1. INTRODUÇÃO
O Código Penal (Lei 2.848 de dezembro de 1.940) vigora há mais de 80 no ordenamento jurídico brasileiro. A evolução social acompanhada da preservação da moral são fatores de alta relevância e indispensáveis para que tenham ocorrido mudanças significativas no referido Código desde a sua promulgação e vigência, tendo em vista a mutação constante do corpo social que compõe uma nação sobre a qual este legisla.
O advento da Lei 13.718, que teve sua promulgação em 24 de setembro de 2018, e vigência em mesma data, sancionada pelo Ministro Dias Toffoli, Presidente do Supremo Tribunal Federal, na função de Presidente em exercício à época, veio para atender ao clamor social por um preenchimento das lacunas legislativas encontradas no Código Penal, até a sua efetiva sanção, tipificando condutas reprováveis e atentatórias à dignidade sexual da pessoa humana, a fim de que seja verificada uma maior segurança jurídica à população.
Dentre às alterações recepcionadas, em especial, será abordada a tipificação da infração penal de importunação sexual, os questionamentos e dúvidas mais constantes em relação à sua aplicação e eficácia defronte a análise dos casos concretos no meio jurídico. Assim como a demanda social recorrente, diante os inúmeros episódios inconvenientes que ocorrem no meio social de forma assustadoramente corriqueira.
Em razão da falta de especificidade legislativa, havia grande divergência na hora de enquadrar e julgar esses exemplos de comportamento. Por um lado, a delimitação da ação como sendo uma mera contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor, de baixo potencial ofensivo, punível apenas com multa, causaria além da sensação de impunidade do agente infrator, a falta de respaldo pelo legislativo às necessidades do caso concreto. Por outra via, classificar a conduta adotada como crime de estupro, elencado no rol dos crimes hediondos e com pena, inicialmente prevista, de 6 (seis) a 10 (dez) anos, tornaria a punição desproporcional e nada razoável.
Substancialmente, era essencial que fosse elaborado um tipo que abrangesse de fato ou, pelo menos, o mais aproximadamente possível, o que acontece no meio social, a fim de que houvesse maior firmeza pelas autoridades ao apontar a infração executada e julgar o caso concreto, bem como para que houvesse harmonia punitiva, isto é, para que não houvesse impunidade e, tão pouco, punição rigorosa demais.
Destaca-se que é garantia constitucional o direito à liberdade sexual de todo ser humano e a livre escolha de dispor, ou não, do próprio corpo, ao que se refere a atos de cunho sexual. Para isso, a pessoa deve possuir capacidade para tanto e nos limites que não ofendam direito alheio. E, é com base nos princípios Constitucionais, por mais abstratos que sejam, que foram norteadas essas normas infraconstitucionais complementares, a fim de garantir melhor instrução ao ordenamento jurídico nacional e sua aplicação nos casos concretos.
2. A IMPORTUNAÇÃO SEXUAL
2.1. Conceito do Crime
O texto legal caracteriza a importunação sexual na prática de ato libidinoso, contra sujeito certo e determinado, e sem o seu consentimento, com a finalidade de satisfazer a lascívia própria ou a de terceiro.
O núcleo do tipo é o ato de “praticar” e, em regra, trata-se de delito comissivo, ou seja, cometido mediante ação do agente. Porém, o crime também pode ser configurado na forma omissiva, nos casos em que a pessoa que possui o dever e a possibilidade de agir para evitar a realização da prática de um crime, de acordo com o previsto no art. 13, §2°, do Código Penal, se omite, não agindo em defesa da vítima, uma vez que a situação também lhe proporciona satisfação sexual, configurando assim o crime de importunação sexual de forma omissiva imprópria.
Tem-se por libidinoso “qualquer ato com conotação sexual, destacando-se para fins deste delito a masturbação, os toques íntimos, e o contato corporal erótico, a exemplo daqueles que infelizmente acontecem nos meios de transporte coletivo” (MASSON, 2019, p. 40), ou ainda que proporcione ao sujeito sensação de excitação, o que emprega subjetividade ao tipo.
