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A alteração do Código Penal proporcionada pela Lei nº 13.718/18 quanto à importunação sexual e sua aplicabilidade

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4. DA REVOGAÇÃO DA CONTRAVENÇÃO PENAL

4.1. Importunação Ofensiva ao Pudor

Um dos efeitos da sanção da Lei 13.718 de 2018 fora a revogação do dispositivo anteriormente previsto pelo artigo 61 do Decreto-lei 3.688/1941 de contravenções penais, in verbis: “Importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor” (BRASIL, 1941). A pena para quem praticava a conduta prevista no tipo era de multa, ou o equivalente à prestação de serviços sociais.

Entendeu o legislador que, ao criar o tipo de importunação sexual, seria razoável a revogação da contravenção penal que, até então, era aplicada nos casos em que se enquadravam a conduta agora proporcionalmente prevista no ordenamento jurídico.

Entretanto, uma dilação de quase 80 (oitenta) anos foi necessária para que as autoridades competentes percebessem que uma conduta desta escala de gravidade não poderia ser punida tão somente com a aplicação de multa.

Se por um lado o legislador não esconde o fato de que a criação do novo tipo teve como base o populismo penal, uma vez que fora uma resposta ao clamor social ante a grande repercussão dos casos ocorridos no país e propagados pela mídia no ano de 2017. Por outra via não há como discordar da real necessidade da criação do dispositivo para o aprimoramento da legislação vigente, já que até então o ordenamento não respaldava a sociedade em situações específicas como as que aconteciam de forma corriqueira. A exemplo disso os escândalos propagados nos transportes públicos coletivos, que causavam a sensação de insegurança jurídica, pelo não respaldo de proteção oferecida por lei pelo Estado, ante a falta de penalização adequada e proporcional à conduta.

4.2. Das condutas que não são consideradas libidinosas

Nada raro é possível observar habitualmente mulheres e meninas sendo abordadas nas ruas de forma grosseira, as chamadas “cantadas grotescas”, o que os homens intitulam como “elogios”. Esses atos são e sempre foram muito comuns na sociedade. Contudo, observa-se nesse comportamento uma cultura machista, até mesmo por parte das mulheres que integram o meio social. Tal comportamento reflete séculos da impregnação desses costumes, que conferem aos homens o entendimento de que a verbalização de “cantadas grotescas” é, na verdade, “elogio” direcionado às vítimas, as quais acabam por acreditar no conceito normalidade da conduta adotada.

Sobre isso destaca Castilho (2018):

É evidente que, a não criminalização das condutas de cunho sexual que ofendem a dignidade das mulheres nos transportes – e outros ambientes públicos, possui mais de uma causa e, ainda, uma infinidade de consequências. As mulheres, quando deixam de denunciar os assédios sexuais, não o fazem por vergonha ou por receio dos assediadores não serem punidos? Seria pela ausência de instrução de como devem agir em situações de assédio, ou por não possuírem segurança jurídica suficiente para realizar a denúncia? Certamente, uma união de todos estes fatores. Neste cenário, sabe-se que a ausência de denúncia leva à impunidade, causando ainda o aumento do número de episódios e de condutas violentas contra a dignidade sexual das mulheres. Isto tudo influencia diretamente na autodeterminação destas em meio à sociedade e, claro, em suas liberdades de ir e vir nos espaços públicos.

Com o surgimento dos rumores da criação da nova lei, que posteriormente viria a ser a Lei 13.718/2018, acompanhou-se a expectativa para que essas condutas também fossem devidamente e proporcionalmente previstas na legislação, o que, infelizmente, não fora observado.

A mera “cantada” desacompanhada da efetivação do ato libidinoso contra a vítima não caracteriza o crime de importunação sexual, agora previsto no dispositivo do artigo 215-A trazido pela Lei 13.718/2018 e incorporado ao Código Penal Brasileiro.

Em resposta a essas situações preocupantes em que o assédio se verifica apenas na verbalização inadequada, as autoridades competentes as têm enquadrado como crime de Injúria, crime previsto pelo disposto no artigo 140 do Código Penal, o qual é penalizado com detenção de 1 (um) a 6 (seis) meses ou aplicação de multa.

[...] a revogação expressa da contravenção de importunação ofensiva ao pudor do artigo 61 do Decreto-Lei 3.688/41 (Lei das Contravenções Penais) deve trazer dificuldade no enquadramento legal de comportamentos mais brandos que aqueles previstos no novo tipo de importunação sexual, como é o caso das “cantadas” grosseiras ou grotescas, que atentam contra a dignidade da ofendida, causando constrangimento e até temor. (SANTOS, 2018).

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Infere-se que, o desamparo da legislação às vítimas dessas situações permanece sem amparo adequado proporcional e específico quanto a pratica de assédio que habitualmente ocorre nas ruas. Comportamento tão frequente que causa a sensação de comodidade àqueles que não são afetados diretamente por esse tipo de conduta de pessoas que não possuem sensatez ou que até mesmo, arriscam-se dizer, são vítimas de uma certa imposição cultural do machismo.

