Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Aplicação e execução de tratados internacionais no Brasil.

Estudo dirigido sobre a convenção sobre aspectos civis do seqüestro internacional de crianças (Haia, 1980)

Exibindo página 1 de 2
Agenda 18/06/2006 às 00:00

A eficácia e a efetividade estão relacionadas à execução do conteúdo do tratado, da mesma forma que, negativamente, estão relacionadas à responsabilidade de reparar o dano que decorre de seu não cumprimento.

INTRODUÇÃO.

Ensina-se nas Faculdades de Direito, nas aulas de Direito Internacional Público, que um tratado [01] obriga somente aos Estados que o ratificaram ou que a ele aderiram [02], e que sua execução comporta duas dimensões: uma internacional e outra interna.

Em linhas gerais, há duas formas de um Estado cumprir com as obrigações a que se submeteu num tratado: ou o faz de forma direta, ou de forma indireta. A forma de execução direta consiste em obrigações de resultado, ou seja, em obrigações que podem ser cumpridas diretamente pelo Estado e seus órgãos, a exemplo da obrigação de rendição num tratado de paz, ou o ato de adesão como membro de um organismo internacional. Esse caráter direto não retira do ato internacional a necessidade de ser apreciado no âmbito interno, como ocorre no Brasil, pelo Legislativo, ato reconhecido formalmente como ratificação. Na verdade, a característica distintiva entre uma forma e outra está no objeto da obrigação, que se exaure em atos diretos do próprio Estado, sem a necessidade do concurso de qualquer outro agente, senão do próprio Estado.

Assim, a segunda forma de execução, a indireta, detém-se sobre obrigações de meio, ou seja, o Estado se obriga a incorporar ao direito interno obrigações contidas num tratado que, dependendo de sua natureza, podem ser de natureza auto-executável ou de natureza programática, para usar termos utilizados pela doutrina constitucionalista pátria.

A inter-relação entre aquelas duas dimensões – interna e internacional – surge exatamente na análise da natureza dos tratados – se auto-executáveis ou programáticos – e de sua influência sobre sua execução no plano interno, portanto indireto, com reflexos no plano internacional, onde tais obrigações foram constituídas e onde podem ser exigidas, com maior ou menor eficácia, entre os Estados contratantes.

No plano interno, um tratado incorpora-se ao direito brasileiro somente após sua sanção pelo Presidente da República, ganhando status de lei ordinária [03]. No nosso sistema jurídico, por exemplo, há leis programáticas e leis auto-executáveis, que diferem pela exigência, ou não, de regulamentação para serem exigíveis desde logo. O mesmo se aplica aos tratados: há que se questionar a natureza jurídica de seus dispositivos quanto à sua eficácia, ou seja, se são auto-executáveis ou apenas programáticos.

Neste estudo, a análise da natureza jurídica e da eficácia dos tratados incorporados ao direito brasileiro será feita a partir do estudo aplicado a um caso concreto que teve como pano de fundo a Convenção sobre Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de Crianças (Haia, 1980), sancionada no Brasil pelo Decreto nº 3.413, de 14/04/2001, e regulamentada pelo Decreto nº 3.951, de 04/10/2001, que tem como objeto: "a) assegurar o retorno imediato de crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente; b) fazer respeitar de maneira efetiva nos outros Estados Contratantes os direitos de guarda e de visita existentes num Estado Contratante." [04]

Desde sua sanção, ou seja, desde que passou a fazer parte do sistema jurídico brasileiro como uma lei ordinária, a Convenção tem-se sido utilizada como fundamento legal de mérito em processos judiciais perante o Supremo Tribunal Federal (hoje a competência seria do STJ) e a Justiça Federal com fim de busca, apreensão e retorno (repatriação) de menores seqüestrados de quem lhes detêm a guarda em seus Estados de origem.

Um destes casos judiciais servirá como modelo para desenvolvimento de nossa tese que pretende demonstrar como a inter-relação entre as dimensões interna e internacional das obrigações emergentes de um tratado afeta a ordem interna brasileira.

