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ANOTAÇÕES SOBRE A APLICAÇÃO DO CÓDIGO PENAL PARA CRIMES COMETIDOS FORA DO BRASIL

Agenda 23/08/2020 às 10:49

O ARTIGO DISCUTE CASO CONCRETO ENVOLVENDO CONFLITO DE COMPETÊNCIA ENTRE AS JUSTIÇAS DO BRASIL E DO PARAGUAI.

ANOTAÇÕES SOBRE A APLICAÇÃO DO CÓDIGO PENAL PARA CRIMES COMETIDOS FORA DO BRASIL  

 

I – O FATO

Segundo o Consultor Jurídico, em 13 de agosto de 2020, tem-se o que segue:

“A defesa do empresário paraguaio Felipe Cogorno Álvarez alega incompetência da Justiça Federal brasileira em pedido de Habeas Corpus impetrado no Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Ele foi investigado pelo braço carioca da "lava jato", teve sua prisão decretada em novembro do ano passado e seu nome foi incluído na lista de procurados da Interpol.

Álvarez é dono do principal shopping paraguaio na fronteira com o Brasil, em Pedro Juan Caballero. É acusado pelo Ministério Público Federal do Rio de ocultar US$ 500 mil para o doleiro Dario Messer, que por sua vez, teria movimentado milhões de reais para suspeitos presos em outras fases da "lava jato".

No pedido de HC, a defesa de Álvarez aponta que seu cliente é efetivamente acusado de ter, supostamente, via mensagem de Whatsapp, ter indicado a um amigo comum a Messer (Najun Turner), uma entidade financeira paraguaia para o recebimento de numerários.

Os valores, segundo o MPF, se tratavam de um suposto empréstimo do ex-presidente do Paraguai Horácio Cartes, com a finalidade de pagamento de honorários advocatícios.

Ainda a sua defesa alega que a lei penal brasileira simplesmente não se aplica ao caso em questão, já que as transações bancárias imputadas ao paciente a título de lavagem de dinheiro foram praticadas em solo paraguaio, e não envolveram patrimônio da União. Eles também lembram que essas operações também foram investigadas no Paraguai e não ficou demonstrado o crime de lavagem de dinheiro.

Em razão disso, a defesa cita o texto de lei que trata da regra de extraterritorialidade, que dispõe que "ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: os crimes: contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público".

Para o advogado José Augusto Marcondes de Moura Jr., a incompetência da Justiça Federal do Brasil no caso do seu cliente é clara. "A 'lava jato' não é juízo universal para todas as causas. Essas barbáries geram perplexidade e uma certa dose de incerteza jurídica", reclama.

Por sua vez, alegou a acusação, na denúncia ofertada:

“Essa temática guarda relação com os chamados “crimes a distância”, ou seja, aqueles no qual a conduta ocorre no território de um país, mas o resultado se aperfeiçoa – ou deveria se aperfeiçoar – no território de outro. Assim, conforme entendimento pacífico da doutrina brasileira, na hipótese de uma ação criminosa, como, por exemplo, ocultação de capitais e remessa ilegal de divisas, desenvolvida no Paraguai, mas cujo resultado (a ocultação, a dissimulação, a disponibilidade do capital proveniente de crime anterior, a conta bancária do beneficiário final etc.) ocorra ou devesse ter ocorrido no Brasil, incide a norma penal do art. 5º, conjugado com o art. 6º, ambos do Código Penal.”

É a aplicação do princípio da ubiquidade.

Para o caso, Felipe Cogorno Alvarez foi denunciado pela prática dos seguintes crimes:

(Lavagem de Dinheiro/Art. 1º, § 4º, da Lei 9.613/98 c/c Art. 71 do Código Penal) – (Evasão de Divisas/Artigo 22, § único, da Lei 7.492/86 c/c artigo 29 do Código Penal –). (Pertinência a Organização Criminosa/Art. 2º, § 4º, II, da Lei 12.850/2013 –

II -  A APLICAÇÃO DA LEI PENAL NO ESPAÇO  

Apontam-se na doutrina cinco princípios a respeito da aplicação da lei penal no espaço.

O princípio da territorialidade prevê a aplicação da lei nacional ao fato praticado no território do próprio país.

O princípio da nacionalidade cogita da aplicação da lei do princípio da lei do país de origem do agente, pouco importando onde o crime foi praticado.

Pelo princípio de proteção(da competência real, de defesa), aplica-se a lei do país ao fato que atinge bem jurídico nacional, sem qualquer consideração a respeito do local onde foi praticado o crime ou da nacionalidade do agente. Por esta última circunstância, difere do princípio da nacionalidade passiva. Defendem-se, assim, os bens jurídicos que o Estado considera fundamentais.