Carlos Roberto Bittencourt (2018), ilustre e notável doutrinador, assevera que:
Ato libidinoso é ato lascivo, voluptuoso, erótico, concupiscente, que pode ser, inclusive, a conhecida conjunção carnal (cópula vagínica) ou qualquer outro ato libidinoso diverso dela, por exemplo, a ejaculação, praticada na presença da vítima e até mesmo nela, “mas não com ela”, e sem a sua anuência.
Muito embora o entendimento doutrinário seja unânime ao que diz respeito sobre a classificação do que venha a ser ato libidinoso, é válido mencionar sobre as condutas que não são consideradas libidinosas aos olhos da maioria, mas que possuem conotação sexual subjetiva ao agente infrator como, por exemplo, o indivíduo que sente prazer ao esfregar-se nos cabelos ou nos pés de outra pessoa.
O legislador preocupou-se em constar as expressões “contra alguém” e “sem a sua anuência” a fim de que a conduta não seja confundida com a prática do crime de ato obsceno, previsto no artigo 233 do Código Penal, que se caracteriza pela prática de ato atentatório, de conotação sexual, em local público ou de fácil acesso ao público, porém sem destinação ou direcionamento específico. A diferença entre este com o crime agora previsto pelo artigo 215-A do Código Penal é a especificidade da vítima, ou seja, para que seja configurado o crime de Importunação Sexual a prática do ato libidinoso deve ser realizada de forma direcionada à pessoa certa e específica, bem como: “O texto legal exige que o ato seja praticado contra alguém e não com alguém de modo que o contato físico não e imprescindível. É necessário, porém, que a conduta seja direcionada especificamente a uma ou algumas pessoas.” (GONÇALVES, 2019, p. 619).
Desse modo, a falta de consentimento da vítima é requisito fundamental para que seja caracterizada a prática da conduta deste tipo, posto que a hipótese da concordância da vítima não gera ilícito algum, salvo nos casos de vulnerabilidade, seja por ser menor de 14 (quatorze) anos de idade, por enfermidade ou deficiência psíquica ou que não esteja em pleno gozo de discernimento sobre o ato. Não há necessidade de que a efetivação do ato seja praticada em ambiente público, uma vez que a importunação pode caracterizar-se em local privado e sem a presença de outras pessoas. Logo, até mesmo no próprio domicílio de uma das partes envolvidas (agente infrator ou vítima), uma vez que não há na redação do tipo o pressuposto de que para que se caracterize o tipo do crime a efetivação da prática deve ser realizada em local público.
Além disso, a subsidiariedade do tipo é inequívoca ao que diz respeito à pena, quando se verifica a expressão “se o ato não constitui crime mais grave”, fazendo total referência ao crime de estupro, que se diferencia pelos meios de execução, o qual é praticado mediante violência ou grave ameaça, previsto pelo disposto no artigo 213 do Código Penal, bem como também o crime de estupro de vulnerável, o qual não há necessidade da presença de violência ou grave ameaça, mas apenas a efetivação do ato libidinoso contra pessoa vulnerável ou em estado vulnerável, o qual tem previsão no artigo 217-A do mesmo diploma legal.
Trata-se de crime formal, cuja consumação se dá independente do resultado, todavia o dolo é elemento subjetivo direto e específico do crime, isto é, se faz necessária a presença da vontade na prática do ato pelo agente, uma vez que não se admite a prática do crime na modalidade culposa, a exemplo dos casos em que alguém esbarra em outra pessoa e acidentalmente encosta nas partes íntimas de outra pessoa. A ausência do dolo gera atipicidade à conduta.
O tipo constitui o rol dos crimes de médio potencial ofensivo, uma vez que a pena atribuída é de 1 (um) a 5 (cinco) anos de reclusão, o que confere ao agente a possibilidade do benefício da sursis processual. Portanto, cabendo a suspensão condicional do processo, que é um instituto de natureza híbrida, de direito penal e processual penal, cabível ao agente que comete crimes cuja pena base seja igual ou inferior a 1 (um) ano, não estar sendo processado pela prática de outro incidente criminal, e ainda não for reincidente no delito. Este benefício é assegurado pelo previsto no artigo 89 da Lei 9.099/95 e em observação ao disposto nos incisos do artigo 77 do Código Penal. O sursis processual tem por objetivo gerar despenalização e dar celeridade ao processo criminal.