O caso que estaremos usando como modelo está representado pela Apelação Cível nº 2003.70.000359070-8, relatada pela desembargadora federal Silvia Maria Gonçalves Goraieb, da 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Um parecer do autor com conteúdo semelhante ao deste artigo foi ofertado naqueles autos, com resultado positivo.

Veremos que no Poder Judiciário a Convenção da Haia de 1980 tem levantado muitas questões controversas, que vão desde a legitimidade para a propositura da ação (se da União ou da parte interessada), passando pela interpretação do direito de guarda (principalmente em relação a sua prova como direito, não como fato) e pela necessidade de homologação da própria sentença de guarda para que se efetive o retorno da criança (dada sua natureza constritiva).

Em resumo, são dois os objetivos deste estudo: a) identificar em que medida a natureza jurídica dos tratados influencia na determinação de sua eficácia, efetividade e exeqüibilidade depois de incorporados ao ordenamento pátrio; e, b) demonstrar o viés prático desta influência a partir da interpretação dada pela jurisprudência à Convenção da Haia de 1980.

Para atingir estes objetivos, este estudo propõe se dividir em três tópicos: o primeiro expõe de foram sucinta o caso a ser estudado, sem juízos de valor; o segundo, expõe uma teoria geral que tem como objetivo delinear os fundamentos jurídicos que servirão de apoio para a análise prática da Convenção sobre o caso concreto, que será feita no terceiro tópico.


1. O CASO.

O Decreto nº 3.951/01 criou o Conselho da Autoridade Central Administrativa Federal contra o Seqüestro Internacional de Crianças, instituiu o Programa Nacional para Cooperação no Regresso de Crianças e Adolescentes Brasileiros Seqüestrados Internacionalmente e designou a então Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, hoje Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), como autoridade central para dar cumprimento às obrigações previstas na Convenção de Haia sobre Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de Crianças.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Quando um caso adstrito à Convenção da Haia de 1980 chega à SEDH proveniente da Autoridade Central de um Estado signatário, esta aciona a AGU para se dar início aos procedimentos que esta entender necessários. Assim, cabe á AGU decidir, sob o ponto de vista estritamente legal, se tem competência para promoção da "ação de busca e apreensão de menor", para o repatriamento.

Para justificar seu interesse de agir, seguindo modelos internos a AGU fundamenta suas ações no artigo 21, I, combinado com artigo 131, ambos da CF. Para afirmar a competência, o artigo 109, III, também da CF: a Justiça Federal. O fundamento de mérito se baseia nos artigos 1º, 3º, 11, 16 e 19 da Convenção da Haia de 1980, e o requerimento de antecipação dos efeitos da tutela pretendida, como medida de urgência, com fundamento nos artigos 2 e 11 [05] também da Convenção.

Num caso concreto, que suscitou o desenvolvimento deste estudo, em julho de 2003 a AGU ingressou com "ação de busca, apreensão e repatriação" (sic) de menor que teria sido sequestrada pela própria mãe da Argentina, vindo fixar residência no Brasil.

A pedido da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres da Presidência da República, o autor elaborou um estudo e um parecer sobre o caso e teve uma audiência na Secretaria Especial de Direitos Humanos para apresentar os resultados.

Os resultados, que serão apresentados neste estudo, concluíram pelo seguinte: a) ausência das condições da ação – interesse de agir e legitimidade ad causam da União, na forma do artigo 301, X, do CPC; b) a inadequação do procedimento escolhido à natureza da causa (artigos 295, I c/c 301, III e 267, I, todos do CPC); c) a inépcia da inicial e pela ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido do processo (art. 267, IV e IV, ambos do CPC), que impõem à causa sua extinção sem julgamento de mérito; d) a incompetência absoluta da Justiça Federal em face do disposto no artigo 102, I, "h" (com redação vigente à época), da CF, que suscita a hipótese de Reclamação perante o STJ, com fundamento no artigo 102, "f", da CF.

