autodenomina “neoconstitucionalista”, sem se preocupar com o efeito colateral de continuar adotando variações do velho positivismo normativista, cujo ponto de maior destaque era a preocupação com a semântica, atribuindo ao julgador, a vontade (subjetivismo) em decidir os casos que lhes são submetidos à análise.

A jurisprudência dos valores leva à criação de padrões decisórios calcados no subjetivismo (enraizado no ideal valorativo individual), os quais, como sabemos, são lançados pelo sujeito encarregado de decidir, denunciando a máxima de que “primeiro se tem a solução e depois se busca a lei para fundamentá-la”.

[7] A Escola Dogmática, Exegese ou Clássica surgiu na França em torno do ano de 1804, juntamente com o Código Civil Francês de Napoleão. Também conhecido como o Código de Napoleão esta compilação de ditames do direito da época foi um conjunto notavelmente estruturado contando com regras de dedução que se impunha com a tentativa de uniformização através de um corpo sistemático de normas com o objetivo de evitar a obscuridade e a ambiguidade do direito da época. Com a Escola Dogmática vigeu a era da jurisprudência dos conceitos, valendo-se os juízes, como meros aplicadores do Direito, por meio de processos lógicos para desvelar o sentido da norma.

[8] Escola Teleológica (Alemanha) foi criada por Rudolf Von Ihering, segundo a qual, para se chegar ao espírito da lei, seria necessário buscar a finalidade do legislador ao editar determinada norma jurídica, considerando que a interpretação histórica não seria capaz de intuir a vontade do legislador, a mens legis caberia ao intérprete, para além da análise dos projetos de lei e sua contextualização em determinado período, a tarefa fundamental de extrair o que pretendia de fato o legislador ao criar a norma. Segundo Perelman, o direito é um meio do qual se serve o legislador para atingir seus fins, promover certos valores. Logo, o juiz deve remontar do texto à intenção que guiou sua redação, à vontade do legislador, interpretar o texto em conformidade com essa vontade, pois o que conta, acima de tudo, é o fim perseguido, mais o espírito do que a letra da lei. Considera-se tudo aquilo que causa maior quantidade de prazer para o maior número de pessoas possível.

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[9] O método tópico-problemático foi desenvolvido por Theodor Viehweg (1907-1988), em sua obra Topik und Jurisprudenz (Tópica e Jurisprudência), de 1953.  Viehweg retomou a tópica no meio jurídico, reagindo ao juspositivismo que predominava no século XX.  Apesar de o método tópico ter sido concebido por Viehweg no âmbito do direito civil, suas premissas metodológicas repercutiram em outros ramos do direito.

Diferentemente do método hermenêutico clássico, o tópico-problemático está centrado no problema e não na norma jurídica ou no sistema normativo. A técnica de interpretação sugerida por Viehweg se fundamenta em considerações pragmáticas a partir do problema a ser resolvido no caso concreto. O intérprete verifica os diversos topoi (pontos de vista) a respeito daquele problema, analisando-os a fim de obter a solução normativa adequada ao caso. Enquanto os demais métodos hermenêuticos adotam o modelo dedutivo, partindo da norma em direção ao problema, o pensamento tópico-problemático trilha em sentido oposto, ou seja, do particular (problema) para o geral (norma), adotando o modelo indutivo. Dessa forma, a tópica considera o problema em primazia sobre a norma. Conforme salienta Daniel Sarmento, a solução do problema apresentado se torna o objetivo central do intérprete, cujo compromisso com o sistema jurídico deixa de ser absoluto. A Constituição é concebida como um sistema aberto de princípios e regras a serem selecionados pelo intérprete segundo critérios de conveniência e oportunidade para alcançar a solução mais justa para o problema concreto a ser enfrentado.

[10] Segundo Daniel Sarmento, “os topoi (plural de topos) são diretrizes que podem eventualmente servir à descoberta de uma solução razoável para o caso concreto. Eles não são certos ou errados, mas apenas mais ou menos adequados para a solução do problema; mais ou menos capazes de fornecer uma resposta razoável para o caso, que se mostre persuasiva à comunidade de intérpretes. Dentre os topoi podem figurar elementos heterogêneos como o texto normativo, princípios morais, tradições compartilhadas etc.

[11] Uma conceituação de “concretização” a partir da Teoria Estruturante do Direito, Adeodato bem sintetiza: O procedimento genérico através do qual se procura adequar normas e fatos e decidir, tradicionalmente conhecido por “interpretação” ou “interpretação e aplicação do direito”, Müller denomina “concretização da norma”(Normkonkretisierung), procurando justamente afastar-se da hermenêutica tradicional e determinar mais precisamente seus conceitos e procedimentos. Nessa tarefa insiste que concretização não significa silogismo, subsunção, efetivação, aplicação ou individualização concreta do direito a partir da norma gera. In: ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. São Paulo: Saraiva, 2002.