Entretanto, ainda que o agente possua esse benefício, a pena máxima classificada em 5 (cinco) anos confere a impedimento do arbitramento da fiança pela autoridade policial nas situações em que não se verificam implícitos os requisitos do sursis processual, sendo que o caso em flagrante necessariamente deverá ser analisado pelo judiciário.
Ou seja, a penalização incumbida pela nova lei traz uma sensação maior de segurança jurídica do que a contravenção penal prevista pelo disposto no artigo 61 da lei de contravenções penais que anteriormente era aplicada aos casos análogos e que fora revogada com o advento da lei 13.718/2018.
2.2. Objetivo da Criação do Tipo
Em meados do ano de 2017 houve uma grande comoção da sociedade, em escala nacional, diante do caso de uma mulher que foi surpreendida com uma ejaculação enquanto estava no interior de um meio de transporte público coletivo. A mulher ficou em estado de choque e a polícia militar foi acionada. O agente infrator foi encaminhado até a delegacia de polícia civil, onde foi indiciado pelo crime de estupro. No entanto, foi solto logo em seguida em ocasião de audiência de custódia sob a fundamentação da ausência do emprego de violência ou de grave ameaça para a efetivação do ato libidinoso praticado, uma vez que estes são os meios de execução elementares do crime hediondo de estupro.
O Judiciário encontrava-se atado em relação à tentativa de enquadramento deste exemplo de conduta, logo: “O caso revelou um vácuo na legislação brasileira. De um lado, estava o crime de estupro, de natureza hedionda; na outra extremidade, a contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor, de menor potencial ofensivo” (MASSON, 2019, p. 39). Atribuiu-se ao delito a contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor, prevista pelo art. 61. do decreto-lei de contravenções penais 3.688 de 1941, a qual possui como penalização uma multa pouco significativa ou prestação de serviço social. Posto em liberdade, o agressor tornou a repetir a mesma prática de comportamento, face o resultado de impunidade. Percebe-se, portanto, que: “Era imprescindível à criação de uma figura intermediária, sem a gravidade do estupro, mas também sem a brecha para a impunidade da contravenção penal.” (MASSON, 2019, p. 39).
Em tempo de ocasião da grande repercussão desses casos, posicionou-se a Promotora de Justiça de violência doméstica do Ministério Público de São Paulo:
Não temos na legislação um tipo penal que se encaixe nesse tipo de conduta. Para qualificar como estupro, os elementos precisam estar muito bem configurados - senão vai causar absolvição. E se não tem resposta penal adequada nesses casos, fica muito ruim. A sensação para essa mulher é de que a integridade física, psicológica, sexual dela não vale nada para a Justiça. A sensação para ele é de que saiu barato praticar esse ato. (MENDONÇA, 2017)
Em verificação primordial a este e, posteriormente, a outros vários casos que vieram a apresentar-se, é que adveio a ideia para o início da formulação da Lei, ora em análise, em especial, o dispositivo do artigo 215-A.
O objetivo e finalidade da inserção do novo tipo legal era o de, além de atender o clamor social por uma segurança jurídica efetiva, suprir a lacuna encontrada na legislação penal brasileira, bem como “possibilitar punição mais rigorosa aos inúmeros casos de abuso sexuais ocorridos, precipuamente em coletivos lotados” (GONÇALVES, 2019, p. 619).
Para suprir essa lacuna, a Lei 13.718/2018 acrescentou ao Código Penal, em seu art. 215-A, o crime de importunação sexual, punido com reclusão de 1 (um) a 5 (cinco) anos.
Além disso, o art 3°, II, da Lei 13.718/2018 revogou o art. 61. do Decreto-lei 3.688/1.941, eliminando a contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor.