No caso concreto que atuamos, o processo foi extinto em primeira instância com julgamento de mérito, sob o argumento do artigo 13 da Convenção de Haia, que prevê a negativa de repatriação na hipótese da criança puder se manifestar, conscientemente, em sentido contrário ao pedido, o que de fato ocorreu.

A AGU apelou e a mãe, interpôs apelação adesiva, propugnando pela extinção do processo sem julgamento de mérito pelas razões que são expostas neste artigo. Por maioria, a 3ª Turma do TRF da 4ª Região negou provimento à apelação da AGU e deu provimento à apelação adesiva da mãe. No prazo de embargos infringentes, a mãe ingressou com procedimento de Reclamação junto ao STJ, cujo julgamento foi prejudicado pelo decurso de prazo in albis pela AGU para aquele recurso, tornando-se definitiva a extinção do processo sem julgamento de mérito.

A criança continua vivendo com a mãe, no Sul do Brasil. Casos como estes são muito comuns, pois a Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República, equivocadamente, continua a exercer de forma equivocada as funções que lhe foram delegadas por lei, sem questionar a constitucionalidade dos atos administrativos.

Lançados os argumentos dos opostos, surge a questão: o que tem prevalecido e o que deve prevalecer como bom direito?


Capítulo I

Teoria Geral

A tese central defendida neste capítulo é, assim como ocorre no âmbito do direito interno (constitucional) com as chamadas "normas de conteúdo programático", que há também no âmbito do direito internacional normas dispostas em tratados que carecem de regulamentação, além da incorporação reflexa da ratificação, para serem plenamente exeqüíveis e exigíveis daqueles que se encontrem sob jurisdição brasileira.

1. A natureza jurídica dos tratados. No direito internacional há obrigações que podem ser cumpridas diretamente pelos Estados e seus órgãos, independentemente da incorporação ao ordenamento interno (que no Brasil se expressa pela sanção), seja em função do regime jurídico da qual emanam (como as resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas), seja em função da natureza excepcional da obrigação (como os armistícios, os tratados de paz ou a adesão a uma organização internacional). Estas são chamadas de obrigações de resultado, que se executam de forma direta pelo próprio Estado.

Na outra vertente, há obrigações cujo cumprimento depende de uma séria de condições legais: da ratificação do tratado e da sua entrada em vigor, da sanção (além da ratificação), da incorporação do texto do tratado ao direito interno, como no caso das resoluções do Grupo Mercado Comum no Mercosul [06], da criação de normas acessórias que permitam seja a obrigação cumprida em conformidade com processualística própria de cada Estado, especialmente de suas instituições. Estas são obrigações de meio, que se executam de forma indireta.

Tanto as obrigações executáveis de forma direta quanto de forma indireta comportam uma segunda análise sobre o conteúdo de seus dispositivos, mais precisamente sobre sua natureza jurídica relativa à eficácia.

Ao se incorporar ao direito interno, um tratado, via de regra, ganha status de lei ordinária, devendo sua natureza jurídica e, por conseguinte, seu alcance, efetividade e exeqüibilidade serem analisados sob o crivo hierarquizado da Constituição Federal. Neste contexto, uma norma, seja ela constitucional ou infra-constitucional, pode ter natureza "programática" ou natureza "auto-executável". Isso também ocorre com os tratados, com reflexos no plano de direito interno quando a ele incorporados.

No plano internacional, as obrigações de resultado (execução direta) e as obrigações de meio (execução indireta) também podem ser vistas, respectivamente, como derivadas de normas auto-executáveis ou de normas programáticas, usando uma nomenclatura conhecida de nossa doutrina de Constitucionalista. Já a doutrina internacionalista denomina uma obrigação decorrente de dispositivo programático de jus dispositivum; a obrigação decorrente de dispositivo auto-executável, de jus cogens [07].

Assim, a identificação da natureza programática ou auto-executável de um tratado parte, como as normas no plano de direito interno, da interpretação de seus dispositivos.

Usando de métodos interpretativos, pode-se identificar claramente se um tratado cuida de princípios, diretrizes, enfim de regras programáticas, dispositivas (jus dispositivum), ou se cuida de obrigações auto-executáveis, a exemplo das chamadas "normas imperativas de direito internacional geral" (jus cogens).

