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A quarentena transformou o velho namoro em união estável?

Quais são os verdadeiros riscos da coabitação?

Agenda 10/09/2020 às 14:32

Por conta da pandemia, muitos casais passaram a morar juntos, por isso vem surgindo a preocupação de que os relacionamentos possam vir a ser confundidos com verdadeiras uniões estáveis.

A QUARENTENA TRANSFORMOU O VELHO NAMORO EM UNIÃO ESTÁVEL?

Tânia Nigri*

          Por conta da pandemia de Covid 19, muitos casais passaram a morar juntos e a dividir, além do teto, as despesas do dia a dia e as angústias desses tempos estranhos.

         Diante dessa nova realidade, vem surgindo a preocupação de que os relacionamentos, até então de namoro, possam vir a ser confundidos com verdadeiras uniões estáveis, com as consequências jurídicas daí advindas.

         A lei brasileira fixa os elementos que os diferenciam, mas a norma prima por conceitos vagos e subjetivos, o que vem gerando muitas dúvidas, não apenas entre namorados, mas até mesmo entre os operadores do Direito.

         De acordo com o artigo 1.723 do Código Civil, “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”. Apesar de a lei civil se referir apenas ao relacionamento entre homem e mulher, desde o julgamento, pelo STF, da ADI 4277 e da ADPF 132, foi reconhecida, também, a união estável entre casais do mesmo sexo.

          A referência legal à convivência pública, significa dizer que a relação deverá ser, ao menos, do conhecimento do círculo social dos conviventes, pois os relacionamentos clandestinos não podem ser reconhecidos como uma união estável.

           A relação precisa, também, ser contínua, ou seja, ela não poderá ser objeto de sucessivos términos e retornos, assim como as meras relações sexuais, sem a intenção de constituir família, também não têm o poder de se constituir em união estável.

          É importante assinalar que, ao contrário do que muitos pensam, a lei não fixa um período mínimo de convivência para o reconhecimento de um relacionamento como união estável (o INSS exige, para fins exclusivamente previdenciários, a comprovação de convivência mínima de 2 (dois) anos entre os companheiros, para a concessão de pensão por morte).

                 Apesar de a coabitação não ser obrigatória, é inegável que esse é um forte elemento para que, desde que presentes os outros requisitos, o Poder Judiciário venha a reconhecer um relacionamento como união estável.

                 De todos os requisitos descritos na lei, o mais subjetivo é o “objetivo de constituir família”, muitas vezes confundido com o plano de ter filhos comuns. Esse entendimento, entretanto, não merece prosperar, pois há muitos casais sem prole, seja por não conseguirem concretizar esse desejo, seja por não desejarem ser pais, seja pela infertilidade de um dos dois, que, ainda assim, vivem como se casados fossem, partilhando a vida.

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               O ponto nodal da questão é saber fazer a diferenciação entre a expectativa de constituir família, que é projetada para o futuro, chamada pelo Superior Tribunal de Justiça -STJ, de “namoro qualificado”, daquelas situações em que a família já está constituída no presente, quando, aí sim, estaremos diante de uma verdadeira união estável.

          Em razão dessa linha tênue entre namoros qualificados e uniões estáveis, tem crescido, principalmente em tempos de pandemia, a busca por contratos de namoro, registrados em cartório, que evidenciem que o casal apenas namora, não havendo o intuito de constituir família.

           Apesar de haver um número cada vez maior de contratos dessa espécie, é importante lembrar que não há unanimidade acerca da sua aceitação e, mesmo entre os seus defensores, há o consenso de que eles só podem ser válidos se refletirem a realidade da relação, por isso, a sua simples elaboração, não tem o condão de transformar uma união estável em namoro.

             Significa dizer que, se houver um documento assinado, isso poderá facilitar a produção da prova, na hipótese de o casal se separar e um deles tentar obter no Judiciário uma pensão alimentícia, a divisão dos bens adquiridos durante o relacionamento, ou, até mesmo, a herança em caso de falecimento, mas isso não induz que estará garantida uma decisão judicial reconhecendo que o vínculo que os unia era apenas de namoro, pois o juiz  formará seu convencimento mediante a análise de todos os elementos de prova constantes dos autos.

             Tendo em vista o que foi dito acima, conclui-se que é preciso mais do que a mera coabitação dos namorados durante a pandemia de Covid 19, para que haja o reconhecimento de uma união estável, sendo necessária a comprovação de que o relacionamento afetivo é público, contínuo, duradouro e que ambos se sintam, verdadeiramente, casados.

*Tânia Nigri é advogada, especialista e mestre em Direito Econômico e autora dos livros “O sigilo bancário e a jurisprudência do STF” (Editora IASP) e “União Estável” (Editora Blucher).

 

Sobre a autora
Tânia Nigri

Tânia Nigri é Advogada Pública Federal, graduada em Direito pela UERJ, especialista e mestre em Direito Econômico. Autora do livro "O Sigilo Bancário e a Jurisprudência do STF' lançado pela Editora IASP- Instituto dos Advogados de São Paulo, "União Estável", Herança, Contrato de Namoro e "Divórcio", lançados pela Editora Blucher.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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