Pelo princípio da competência universal(ou da justiça cosmopolita), o criminoso deve ser julgado e punido onde foi detido, segundo as leis desse país, não se levando em conta o lugar do crime, a nacionalidade do autor ou o bem jurídico lesado. Isso porque, como ensinou João Mestieri(Teoria elementar do direito criminal, 1971, pág. 124), o crime é um mal universal.

Há ainda o princípio da representação, subsidiário, que determina a aplicação da lei do país quando, por deficiência legislativa ou desinteresse de outro que deveria reprimir o crime, este não o faz, e diz respeito aos delitos cometidos em aeronaves ou embarcações. É uma aplicação do princípio da nacionalidade, mas não a do agente ou da vítima, e sim do meio de transporte em que ocorre o crime, como explicou Celso D. de Albuquerque Mello(Direito penal e direito internacional, 1978, pág. 35).

III - O ARTIGO 5º DO CP

Segundo o princípio da territorialidade a lei penal só tem aplicação no território do Estado que a editou, não importando a nacionalidade do sujeito ativo ou passivo. 

Para a aplicação da regra da territorialidade é mister que se esclareça o local do crime.  

A esse respeito temos as seguintes teorias:  

  1. A teoria da atividade(ou da ação), em que o lugar do crime é o local de conduta criminosa(ação ou omissão);  
  2. A teoria do resultado(ou do efeito), em que se considera para a aplicação da lei o lugar da consumação(ou do resultado) do crime;  
  3. A teoria da ubiquidade(ou da unidade, ou mista) pela qual se entende como lugar do crime tanto o lugar da conduta como o do resultado.  

A fixação do critério é necessária nos chamados crimes à distância, em que a ação é praticada em um país estrangeiro, e a consumação ocorre no Brasil, ou vice-versa.  

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No Brasil, a última das teorias mencionadas, pelo Código Penal brasileiro, que, no artigo 6º assim declara:  

Art. 6º - Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado. 

Em síntese, entendemos que as espécies de extraterritorialidade são três:  

- incondicionada  

- condicionada  

- hipercondicionada  

Tem-se o artigo 7 do CP:  

Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984) 

I - os crimes: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) 

a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984) 

b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984) 

c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984) 

d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984) 

II - os crimes: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) 

a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984) 

b) praticados por brasileiro; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984) 

c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984) 

§ 1º - Nos casos do inciso I, o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984) 

§ 2º - Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições: (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984) 

a) entrar o agente no território nacional; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984) 

b) ser o fato punível também no país em que foi praticado; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984) 

c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984) 

d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984) 

e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984) 

§ 3º - A lei brasileira aplica-se também ao crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, se, reunidas as condições previstas no parágrafo anterior: (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984) 

a) não foi pedida ou foi negada a extradição; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984) 

b) houve requisição do Ministro da Justiça. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984) 

Pena cumprida no estrangeiro (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) 

Na hipótese da extraterritorialidade incondicionada, a lei brasileira se aplica de maneira imediata, sem qualquer condição. As hipóteses estão previstas no artigo 7º, inciso I, cujas alíneas a, b e c representam o princípio da defesa, real ou de proteção; enquanto que a alínea d é expressão do princípio da justiça universal. O inciso II do artigo 7º prevê a extraterritorialidade condicionada, pois a lei brasileira será aplicada mediante observância das condições impostas pelas alíneas a a d, do 2º; são condições objetivas de punibilidade, pois na ausência de qualquer delas o fato não é punível no Brasil. Por fim, a extraterritorialidade hipercondicionada, prevista no 3º do mesmo artigo 7º, é assim denominada porque para sua incidência, o fato deve reunir não só as condições exigidas no 2º, mas ainda não ter sido pedida extradição do estrangeiro (isso porque ele precisa estar no Brasil) e haver requisição do Ministro da Justiça.  

Na lição de Júlio Fabbrini Mirabete(Manual de Direito Penal, volume I, 7ª edição, pág. 76) a expressão “deveria produzir-se o resultado”, refere-se às hipóteses de tentativa. Aplicar-se-á a lei brasileira ao crime tentado cuja conduta tenha sido praticada fora dos limites territoriais(ou do território, por extensão), desde que o impedimento da consumação se tenha dado no país. Não será aplicada a lei brasileira, porém, aos casos de interrupção da execução, e antecipação involuntária da consumação ocorridos fora do Brasil ainda que a intenção do agente fosse obter o resultado no território nacional.  

A doutrina brasileira já externou posição no sentido de que “infeliz, foi o legislador, porém, ao não se referir, como na lei anterior ao resultado parcial”(artigo 4º).  É possível que a ação ocorra fora do território e que o agente não pretenda que o resultado se produza no país, neste ocorra parte do resultado, e esta não possa ser confundida com “todo” o resultado, o dispositivo não abrangeria essa hipótese. Entretanto, a ilação que se tem é que melhor consultaria aos interesses nacionais a interpretação de que parte do resultado é também resultado, aplicando-se a lei brasileira no caso do resultado parcial no Brasil.  