A prevalência de uma e outra qualidade de norma, auto-executável ou programática, determina a natureza do tratado que as encerra, ainda que não se possa dizer haver tratados puros, ou seja, que tenham apenas normas de uma ou outra natureza, mas tratados mistos.

Essa distinção entre normas auto-executáveis e programáticas não torna, ressalte-se, uma norma menos obrigatória que outra sob o ponto de vista das obrigações assumidas pelo Estado no tratado, mas influencia sobremaneira sua interpretação e, por conseguinte, sua forma de execução (eficácia), pois a medida da responsabilidade é dada pela interpretação de suas disposições.

Assim, para se interpretar um tratado, para se medir a eficácia que buscam os Estados-Partes com sua conclusão, deve-se antes se indagar o que determina o nascimento de uma norma de auto-executável em detrimento de uma norma programática, e vice versa.

A determinação do conteúdo de um tratado é uma escolha essencialmente política à qual se confere uma moldura jurídica. Neste exercício político é considerado o cenário no qual se desenvolvem as negociações e o processo escolhido para aprovação do texto final, normalmente pautado pela fórmula do consenso (sem voto).

É evidente, por exemplo, que nos foros multilaterais é muito mais difícil o consenso sobre um texto que nos foros bilaterais, o que exige a adoção de uma técnica de redação com termos mais amplos e suficientemente abrangentes para acomodar todos os interesses e, principalmente, para viabilizar o cumprimento do tratado em cada Estado-Parte, consideradas todas as distinções, facilidades e entraves sistêmicos internos reconhecidamente existentes em cada um deles.

É exatamente isso que ocorre com a Convenção da Haia de 1980, ratificada por 75 Estados [08]: sua redação revela tratar-se de um texto de natureza programática, com termos mais amplos voltados a obrigações de meio, como se verá de forma mais detida adiante.

A natureza jurídica dos tratados tem implicações muito importantes para o deslinde das ações judiciais, como será verificado no caso da convenção da Haia de 1980 no próximo capítulo.

2. Aplicação e eficácia dos tratados no plano interno: exemplos da prática legislativa do Brasil. Para corroborar nossa tese de que os tratados, ao se incorporarem ao direito pátrio, mantêm suas características originais derivadas de sua natureza programática ou mesmo auto-executável, vejamos dois exemplos bem simples (e bem distintos entre si quanto ao objeto) de tratados assinados, ratificados e sancionados pelo Brasil que, assim como a Convenção da Haia de 1980, encerram normas programáticas que, posteriormente, foram regulamentadas para ganharem eficácia em território nacional (num sistema de execução indireta).

Nosso objetivo é demonstrar que o texto da Convenção da Haia de 1980, ainda que sancionado e regulamentado, não é suficiente para conferir eficácia e execução plena em território nacional a todas as obrigações de meio assumidas pelo Brasil na própria Convenção.

O primeiro exemplo que tomamos se refere ao crime de genocídio. Após sua caracterização no Estatuto do Tribunal Militar Ad Hoc de Nuremberg, ao final da Segunda Guerra Mundial, a Assembléia Geral das Nações Unidas promoveu em 1948, em Paris, a assinatura da Convenção de Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, sancionada no Brasil 4 anos mais tarde pelo Decreto 30.822/52.

Apesar de se reconhecer como um dos mais graves tipos penais entre os chamados "crimes contra a humanidade", o genocídio ingressou no direito pátrio como tipo penal (definido e punível) apenas após a edição da Lei nº 2.889/56, ou seja, 4 anos depois da sanção. Até então não se podia dizer ser típico o genocídio no Brasil.

Apesar da relevância do tema que aquela convenção encerrava, a interpretação do texto da Convenção de Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio permite identificar seu conteúdo programático ao estipular uma obrigação geral (de meio) para os Estados adotarem medidas internas contra o genocídio, o que foi feito por lei (regulamentado) no Brasil em 1956. O mesmo ocorre com a Convenção da Haia de 1980.