Entretanto, é cabível à sociedade a contínua luta para que novas alterações legislativas sejam elaboradas e que novas leis, em espelho ao acompanhamento das necessidades do corpo social, surjam a fim de garantir maior suporte à população como um todo. Proporciona-se, assim, um maior escoramento jurisdicional e efetiva segurança jurídica, isto é, se o sujeito não encontra um ambiente conveniente e favorável para a prática de condutas evidentemente reprováveis, a tendência é de que este recue. Contudo, o posicionamento da sociedade é imprescindível para que este cenário seja alcançado, a fim de que a reprovação seja tamanha a ponto de que o recuo do infrator seja definitivo, ao menos que seja em escala pública.


5. CONCLUSÃO

Ao final deste trabalho pode-se compreender a importância de que sejam elaboradas novas leis no intuito de atender à demanda social de acordo com as suas necessidades supervenientes.

Em atendimento ao objetivo do trabalho, efetuou-se um estudo criterioso acerca do novo crime de importunação sexual e sua aplicabilidade, além de sua congruência com os direitos fundamentais, tal qual como destacado na Constituição Federal de 1988.

Assim sendo, verifica-se que a inteligência trazida pelo novo tipo legal espelha uma evolução do direito em resposta aos avanços sociais quanto aos bens jurídicos que devem ser tutelados. Confere-se, assim, maior proteção à população quanto a sua liberdade sexual, devido à punição mais severa do agente infringente.

O advento do novo tipo penal, proporcionado pela aprovação e sanção da lei 13.718/2018, espelha o acompanhamento do ordenamento jurídico brasileiro às necessidades da sociedade que, inevitavelmente, sofre mudanças e demanda que a legislação as acompanhe. Nesse contexto, a alteração analisada vem ao encontro das necessidades da sociedade, por garantir efetiva sensação de segurança jurídica, considerando que o novo tipo teve eficácia imediata.

A previsão da penalidade incumbida ao tipo reflete um grande avanço à pena de multa anteriormente prevista pelo artigo 61 da Lei de Contravenções Penais. Apesar de a pena mínima ser classificada em 1 (um) ano, o que possibilita ao agente a transação penal e suspensão condicional do processo. Esse privilégio só será atribuído àquele que não possui reincidência no delito, ou seja, a condição para que o benefício da despenalização seja empregado é a de que o autor do delito, até então, não tenha cometido nenhum tipo de crime, inclusive os que estão taxados no rol dos crimes contra a dignidade sexual e, especificamente, os crimes de importunação sexual, estupro e, a agora revogada, contravenção de importunação ofensiva ao pudor.

Destarte, acredita-se que a penalização de reclusão contribuirá para desencorajar o agente à realização da pratica de atos libidinosos contra pessoa ou pessoas específicas que não sejam consensuais. Até porque a subsidiariedade deve ser ressaltada, uma vez que a aplicação deste novo dispositivo só se dará se do fato não se constitui crime mais grave, ou seja, se a conduta do agente não configurar os crimes de estupro ou estupro de vulnerável respectivamente.


REFERÊNCIAS

BITTENCOURT, Carlos César. Anatomia do crime de importunação sexual tipificado na Lei 13.718/2018. Consultor Jurídico. São Paulo, 30 set. 2018. Disponível em: https://twixar.me/S5H1. Acesso em: 01 set 2019.

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 04 set. 2019.

_____. Decreto-Lei n° 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em 04 set. 2019.

_____. Decreto-Lei n° 3.688 de 3 de outubro de 1941. Lei das Contravenções Penais. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3688.htm. Acesso em 04 set. 2019.

CASTILHO, Marina. Importunação sexual: a tipificação da dignidade da mulher. Migalhas. São Paulo. 9. nov. 2018. Disponível em: https://twixar.me/Y5H1. Acesso em: 24 set. 2019.

GOMES, Paulo; ZAREMBA, Júlia. Lei de importunação sexual completa 1 ano com 3.090 casos em SP. Folha de S.Paulo, 26 set. 2019. Disponível em: encurtador.com.br/ejFR1. Acesso em: 15 out. 2019.

GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito penal esquematizado: parte especial. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.

MASSON, Cleber. Direito penal: parte especial. 9. ed. São Paulo: Método, 2019, v. 3.

MENDONÇA, Renata. O que o caso do homem que ejaculou em mulher no ônibus diz sobre a lei brasileira? BBC News Brasil, 01 set. 2017. Disponível em: encurtador.com.br/demn6. Acesso em: 29 ago. 2019.

SANTOS, Silvia Chakian de Toledo. Novos crimes sexuais, a Lei 13.718/18 e a questão de gênero na aplicação do Direito. Consultor Jurídico. São Paulo, 04 out. 2018. Disponível em: https://twixar.me/y1yn. Acesso em: 13 maio 2019.

Sobre os autores
Alessandro Dorigon

Mestre em direito pela UNIPAR. Especialista em direito e processo penal pela UEL. Especialista em docência e gestão do ensino superior pela UNIPAR. Especialista em direito militar pela Escola Mineira de Direito. Graduado em direito pela UNIPAR. Professor de direito e processo penal na UNIPAR. Advogado criminalista.

Emilly de Oliveira Beraldo

Acadêmica do curso de direito da UNIPAR - Universidade Paranaense.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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