3. DA REALIDADE
Apesar do advento da nova lei, criminalizando dentre outras, a conduta agora tida como alcunha de importunação sexual, não obstante ser de entendimento presumido o conhecimento das leis em vigência em âmbito nacional por todos os membros que compõem a sociedade, em razão de sua publicidade, existem dificuldades que sobrepujam a tipificação do crime, sendo notória “A demora na atualização de sistemas de registro e a falta de conhecimento da nova lei por agentes públicos e pela população” (GOMES; ZAREMBA, 2019). Em outras palavras, é seguro dizer que, embora tenha se passado tempo razoável desde a aprovação e sanção da lei 13.718 de 2018, talvez a falta da propaganda periódica da criminalização da conduta seja fator imprescindível para que as vítimas deste crime tenham efetivo conhecimento da criminalização desta conduta e sintam confiança para denunciar o agente infrator, bem como também para que os agentes públicos tenham maior ciência sobre o assunto em si. Em setembro do corrente ano, o Jornal Folha de São Paulo publicou “Um ano depois da aprovação da lei que definiu o crime de importunação sexual, o estado de São Paulo registrou 3.090 casos do tipo, principalmente em vias públicas (31%), residências (26%) e no transporte público (12%).” (GOMES; ZAREMBA, 2019).
A realidade é que, ainda que os números registrados sejam verdadeiramente alarmantes, estes ainda não refletem com veracidade dos fatos, uma vez que as vítimas nem sempre optam pela denunciação.
Outra razão para que não haja a denúncia por intermédio da vítima, é a cultura imposta por uma sociedade construída nos moldes do machismo, até mesmo pelas pessoas do gênero feminino. Historicamente ser vítima de violência sexual sempre fora relacionada como se, de alguma forma, fosse culpa da vítima em razão de ausência de honra e sua consequente desvalorização diante da sociedade. Um pensamento que precisa ser modificado, principalmente pela própria vítima que, além de todo o constrangimento físico e psicológico sofrido pelo assédio importuno, ainda tem que lidar com a própria autorreprovação, uma vez que a sociedade a faz acreditar que, de alguma forma, ela teria parte da culpa de ter se tornado vítima nesses casos.
E é por essa razão que o legislador alterou a forma de processamento, não só do novo tipo legal em análise neste trabalho, mas também para todos os crimes do rol dos crimes contra a dignidade e liberdade sexual. O que antes só era processado mediante queixa e representação (autorização) da vítima, agora são processadas mediante denunciação independente do Ministério Público, como ação penal pública incondicionada. Tal fato causou bastante controvérsia no meio jurídico e social no que diz respeito à preservação da vontade da vítima e sua autonomia, mesmo que esta seja maior e capaz, em razão do chamado “strepitusjudicis - escândalo do processo -, ou seja, a avaliação de que o ajuizamento da ação provocaria na ofendida mal maior que a impunidade do criminoso” (SANTOS, 2018). O objetivo dessa nova forma de atuação é o de evitar a revitimização e a impunidade do agressor.
Por fim, ainda que a recente alteração legislativa possa ser considerada avanço no tocante aos crimes sexuais, a proteção eficiente da dignidade e liberdade sexual não será possível sem que a aplicação dos dispositivos penais venha acompanhada do que se convencionou chamar de perspectiva de gênero na aplicação do Direito: olhar cuidadoso para a vítima, sabidamente, em sua grande maioria, meninas e mulheres. (SANTOS, 2018).
Assim sendo, é perceptível que o intuito do legislador ao tornar o processamento dessas ações em públicas incondicionadas foi o melhor possível, porém, efetivamente, pode ser que não atenda verdadeiramente à demanda, em razão da possibilidade de a vítima se sentir mais constrangida do que protegida. Soma-se a isso, ainda, não é possível o conhecimento do órgão ministerial sem a prévia manifestação da vítima junto a este ou à autoridade policial.