Um segundo exemplo a corroborar a correção desse posicionamento, mais próximo e evidente em relação ao tema da Convenção da Haia de 1980, está no Estatuto dos Refugiados, cujo texto concluído em Genebra, em 1951, foi sancionado no Brasil apenas 10 anos mais tarde, em 1961 (Decreto nº 50.215). Trata-se de um texto igualmente programático, tanto que seus mecanismos de implementação foram definidos por lei depois de 36 nos de sua sanção, apenas em 1997 (Lei nº 9.474).

Esses dois exemplos são significativos para nossa análise, pois apesar de tratarem de textos de objeto distintos, sua natureza programática permite corroborar não somente a tese aqui defendida, mas a necessidade de se ter uma regulamentação efetiva que crie instrumentos, que crie mecanismos de execução, de implementação total para a Convenção da Haia de 1980, como se fez com o Estatuto dos Refugiados e com o crime de genocídio. O mecanismo criado para a Convenção da Haia de 1980, o Decreto nº 3.951, de 04/10/2001 não atende satisfatoriamente a esta executoriedade, como veremos no capítulo seguinte.

3. A responsabilidade do Brasil no plano internacional. Outro ponto que merece destaque nestas considerações sobre "teoria geral" é a responsabilidade do Brasil (ou dos Estados em geral) pelo cumprimento de tratados.

Há, sem dúvida, responsabilidade do Estado em relação ao cumprimento de suas obrigações internacionais – cumprimento que se dá, na hipótese das normas programáticas, pela implementação das medidas lá convencionadas no âmbito do ordenamento interno (execução indireta de obrigações de meio).

No entanto, a implementação de medidas de cumprimento (o que se denomina em inglês de "compliance measures", algumas delas sujeitas a um sistema de verificação) depende, como já demonstrado, da natureza jurídica das normas convencionais (programáticas ou auto-executáveis) e da existência de instrumentos de direito interno (infra-estrutura e legislação) que os tornem adequados à luz do ordenamento constitucional, caso contrário, a aplicação de um tratado pode gerar efeito inconstitucional, como aqueles debatidos, por exemplo, no caso do Pacto de San Jose da Costa Rica, relativo à prisão civil do depositário infiel. Podem, ainda, violar princípios constitucionais, como os princípios da coisa julgada, do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, tal como evidencia a prática judicial sobre a Convenção da Haia de 1980.

Assim, como não cabe ao Executivo nem ao Judiciário a elaboração de leis ou a negociação dos tratados, o que se denomina "processo de conclusão dos tratados", o Poder Judiciário desempenha uma tarefa muito relevante residual de controle da constitucionalidade sobre os efeitos do tratado incorporado ao direito interno.

No âmbito Judiciário, que na esfera internacional é visto não como um dos 3 Poderes da República, mas como o Brasil em sua unicidade de Poderes, a guarda das responsabilidades do Brasil não podem permitir fazer aflorar características e efeitos auto-executáveis num tratado, como a Convenção da Haia de 1980, que claramente não as contém; não pode permitir, por conta do cumprimento cego e literal de obrigações assumidas em tratados, o desrespeito a princípios de direito e liberdades fundamentais guardados pela Constituição, pois violar direitos e garantias fundamentais dos indivíduos também é uma forma de violação do Estado a uma obrigação derivada de uma norma imperativa de direito internacional geral (jus cogens), que se opõe a todos os tratados [09].

Não se cumpre uma obrigação violando outra ainda mais importante. Ademais, vale o princípio – "no right may rise from wrong", ou seja, direito algum pode florescer de uma violação de direito, tanto mais de direitos e garantias constitucionais fundamentais.

Sobre o autor
Rodrigo Fernandes More

advogado, professor em São Paulo,mestre e doutor em direito internacional pela USP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORE, Rodrigo Fernandes. Aplicação e execução de tratados internacionais no Brasil.: Estudo dirigido sobre a convenção sobre aspectos civis do seqüestro internacional de crianças (Haia, 1980). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1082, 18 jun. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8517. Acesso em: 23 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!