Tem-se a territorialidade absoluta que é aquela que dispõe que só a lei brasileira aplica-se sempre ao crime cometido no território nacional. 

Mas há a territorialidade temperada na medidas em que, de modo geral, aplica-se a lei brasileira ao crime cometido no Brasil, regra que não é absoluta, ressalvado os Tratados e Convenções Internacionais, quando excepcionalmente poderá a lei estrangeira ser aplicada a delitos cometidos total ou parcialmente em território nacional. Denomina-se este princípio de intraterritorialidade, quando a lei estrangeira é aplicada no território nacional, de fora para dentro do país. 

O Brasil adotou o Princípio da Territorialidade Temperada (art. 5 - CP). 

A regra no direito penal brasileiro é a territorialidade. A exceção se dá com a extraterritorialidade que se dá com relação a aplicação de lei brasileira a delitos praticados no estrangeiro. São exceções ao princípio da territorialidade. 

Há a chamada extraterritorialidade condicionada. Dela diverge a extraterritorialidade incondicionada sempre que se faça aplicação do princípio da defesa, onde a nacionalidade e a natureza do bem jurídico ofendido pela ação delituosa desenvolvida no estrangeiro é que justificam a aplicação da lei pátria. São os casos dos crimes praticados no exterior contra o Presidente da República, contra o patrimônio ou a fé pública da União ou contra a Administração Pública, a teor do artigo 7º, inciso I, do Código Penal, na redação dada pela Lei 7.209/84. 

Tem-se a extraterritorialidade condicionada, da leitura do artigo 7º, inciso II, daquele diploma legal. São esses os pressupostos:  

a) entrar o agente no território nacional; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984), não importando que seja breve ou longa, a passeio, a trabalho, legal ou clandestina;  

b) ser o fato punível também no país em que foi praticado; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984) 

c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984) 

d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984) 

e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984). Caso o agente tenha sido perdoado ou tenha ocorrido outras das causas de extinção da punibilidade previstas no artigo 107 do CP, ou estando o agente ao abrigo do dispositivo da lei estrangeira que consigna outras hipóteses de causas extintas ou lhes dá amplitude, não é possível a aplicação da lei nacional.  

A Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, também conhecida como Convenção de Palermo, promulgada com a edição do Decreto 5.015, de março de 2004, prevê que a infração será transnacional nas situações do Artigo 3º, Parágrafo 2º76: “2. Para efeitos do parágrafo 1 do presente Artigo, a infração será de caráter transnacional se: a) For cometida em mais de um Estado; b) For cometida num só Estado, mas uma parte substancial da sua preparação, planejamento, direção e controle tenha lugar em outro Estado; c) For cometida num só Estado, mas envolva a participação de um grupo criminoso organizado que pratique atividades criminosas em mais de um Estado; ou d) For cometida num só Estado, mas produza efeitos substanciais noutro Estado.”

  Estamos diante de regras de direito material com relação a aplicação da lei penal no espaço.  

IV – A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL

Em recente julgado (CC n. 167.770/ES), a Terceira Seção do STJ entendeu que compete à Justiça Federal o processamento e o julgamento da ação penal que versa sobre crime praticado no exterior, o qual tenha sido transferido para a jurisdição brasileira, por negativa de

extradição, aplicável o art. 109, IV, da CF (CC n. 154.656/MG, Ministro Ribeiro Dantas, Terceira Seção, DJe 3/5/2018) - (RHC n. 88.432/AP, Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe 8/3/2019).

Retiro conclusões do CC 167770 / ES, relator ministro Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 5 de dezembro de 2019:

“A mera existência de acordo ou tratado internacional de extradição vigente no Brasil, por si só, não atrai a competência da Justiça Federal para julgar ação penal na qual brasileiro é acusado

do cometimento de crime no exterior, visto que a competência federal definida no art. 109, V, da CF demanda, também que seja verificável a transnacionalidade do delito, seja dizer, a constatação de que o crime teve iniciada a execução em um país estrangeiro e seu resultado ocorreu ou deveria ter ocorrido no Brasil, ou vice-versa.

Se o delito praticado por brasileiro teve início e consumação em Estado estrangeiro, inviável o estabelecimento da competência federal para o seu julgamento com base no art. 109, V, da CF.

Isso não obstante, é possível estabelecer a competência extraterritorial criminal para o julgamento de delito cometido por brasileiro no exterior, com amparo no art. 109, IV, da CF, que  descreve a competência federal para o julgamento de infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União.

