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Considerações acerca dos princípios constitucionais regentes das relações internacionais do Brasil

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V- Os princípios constitucionais regentes das relações exteriores brasileiras: aplicabilidade do art.4º da Constituição Federal

Um texto constitucional, como se viu, é obra de um momento histórico. Nesse lamiré, a Constituição de 1988 representa, nas palavras de Paulo de Almeida, "uma promessa de ordem democrática e de aperfeiçoamento de nossa cultura política, com especial ênfase nos mecanismos de participação social e retribuição econômica" (ALMEIDA, 1989, p. 48).

As normas constitucionais concernentes à fixação do Brasil no mundo das relações internacionais distendem-se por todo o Texto Maior. Fala-se de nacionalidade, dos direitos e garantias fundamentais, da ordem econômica e financeira, da ordem social. Cada achaque possui suas orientações de relacionamentos internacionais projetadas. No que atine, sobretudo, aos princípios orientadores das relações exteriores, analisando os arts. 1º, 2º, 3º e 4º da nova Carta, José Afonso da Silva costuma classificá-los em

(...) princípios relativos: à forma, estrutura, e tipo de Estado; à forma de governo e à organização dos poderes; à organização da sociedade; ao regime político; à prestação positiva do Estado e à comunidade internacional (SILVA, 2003, p. 94-95).

O rol que nos convém nesse estudo é o elencado no art. 4º, o qual apresenta uma inovação importante na sistematização dos paradigmas do DIP insertos na legislação pátria.

A disposição principiológica das diretrizes internacionais, as quais o Brasil haveria de respeitar para sua melhor convivência com os Estados, com os organismos internacionais e os indivíduos no mundo, é considerada, para alguns doutrinadores como Celso Ribeiro Bastos, acanhado e tímido. Optou-se pela enumeração de "princípios já obsoletos que nenhuma referência necessitariam na própria Constituição, podendo constar no máximo de um programa político de governo" (BASTOS, 1988, p. 450). Todavia, salienta-se que o arrolamento dado no art. 4º baliza a ordem jurídica nacional, coadunando, verbi gratia, com os projetos de preparação nacional para a integração da América Latina.

Ricardo Seitenfus elucida:

(...) a atuação externa dos Estados e dos outros atores internacionais não pode ser compreendida sem a devida análise das condições internas que a motivam. Ou seja, existe um estreito vínculo entre a percepção ideológica de um governo e sua atuação internacional. Mesmo podendo ser consideradas como a mais constante das políticas públicas, as atividades externas governamentais sofrem inflexão de prioridades quando há mudança de governo ou de regime político.(...)Portanto, há estreitos liames entre realidade interna e política externa (SEITENFUS, 2004, p.3).

Vejamos, ipsis literis, o dispositivo constitucional em comento:

Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

I - independência nacional;

II - prevalência dos direitos humanos; 

III - autodeterminação dos povos;

IV - não-intervenção;

V - igualdade entre os Estados;

VI - defesa da paz;

VII - solução pacífica dos conflitos;

VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;

IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;

X-concessão de asilo político.

Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.

O inciso I resgatou a noção de independência da Constituição de 1824, a qual corresponde à soberania nacional e à não submissão a qualquer potência estrangeira. A saliência à prevalência dos direitos humanos remete à ordem jurídica nacional voltada à proteção de indivíduos. Questiona-se se há ambigüidade entre os princípios elencados, quando se evoca o escopo de harmonia para solucionar pacificamente os conflitos relativos à independência nacional. O repúdio ao terrorismo [03], muitas vezes, também não caminha com a paz.

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Nesse contexto internacional se encaixa o Brasil, com uma Constituição analítica, rígida e marcada por princípios os quais podem se contradizer ou se esvair em insuficiência, ameaçando o correto direcionamento da política externa.


VI- Conclusão

Para que se possa levar a cabo qualquer consideração conclusiva acerca da principiologia constitucional voltada para o controle e molde das relações internacionais do país, é indispensável que se tome em maior monta a realidade fática a qual ensejou sua composição. O alcance exercido pela organização dos elementos políticos centrais de cada Constituição se desdobra no arcabouço da própria Carta, inclusive quanto aos temas e proporção que são abordados.