[12] O recurso ao texto para se averiguar o conteúdo semântico da norma constitucional não significa a identificação entre texto e norma. Isto é assim mesmo em termos linguísticos: o texto da norma é o sinal linguístico; a norma é o que se revela ou designa. No mesmo sentido é o ensinamento de Humberto Ávila: Normas não são textos nem o conjunto deles, mas os sentidos construídos a partir da interpretação sistemática de textos normativos. Daí se afirmar que os dispositivos se constituem no objeto da interpretação; e as normas, no seu resultado. O importante é que não existe correspondência entre norma e dispositivo, no sentido de que nem sempre que houver um dispositivo haverá uma norma, ou sempre que houver uma norma deverá haver um dispositivo que lhe sirva de suporte.

[13] O círculo hermenêutico serve como um argumento padrão para aqueles que querem sustentar a autonomia das ciências humanas. Os defensores de uma metodologia alternativa para as ciências humanas o apresentam ou como um problema ontológico ou como um problema metodológico, ambos específicos das ciências sociais e das humanidades.  O filólogo Friedrich Ast foi provavelmente o primeiro a chamar a atenção para a circularidade da interpretação. Ele assinalou a “lei que fundamenta a compreensão e o conhecimento”: “encontrar o espírito do todo por meio dos componentes individuais e por meio do todo captar o individual”. Vários filósofos apresentam o círculo hermenêutico como um problema ontológico. O locus classicus ao qual eles se referem é Heidegger: “Este círculo da compreensão não é uma órbita em que qualquer tipo aleatório de conhecimento pode se mover; é a expressão da pré-estrutura existencial do próprio Dasein. Não deve ser reduzido ao nível de um círculo vicioso ou mesmo de um círculo tolerado”. Cabe perguntar: o que isso quer dizer e se o círculo hermenêutico constitui um problema desse tipo. Segundo a visão tradicional, a ontologia diz respeito ao que existe, e os argumentos ontológicos usualmente apresentados sustentam que o mundo deve conter coisas deste ou daquele tipo, por exemplo, seres necessários, coisas não extensas, coisas simples etc

[14] O método concretista da Constituição aberta se desenvolve em torno de três premissas: a) a abertura do círculo de intérpretes das normas constitucionais; b) a concepção de que o processo interpretativo é essencialmente público e aberto; e c) a correlação desse processo público e aberto com a construção da realidade. Häberle critica a hermenêutica constitucional clássica por estruturara interpretação constitucional no âmbito restrito de uma “sociedade fechada de intérpretes”, composta por juízes engajados em procedimentos formalizados. Uma teoria da interpretação constitucional, que leve a sério o tema “Constituição e realidade constitucional”, deve necessariamente se perguntar por todos os participantes da interpretação constitucional, ou seja, deve se perguntar pela “sociedade aberta dos intérpretes da Constituição”, ampla, plural e indeterminada, abrangendo todos os órgãos estatais, todas as potências públicas e todos os cidadãos. Deve igualmente se perguntar pelos procedimentos argumentativos que possibilitam o envolvimento dessa pluralidade de intérpretes na interpretação constitucional.

[15]método concretista da Constituição aberta se desenvolve em torno de três premissas: a) a abertura do círculo de intérpretes das normas constitucionais; b) a concepção de que o processo interpretativo é essencialmente público e aberto; e c) a correlação desse processo público e aberto com a construção da realidade.

[16] Diferentemente dos métodos sistemáticos (jurídico e científico-espiritual), os métodos concretistas adotam um raciocínio aporético, partindo da reflexão sobre o problema a ser resolvido e não sobre o sistema normativo. Não se fala em interpretação da norma, mas em concretização, ou seja, na sua aplicação para resolver problemas concretos. Não se pode interpretar a norma sem considerar atentamente os dados concretos a respeito do problema sobre o qual se pretende aplicá-la.

[17] Os métodos clássicos de interpretação, definidos por Savigny, tem, na visão de Tércio Sampaio Ferraz Jr, uma finalidade de orientar o intérprete na tarefa de decidir os conflitos através de regras técnicas que o auxiliam na obtenção de um resultado, sendo tais problemas de ordem sintática, semântica e pragmática. O método gramatical de interpretação tem por escopo realizar uma interpretação morfológica e sintática do texto normativo. Noutras palavras, a mera leitura do texto já seria capaz de revelar o sentido e o alcance da norma jurídica. A operacionalidade do método gramatical foi posta em evidência pela chamada Escola de Exegese na França pós-revolucionária. Insta dizer que, após a Revolução Francesa, acreditavam os revolucionários (agora no poder do Estado francês) que o Direito Natural já estava positivado no Código de Napoleão, pelo que seria despicienda qualquer interpretação que não a literal, sob pena de desnaturar o sentido da norma.