O interesse da União na persecução penal de delitos praticados por brasileiro no exterior advém da atribuição constitucional da União para representar a Nação nas relações com Estados estrangeiros (arts. 21, I, e 84, VII e VIII, da CF) e para cumprir tratados internacionais, competência essa da qual derivam, entre outros aspectos, algumas regras da cooperação jurídica internacional passiva (que tem lugar quando um Estado Requerido recebe de outro,

Requerente, um pedido de cooperação), como, por exemplo, a competência desta Corte para a homologação de sentenças estrangeiras e para a concessão de exequatur, e a competência da Justiça Federal para execução de cargas rogatórias (art. 109, X, CF),como se tem de precedentes do STJ.

Em síntese: a) compete à União manter relações com estados estrangeiros e cumprir os tratados firmados, fixando-se a sua responsabilidade na persecutio criminis nas hipóteses de crimes

praticados por brasileiros no exterior, na qual haja incidência da norma interna, e não seja possível a extradição, segundo dispõem os arts, 21, I, e 84, VII e VIII, da Constituição Federal (RHC 97.535/RS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 26/6/2018, DJe 1º/8/2018); b) compete à Justiça Federal o processamento e o julgamento da ação penal que versa sobre crime praticado no exterior, o qual tenha sido transferida para a jurisdição brasileira, por negativa de extradição, aplicável o art. 109, IV, da CF (CC 154.656/MG, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Terceira Seção, julgado em 25/4/2018, DJe 3/5/2018).”

No mesmo diapasão: RHC 88.432/AP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SextaTurma, julgado em 19/2/2019, DJe 8/3/2019; HC 95.595/PR, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 18/9/2018,DJe 2/10/2018; AgRg no RHC 102.211/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO,

Sexta Turma, julgado em 6/8/2019, DJe 12/8/2019.

Há jurisprudência   do   Superior Tribunal  de  Justiça  dispondo  que aplica-se  a  extraterritorialidade  prevista no art. 7º, inciso II,alínea  b,  e  §  2º,  alínea  a,  do  Código  Penal, se o crime foi praticado  por brasileiro no estrangeiro e, posteriormente, o agente ingressou  em  território  nacional  e  que  o  crime  cometido,  no estrangeiro,  contra  brasileiro ou por brasileiro, é da competência da  Justiça Brasileira e, nesta, da Justiça Federal, a teor da norma inserta  no  inciso  IV  do  artigo 109 da Constituição Federal, por força  dos  princípios da personalidade e da defesa, que, ao lado do princípio  da justiça universal, informam a extraterritorialidade da lei  penal brasileira (Código Penal, artigo 7º, inciso II, alínea b,e parágrafo 3º) e são, em ultima ratio, expressões da necessidade do Estado  de  proteger  e  tutelar,  de  modo  especial, certos bens e interesses, como se lê das conclusões no RHC 95595 / PR, relator ministro Sebastião Reis Júnior, DJe de 2 de outubro de 2018.

Cabe à Justiça Federal instruir e julgar crimes assim cometidos.

O processo penal contra um cidadão brasileiro que não tenha sido extraditado em função de sua nacionalidade é uma causa referente à nacionalidade, o que atrai a competência da Justiça Federal, a teor do artigo 109, IV, da Constituição Federal.

V– CONCLUSÕES

Ora, se os fatos imputados não se enquadram nas hipóteses de extraterritorialidade territorial previstos no Código Penal, como citados, a competência para instruir e julgar o crime exposto é da Justiça do Paraguai.

No caso trazido à colação, alegou a defesa que o caso não envolve bens e interesses da União.

Ora não é qualquer hipótese que a lavagem afeta o sistema financeiro nacional ou a ordem econômica-financeira.

.
            A competência da Justiça Federal será estabelecida quando o crime de lavagem afetar o sistema financeiro nacional ou a ordem econômica-financeira, o que seria o caso quando houver concurso com o crime financeiro ou com o crime contra a ordem econômico-financeira.

Será caso da Justiça do Brasil definir se a configuração transnacional da organização criminosa determina essa competência em nosso país.

Aliás, a  Lei 12.850/2013 (que define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal), corporificando no âmbito de ORCRIMs transnacionais a citada teoria da ubiquidade, dispõe sobre a aplicação da jurisdição brasileira em seu § 2º do artigo 1º: “§ 2º Esta Lei se aplica também: I - às infrações penais previstas em tratado ou convenção internacional quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;”

Com o devido respeito, concluo que o crime imputado de lavagem de dinheiro tem conexão óbvia com os outros crimes imputados de organização criminosa, que tinha sua base no Brasil, e evasão de divisas que afrontou o sistema financeiro nacional.

Diante do exposto, a competência para instruir e julgar o crime retratado seria o da Justiça Federal do Brasil.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

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