No que atine aos princípios constitucionais objeto deste estudo, quais sejam os norteadores das relações internacionais do Brasil, deve-se encará-los como normas programáticas, como uma espécie de guia do comportamento estatal. Em respeito e com fulcro nestes, o governo pode projetar suas idéias e preparar seu território, organizando e aparelhando a nação para intercambiar cultura, economia etc.

Apesar do salutar escopo de tais princípios no que concerne à disciplina da conduta internacional brasileira, estes se equivocam à medida que se propõem a englobar em seus ditames todas as relações internacionais do país, visto que essas transbordam em muito o patamar estatal e quiçá o internacional, convergindo já para o transnacionalismo. Embasando tal posicionamento Ricardo Seitenfus:

Descarta-se a idéia de que os estudos das relações internacionais seriam restritos à análise da ação externa do Estado. Neste caso, o objeto analítico seria unicamente as relações interestatais. Ora,(...) apesar de o Estado manter uma privilegiada posição e poderes exclusivos na cena internacional, a diversificação dos temas relacionais e dos atores envolvidos corrói progressivamente sua onipotência (SEITENFUS, 2004, p. 2).

Os princípios findam por englobar uma realidade incomensurável, fora do alcance da competência constitucional, tendo em vista que o DIP já finca suas diretrizes na evolução da sociedade mundial. Como que o Direito fosse um organismo vivo, complexo, e também o fossem as relações internacionais, não se tem como possível taxar princípios que os orientem de forma finita, pragmática e simplória. Ademais, a idéia ingênua de harmonia principiológica existente na Constituição, suscita questionamentos acerca da ambigüidade do direcionamento que o país deve seguir, caso seja obrigado a abraçar com veemência todos os princípios elencados no art. 4º do Diploma Maior. Tanto há princípios que os organismos internacionais defendem e que a nossa Constituição Federal silencia – apesar de obedecê-los através de tratados com os quais corroborou – como também existem outros insertos entre os mais variados artigos e temas constitucionais, os quais também merecem respaldo e respeito apesar de não elencados dentre os princípios oficiais.

No entanto, críticas à taxatividade ou orientação programática não diminuem a inquestionável importância dos princípios basilares de nossas relações internacionais, os quais, mencionados e reconhecidos pela nossa Constituição ou não, têm o dever de aprimorar as relações do nosso país com o mundo, prezando, a todo tempo, pelo respeito aos direitos humanos, pela independência nacional e manutenção da paz mundial.


Referências

BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1988.

BROWNLIE, Ian. Principles of Public International Law. 5. ed. Oxford: Oxford University Press, 2002.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 4. ed. Coimbra: Livraria Almedina, 2001.

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Brasília: Senado Federal, 2005.

DALLARI, Pedro. Constituição e relações exteriores. São Paulo: Saraiva, 2002.

DEUTSCH, Karl Wolfgang. Análise das Relações Internacionais. Brasília: Universidade de Brasília, 1978.

LAFER, Celso. Paradoxos e possibilidades. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.

MELLO, Celso D. de Albuquerque. Direito Constitucional Internacional. 2. ed. rev. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 9. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2002.

SEITENFUS, Ricardo Antônio Silva. Relações Internacionais. Barueri, SP: Manole, 2004.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 22. ed. rev. São Paulo: Malheiros, 2003.


Notas

01 Tal processo pode ser evidenciado através da leitura das Cartas Magnas produzidas após os processos de redemocratização da Península Ibérica e da América Latina.

02 Os estudos do autor acerca do tema se iniciam tratando dos direitos do homem, declaração de guerra e a renúncia a esta. Mais tarde suas teses assumem horizontes mais amplos ao considerar o próprio Direito Constitucional Internacional como um campo mais vasto do que tais problemas, finalmente desembocando em sua teoria da "unidade do Direito Público".

03 Exemplo evidente no mundo atual é a Guerra dos Estados Unidos contra o Iraque, a qual visa combater o terrorismo através do fogo.

Sobre os autores
Paulo Renato Guedes Bezerra

advogado em Natal(RN) e Professor de Direito Internacional da UFRN

Rafael Rodrigues Soares

advogado em Natal(RN)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BEZERRA, Paulo Renato Guedes; SOARES, Rafael Rodrigues. Considerações acerca dos princípios constitucionais regentes das relações internacionais do Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1082, 18 jun. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8541. Acesso em: 23 dez. 2024.

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