Tal concepção teórica decorria da forte inspiração iluminista que permeava o ar daquele tempo e lugar. No ancien regime, o déspota era a lei. Melhor dizendo, a sua vontade, falível e volátil, era a norma. E mais que isso, o monarca a interpretava livremente, alterando seu alcance e conteúdo quando fosse conveniente. O método gramatical termina, em última análise, por resgatar antigo brocardo jurídico, que ensina que “na clareza cessa a interpretação”, pois, ante a evidente redação normativa, não caberiam discussões sobre o sentido da norma. Trata-se do conhecido “brocardo da clareza”. Outro método hermenêutico clássico é o sistemático. Esse método tem por característica a busca do sentido da norma através de sua análise interna e externa, que seja, a análise da norma frente às demais que estão dentro do mesmo diploma normativo (análise interna) e frente às demais normas que compõem o ordenamento jurídico (análise externa).

[18] As principais críticas direcionadas ao método integrativo se referem à formulação excessivamente vaga de seus conceitos, à carência de uma fundamentação jusfilosófica bem estabelecida e à variabilidade e indeterminação das soluções de interpretação alcançadas por esse método. Tendo em vista que o método integrativo busca fundamento na realidade social em determinado momento histórico, o resultado da interpretação está sujeito a variações que podem comprometer a estabilidade constitucional e a segurança jurídica. A força normativa da Constituição pode restar enfraquecida em decorrência dessa divergência de interpretações.

[19]  Com a crise do positivismo jurídico deu-se a superação da rigidez entre o direito e a moral e a consequente abertura do debate filosófico-jurídico contemporâneo aos valores ético-políticos. Já não se sustentava mais possível reduzir os ordenamentos jurídicos a meras estruturas normativas, surgindo, daí, a concepção de que ao lado das regras (rules) também havia os princípios (principales). Neste novo contexto jusfilosófico, entende-se como aberto o sistema jurídico, de modo a, repita-se, albergar as regras e os princípios, conceitos e distinções que examinar-se-ão a seguir.

 

[20] A doutrina pátria de um modo geral vem tratando o neoconstitucionalismo – para nós o pós-positivismo à brasileira – como o novo direito constitucional, identificado como um conjunto amplo de transformações ocorridas no Estado e no direito constitucional, em meio as quais podem ser assinalados, como marco teórico, a formação do Estado constitucional de direito, cuja consolidação se deu ao longo das décadas finais do século XX; como marco filosófico, estaria o pós-positivismo, com a centralidade dos direitos fundamentais e a reaproximação entre direito e ética e, finalmente, como marco teórico, encontraríamos o conjunto de mudanças que incluem a força normativa da Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional. A doutrina brasileira, até certo ponto vai bem, quando afirma que no Estado Democrático a lei cede à força normativa da Constituição, assim como reconhece a jurisdição constitucional e as suas formas de interpretação, mas peca ao afirmar que o neoconstitucionalismo possui como marco filosófico o pós-positivismo. Em verdade, quando fazem essa afirmação, estão buscando no pós-positivismo o álibi para adotar a teoria da argumentação de Robert Alexy e a sua teoria da ponderação.

[21] No pós-positivismo, a função dos juízes, ao contrário do entendimento desenvolvido por Giuseppe Chiovenda, no início do século XX, deixou de ser apenas um atuar (declarar) a vontade concreta da lei, para consistir num ato de criação do direito.

[22] A metódica estruturante representa a rejeição absoluta do modelo legal de interpretação desenvolvido a partir dos postulados lógico-formais do positivismo metódico em qualquer das suas variações. Certamente, abordando o normativismo ancorado nas premissas da filosofia da consciência ou localizado fora do âmbito da experiência, realizou-se a ideia de um controle possível da correta aplicação normativa a principiar em cânones metodológicos desenvolvidos no âmbito interno do «sistema ». Expresso em termos genéricos, as diferentes correntes positivistas partem do reconhecimento de que o único objeto possível para a Ciência jurídica são as normas –positivas– de uma entidade com autoridade legítima, que por isso mesmo são consideradas normas válidas e de conteúdo imutável.

[23] Através as transformações havidas na Teoria Geral do Direito, e suas repercussões na Teoria Geral do Processo, os princípios deixaram de ser mera técnica de integração do Direito para constituírem espécie de norma jurídica, responsável, inclusive, na produção de outras normas jurídico processuais. Daí, com isso, afirmar-se a eficácia normativa dos princípios.

Sobre a autora
Gisele Leite

Gisele Leite, professora universitária há quatro décadas. Mestre e Doutora em Direito. Mestre em Filosofia. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Possui 29 obras jurídicas publicadas. Articulista e colunista dos sites e das revistas jurídicas como Jurid, Portal Investidura, Lex Magister, Revista Síntese, Revista Jures, JusBrasil e Jus.com.br, Editora Plenum e Ucho.Info.

Informações sobre o texto

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