3.1. Análise Prática
Quanto à questão da vítima que se encontra em situação de vulnerabilidade por não possuir capacidade total ou parcial de discernimento para consentir com o ato, seja pela utilização moderada de álcool, o que não caracteriza a embriaguez integral, mas que, sem dúvidas, gera influência sobre a capacidade de anuência da vítima. Além disso, o agente, tendo conhecimento de tal condição, aproveita-se disso para a realização da prática de ato libidinoso contra esta pessoa. Por conseguinte, o analisador e aplicador do direito deverão se atentar minuciosamente sobre quais atos libidinosos foram praticados contra aquela vítima, uma vez que se houver algum tipo de penetração será configurado o crime de estupro em sua forma qualificada, mediante fraude. Essa, por sua vez, está prevista, no artigo 217-A, §1° no Código Penal Brasileiro, que tem por redação que “qualquer outra causa que leve a vítima a não oferecer resistência” (BRASIL, 1940).
Quanto à existência de embriaguez total não serão aplicadas as regras contidas no tipo do novo crime de importunação sexual, uma vez que a situação emprega total vulnerabilidade à vítima. Em analogia à prática de atos libidinosos contra pessoa menor de 14 anos, será aplicado o disposto no artigo 217-A do mesmo diploma legal, em consagração ao princípio da especialidade da norma.
Existe muita discussão no meio jurídico sobre a possibilidade da desclassificação do crime de estupro de vulnerável nos casos em que o ato libidinoso praticado contra menor de 14 (quatorze) anos não caracteriza a penetração efetiva. Foi o que se tentou na defesa do caso de um avô que tocou nas partes íntimas de seu neto, por cima da roupa, quando este tinha 6 anos de idade. O avô foi acusado do crime de estupro de vulnerável. A defesa arguiu a desclassificação do crime de estupro de vulnerável para a agora chamada importunação sexual.
Porém, o entendimento jurisprudencial permanece desfavorável ao agressor neste sentido, baseado no fundamento que nestes casos a violência é presumida, sendo incabível a desclassificação do delito para um crime menos grave, de pena menos severa.
3.2. Casos Concretos
O primeiro caso de grande notoriedade ocorrido no país aconteceu em 2017, mais especificadamente em 27 de setembro, numa manhã, quando um homem foi detido suspeito de ejacular nas pernas de uma mulher, no interior de um ônibus, na zona leste de São Paulo. Em depoimento, a vítima relatou que sentiu uma movimentação diferente e, quando se deu por si, sentiu algo escorrer em suas pernas e pingar no pé.
Somente no Estado de São Paulo, em março do corrente ano, seis meses após a sanção da Lei 13.718/2018, foram registrados 1.882 casos típicos do crime de importunação sexual, previsto pela redação do artigo 215-A.
Exclusivamente no mês de março, mês em que ocorreu o Carnaval, maior festival popular do país, que ocorre antes do início da quaresma, período do ano litúrgico que antecede a páscoa no cristianismo foram verificados o registro de 348 casos no Estado.
O que ainda se verifica é a impregnação de uma cultura machista que confere na sociedade uma falta de respeito à dignidade e à liberdade sexual das pessoas, em maioria esmagadora mulheres e meninas.
Embora demasiadamente tardia, a elaboração da lei a fim de evitar maior sentimento de impunidade na sociedade no que tange esse exemplo de conduta. Assim, apesar de recente, existem grandes expectativas no meio jurídico sobre as próximas etapas após a aprovação desta nova lei.
3.3. Alguns Princípios Constitucionais Considerados
Muito importante ressaltar a necessidade de mencionar a observância dos princípios que são garantidos pela Constituição Federal de 1988, em vigência no país, os quais servem de base norteadora para a elaboração das leis infraconstitucionais que complementam o legislativo nacional. Com as leis penais não seria diferente.
Além disso, a fundamentação de toda análise do caso concreto e a forma como este será julgado também deve ser apoiada nos preceitos que implicam os princípios dos quais foram baseados a criação do tipo em questão.
A previsão na Constituição Federal para esses princípios encontra-se, em sua maioria, na extensão da redação do artigo 5°, em tratados internacionais e afins. O parágrafo 2°do referido artigo diz: “Os direitos e garantias expressas nesta Constituição não excluem outros decorrentes o regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. (BRASIL, 1988)
3.3.1. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
O princípio da dignidade da pessoa humana é considerado por muitos um postulado, tamanha a proporção de importância para que seja tutelada. Existem afirmativas de que seu conceito seja derivado da Bíblia Sagrada. Assim, chega-se a conclusão de que seu surgimento se deu com o cristianismo e fora aperfeiçoado pelos estudiosos. Todas as pessoas possuem por titularidade direito a esse princípio supremo, vez que a não aplicação deste importa não só na violação frontal ao que preceitua a Constituição Federal, bem como no desleixo à observação os direitos fundamentais do indivíduo e da sociedade como um todo.
Sua previsão é expressa de forma consagrada no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal, que traz como redação “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados, e Municípios, e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana”.
Esse princípio delimita a importância de toda e qualquer pessoa exigir que esta dignidade seja respeitada também no que diz respeito à sua sexualidade, bem como respeitar as opções, desejos e consentimentos de outrem.
Logo, é dever imposto ao Estado pela Constituição Federal que este preceito seja atingido por todos, a fim de que se alcance o devido respeito, de forma digna, o respeito à livre escolha sexual individualizada.
3.3.2. Princípio da Proporcionalidade
A ponderação do princípio da proporcionalidade norteia tanto a criação de tipos penais, como também a aplicação das penalizações à eles incumbidas.
Em distinção interna, existe a chamada proporcionalidade abstrata, a qual se dirige ao legislador, que por sua vez elege quais penas são adequadas para cada infração penal e sua graduação. Já a proporcionalidade concreta objetiva direcionar os fundamentos usados pelo juiz em ocasião da ação penal, a fim de que seja respeitado o princípio da individualização da pena. Isso porque cabe a esse profissional analisar sempre o caso concreto e suas características objetivas e subjetivas. E, ainda, a proporcionalidade executória, que regulamenta os órgãos da execução penal, versando sobre as regras inerentes ao cumprimento da pena sentenciada, vez que, novamente, deve ser levado em consideração às características subjetivas do infrator.
O princípio da proporcionalidade pode ser observado nos parâmetros estabelecidos para a fixação da pena base, uma vez que o tipo traz razoabilidade de penalização em atenção ao ato cometido e punição a que a prática deste está sujeita.
3.3.3. Princípio da Razoabilidade
Este princípio busca, essencialmente, apreciar a análise individual de cada caso concreto, logo, relaciona-se ao bom senso jurídico. Nisso, difere o princípio da proporcionalidade, uma vez que não exige uma relação de meio e fim. Em outras palavras, o objetivo de resguardo deste princípio é de observar se a medida de punição adotada para a totalidade comum na maioria das situações é realmente a mais conveniente para aquele sujeito determinado. Trata-se de uma análise individual de um caso específico em meio a generalidade, em razão de sua excepcionalidade.
Neste sentido, esse princípio é utilizado como parâmetro para a elaboração das leis infraconstitucionais que regem o ordenamento jurídico nacional.
3.3.4. Princípio da Isonomia
O Princípio da Isonomia, por sua vez, visa, conforme já dizia Rui Barbosa, tentar prover o tratamento desigual para os desiguais, na medida de sua desigualdade, e aos iguais igualmente. O Princípio é símbolo do espírito da democracia, além de ser fundamento para tantos outros princípios constitucionais e infraconstitucionais.
Na Constituição Federal Brasileira de 1988, está prevista no artigo 5°, caput, que preceitua “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (BRASIL, 1988). Ou seja, o princípio da isonomia visa garantir o tratamento igualitário nos moldes da lei para todos os cidadãos.
Para a criação da lei analisada neste trabalho, assim como para o dispositivo em evidência, o princípio da isonomia fora verdadeiramente considerado, uma vez que o dispositivo não faz diferenciação de gênero quanto à possibilidade de sujeito ativo e passivo do novo tipo legal, bem como resguarda os desiguais nas medidas de suas desigualdades ao prever a subsidiariedade expressa no texto.